Ativa o menu
Alternar menu pessoal
Não autenticado(a)
Your IP address will be publicly visible if you make any edits.

Camarada:Arman/sandbox: mudanças entre as edições

Sem resumo de edição
(Limpou toda a página)
Etiqueta: anulando
 
(22 revisões intermediárias pelo mesmo usuário não estão sendo mostradas)
Linha 1: Linha 1:
{{Obra bibliográfica
| título = Um Passo pra Frente, Dois Passos pra Trás
A Crise no nosso Partido<ref group="1">V. I. Lénine trabalhou durante vários meses no seu livro Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás (A Crise no Nosso Partido), estudando cuidadosamente as actas das sessões e as resoluções do II Congresso do POSDR, as intervenções de cada um dos delegados, os agrupamentos políticos que se formaram no congresso, bem como os documentos do Comité Central e do Conselho do partido, materiais esses que foram publicados em Janeiro de 1904. Em Maio de 1904 o livro de Lénine foi publicado.
Nesta obra V. I. Lénine desferiu um golpe demolidor no oportunismo dos mencheviques quanto às questões de organização. O enorme significado histórico do livro consiste, sobretudo, no facto de Lénine, desenvolvendo a doutrina marxista sobre o partido, ter elaborado os princípios de organização do partido revolucionário proletário, e de, pela primeira vez na história do marxismo, ter feito uma crítica completa do oportunismo em matéria de organização, tendo mostrado o perigo particular que comporta a subestimação do significado da organização no movimento operário.
O livro provocou ataques ferozes dos mencheviques. Plekhánov exigiu que o Comité Central se dessolidarizasse do livro de Lénine, enquanto os conciliadores no Comité Central procuraram retardar a sua impressão e difusão. Apesar de todos os esforços dos oportunistas, a obra de Lénine Um Passo em frente, Dois Passos Atrás conseguiu uma ampla difusão entre os operários avançados da Rússia. </ref>
| escrito por = V.I. Lenin
| publicado = Editorial Avante
| tipo = Livro
| fonte = [https://www.marxists.org/portugues/lenin/1904/passo/passo.pdf Marxists Internet Archive]
}}


== Prefácio ==
Quando se trava uma luta prolongada, tenaz e apaixonada começam a delinear-se, geralmente ao
fim de certo tempo, os pontos de divergência centrais, essenciais, de cuja solução depende o
resultado definitivo da campanha, e em comparação com os quais os episódios menores e
insignificantes da luta passam cada vez mais para segundo plano.
E o que se passa também com o combate que se trava no seio do nosso partido e que, há já meio
ano, chama a atenção de todos os membros do partido. E precisamente porque foi necessário, no
esboço de toda a luta que ofereço ao leitor, aludir a uma série de pormenores de interesse mínimo e
a inúmeras querelas que não oferecem no fundo qualquer interesse, eu queria, desde o início,
chamar a atenção do leitor para duas questões verdadeiramente centrais, essenciais, de enorme
interesse e de projecção histórica incontestável, que constituem as questões políticas mais urgentes
na ordem do dia do nosso partido.
A primeira diz respeito ao significado político da divisão do nosso partido em «maioria» e
«minoria», divisão que tomou forma no segundo congresso do partido<ref group="1">O II Congresso do POSDR realizou-se de 17 (30) de Julho a 10 (23) de Agosto de 1903. As primeiras 13 sessões do congresso efectuaram-se em Bruxelas. Depois, devido às perseguições por parte da polícia, as sessões do congresso foram transferidas para Londres.
As mais importantes questões do congresso eram a aprovação do programa e dos estatutos do partido, e as eleições dos seus centros dirigentes. Lénine e os seus partidários travaram no congresso uma luta decidida contra os oportunistas.
O congresso aprovou por unanimidade (com uma abstenção) o programa do partido, em que foram formuladas tanto as tarefas imediatas do proletariado e da próxima revolução democrático-burguesa (programa mínimo), como as tarefas que visavam a vitória da revolução socialista e o estabelecimento da ditadura do proletariado (programa máximo).
No decurso das discussões sobre os estatutos do partido travou-se uma luta aguda quanto à questão dos princípios organizativos da edificação do partido.
Lénine e os seus partidários lutavam pela criação de um partido revolucionário combativo da classe operária e consideravam necessário que se adoptassem estatutos que dificultassem a adesão ao partido de todos os elementos instáveis e vacilantes. A formulação de Mártov, que tornava mais fácil a adesão ao partido de todos os elementos instáveis, foi apoiada no congresso não só pelos anti-iskristas e pelo «pântano» («centro»), como também pelos iskristas brandos, e foi aprovada pelo congresso por uma insignificante maioria de votos. Mas, no fundamental, o congresso aprovou os estatutos elaborados por Lénine. O congresso aprovou também uma série de resoluções sobre
as questões de táctica. No congresso deu-se a cisão entre os partidários consequentes da orientação iskrista, leninistas, e os iskristas brandos partidários de Mártov. Os partidários da orientação leninista obtiveram a maioria dos votos durante as eleições dos organismos centrais do partido e passaram a ser denominados bolcheviques (da palavra russa bolchinstvó, que quer dizer maioria), enquanto os oportunistas, que obtiveram a minoria, receberam a denominação de mencheviques (da palavra russa menchinstvó, que quer dizer minoria). O congresso teve um enorme significado para o desenvolvimento do movimento operário na Rússia. Ele acabou com o trabalho artesanal e com o espírito de círculo no movimento social-democrata e deu início a um partido marxista revolucionário na Rússia, o partido dos bolcheviques.</ref> e que deixou muito para trás
todas as anteriores divisões dos sociais-democratas russos.
A segunda questão diz respeito ao significado de princípio da posição do novo Iskra em matéria de
organização, tanto quanto se trata de uma posição efectivamente de princípio.
A primeira questão é a do ponto de partida da luta no nosso partido, a questão da sua origem, das
suas causas, do seu carácter político fundamental. A segunda questão é a do resultado final da luta,
do seu desenlace, do balanço que, no terreno dos princípios, se obtém somando tudo o que se refere
aos princípios e subtraindo tudo o que se refere a querelas mesquinhas. A primeira questão resolve-
se analisando a luta no congresso do partido; a segunda analisando o novo conteúdo de princípios
do novo Iskra. Uma e outra destas análises, que constituem nove décimos desta brochura, levam à
conclusão de que a «maioria» é a ala revolucionária do nosso partido, e que a «minoria» é a sua ala
oportunista; as divergências que separam actualmente estas duas alas dizem respeito sobretudo a
questões de organização, e não a questões de programa ou de táctica; o novo sistema de concepções
que se desenha no novo Iskra com tanto mais clareza quanto mais ele procura aprofundar a sua
posição, quanto mais esta posição se vai libertando de todas as querelas sobre a cooptação, é
oportunismo em matéria de organização.
O principal defeito da literatura de que dispomos sobre a crise do nosso partido é, no que diz
respeito ao estudo e esclarecimento dos factos, a ausência quase total duma análise das actas do
congresso do partido, e no que respeita ao esclarecimento dos princípios fundamentais do problema
de organização, é a falta de uma análise da ligação que inegavelmente existe entre o erro cometido
pelo camarada Mártov e pelo camarada Axelrod na formulação do parágrafo primeiro dos estatutos
e a defesa desta formulação, por um lado, e todo o «sistema» (tanto quanto se pode falar aqui de um
sistema) dos princípios actuais do Iskra em matéria de organização, por outro lado. Pelos vistos a
actual redacção do Iskra não nota sequer esta ligação, embora a importância da discussão do
parágrafo primeiro tenha sido já muitas vezes assinalada nas publicações da «maioria». Hoje, os
camaradas Axelrod e Mártov em essência não fazem mais do que desenvolver e alargar o seu erro
inicial sobre o parágrafo primeiro. Em essência, toda a posição dos oportunistas em matéria de
organização começou a revelar-se já na discussão do parágrafo primeiro: na sua defesa de uma
organização do partido difusa e não fortemente cimentada; na sua hostilidade à ideia (à ideia
«burocrática») da edificação do partido de cima para baixo, a partir do congresso do partido e dos
organismos por ele criados; na sua tendência para actuar de baixo para cima, permitindo a qualquer
professor, a qualquer estudante do liceu e a «qualquer grevista» declarar-se membro do partido; na
sua hostilidade ao «formalismo», que exige a um membro do partido que pertença a uma
organização reconhecida pelo partido; na sua tendência para uma mentalidade de intelectual
burguês, pronto apenas a «reconhecer platonicamente as relações de organização»; na sua
inclinação para essa subtileza de espírito oportunista e as frases anarquistas; na sua tendência para o
autonomismo contra o centralismo; numa palavra, em tudo o que hoje floresce tão exuberantemente
no novo Iskra, e que contribui para o esclarecimento cada vez mais profundo e evidente do erro
inicial.
Quanto às actas do congresso do partido, a falta de atenção verdadeiramente imerecida de que são
objecto só pode explicãr-se pelas querelas que envenenam as nossas discussões e possivelmente,
além disso, pelo excesso de verdades demasiado amargas que essas actas contêm. As actas do
congresso apresentam o quadro da verdadeira situação do nosso partido, quadro único no seu
género, insubstituível pela sua exactidão, plenitude, diversidade, riqueza e autenticidade; um quadro
das concepções, do estado de espírito e dos planos traçados pelos próprios participantes do
movimento, um quadro dos matizes políticos existentes no nosso partido e que mostra a sua força
relativa, as suas relações mútuas e a sua luta. As actas do congresso do partido, e só elas, mostram-
nos em que medida nós conseguimos verdadeiramente varrer tudo o que restava das velhas relações
puramente de círculos e conseguimos substituí-las por uma única grande ligação, a de partido. Todo
o membro do partido desejoso de participar conscientemente nos assuntos do seu partido deve
estudar com cuidado o nosso congresso do partido, precisamente: estudar, porque a simples leitura
do amontoado de materiais brutos que as actas contém é insuficiente para dar um quadro do
congresso. Só com um estudo minucioso e independente se pode conseguir (e deve-se procurar
fazê-lo) fundir num todo os resumos sucintos dos discursos, os excertos secos dos debates, as
pequenas controvérsias sobre questões secundárias (secundárias na aparência), para que ante os
membros do partido surja o rosto vivo de cada orador destacado, se revele com precisão a
fisionomia política de cada um dos grupos de delegados ao congresso do partido. O autor destas
linhas considerará que o seu trabalho não terá sido em vão se conseguir pelo menos dar um impulso
ao estudo, amplo e individual, das actas do congresso do partido.
Ainda uma palavra a respeito dos adversários da social-democracia. Eles seguem com caretas de
alegria maligna as nossas discussões; evidentemente procurarão utilizar para os seus fins algumas
passagens isoladas desta brochura dedicada aos defeitos e lacunas do nosso partido. Os sociais-
democratas russos estão já suficientemente temperados nas batalhas para não se deixarem perturbar
por essas alfinetadas, e para prosseguir, apesar delas, o seu trabalho de autocrítica, continuando a
revelar implacavelmente as suas próprias lacunas, que serão corrigidas, necessária e seguramente,
pelo crescimento do movimento operário. E que os senhores adversários tentem apresentar-nos da
situação verdadeira dos seus próprios «partidos» um quadro que se pareça, mesmo de longe, com o
que apresentam as actas do nosso segundo congresso!
Maio de 1904.
N. Lénine
=== Notas ===
<references group="1" />
==a) A Preparação do Congresso==
Há uma máxima segundo a qual cada pessoa tem o direito, durante vinte e quatro horas, de maldizer
os seus juízes. O congresso do nosso partido, como qualquer congresso de qualquer partido, foi
igualmente juiz de várias pessoas que aspiravam ao posto de dirigentes e sofreram um fracasso.
Agora, esses representantes da «minoria», com uma ingenuidade enternecedora, «maldizem os seus
juízes» e procuram, por todos os meios, lançar o descrédito sobre o congresso e minimizar a sua
importância e autoridade. Esta tendência exprimiu-se talvez com o maior relevo no artigo de Praktik
que, no n° 57 do Iskra, se indigna com a ideia da «divindade» soberana do congresso. Eis um traço
tão característico do novo Iskra, que não poderíamos deixar de referir. A redacção, que é composta
na sua maior parte por pessoas rejeitadas pelo congresso, continua, por um lado, a intitular-se
redacção «do partido» e, por outro lado, abre os braços a indivíduos que afirmam que o congresso
não é uma divindade. Muito bonito, não é verdade? Sim, senhores, o congresso não é certamente
uma divindade, mas que pensar dos que começam a «denegrir» o congresso depois de aí terem
sofrido uma derrota?
Lembremos, com efeito, os principais factos da história da preparação do congresso.
Desde o princípio, no seu anúncio datado de 1900<ref group="2">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 4, pp. 354-360. (N. Ed.)</ref>, que precedeu a publicação do jornal, o Iskra
declarava que antes de nos unificarmos era necessário que nos demarcássemos. O Iskra procurou
fazer da Conferência de 1902<ref group="2">A Conferência de 1902, conferência dos representantes dos comités e organizações do POSDR, realizou-se de 23 a 28 de Março (de 5 a 10 de Abril) de 1902 em Belostok. Os «economistas» e os bundistas, que os apoiavam, tentaram
transformar a conferência no II Congresso do POSDR, esperando consolidar deste modo a sua situação nas fileiras
da social-democracia russa e paralisar a crescente influência do Iskra. Esta tentativa, no entanto, fracassou. A
conferência elegeu o Comité de Organização para preparar o II Congresso do partido. Em breve, após a conferência,
a maioria dos seus delegados, entre eles dois membros do Comité da Organização, foram presos pela polícia. O
novo Comité de Organização para a preparação do II Congresso do POSDR foi formado em Novembro de 1902 na
cidade de Pskov, na reunião dos representantes do Comité de Petersburgo do POSDR, da organização do Iskra na
Rússia e do grupo Iújni Rabótchi.</ref> uma reunião privada, e não um congresso do partido.<ref group ="2">Ver as actas do II Congresso, p.20.</ref> O Iskra agiu com extraordinária circunspecção no Verão e Outono de 1902, ao renovar o Comité de Organização eleito nessa conferência. Finalmente, o trabalho de demarcação terminou, terminou como todos nós o reconhecemos. O Comité de Organização foi constituído mesmo nos finais de 1902. O Iskra saúda a sua consolidação e declara - no seu editorial do n° 32 - que a convocação de um congresso do partido era a necessidade mais urgente e imediata<ref group = "2">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 91-93. (N. Ed.)</ref>. Assim, o que menos nos podem censurar é o
ter precipitado a convocação do segundo congresso. Nós aplicámos esta regra: olhar duas vezes
antes de decidir; tínhamos o pleno direito moral de esperar que os camaradas, uma vez decidido, se
não lembrassem de choramingar e olhar de novo.
O Comité de Organização elaborou o regulamento do segundo congresso, regulamento
extremamente minucioso (formalista e burocrático, diriam os que agora encobrem com estes
vocábulos a sua falta de carácter em matéria política); fê-lo aprovar por todos os comités e aprovou-
o enfim, estabelecendo, entre outras coisas, no § 18: «Todas as resoluções do congresso e todas as
eleições por ele feitas constituem uma decisão do partido, obrigatória para todas as suas
organizações. Elas não podem, sob pretexto algum, ser contestadas por ninguém, e só podem ser
revogadas ou modificadas pelo congresso seguinte do partido.»<ref group = "2">Ver as actas do II Congresso, pp. 22-23, 380.</ref> Na verdade, que inocentes em si
mesmas são estas palavras, então tacitamente aceites como algo que se subentende, e como soam
hoje estranhamente, como se fossem um veredicto contra a «minoria»! Com que fim foi redigido
este parágrafo? Unicamente pelo respeito das formalidades? Não, evidentemente. Esta decisão
parecia necessária, e era-o efectivamente, porque o partido era composto por uma série de grupos
fragmentados e autónomos, dos quais se podia esperar a recusa de reconhecer o congresso. Ela
exprimia precisamente a boa vontade de todos os revolucionários (de que tanto e tão pouco a
propósito se fala hoje, caracterizando por eufemismo com o termo boa o que merece antes o epíteto
de caprichosa). Esta disposição equivalia à palavra de honra recíproca de todos os sociais-
democratas russos. Ela devia garantir que o imenso trabalho, os perigos, as despesas exigidas pelo
congresso, não seriam vãos; que o congresso se não transformaria numa comédia. Ela qualificava
antecipadamente qualquer não-reconhecimento das decisões e eleições do congresso como uma
quebra de confiança.
De quem troça então o novo Iskra, que fez a nova descoberta de que o congresso não é uma
divindade e que as suas decisões não são sacrossantas? Conterá a sua descoberta «novas concepções
em matéria de organização» ou apenas novas tentativas de apagar velhas pistas?
===Notas===
<references group="2" />
==b) O Significado dos Agrupamentos no Congresso==
Assim, o congresso reuniu-se depois de preparativos extremamente minuciosos, na base da mais
completa representação. O reconhecimento geral da composição regular do congresso e do carácter
absolutamente obrigatório das suas resoluções encontrou também a sua expressão na declaração
feita pelo presidente (p. 54 das actas) depois da constituição do congresso.
Qual era portanto a tarefa principal do congresso? Criar um verdadeiro partido sobre as bases de
princípios e de organização que tinham sido propostas e elaboradas pelo Iskra. Que o congresso
devia trabalhar precisamente neste sentido era facto antecipadamente determinado por três anos de
actividade do Iskra, aprovada pela maioria dos comités. O programa e orientação do Iskra deviam
tornar-se o programa e orientação do partido; os planos do Iskra em matéria de organização deviam
ser consagrados nos estatutos da organização do partido. Mas é evidente que tal resultado não se
podia obter sem luta: a representação integral no congresso assegurou também a presença nele de
organizações que tinham combatido decididamente o Iskra (o Bund e a Rabótcheie Dielo), assim
como a de organizações que, embora reconhecendo verbalmente o Iskra como órgão dirigente,
prosseguiam de facto os seus próprios planos, e se distinguiam pela sua falta de firmeza no terreno
dos princípios (o grupo Iújni Rabótchi e os delegados de certos comités a ele ligados). Nestas
condições, o congresso não podia deixar de tornar-se um campo de luta pela vitória da orientação do «Iskra». Que o congresso foi efectivamente um campo de batalha, é um facto que aparecerá claramente para quem quer que leia com um pouco de atenção as actas. E a nossa tarefa
consiste agora em estudar detalhadamente os principais agrupamentos que se revelaram no
congresso a propósito de diversas questões, e reconstruir, com base nos dados precisos das actas, a
fisionomia política de cada um dos grupos fundamentais do congresso. O que eram realmente esses
grupos, tendências e matizes que, no congresso, sob a direcção do Iskra, deviam fundir-se num
único partido? É isto que devemos mostrar com uma análise dos debates e votações. Esclarecer este
ponto é de capital importância para estudar o que são na realidade os nossos sociais-democratas,
assim como para compreender as causas das divergências. E por isso que, no meu discurso no
congresso da Liga e na minha carta à redacção do novo Iskra, pus precisamente em primeiro plano a
análise dos diferentes agrupamentos.<ref group = "3">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, pp. 41-52, 98-104. (N. Ed.)</ref> Os meus adversários, entre os representantes da «minoria»
(com Mártov à cabeça), não compreenderam em absoluto o fundo da questão. No congresso da
Liga, limitaram-se a fazer emendas de pormenor, «justificando-se» da acusação que lhes faziam de
terem virado para o oportunismo, sem mesmo procurarem traçar, para me contradizerem, qualquer
outro quadro dos agrupamentos no congresso. Agora, no Iskra (n.° 56), Mártov tenta apresentar
todas as tentativas para delimitar com exactidão os diversos grupos políticos no congresso, como
simples «politiquice de círculo». São palavras muito fortes, camarada Mártov! Mas as palavras
fortes do novo Iskra têm uma propriedade original: basta reproduzir exactamente todas as
peripécias da divergência a partir do congresso, para que todas essas palavras fortes se voltem inteiramente e em primeiro lugar contra a actual redacção. Olhai-vos a vós próprios senhores que
vos dizeis redactores do partido, vós que levantais a questão da politiquice de círculo!
Os factos da nossa luta no congresso aborrecem agora tanto Mártov que ele tenta apagá-los
completamente. «O iskrista - diz ele - é aquele que no congresso do partido e antes dele declarou
que se solidariza plenamente com o Iskra, defendeu o seu programa e o seu ponto de vista em
matéria de organização e apoiou a sua política neste terreno. Havia no congresso mais de quarenta
destes iskristas, tantos quantos o número de votos favoráveis ao programa do Iskra e à resolução
que reconhecia o Iskra como órgão central do partido.» Folheai as actas do congresso e vereis que
todos (p. 233) aceitaram o programa, excepto Akímov, que se absteve. Com essas palavras, o
camarada Mártov quer assegurar-nos que tanto os bundistas como Brúker e Martínov
demonstraram a sua «plena solidariedade» com o Iskra e defenderam os seus pontos de vista em
matéria de organização! Isto é ridículo. A transformação, depois do congresso, de todos os seus
participantes em membros do partido com iguais direitos (de resto, nem todos, já que os bundistas
se retiraram) confunde-se nessas palavras com a divisão em agrupamentos que provocou a luta no
congresso. Em vez de estudar os elementos que depois do congresso formaram a «maioria» e a
«minoria», faz-se uma frase oficial: aceitaram o programa!
Reparai na votação do reconhecimento do Iskra como Órgão Central. Vereis que Martínov, a quem
agora o camarada Mártov, com audácia digna duma melhor causa, atribui a defesa das concepções e
da política do Iskra em matéria de organização, é quem precisamente insiste na separação das duas
partes da resolução: o reconhecimento puro e simples do Iskra como Órgão Central e o reconhecimento dos seus méritos. Quando da votação da primeira parte da resolução (reconhecimento dos méritos do Iskra, expressão de solidariedade com ele), obtiveram-se apenas 35 votos a favor, dois contra (Akímov e Brúker) e onze abstenções (Martínov, os cinco bundistas e
cinco votos da redacção: os meus dois votos, os dois de Mártov e um de Plekhánov). Por
consequência, o grupo dos anti-iskristas (cinco bundistas e três partidários da Rabótcheie Dielo)
destaca-se com toda a clareza também aqui, neste exemplo, o mais vantajoso para o ponto de vista
actual de Mártov, exemplo escolhido por ele próprio. Vede a votação da segunda parte da resolução:
o reconhecimento do Iskra como Órgão Central sem se dar justificação alguma e sem exprimir
solidariedade (p. 147 das actas). Houve 44 votos a favor, que o actual Mártov atribui aos iskristas.
Houve ao todo 51 votos; subtraindo as cinco abstenções dos redactores, ficam 46 votos; dois
votaram contra (Akímov e Brúker); por consequência, fazem parte dos 44 restantes todos os cinco
bundistas. Assim, no congresso, os bundistas «exprimiram a sua plena solidariedade com o Iskra» -
eis como a história oficial é escrita pelo Iskra oficial! Antecipando-nos ao relato, expliquemos ao
leitor os verdadeiros motivos desta verdade oficial: a actual redacção do Iskra poderia ser e seria de
facto uma redacção do partido (e não quase-partido, como agora) se os bundistas e os partidários
da «Rabótcheie Dielo» não tivessem abandonado o congresso. Por essa razão foi necessário
converter em «iskristas» esses fiéis guardiões da actual redacção, que se diz do partido. Mas
voltaremos a isto em pormenor um pouco mais adiante.
Põe-se em seguida a pergunta: se o congresso foi uma luta entre elementos iskristas e anti-iskristas,
não haveria elementos intermédios, instáveis, que oscilassem entre uns e outros? Quem conheça um
pouco o nosso partido e a fisionomia habitual de todos os congressos, inclinar-se-á a priori a
responder a esta pergunta com uma afirmativa. O camarada Mártov não sente agora o mínimo
desejo de se recordar desses elementos instáveis, e apresenta o grupo do Iújni Rabótchi, com os
delegados que gravitam à sua volta, como iskristas típicos, e as nossas divergências com eles como
insignificantes e sem importância. Felizmente, temos agora sob os olhos o texto integral das actas, e
podemos portanto resolver esta questão - a questão de facto, bem entendido - na base de dados
documentais. O que dissemos acima em geral sobre os agrupamentos no congresso não pretende de
modo nenhum resolver este problema, mas simplesmente colocá-lo de modo correcto.
Sem uma análise dos agrupamentos políticos, sem traçar um quadro do congresso como luta entre
determinados matizes, é impossível compreender as nossas discordâncias. A tentativa de Mártov de
escamotear a diferença de matizes, juntando mesmo os bundistas com os iskristas, é simplesmente
furtar-se à questão. Mesmo a priori, na base da história da social-democracia russa antes do
congresso, desenham-se (para a sua comprovação ulterior e pormenorizado estudo) três grupos
principais: os iskristas, os anti-iskristas e os elementos instáveis, vacilantes e inconstantes.
===Notas===
<references group = "3"/>
==c) O Início do Congresso - O Incidente com o Comitê de Organização==
O mais cómodo é fazer a análise dos debates e votações do congresso seguindo a ordem das sessões
para anotar sucessivamente os matizes políticos que se desenham cada vez mais nitidamente. Só nos
afastaremos da ordem cronológica em caso de absoluta necessidade, para examinar em conjunto
certos problemas estritamente relacionados ou certos agrupamentos similares. Para maior
imparcialidade, tentaremos anotar todas as votações principais deixando de lado, bem entendido,
uma série de votações sobre questões de pormenor, que tomaram ao nosso congresso um tempo
exorbitante (em parte devido à nossa inexperiência e à má distribuição dos documentos entre as
reuniões de comissões e as sessões plenárias, e em parte em consequência de atrasos deliberados
que raiavam a obstrução).
A primeira questão que suscitou debates que começaram a revelar os diferentes matizes foi sobre se
devia ser dado o primeiro lugar (na «ordem do dia» do congresso) ao ponto seguinte: «posição do
Bund no partido» (pp. 29-33 das actas). Segundo o ponto de vista dos iskristas, defendido por
Plekhánov, Mártov, Trótski e por mim, não podia haver quaisquer dúvidas a este respeito. A saída
do Bund mostrou de forma evidente a justeza das nossas considerações: se o Bund não queria
caminhar connosco nem admitir os princípios de organização que a maioria do partido partilhava
com o Iskra, era inútil e contrário ao bom senso «fingir» caminhar juntos e arrastar assim o
congresso (como arrastavam os bundistas). A literatura já tinha esclarecido o problema, e era
evidente para qualquer membro consciente do partido que só faltava pôr francamente a questão e
escolher aberta e lealmente: autonomia (caminhamos juntos) ou federação (separamo-nos).
Evasivos em toda a sua política, também aqui os bundistas quiseram ser evasivos e adiar a questão.
O camarada Akímov junta-se a eles e logo formula, provavelmente em nome de todos os partidários
da Rabótcheie Dielo, as suas divergências com o Iskra no plano organizativo (p. 31 das actas). Ao
lado do Bund e da Rabótcheie Dielo alinha o camarada Mákhov (dois votos do comité de Nikoláiev,
que, pouco antes, se tinha declarado solidário com o Iskra!). Para o camarada Mákhov o problema
não é nada claro, e para ele o «ponto nevrálgico» é também a «questão da estrutura democrática ou,
pelo contrário (notai bem!), do centralismo», exactamente como para a maioria da nossa actual
redacção «do partido», maioria que no congresso ainda se não tinha dado conta deste «ponto
nevrálgico»!
Assim, contra os iskristas erguem-se o Bund, a Rabótcheie Dielo e o camarada Mákhov, reunindo
todos juntos os dez votos que se registaram contra nós (p. 33). Houve 30 votos a favor, e, como
veremos em seguida, é à volta deste número que muitas vezes oscilam os votos dos iskristas. Onze
abstiveram-se, não se ligando de maneira definida, como se verifica, nem a um nem a outro dos
«partidos» em luta. É interessante notar que na altura da votação sobre o § 2 dos estatutos do Bund
(a rejeição do § 2 provocou a saída do Bund do partido) eram igualmente em número de dez os
votos e as abstenções (p. 289 das actas); abstiveram-se precisamente os três partidários da
Rabótcheie Dielo (Brúker, Martínov, Akímov) e o camarada Mákhov. É evidente que a votação
sobre o lugar a reservar à questão do Bund deu origem a um agrupamento que não tinha nada de
acidental. É evidente que todos estes camaradas discordavam do Iskra, não só em relação ao
problema técnico da ordem da discussão, como também quanto ao fundo. No que se refere à
Rabótcheie Dielo, a divergência de fundo é clara para todos, e o camarada Mákhov definiu de modo
notável a sua atitude no seu discurso a propósito da saída do Bund (pp. 289-290 das actas). Vale a
pena que nos detenhamos neste discurso. O camarada Mákhov diz que, depois da resolução que
rejeitou a federação, «a situação do Bund no POSDR, de questão de princípio, tornou-se para ele
uma questão de política real face à organização nacional historicamente constituída. Aqui -
prossegue o orador - tive forçosamente que ter em conta todas as consequências que podiam advir
da nossa votação e por isso teria votado a favor do § 2 na sua totalidade». O camarada Mákhov
compreendeu perfeitamente o espírito da «política real»; em princípio já rejeitou a federação, e é
por isso que, na prática, teria votado a favor de um ponto dos estatutos que estabelece essa mesma
federação! E este camarada «prático» explica a sua estrita posição de princípio com as palavras
seguintes: «Mas (o famoso «mas» de Chtchedrine!) como qualquer votação minha tinha apenas um
carácter de princípio (!!) e não podia ter carácter prático, devido à votação quase unânime de todos
os outros congressistas, preferi abster-me para, por princípio» ... (Deus nos livre de tal espírito de
princípio!)... «fazer ressaltar a diferença da minha posição, neste caso, relativamente à posição
defendida pelos delegados do Bund que votaram a favor desse ponto. Pelo contrário, teria votado a
favor desse ponto se os delegados do Bund se abstivessem, assunto sobre o qual insistiram
anteriormente.» Entenda quem puder! Eis um homem agarrado aos princípios que se abstém de
declarar em voz alta: sim, porque isso é inútil na prática quando toda a gente diz: não.
Depois da votação sobre o lugar a reservar na ordem do dia à questão do Bund, pôs-se a questão do
grupo «Borbá», que também determinou um agrupamento extremamente interessante e que estava
estreitamente ligado à questão mais «delicada» do congresso: a composição pessoal dos centros. A
comissão encarregada de determinar a composição do congresso pronuncia-se contra o convite do
grupo «Borbá», de acordo com uma decisão do Comité de Organização repetida duas vezes (ver
pp. 383 e 375 das actas) e também de acordo com o relatório dos seus representantes na comissão
(p. 35).
O camarada Egórov, membro do CO, declara que «a questão do grupo «Borbá» (notai bem, do
«Borbá» e não deste ou daquele dos seus membros) é nova para si», e pede a suspensão da sessão. É
um mistério como é que uma questão duas vezes resolvida pelo CO podia ser nova para um dos
seus membros. Durante a interrupção, o CO, com a composição que por acaso estava presente no
congresso (vários membros seus, velhos membros da organização do Iskra, estavam ausentes do
congresso), reúne em sessão (p. 40 das actas).<ref group = "4">Quanto a esta sessão, ver a Carta de Pavlóvitch, membro do CO, que antes do congresso foi eleito por
unanimidade representante autorizado da redacção, seu sétimo membro (actas da Liga, p. 44). (Nota do Autor)</ref> Iniciam-se os debates sobre o «Borbá»: os
partidários da Rabótcheie Dielo pronunciam-se a favor (Martínov, Akímov e Brúker, pp. 36-38). Os
iskristas (Pavlóvitch, Sorókine, Langue, Trótski, Mártov e outros) pronunciam-se contra. O
congresso divide-se de novo, da maneira que já conhecemos. Trava-se em torno do «Borbá» uma
luta obstinada, e o camarada Mártov faz um discurso particularmente circunstanciado (p. 38) e
«combativo», no qual alude com razão à «desigualdade de representação» dos grupos da Rússia e
dos grupos do estrangeiro, diz que não estaria muito «bem» conceder a um grupo do estrangeiro um
«privilégio» (palavras de ouro, hoje particularmente instrutivas depois dos acontecimentos
posteriores ao congresso!), que não se deve fomentar «no partido o caos em matéria de organização,
caracterizado por uma fragmentação que não é justificada por nenhuma consideração de princípio»
(em cheio... na «minoria» do congresso do nosso partido!). Além dos partidários da Rabótcheie
Dielo, ninguém, até ao encerramento das inscrições de oradores, se pronunciou abertamente e com
fundamento a favor do «Borbá» (p. 40). Devemos fazer justiça ao camarada Akímov e aos seus
amigos, que pelo menos não tergiversaram e não se esconderam, mas prosseguiram abertamente a
sua táctica e disseram abertamente o que queriam.
Depois do encerramento das inscrições de oradores, quando já ninguém se pode pronunciar sobre o
fundo da questão, o camarada Egórov «pede insistentemente que se oiça a decisão que acaba de ser
adoptada pelo CO». Não é de estranhar que os membros do congresso se indignem com tal
9 Quanto a esta sessão, ver a Carta de Pavlóvitch, membro do CO, que antes do congresso foi eleito por unanimidade representante autorizado da redacção, seu sétimo membro (actas da Liga, p. 44). (Nota do Autor) procedimento, e o camarada Plekhánov, na presidência, exprime «a sua perplexidade por o camarada Egórov insistir no seu pedido». Porque, segundo pareceria, das duas uma: ou se falava franca e claramente, perante todo o congresso, sobre o fundo da questão, ou então não se dizia absolutamente nada. Mas deixar encerrar as inscrições de oradores para, em seguida, a pretexto de «discurso de resumo», apresentar ao congresso uma nova resolução do CO, precisamente sobre a questão que se acaba de debater, é uma verdadeira punhalada nas costas!
A sessão recomeçou depois do almoço, e o bureau, que continua perplexo, decide renunciar ao
«formalismo» e recorrer a um último recurso, de que os congressos se servem apenas em última
instância: uma «explicação amigável». Popov, representante do CO, lê a decisão do CO adoptada
por todos os seus membros, excepto um, Pavlóvitch (p. 43), propondo ao Congresso que convide
Riazánov.
Pavlóvitch declara que negou e continua a negar a legitimidade da reunião do CO e que a nova
decisão do CO «contradiz a sua decisão anterior». Esta declaração desencadeia uma verdadeira
tempestade. O camarada Egórov, igualmente membro do CO e do grupo Iújni Rabótchi, evita
responder sobre o fundo da questão e tenta transferir o centro de gravidade para a questão da
disciplina. O camarada Pavlóvitch, diz, infringiu a disciplina do partido(!), visto que o CO, depois
de ter examinado o seu protesto, tinha decidido «não dar conhecimento ao congresso da opinião
pessoal de Pavlóvitch». Os debates desviam-se para a disciplina do partido. E Plekhánov, entre
ruidosos aplausos do congresso, explica em forma didáctica ao camarada Egórov: «Nós não temos
mandatos imperativos» (p. 42, cfr. p. 379, regulamento do congresso, § 7: «Os plenos poderes dos
delegados não devem ser limitados por mandatos imperativos. No exercício dos seus plenos poderes
são completamente livres e independentes»). «O congresso é a instância suprema do partido», e por
isso infringe a disciplina do partido e o regulamento do congresso precisamente quem, de qualquer
maneira, impede um delegado de se dirigir directamente ao congresso sobre todas as questões da
vida do partido, sem qualquer excepção. A controvérsia reduz--se por consequência ao dilema:
espírito de círculo ou espírito de partido? Limitação dos direitos dos delegados no congresso, em
nome de direitos ou de regulamentos imaginários de quaisquer organismos e círculos, ou dissolução
completa, não só em palavras, mas de facto, perante o congresso, de todas as instâncias inferiores e
antigos pequenos grupos, até que se criem verdadeiros organismos oficiais do partido. O leitor já
pode ver por aqui a imensa importância de princípio desta discussão no próprio início (terceira
sessão) de um congresso que se propunha restaurar de facto o partido. Neste debate se concentrou,
por assim dizer, o conflito entre os antigos círculos e pequenos grupos (no género do Iújni
Rabótchi) e o partido que renascia. E os grupos anti-iskristas manifestam-se imediatamente: o
bundista Abramson, o camarada Martínov, ardente aliado da actual redacção do Iskra e nosso velho
conhecido, o camarada Mákhov, que também conhecemos, todos se manifestam a favor de Egórov e
do grupo do Iújni Rabótchi e contra Pavlóvitch. O camarada Martínov, que hoje, à porfia com
Mártov e Axelrod, faz gala de «democracia» em matéria de organização, evoca mesmo... o exército,
onde só se pode apelar para uma instância superior por intermédio da inferior! O verdadeiro sentido
desta «compacta» oposição anti-iskrista era evidente para todos os que assistiam ao congresso ou
que tinham seguido com atenção a vida interna do nosso partido antes do congresso. O objectivo da
oposição (objectivo de que nem todos os membros tinham talvez consciência e que por vezes
defendiam por inércia) era defender a independência, o particularismo, os interesses de capelinha
dos pequenos grupos para que não sejam tragados por um amplo partido, que vinha sendo
estruturado na base dos princípios iskristas.
Foi também deste ponto de vista que o camarada Mártov, que então ainda não se tinha unido a
Martínov, abordou a questão. O camarada Mártov ataca decididamente, e com razão, os que «na sua
concepção de disciplina de partido não vão além das obrigações do revolucionário para com o
grupo de ordem inferior de que é membro». «Nenhum agrupamento por imposição (o itálico é de
Mártov) é admissível num partido unificado», explica Mártov aos defensores do espírito de círculo,
sem prever que com estas palavras fustiga a sua própria actuação política nas últimas sessões do
congresso e depois dele... O agrupamento por imposição é inadmissível para o CO, mas
perfeitamente admissível para a redacção. O agrupamento por imposição é condenado por Mártov
quando o vê do centro, mas é defendido por Mártov quando deixa de lhe satisfazer a composição
deste centro…
É interessante notar que o camarada Mártov, no seu discurso, sublinhou expressamente, para além
do «enorme erro» do camarada Egórov, a instabilidade política manifestada pelo CO. «Em nome do
CO - indigna-se Mártov com razão - foi apresentada uma proposta que contradiz o relatório da
comissão (baseado, acrescentamos nós, no relatório dos membros do CO: p. 43, palavras de
Koltsov) e as propostas anteriores do CO» (sublinhado meu). Como vedes, Mártov compreendia
então muito bem, antes de efectuar a sua «viragem», que a substituição do grupo «Borbá» por
Riazánov em nada retira o carácter absolutamente contraditório e hesitante da actividade do CO (as
actas do congresso da Liga, p. 57, podem informar os membros do partido do modo como as coisas
se apresentavam a Mártov depois da sua viragem). Mártov não se limitou então a analisar a questão
da disciplina; também perguntou claramente ao CO: «Que aconteceu de novo para ser necessária
uma reformulação?» (sublinhado meu). Porque, de facto, o CO, ao fazer a sua proposta, nem
sequer teve a coragem suficiente para defender abertamente a sua opinião, como fizeram Akímov e
outros. Mártov refuta-o (actas da Liga, p. 56), mas quem ler as actas do congresso verá que ele se
engana. Popov, que faz uma proposta em nome do CO, não diz uma só palavra dos motivos (p. 41
das actas do congresso do partido). Egórov desloca a questão para o ponto da disciplina, mas quanto
à essência ele só afirma: «O CO podia ter tido novas razões»... (mas se surgiram e quais é o que se
ignora)... «podia talvez ter-se esquecido de inscrever alguém, etc.» (Este «etc.» é a única salvação
do orador, porque o CO não podia ter esquecido a questão do «Borbá», já discutida por ele duas
vezes antes do congresso e uma vez na comissão.) «O CO tomou esta decisão não porque a sua
atitude para com o grupo «Borba» tenha mudado, mas porque quer suprimir escolhos inúteis do
caminho da futura organização central do partido desde os primeiros passos da sua actividade.» Isto
não é apresentar uma razão, mas eludir uma razão. Todo o social-democrata sincero (e não pomos
em causa a sinceridade de nenhum dos delegados ao congresso) tem o cuidado de suprimir tudo o
que considera um escolho, e suprimi-lo com os meios que considera adequados. Apresentar razões
é explicar e formular com precisão a sua opinião sobre as coisas em lugar de se esquivar por um
truísmo. E teria sido impossível apresentar razões «sem mudar de atitude para com o «Borbá»,
porque as anteriores decisões contraditórias do CO tinham igualmente tido o cuidado de suprimir
escolhos, mas viam esses «escolhos» precisamente na posição contrária. O camarada Mártov atacou
então com grande violência e muita razão este argumento, que qualificou de «mesquinho» e devido
ao desejo de «se esquivar», aconselhando o CO a «não temer o que os outros dirão». Com estas
palavras o camarada Mártov caracterizou maravilhosamente o fundo e o significado do matiz
político que, no congresso, desempenhou um importante papel e que se distingue justamente pela
sua falta de independência e pela sua mesquinhez, pela ausência de uma linha própria e pelo receio
do que dirão os outros, pelas eternas oscilações entre duas partes claramente determinadas, pelo
medo de expor abertamente o seu credo, numa palavra, por todas as características do «pântano».<ref group = "4">Há actualmente pessoas no partido que, ao ouvir esta palavra, se horrorizam e se queixam que nesta polémica falta o
espírito de camaradagem. É uma deturpação estranha da sensibilidade sob a influência do tom oficial... usado
inoportunamente! Quase não há partido político com luta interna que dispense este termo, com o qual são
designados os elementos hesitantes que oscilam entre os que lutam. E os alemães, que sabem manter a luta interna
num quadro perfeitamente comedido, não se ofendem por motivo da palavra versumpft (enterrado no pântano - N.
Ed.) e não se horrorizam, não manifestam uma cómica pruderie (pudor hipócrita - N. Ed.) oficial (Nota do Autor).</ref>
Esta falta de carácter em política do grupo instável levou, entre outras coisas, a que ninguém,
excepto o bundista Iúdine (p. 53), fizesse uma proposta ao congresso para convidar um membro do
grupo «Borbá». Houve 5 votos a favor da proposta de Iúdine, evidentemente todos bundistas: os
elementos hesitantes mais uma vez viraram a casaca! Qual era, mais ou menos, o número de
votantes do grupo do centro, mostram-no as votações das propostas de Koltsov e Iúdine sobre este ponto: a do iskrista obteve 32 votos (p. 47); a do bundista 16, ou seja, além dos oito votos anti-
iskristas, os dois votos do camarada Mákhov (cfr. p. 46), os quatro votos do grupo Iújni Rabótchi e
mais dois votos. Mostraremos em seguida que não poderíamos considerar acidental esta
distribuição, mas primeiro exporemos sumariamente a opinião actual de Mártov sobre este
incidente do CO. Mártov afirmou perante a Liga que «Pavlóvitch e os outros atiçaram as paixões».
Basta consultar as actas do congresso para ver que os discursos mais circunstanciados, mais
ardentes e mais duros contra o «Borbá» e o CO são os do próprio Mártov. Tentando empurrar o
«erro» para Pavlóvitch, só dá provas de instabilidade: antes do congresso tinha precisamente
escolhido Pavlóvitch como sétimo membro da redacção; no congresso juntou-se inteiramente a
Pavlóvitch (p. 44) contra Egórov. Depois, quando se viu derrotado por Pavlóvitch, acusou-o de
«atiçar as paixões». É simplesmente ridículo.
No Iskra (n° 56) Mártov faz ironia por se atribuir grande importância ao convite de X ou de Y. De
novo esta ironia se volta contra Mártov, porque o incidente com o CO serviu precisamente de ponto
de partida aos debates sobre uma questão tão «importante» como o convite de X ou de Y para fazer
parte do CC e do OC. Não está certo empregar-se duas medidas diferentes segundo se trate do seu
próprio «grupo de ordem inferior» (em relação ao partido) ou de qualquer outro. Isto é
precisamente espírito filistino e espírito de círculo, e não uma atitude de partido. Um simples
confronto entre o discurso de Mártov perante a Liga (p. 57) e o seu discurso no congresso (p. 44)
prova-o inteiramente. «Não compreendo - dizia Mártov entre outras coisas na Liga - como as
pessoas arranjam maneira de se dizerem a qualquer preço iskristas e ao mesmo tempo mostrarem-se
envergonhadas de o ser.» Estranha incompreensão da diferença entre o «dizer-se» e o «ser», entre a
palavra e a acção. No congresso, Mártov disse-se a si próprio adversário dos agrupamentos por
imposição, mas foi partidário deles depois do congresso…
===Notas===
<references group="4"/>
==d) Dissolução do Grupo «Iújni Rabótchi»==
A forma como se dividiram os delegados sobre a questão do CO poderá parecer fortuita. Mas tal
opinião seria errada; para a dissipar, afastar-nos-emos da ordem cronológica e examinaremos
imediatamente um incidente que, embora tenha acontecido no fim do congresso, está estreitamente
ligado ao precedente. Este incidente é a dissolução do grupo Iújni Rabótchi. Contra as tendências
iskristas em matéria de organização - coesão absoluta das forças do partido e supressão do caos que
as fracciona - levantaram-se aqui os interesses de um dos grupos, que, enquanto não havia um
verdadeiro partido, tinha feito um trabalho útil, mas que se tornou supérfluo depois de se ter
organizado o trabalho de modo centralizado. Em nome dos interesses de círculo, o grupo Iújni
Rabótchi tinha tanto direito de conservar a sua «continuidade» e inviolabilidade como a antiga
redacção do Iskra. Em nome dos interesses do partido, este grupo devia submeter-se à transferência
das suas forças «para as organizações correspondentes do partido» (p. 313, final da resolução
adoptada pelo congresso). Do ponto de vista dos interesses de círculo, do ponto de vista «filistino»,
não podia deixar de parecer «coisa delicada» (expressão dos camaradas Rússov e Deutsch) a
dissolução de um grupo útil, que tinha tão pouca vontade de se deixar dissolver como a antiga
redacção do Iskra. Do ponto de vista dos interesses do partido, era indispensável esta dissolução,
esta «absorção» (expressão de Gússev) pelo partido. O grupo Iújni Rabótchi declarou abertamente
que «não considerava necessário» proclamar-se dissolvido e exigia que «o congresso se
pronunciasse categoricamente» e «imediatamente: sim ou não». O grupo Iújni Rabótchi invocou a
mesma «continuidade» para a qual apelara a velha redacção do Iskra... depois da sua dissolução!
«Ainda que todos nós, individualmente considerados, constituamos um único partido - disse o
camarada Egórov -, nem por isso esse partido deixa de ser composto por toda uma série de
organizações, as quais se deve ter em conta como grandezas históricas... Se tal organização não é
prejudicial ao partido, não há por que dissolvê-la.»
Assim se pôs de forma perfeitamente definida uma importante questão de princípio, e todos os
iskristas - enquanto os interesses do seu próprio círculo não vieram para primeiro plano - se
pronunciaram categoricamente contra os elementos instáveis (nesse momento, os bundistas e dois
dos partidários da Rabótcheie Dielo já não estavam no congresso; seguramente que teriam
defendido com a máxima energia a necessidade de «ter em conta as grandezas históricas»). Os
resultados da votação foram 31 a favor, cinco contra e cinco abstenções (os quatro votos dos
membros do grupo Iújni Rabótchi, e mais um voto, provavelmente o de Belov, a julgar pelas suas
anteriores declarações, p. 308). Um grupo de dez votos, francamente hostil ao plano de organização
consequente do Iskra e defendendo o espírito de círculo contra o espírito de partido, desenha-se
muito claramente. Durante os debates, os iskristas põem esta questão justamente no plano dos
princípios (ver o discurso de Langue, p. 315), pronunciam-se contra o trabalho artesanal e a
dispersão, recusam-se a ter em conta as «simpatias» desta ou aquela organização, e declaram
abertamente: «Se há um ou dois anos ainda os camaradas do Iújni Rabótchi se tivessem identificado
mais estritamente com os princípios, a unidade do partido e o triunfo dos princípios do programa
que aqui sancionámos teriam sido conseguidos mais cedo.» Dentro do mesmo espírito pronunciam-
se Orlov, Gússev, Liádov, Muraviov, Rússov, Pavlóvitch, Glébov e Górine. Os iskristas da
«minoria» não só se não manifestam contra estas advertências precisas várias vezes apresentadas no
congresso contra a falta de firmeza de princípios da política e da «linha» do Iújni Rabótchi, de
Mákhov e outros; não só não fazem a mínima reserva acerca deste assunto, como pelo contrário,
pela boca de Deutsch decididamente se lhe associam, condenando o «caos» e aplaudindo «a
franqueza com que a questão tinha sido posta» (p. 315) pelo próprio camarada Rússov, que naquela
mesma sessão teve a audácia - que horror! - de também «pôr francamente» a questão da antiga
redacção puramente numa base de partido (p. 325).
A questão da dissolução do Iújni Rabótchi provocou neste grupo uma terrível indignação, da qual se
encontram marcas nas actas (não devemos esquecer que as actas dão apenas uma pálida imagem
dos debates, porque em vez de discursos completos, apresentam apenas breves resumos ou
excertos). O camarada Egórov chegou mesmo a qualificar de «mentira» a simples menção do grupo
Rabótchaia Misl ao lado do Iújni Rabótchi, exemplo característico da atitude que predominava no
congresso para com o economismo consequente. E mesmo muito mais tarde, na 37ª sessão, Egórov
fala da dissolução do Iújni Rabótchi com a mais viva irritação (p. 356), pedindo que se escreva nas
actas que, durante os debates sobre o Iújni Rabótchi, os membros deste grupo não foram
consultados, nem sobre os meios a destinar às suas publicações, nem sobre o controlo do OC e do
CC. O camarada Popov, durante os debates a propósito do Iújni Rabótchi, faz alusão à maioria
compacta que teria decidido antecipadamente do destino deste grupo. «Agora - diz ele (p. 316) -,
depois dos discursos dos camaradas Gússev e Orlov, tudo está claro.» É evidente o sentido
destas palavras: agora que os iskristas se pronunciaram e apresentaram uma resolução, tudo está
claro, isto é, está claro que o Iújni Rabótchi será dissolvido contra sua vontade. O próprio delegado
do Iújni Rabótchi separa aqui os iskristas (e, além disso, iskristas como Gússev e Orlov) dos seus
partidários, como sendo representantes de «linhas» diferentes de política de organização. E quando
o actual Iskra apresenta o grupo Iújni Rabótchi (e também, provavelmente, Mákhov?) como
«iskristas típicos», isso só nos mostra com precisão o esquecimento dos acontecimentos mais
importantes (do ponto de vista desse grupo) do congresso, e o desejo da nova redacção de apagar os
indícios que assinalam os elementos que serviram de origem à chamada «minoria».
Infelizmente, a questão de um órgão popular não foi levantada no congresso. Todos os iskristas
debateram esta questão com extraordinária animação antes e durante o congresso, fora das sessões,
concordando que, no momento actual da vida no nosso partido, lançar ombros à publicação de um
tal órgão, ou dar este carácter a um dos já existentes, seria empresa extremamente irracional. Os
anti-iskristas pronunciaram-se no congresso em sentido contrário, o grupo Iújni Rabótchi fez o
mesmo no seu relatório. E não se pode explicar, a não ser por obra do acaso ou pela recusa em
levantar uma questão «sem esperança», que não se tenha apresentado uma resolução adequada
subscrita por dez pessoas.
==e) O Incidente da Igualdade de Direitos das Línguas==
Retomemos a ordem das sessões do congresso.
Pudemos convencer-nos agora que antes mesmo do exame a fundo das questões se revelou
claramente no congresso, não só um grupo perfeitamente definido de anti-iskristas (8 votos), mas
também um grupo de elementos intermédios, instáveis, prontos a apoiar esses oito e a aumentar o
seu número para cerca de 16-18 votos.
A questão do lugar do Bund no partido, debatida no congresso com extremo, com excessivo
pormenor, reduziu-se à discussão de uma tese de princípio, adiando-se a resolução prática até à
discussão das relações de organização. Visto que já antes do congresso se tinha consagrado bastante
espaço na literatura ao estudo dos temas referentes a este ponto, a discussão no congresso trouxe
relativamente pouco de novo. Todavia, não podemos deixar de assinalar que os partidários da
Rabótcheie Dielo (Martínov, Akímov e Brúker), embora concordando com a resolução de Mártov,
puseram a reserva de que a consideravam insuficiente, e que não estavam de acordo com as
conclusões dela decorrentes (pp. 69, 73, 83, 86).
Depois de discutir a questão do lugar do Bund, o congresso passou à questão do programa. Aqui, os
debates desenvolveram-se principalmente à volta de emendas de pormenor sem grande interesse.
No que respeita aos princípios, a oposição dos anti-iskristas só se manifestou na cruzada do
camarada Martínov contra a famosa apresentação da questão da espontaneidade e da consciência.
Naturalmente, os bundistas e os partidários da Rabótcheie Dielo declararam-se inteiramente a favor
de Martínov. A inconsistência das suas objecções foi demonstrada, entre outros, por Mártov e
Plekhánov. A título de curiosidade, indicaremos que, hoje, a redacção do Iskra (aparentemente
depois de reflectir) passou para o lado de Martínov e diz o contrário do que dizia no congresso!<ref group = "6">A redacção do Iskra menchevique inseriu no suplemento do n° 57 do Iskra, de 15 de Janeiro de 1904, o artigo do
ex-«economista» A. Martínov, no qual o autor se pronuciava contra os princípios dos bolcheviques no campo da
organização e fazia ataques a V. I. Lénine. Numa nota ao artigo de Martínov, a redacção do Iskra, tendo declarado
formalmente não estar de acordo com algumas ideias do autor, em geral aprovou este artigo e concordou com as
teses principais de Martínov.</ref>
Provavelmente isto está de acordo com o famoso princípio da «continuidade» ... Só nos resta
esperar que a redacção acabe por orientar-se e nos explique em que medida precisamente está de
acordo com Martínov, exactamente em quê e desde quando. Entretanto, limitar-nos-emos a
perguntar se já alguma vez se viu um órgão de partido cuja redacção, depois de um congresso, se
tenha posto a dizer o contrário do que dizia no congresso?
Deixando de lado os debates sobre o reconhecimento do Iskra como Órgão Central (já falámos
disso mais atrás) e o início dos debates sobre os estatutos (de que será mais conveniente tratar
quando do exame de conjunto dos estatutos), passemos aos matizes de princípio surgidos na
discussão do programa. Em primeiro lugar sublinhemos um pormenor extraordinariamente
característico: os debates sobre a representação proporcional. O camarada Egórov, do Iújni
Rabótchi, propunha a sua introdução no programa e defendeu o seu ponto de vista de tal maneira
que deu azo à justa observação de Possadóvski (iskrista da minoria) sobre a existência de um «sério
desacordo». «É indubitável - declarou o camarada Possadóvski - que não estamos de acordo sobre a
seguinte questão fundamental: dever-se-á subordinar a nossa política futura a certos princípios
democráticos fundamentais atribuindo-lhes um valor absoluto, ou deverão todos os princípios
democráticos subordinar-se exclusivamente aos interesses do nosso partido? Pronuncio-me
decididamente a favor desta última opinião.» Plekhánov «solidariza-se inteiramente» com
Possadóvski, exprimindo-se em termos ainda mais precisos e enérgicos contra «o valor absoluto dos
princípios democráticos» e contra a sua interpretação «abstracta». «É concebível em hipótese um caso - diz - em que nós, sociais-democratas, nos pronunciemos contra o sufrágio universal. Houve
tempo em que a burguesia das repúblicas italianas privava os indivíduos pertencentes à nobreza dos
seus direitos políticos. O proletariado revolucionário poderia limitar os direitos políticos das classes
superiores, tal como estas antes limitaram os seus direitos políticos.» O discurso de Plekhánov é
recebido com aplausos e vaias, e quando Plekhánov protesta contra o Zwischenruf<ref group = "6">Àparte durante o discurso de um orador. (N. Ed.)</ref>: «Não deveis
vaiar», e pede aos camaradas que não se coíbam, o camarada Egórov levanta-se e diz: «Quando tais
discursos são aplaudidos, sou obrigado a vaiá-los.» Juntamente com o camarada Goldblat (delegado
do Bund), o camarada Egórov pronuncia-se contra as opiniões de Possadóvski e de Plekhánov.
Infelizmente o debate foi encerrado e a questão levantada durante ele não voltou a ser tratada. Mas
em vão o camarada Mártov se esforça agora por minimizar e até anular o seu significado, dizendo
no congresso da Liga: «Estas palavras (de Plekhánov) provocaram a indignação duma parte dos
delegados, indignação que facilmente se poderia ter evitado se o camarada Plekhánov tivesse
acrescentado que, evidentemente, não se pode imaginar uma situação tão trágica em que o
proletariado, para consolidar a sua vitória, tenha de espezinhar direitos políticos como a liberdade
de imprensa... (Plekhánov: «merci»)» (p. 58 das actas da Liga). Esta interpretação contradiz
frontalmente a declaração absolutamente categórica do camarada Possadóvski no congresso
acerca do «sério desacordo» e da divergência sobre uma «questão fundamental». Sobre esta questão
fundamental, todos os iskristas se pronunciaram no congresso contra os representantes da «direita»
anti-iskrista (Goldblat) e do «centro» do congresso (Egórov). Isto é um facto, e podemos garantir
sem hesitações que, se o «centro» (espero que esta palavra choque menos que qualquer outra os
partidários «oficiais» da suavidade...), se o «centro» tivesse que (através do camarada Egórov ou
Mákhov) pronunciar-se «sem constrangimento» sobre esta questão ou questões análogas, um sério
desacordo teria surgido imediatamente.
As divergências manifestaram-se, ainda mais nitidamente acerca da questão da «igualdade de
direitos das línguas» (p. 171 e seguintes das actas). Sobre este ponto os debates são menos
eloquentes que as votações: feitas as contas, temos um inacreditável número de dezasseis! E isto
para quê? Para saber se bastava assinalar no programa a igualdade de todos os cidadãos,
independentemente do sexo, etc., e da língua, ou se era preciso dizer: «liberdade de língua» ou
«igualdade de direitos das línguas». No congresso da Liga, o camarada Mártov caracterizou
bastante acertadamente este episódio, quando disse que «uma discussão insignificante sobre a
redacção de um ponto do programa adquiriu um significado de princípio porque metade do
congresso estava pronta a derrubar a comissão do programa». Exactamente.<ref group = "6">Mártov acrescenta: «Neste caso Plekhánov causou-nos um grande dano com a sua piada sobre os burros» (quando se
tratava da liberdade da língua, um bundista, parece-me, mencionou no número das instituições as coudelarias, e
Plekhánov disse em aparte «os cavalos não falam, mas os burros às vezes fazem-no»). Evidentemente não posso ver
nesta piada uma especial suavidade, espírito conciliador, prudência, flexibilidade. No entanto, acho estranho que
Mártov, embora reconhecendo o significado de princípio do debate, não se detenha de modo nenhum no exame
daquilo em que reside o espírito de princípio e que matizes encontraram aqui expressão; limita-se a assinalar o
«dano» das piadas. Este é, de facto, um ponto de vista burocrático e formalista! As piadas mordazes, com efeito,
«causaram um grande dano no congresso», não só as que visavam os bundistas, mas também as relativas às pessoas
que os bundistas tinham por vezes apoiado ou até salvado da derrota. Mas, uma vez reconhecido o significado de
princípio deste incidente, não nos podemos limitar a frases sobre a «inadmissibilidade» (p. 58 das actas da Liga) de
certas piadas. (Nota do Autor)</ref> O motivo do conflito
era realmente insignificante; não obstante, este tomou um verdadeiro carácter de princípio e
consequentemente formas terrivelmente encarniçadas, até à tentativa de «derrubar» a comissão do
programa, até à suspeita de se querer «prejudicar o congresso» (Egórov suspeitava isto de
Mártov!) e até a trocar observações pessoais do carácter mais... injurioso (p. 178). Até o camarada
Popov «lamentou que, a propósito de ninharias, se criasse uma tal atmosfera» (sublinhado por
mim, p. 182), que reinou durante três sessões (16ª, 17ª e 18ª).
Todas estas expressões demonstram, da forma mais precisa e categórica, o facto importantíssimo de
que a atmosfera de «suspeita» e das formas mais encarniçadas de luta («derrubar») - cuja origem,
mais tarde, no congresso da Liga, foi imputada à maioria dos iskristas! - existia na realidade muito
antes de nos termos cindido em maioria e minoria. Repito que é um facto de enorme importância, um facto essencial, cuja incompreensão leva muita e muita gente, do modo mais leviano, a julgar artificial o carácter da maioria no fim do congresso. Do actual ponto de vista do camarada Mártov, que afirma que havia no congresso 9/10 de iskristas, é absolutamente inexplicável e absurdo que, por «ninharias», por uma causa «insignificante», tenha surgido um conflito que tomou um «carácter de princípio» e que quase levou ao derrubamento da comissão do congresso. Seria ridículo desembaraçar-se deste facto com queixas e lamentações a propósito de piadas «prejudiciais». O conflito não podia tomar um significado de princípio pela violência de qualquer piada, esse significado só podia advir do carácter dos agrupamentos políticos no congresso. Não foram as asperezas nem as piadas que provocaram o conflito - elas foram apenas um sintoma do facto de existirem «contradições» no seio do agrupamento político do congresso, de nele existirem todos os germes de um conflito, uma heterogeneidade interna que, com uma força imanente, surgia ao menor pretexto, mesmo insignificante.
Pelo contrário, do ponto de vista de que encaro o congresso, e que considero meu dever defender
como uma determinada interpretação política dos acontecimentos, ainda que tal interpretação possa
parecer chocante a alguns, desse ponto de vista é perfeitamente explicável e inevitável o conflito
extremamente violento com carácter de princípio surgido por um motivo «insignificante». Visto
que durante o congresso a luta entre iskristas e anti-iskristas foi constante, visto que entre ambos se
encontravam elementos instáveis e estes, juntamente com os anti-iskristas, representavam um terço
dos votos (8+10=18, em 51, segundo o meu cálculo, evidentemente aproximado), é inteiramente
compreensível e natural que qualquer separação dos iskristas, ainda que duma fraca minoria,
podia dar a vitória à tendência anti-iskrista, e suscitava por consequência uma luta «furiosa». Isto
não resulta de interpelações e ataques desmesuradamente violentos, mas é o resultado duma certa
combinação política. Não foram as interpelações ásperas que provocaram o conflito político, foi a
existência dum conflito político no próprio agrupamento do congresso que provocou as interpelações ásperas e os ataques; é nesta oposição que reside a nossa fundamental divergência de
princípio com Mártov quanto à apreciação da importância política do congresso e dos seus resultados.
O congresso registou três exemplos particularmente salientes de separação dum número
insignificante de iskristas da sua maioria - a igualdade de direitos das línguas, o §1 dos estatutos e
as eleições - e em cada um dos três casos se travou uma luta encarniçada que, finalmente, levou à
grave crise actual do partido. Para compreender o sentido político desta crise e desta luta não nos
podemos limitar a frases sobre piadas inadmissíveis, temos de examinar os agrupamentos políticos
dos matizes que se defrontaram no congresso. O incidente sobre a «igualdade de direitos das
línguas» oferece, por consequência, um duplo interesse, na medida em que explica as razões da
divergência, porque aqui Mártov ainda era (ainda era!) um iskrista e combatia, talvez mais do que
ninguém, os anti-iskristas e o «centro».
A guerra começou com uma discussão entre o camarada Mártov e o líder dos bundistas, o camarada
Líber (pp. 171-172). Mártov demonstra que a reivindicação da «igualdade de direitos dos cidadãos»
é suficiente. A «liberdade das línguas» é rejeitada, mas a «igualdade de direitos das línguas» é
imediatamente proposta, e o camarada Egórov lança-se ao combate na companhia de Líber. Mártov
declara que se trata de feiticismo «quando os oradores insistem na igualdade de direitos das
nacionalidades e transferem a desigualdade para o domínio da língua. Mas a questão deve ser
analisada de um ângulo oposto: existe uma desigualdade de direitos entre as nacionalidades, a qual
se exprime, entre outras coisas, pelo facto de as pessoas duma certa nacionalidade serem privadas
do direito de usar a sua língua materna» (p. 172). Mártov tinha então inteira razão. Era com efeito
uma espécie de feiticismo a tentativa absolutamente inconsistente de Líber e Egórov de defender a
justeza da sua fórmula e considerar que nós não queríamos ou não sabíamos aplicar o princípio da
igualdade de direitos das nacionalidades. Na realidade, como «feiticistas» defendiam precisamente
uma palavra e não um princípio; agiam não por medo de qualquer erro de princípio, mas por medo
do que dissessem os outros. É esta psicologia da instabilidade (e se «os outros» nos acusassem
disto?) - assinalada por nós durante o incidente do Comité de Organização - que manifestou
claramente neste caso todo o nosso «centro». Outro dos seus representantes, Lvov, delegado da
região mineira, próximo do grupo Iújni Rabótchi, «considera que a questão relativa à opressão das
línguas, apresentada pelas regiões periféricas, é muito séria. É importante que, incluindo no nosso
programa um ponto referente à língua, nós afastemos qualquer suspeita de russificação, que poderia
recair sobre os sociais-democratas». Eis uma notável fundamentação da «seriedade» da questão. A
questão é muito séria porque é preciso afastar as eventuais suspeitas das regiões periféricas! O
orador não diz absolutamente nada quanto ao fundo da questão, não responde às acusações de
feiticismo, mas confirma-as inteiramente, dando provas duma total falta de argumentos, limitando-
se a falar do que poderiam dizer as regiões periféricas. Tudo o que possam dizer é falso, replicam-
lhe. Mas em vez de procurar saber se é ou não verdade, responde: «Poderiam suspeitar.»
Uma tal maneira de pôr o problema, atribuindo-lhe um carácter sério e importante, toma realmente
um significado de princípio, mas de modo nenhum o que queriam descobrir nele os Líber, os
Egórov e os Lvov. O que assume um carácter de princípio é saber se devemos deixar as
organizações e membros do partido aplicar os princípios gerais e essenciais do programa, tendo em
conta as condições concretas e desenvolvendo-os no sentido dessa aplicação, ou se devemos, por
simples medo das suspeitas, encher o programa de pormenores insignificantes, de indicações
particulares, de repetições, de casuística. O que tem carácter de princípio é saber como podem
sociais-democratas, na luta com a casuística, discernir («suspeitar») tentativas de restrição dos
direitos e liberdades democráticas elementares. Quando renunciaremos enfim a esse culto feiticista
da casuística? - esta a ideia que nos surgiu quando da luta sobre as «línguas».
O agrupamento dos delegados nesta luta é especialmente claro graças à abundância de votações
nominais. Houve três. Contra o núcleo iskrista erguem-se unânime e constantemente os anti-
iskristas (8 votos) e, com muito ligeiras flutuações, todo o centro (Mákhov, Lvov, Egórov, Popov,
Medvédev, Ivanov, Tsariov, Belov; só os dois últimos hesitaram a princípio, ora abstendo-se, ora
votando connosco, e só à terceira votação tomaram uma posição definitiva). Uma parte dos iskristas
separa-se, sobretudo os caucasianos (três, com seis votos), e devido a isto a tendência «feiticista»
ganha finalmente o predomínio. Na terceira votação, quando os partidários de ambas as tendências
tinham definido bem as suas posições, três caucasianos com seis votos separaram-se dos iskristas da
maioria para se juntarem ao campo oposto; dois com dois votos, Possadóvski e Kóstitch,
abandonam os iskristas da minoria. Nas duas primeiras votações tinham passado para o campo
contrário ou tinham-se abstido: Lénski, Stepánov e Górski da maioria iskrista, e Deutsch da
minoria. A separação de oito votos iskristas (num total de 33) deu a superioridade à coligação
dos anti-iskristas e elementos instáveis. É este precisamente o facto essencial quanto aos
agrupamentos no congresso, facto que se repetiu (mas só com a separação de outros iskristas) na
votação do §1 dos estatutos e nas eleições. Não é de admirar que aqueles que foram derrotados nas
eleições fechem agora cuidadosamente os olhos às razões políticas desta derrota, aos pontos de
partida da luta de matizes, que cada vez mais revelava e desmascarava cada vez mais
implacavelmente perante o partido os elementos instáveis e politicamente pouco firmes. O incidente
da igualdade de direitos das línguas mostra-nos esta luta com tanto mais relevo quanto então o
camarada Mártov não tinha ainda merecido os louvores e a aprovação de Akímov e Mákhov.
===Notas===
<references group = "6"/>
==f) O Programa Agrário==
A inconsequência no campo dos princípios dos anti-iskristas e do «centro» manifestou-se também
claramente nos debates sobre o programa agrário, que tomaram muito tempo ao congresso (ver pp.
190-226 das actas) e levantaram numerosas questões extremamente interessantes. Como era de
esperar, a campanha contra o programa é iniciada pelo camarada Martínov (depois de observações
de pormenor dos camaradas Líber e Egórov). Utiliza o velho argumento segundo o qual corrigindo
«precisamente esta injustiça histórica» «consagramos» indirectamente, pretende ele, «outras
injustiças históricas», etc. Ao seu lado coloca-se o camarada Egórov, que inclusive «não vê
claramente qual é o significado deste programa. É um programa para nós, isto é, fixa as
reivindicações que formulamos, ou queremos torná-lo popular?» (!?!?). O camarada Líber «queria
fazer as mesmas observações que o camarada Egórov». O camarada Mákhov intervém com a sua
habitual energia e declara que «a maioria (?) dos oradores não compreende absolutamente nada do
que é o programa proposto e dos fins que visa». O programa proposto, estão a ver, «dificilmente
poderia ser considerado um programa agrário social-democrata»; ele... «soa, de certo modo, a
brincar à correcção das injustiças históricas»; e tem «um matiz de demagogia e aventureirismo». A
confirmação teórica destas elucubrações é, como de costume, o exagero e a simplificação do
marxismo vulgar: pretende-se que os iskristas querem «tratar os camponeses como um todo
homogéneo; mas como o campesinato já há muito (?) está dividido em classes, a apresentação dum
programa único tem como consequência inevitável converter esse programa no seu conjunto em
demagógico, e torná-lo aventureirista quando posto em prática» (202). O camarada Mákhov «revela
sem querer» a verdadeira causa da atitude negativa para com o nosso programa agrário observada
por muitos sociais-democratas prontos a «reconhecerem» o Iskra (como fez o próprio Mákhov),
mas que não reflectiram absolutamente nada sobre a sua orientação, sobre a sua posição teórica e
prática. De facto, é precisamente a vulgarização do marxismo aplicada a um fenómeno tão
complexo e polifacético como o sistema actual da economia camponesa russa, que esteve e ainda
está na base da incompreensão deste programa, e não divergências de pormenor. E sobre este ponto
de vista de um marxismo vulgar puseram-se rapidamente de acordo os líderes dos elementos anti--
iskristas (Líber e Martínov) e do «centro» (Egórov e Mákhov). O camarada Egórov exprimiu
também francamente um dos traços característicos do Iújni Rabótchi e dos grupos e círculos que
tendem para ele, a saber: a incompreensão da importância do movimento camponês, a
incompreensão de que o ponto fraco dos nossos sociais-democratas, aquando das primeiras famosas
insurreições camponesas, foi não a sobrestimação mas antes a subestimação do papel deste
movimento (e a falta de força para o utilizar). «Estou longe de partilhar o entusiasmo da redacção
pelo movimento camponês - disse o camarada Egórov -, entusiasmo que se apoderou de muitos
sociais-democratas depois das revoltas camponesas.» Infelizmente o camarada Egórov não se deu
ao trabalho de explicar ao congresso com o mínimo de precisão em que consistiu esse entusiasmo
da redacção, como também não se deu ao trabalho de dar indicações concretas sobre o material
literário que o Iskra forneceu. Além disso esqueceu que todos os pontos fundamentais do nosso
programa agrário foram desenvolvidos pelo Iskra já no seu terceiro número<ref group = "7">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 4, pp. 429-437. (N. Ed.)</ref>, ou seja, muito antes
das revoltas camponesas. Os que «reconheceram» o Iskra não só em palavras não fariam mal se
dessem um pouco mais de atenção aos seus princípios teóricos e tácticos!
«Não, no campesinato não podemos fazer muito!» - exclama o camarada Egórov, e depois explica
esta exclamação não como protesto contra qualquer «entusiasmo» particular, mas como negação de
toda a nossa posição: «Isto significa pois que a nossa palavra de ordem não pode competir com uma
palavra de ordem aventureira.» Fórmula muito característica da ausência de princípios que tudo
reduz a uma «concorrência» entre palavras de ordem de diferentes partidos! E isto é dito depois de
o orador se ter declarado «satisfeito» com as explicações teóricas que indicavam que visamos um
êxito duradouro na agitação, sem nos deixarmos perturbar por insucessos temporários, e que um
êxito duradouro (apesar da ruidosa gritaria dos «concorrentes» ... dum minuto) é impossível sem que o programa assente em firmes bases teóricas (p. 196). Que confusão se revela nesta afirmação
de que se sente «satisfeito», seguida imediatamente da repetição das teses herdadas do velho
economismo para o qual «a concorrência entre palavras de ordem» decidia todas as questões não só
do programa agrário, mas de todo o programa e de toda a táctica da luta económica e política. «Vós
não obrigareis o operário agrícola - dizia o camarada Egórov - a lutar lado a lado com o camponês
rico pelos ''otrézki''<ref group = "7">Otrézki (terras cortadas): terras tiradas aos camponeses pelos latifundiários quando da abolição da servidão na
Rússia em 1861. Os camponeses foram obrigados a tomar essas terras em arrendamento aos latifundiários em
condições escravizantes.</ref>, que em grande parte já estão nas mãos desse camponês rico.»
Encontramo-nos de novo perante a mesma simplificação indubitavelmente aparentada com o nosso
economismo oportunista, que afirmava que é impossível «obrigar» o proletário a lutar pelo que em
grande parte está nas mãos da burguesia, e que no futuro, em proporção ainda mais considerável,
lhe cairá nas mãos. Uma vez mais a mesma vulgarização que esquece as peculiaridades russas das
relações capitalistas gerais entre o operário agrícola e o camponês rico. Hoje os otrézki de facto
oprimem também o operário agrícola, e não é preciso «obrigá-lo» a lutar para se libertar da sua
servidão. Quem é preciso «obrigar» são certos intelectuais; é preciso obrigá-los a encarar as suas
tarefas com maior largueza de vistas, obrigá-los a renunciar às fórmulas estereotipadas no exame de
questões concretas, obrigá-los a ter em conta a conjuntura histórica, que complica e modifica os
nossos objectivos. Só o preconceito de que o mujique é estúpido, preconceito que, como observa
com razão o camarada Mártov (p. 202), transparece nos discursos do camarada Mákhov e doutros
adversários do programa agrário - só tal preconceito explica o esquecimento por estes adversários
das reais condições de vida do nosso operário agrícola.
Depois de ter simplificado a questão reduzindo-a à mera contraposição: operário e capitalista, os
representantes do nosso «centro», como de costume, esforçaram-se por lançar a sua estreiteza
mental sobre o mujique. O camarada Mákhov dizia: «É precisamente porque considero o mujique
inteligente, na medida do seu estreito ponto de vista de classe, que creio que ele apoiará o ideal
pequeno-burguês da apropriação e da partilha.» Visivelmente, confundem-se aqui duas coisas: a
definição do ponto de vista de classe do mujique, considerado corno um pequeno burguês, e a
restrição deste ponto de vista, a sua redução a uma «medida estreita». É nesta redução que consiste
o erro dos Egórov e dos Mákhov (tal como o erro dos Martínov e dos Akímov consistia em reduzir
a uma «medida estreita» o ponto de vista do proletário). E, no entanto, a lógica e a história ensinam-
nos que o ponto de vista de classe pequeno-burguês pode ser mais ou menos estreito, mais ou
menos progressivo, precisamente devido à dupla posição do pequeno burguês. E a nossa tarefa não
é de modo nenhum deixar cair os braços de desânimo perante a estreiteza («estupidez») do mujique
ou perante a sua submissão a «preconceitos», mas, pelo contrário, alargar constantemente o seu
ponto de vista, ajudar a sua razão a vencer os preconceitos.
O ponto de vista do «marxismo» vulgar sobre a questão agrária na Rússia teve a sua expressão
culminante nas últimas palavras do discurso do camarada Mákhov no qual este fiel defensor da
velha redacção do Iskra expôs os seus princípios. Por alguma razão as suas palavras foram
recebidas com aplausos... irónicos, é verdade. «Não sei verdadeiramente ao que se possa chamar
uma desgraça» - disse o camarada Mákhov, indignado com a observação de Plekhánov de que o
movimento a favor da partilha negra<ref group = "7">Partilha negra: uma das palavras de ordem populares no seio do campesinato da Rússia tsarista, que exprimia a
aspiração dos camponeses à partilha total da terra.</ref> não nos assustava de modo nenhum, e que não seríamos nós
a entravar esse movimento progressivo (progressivo burguês). «Mas esta revolução, prossegue o
camarada Mákhov, se assim a podemos chamar, não será revolucionária. Diria mais: já não será
revolução, mas reacção (risos), uma revolução parecida com um motim... Tal revolução far-nos-á
recuar e levará certo tempo a voltar ao ponto em que estamos hoje. Presentemente temos muito
mais do que nos tempos da Revolução Francesa (aplausos irónicos); temos um partido social-
democrata (risos)...» Sim, um partido social-democrata que raciocinasse como Mákhov, ou com instituições centrais apoiadas nos Mákhov, não merecia de facto mais do que riso...
Assim, vemos que mesmo a propósito de questões puramente de princípio levantadas pelo programa
agrário, o agrupamento que já conhecemos manifestou-se imediatamente. Os anti-iskristas (8 votos)
lançam-se numa cruzada em nome do marxismo vulgar; os chefes do «centro», os Egórov e os
Mákhov, seguem-nos, desorientando-se e desviando-se constantemente para o mesmo ponto de
vista estreito. É por isso que é natural que em certos pontos do programa agrário a votação
apresente resultados de 30 a 35 votos a favor (pp. 225 e 226), ou seja, exactamente o número
aproximado que já observámos quando da discussão do lugar a atribuir à questão do Bund, quando
do incidente do CO e quando se tratou do encerramento do Iújni Rabótchi. Basta que se levante uma
questão um pouco fora dos esquemas habituais e já estabelecidos e exigindo que a teoria de Marx se
aplique com um mínimo de independência a relações económico-sociais particulares e novas (novas
para os alemães) para que logo os iskristas capazes de se manterem à altura da situação se reduzam
a 3/5 dos votos e todo o «centro» se coloque imediatamente ao lado dos Líber e dos Martínov. E o
camarada Mártov ainda tenta encobrir este facto evidente, omitindo receosamente as votações em
que os matizes se revelaram claramente!
Os debates sobre o programa agrário mostram claramente a luta travada pelos iskristas contra dois
quintos bem contados do congresso. Os delegados caucasianos assumiram nesta questão uma
posição perfeitamente correcta, em grande parte, sem dúvida, graças ao seu conhecimento profundo
das formas locais de inúmeras sobrevivências feudais, o que os preservou das meras contraposições
abstractas e escolares com que se contentavam os Mákhov. Contra Martínov e Líber, contra Mákhov
e Egórov, levantaram-se tanto Plekhánov como Gússev (que confirmou que «bastantes vezes lhe
tinha acontecido encontrar entre os camaradas que actuavam na Rússia concepções tão pessimistas»
... como as do camarada Egórov... «sobre o nosso trabalho no campo») como ainda Kostrov, Kárski
e Trótski. Este assinala com razão que os «bem intencionados conselhos» dos críticos do programa
agrário «cheiram demasiado a filistinismo». Apenas é preciso notar, no respeitante ao estudo dos
agrupamentos políticos no congresso, que nesta passagem do seu discurso (p. 208) talvez não tenha
tido razão ao colocar o camarada Langue ao lado de Egórov e Mákhov. Quem ler atentamente as
actas verá que a posição de Langue e Górine difere totalmente da de Egórov e Mákhov. A
formulação do ponto referente aos otrézki desagrada a Langue e Górine: eles compreendem
plenamente a ideia do nosso programa agrário, mas tentam aplicá-lo de outro modo; trabalham
positivamente para encontrar uma fórmula mais impecável, do seu ponto de vista, e apresentam
projectos de resoluções para convencer os autores do programa, ou para se porem ao seu lado contra
todos os não-iskristas. Basta comparar, por exemplo, as propostas de Mákhov sobre a rejeição de
todo o programa agrário (p. 212, nove a favor, 38 contra) e os seus diferentes pontos (p. 216, etc.)
com a posição de Langue, que propõe uma redacção própria do ponto sobre os otrézki (p. 225),
para nos convencermos da diferença radical entre eles.<ref group = "7">Cf. o discurso de Górine, p. 213.</ref>
Falando em seguida dos argumentos que cheiram a «filistinismo», o camarada Trótski assinalava
que, «no período revolucionário que se aproxima, devemos ligar-nos ao campesinato» ... «Perante
esta tarefa, o cepticismo e “perspicácia” política de Mákhov e Egórov são mais prejudiciais do que
qualquer miopia.» O camarada Kóstitch, outro iskrista da minoria, assinalou muito justamente «a
falta de segurança em si mesmo e na sua firmeza no plano dos princípios » do camarada Mákhov -
caracterização que se ajusta perfeitamente ao nosso «centro». «No seu pessimismo, o camarada
Mákhov coincide com o camarada Egórov, embora haja matizes entre ambos - prossegue o
camarada Kóstitch. - Ele esquece que os sociais-democratas já trabalham entre o campesinato, que
onde é possível dirigem já o seu movimento. E com o seu pessimismo restringem a envergadura do
nosso trabalho» (p. 210).
Para terminarmos com os debates surgidos no congresso sobre o programa, assinalemos ainda as
curtas discussões sobre o apoio a conceder às tendências de oposição. No nosso programa diz-se
explicitamente que o partido social-democrata apoia «todo o movimento de oposição e
revolucionário dirigido contra o regime social e político existente na Rússia». Pareceria que esta
última reserva mostra com bastante clareza quais são precisamente as tendências de oposição que
apoiamos. No entanto, também aqui os diferentes matizes há muito definidos no nosso partido
imediatamente se manifestaram, apesar de ser difícil supor que sobre uma questão tão repisada
pudessem ainda subsistir «dúvidas e mal-entendidos»! Evidentemente, tratava-se não de mal-
entendidos mas de matizes. Mákhov, Líber e Martínov imediatamente deram o alarme e
encontraram-se novamente em minoria tão «compacta» que, também aqui, o camarada Mártov
deveria talvez ter explicado isto por uma intriga, maquinações, pela diplomacia e outras coisas
encantadoras (ver o seu discurso no congresso da Liga), às quais recorrem as pessoas incapazes de
compreender as razões políticas da formação de grupos «compactos», quer da minoria, quer da
maioria.
Ainda desta vez, Mákhov começa por uma simplificação vulgar do marxismo. «A nossa única
classe revolucionária é o proletariado - declara; mas desta premissa correcta tira imediatamente uma
conclusão falsa - o resto, não conta, são penduras (riso geral)... Sim, penduras, e a única coisa que
querem é aproveitar-se. Sou contra que os apoiemos» (p. 226). A formulação inimitável que o
camarada Mákhov deu à sua posição confundiu muitos (dos seus partidários), mas, na realidade,
tanto Líber como Martínov estiveram de acordo com ele quando propuseram suprimir a palavra «de
oposição», ou limitá-la, acrescentando «de oposição democrática». Contra esta emenda de Martínov
insurgiu-se com razão Plekhánov. «Devemos criticar os liberais - disse - desmascarar a sua posição
ambígua. Isso é verdade... Mas, ao desmascarar a estreiteza e limitação de todos os movimentos que
não o movimento social-democrata, temos o dever de explicar ao proletariado que, em comparação
com o absolutismo, mesmo uma constituição que não concedesse o sufrágio universal seria um
passo em frente e que, por consequência, o proletariado não deve preferir o actual regime a uma
constituição desse tipo.» Os camaradas Martínov, Líber e Mákhov não estão de acordo com isto e
persistem na sua posição, contra a qual dirigem os seus ataques Axelrod, Starover, Trótski e
novamente Plekhánov. Aqui o camarada Mákhov bateu-se a si próprio mais uma vez. Primeiro,
declarou que as outras classes (excepto o proletariado) «não contam» e que «é contra que as
apoiemos». Em seguida, suavizou-se e admitiu que, «mesmo sendo no fundo reaccionária, a
burguesia é muitas vezes revolucionária, quando se trata, por exemplo, de combater o feudalismo e
os seus vestígios». «Mas há grupos - continuou, rectificando sem rectificar nada - que são sempre
(?) reaccionários, como os artesãos, por exemplo.» Estas as pérolas em matéria de princípios a que
chegaram estes líderes do nosso «centro», os mesmos que, mais tarde, com espuma na boca,
defenderam a velha redacção! Foram exactamente os artesãos, mesmo na Europa ocidental, onde a
organização corporativa era tão forte, que demonstraram, como aliás outros pequenos burgueses das
cidades, um extraordinário espírito revolucionário na época da queda do absolutismo. Precisamente
para um social-democrata russo, é especialmente absurdo repetir sem reflexão o que os camaradas
do Ocidente dizem dos actuais artesãos um século ou meio século depois da queda do absolutismo.
Afirmar na Rússia que no aspecto político os artesãos são reaccionários comparados com a
burguesia é simplesmente retomar uma frase feita, aprendida de cor.
É lamentável que as actas não tenham conservado nenhuma indicação quanto ao número de votos
obtidos pelas emendas rejeitadas de Martínov, Mákhov e Líber sobre este ponto. Só podemos dizer
que os líderes dos elementos anti-iskristas e um dos líderes do «centro»<ref group = "7">O outro líder deste mesmo grupo, do «centro», o camarada Egórov, exprimiu noutro lugar a sua opinião, quando se
tratava da resolução de Axelrod sobre os socialistas-revolucionários (p. 359), sobre o apoio às tendências de
oposição. O camarada Egórov viu uma «contradição» entre a exigência de apoiar todo o movimento de oposição e
revolucionário, que figura no programa, e a atitude negativa perante os socialistas-revolucionários e os liberais.
Abordando a questão doutra forma, e de um ponto de vista um pouco diferente, o camarada Egórov deu aqui provas
da mesma concepção estreita do marxismo e da mesma atitude hesitante, meio hostil, para com a posição (por ele «reconhecida») do Iskra, como o fizeram os camaradas Mákhov, Eíber e Martínov. (Nota do Autor)
Socialistas-revolucionários: partido pequeno-burguês que surgiu na Rússia nos fins de 1901 e princípios de 1902,
em resultado da fusão de vários grupos e círculos populistas.
O partido dos bolchevique desmascarava as tentativas dos socialistas-revolucionários de se fazerem passar por
socialistas, travava uma luta tenaz com os socialistas-revolucionários pela influência sobre o campesinato, mostrava
o prejuízo que a sua táctica do terror individual acarretava para o movimento operário. Ao mesmo tempo, os
bolcheviques aceitavam, em certas condições, acordos temporários com os socialistas-revolucionários na luta contra
o tsarismo. Nos anos da primeira revolução russa (1905-1907) separou-se do partido dos socialistas-revolucionários
a ala direita, que formou o Partido Socialista Popular do Trabalho, partido legal que, pelas suas concepções, estava
próximo dos democratas-constitucionalistas, e a ala esquerda, que formou a união semianarquista dos maximalistas.
Durante o período da reacção de Stolípine (1907-1910), o partido dos socialistas-revolucionários atingiu uma
desagregação completa no campo da ideologia e da organização. Nos anos da primeira guerra mundial a maioria dos
socialistas-revolucionários ocuparam as posições do social-chauvinismo.
Depois da vitória da revolução democrática burguesa de Fevereiro de 1917, os socialistas-revolucionários, em
conjunto com os mencheviques e os democratas-constitucionalistas, foram o apoio principal do governo provisório
contra-revolucionário da burguesia e dos latifundiários, e os seus dirigentes (Kérenski, Avéntiev, Tchernov) faziam
parte dele.
O partido dos socialistas-revolucionários negou-se a apoiar as exigências do campesinato de liquidação da
propriedade latifundiária da terra, pronunciando-se a favor da sua conservação. Os ministros socialistas-
revolucionários do governo provisório mandavam destacamentos punitivos contra os camponeses que se
apoderavam das terras dos latifundiários.
Durante os anos da intervenção militar estrangeira e da guerra civil os socialistas-revolucionários apoiaram
activamente os intervencionistas e os guardas brancos, participaram nas conspirações contra-revolucionárias,
organizaram actos terroristas contra personalidades do Estado soviético e do Partido Comunista. </ref> se coligaram ainda desta
vez contra os iskristas, no agrupamento que já conhecemos. Ao fazer o balanço de todos os debates
do programa, não podemos deixar de concluir que nem uma só vez vimos um debate animado e de
interesse geral que não tenha assinalado a diferença de matizes, escamoteada hoje pelo camarada
Mártov e pela nova redacção do Iskra.
===Notas===
<references group = "7"/>
==g) Os Estatutos do Partido. Projecto do Camarada Mártov==
Depois do programa, o congresso passou aos estatutos do partido (deixamos de lado a questão
acima mencionada do OC, assim como os relatórios dos delegados, a maior parte dos quais os não
puderam apresentar, infelizmente, duma maneira satisfatória). É inútil dizer que a questão dos
estatutos tinha para todos nós uma importância imensa. Com efeito, desde o princípio, o Iskra tinha
agido não só como órgão literário, mas também como célula de organização. No editorial do n° 4
(Por onde Começar?), o Iskra tinha proposto todo um plano de organização<ref group = "8">No discurso pronunciado sobre o reconhecimento do Iskra como Órgão Central, o camarada Popov, entre outras
coisas, disse o seguinte: «Recordo o artigo Por onde Começar?, publicado no número 3 ou 4 do Iskra. Muitos dos
camaradas que naquela ocasião actuavam na Rússia acharam-no falho de tacto; a outros, o plano parecia fantástico,
e a maioria (provavelmente a maioria das pessoas que rodeavam Popov) explicava-o apenas por ambição» (p. 140).
Como o leitor pode ver, estou já acostumado a esta explicação das minhas opiniões políticas como ambição,
explicação que agora repetem o camarada Axelrod e o camarada Mártov. (Nota do Autor)</ref>, e aplicou esse plano
invariavelmente e de modo sistemático durante três anos. Quando o segundo congresso do partido
reconheceu o Iskra como Órgão Central, dos três pontos de considerandos da resolução (p. 147)
dois eram consagrados precisamente a este plano de organização e às ideias do «Iskra» em
matéria de organização: ao seu papel na direcção do trabalho prático do partido e ao seu papel
dirigente no trabalho de unificação. É pois perfeitamente natural que o trabalho do Iskra e toda a
obra de organização do partido, toda a obra de restabelecimento efectivo do partido, não pudessem
ser considerados acabados antes que todo o partido reconhecesse e fixasse formalmente certas
ideias em matéria de organização. Esta função devia ser cumprida pelos estatutos de organização do
partido.
As ideias fundamentais que o Iskra pretendia pôr na base da organização do partido resumiam-se,
no fundo, às duas seguintes. A primeira, a ideia do centralismo, definia em princípio o modo de
resolver todos os numerosos problemas de organização particulares e de pormenor. A segunda,
respeitante à função particular de um órgão ideológico dirigente, de um jornal, tinha em conta as necessidades temporárias e específicas precisamente do movimento operário social-democrata
russo, nas condições de um regime de escravidão política, com a condição de criar no estrangeiro
uma base inicial de operações para o assalto revolucionário. A primeira ideia, como a única ideia de
princípios, devia penetrar todos os estatutos; a segunda, como ideia particular, originada por
circunstâncias temporárias de lugar e modo de acção, traduzia-se num afastamento aparente do
centralismo, na criação de dois centros, o OC e o CC. Estas duas ideias fundamentais do Iskra
acerca da organização do partido foram por mim desenvolvidas no editorial do Iskra (n° 4) Por
onde Começar?<ref group = "8">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 5, pp. 1-13. (N. Ed.)</ref> e em Que Fazer?<ref group = "8">Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p.79. (N. Ed.)</ref>, e, finalmente, explicadas pormenorizadamente, quase sob
forma de estatutos, na Carta a Um Camarada<ref group = "8">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 7-25. (N. Ed.)</ref>. Na realidade, já só restava o trabalho de redacção
para formular os parágrafos dos estatutos que deviam dar corpo precisamente a estas ideias, se o
reconhecimento do Iskra não era para ficar no papel, se não era meramente uma frase convencional.
No prefácio à nova edição da Carta a Um Camarada apontei já que basta uma simples comparação
entre os estatutos do partido e essa brochura para estabelecer a completa identidade das ideias de
organização em ambos.<ref group = "8">Veribidem, pp. 5-6. (N. Ed.)</ref>
A propósito do trabalho de redacção para formular as ideias iskristas de organização nos estatutos
tenho de aludir a um incidente mencionado pelo camarada Mártov. «...Uma referência aos factos
mostrar-vos-á - dizia Mártov no congresso da Liga (p. 58) - como foi inesperado para Lénine o meu
desvio para o oportunismo quanto a este parágrafo (isto é, o primeiro). Mês e meio ou dois meses
antes do congresso, tinha mostrado a Lénine o meu projecto, em que o §1 estava redigido
exactamente como o propus no congresso. Lénine pronunciou-se contra o meu projecto por ser
excessivamente pormenorizado, e disse-me que só lhe agradava a ideia do §1 - a definição de
filiação -, que incluiria nos seus estatutos com modificações, pois achava pouco feliz a minha
formulação. Assim, Lénine conhecia há muito a minha formulação, conhecia a minha opinião sobre
este assunto. Como vedes, fui para o congresso de viseira levantada, sem esconder as minhas
opiniões. Preveni que combateria a cooptação recíproca, o princípio da unanimidade na cooptação
para o Comité Central, para o Órgão Central, etc.»
No que diz respeito ao aviso relativo à luta contra a cooptação recíproca, veremos no lugar próprio
como se apresentavam as coisas. Detenhamo-nos agora nesta «viseira levantada» dos estatutos de
Mártov. Ao expor à Liga, de memória, o episódio do seu projecto pouco feliz (que o próprio Mártov
retirou do congresso como pouco feliz, mas que, depois do congresso, com a sua consequência
habitual, voltou a trazer à luz do dia), Mártov, como acontece muitas vezes, esqueceu muitas coisas
e por isso mais uma vez voltou a emaranhá-las. Parece que já havia factos bastantes para evitar as
referências a conversas privadas e à sua memória (as pessoas involuntariamente só se lembram do
que lhes convém!), e, não obstante, o camarada Mártov, à falta de outros materiais, usa dados de
péssima qualidade. Agora mesmo o camarada Plekhánov começa a imitá-lo - pelos vistos os maus
exemplos são contagiosos.
A «ideia» do parágrafo um do projecto de Mártov não podia «agradar-me», porque não havia nesse
projecto nenhuma ideia que tenha surgido no congresso. Falhou-lhe a memória. Tive a sorte de
encontrar entre os meus papéis o projecto de Mártov, em que «o parágrafo um não está redigido
do modo que ele propôs no congresso»! Aqui está a «viseira levantada»!
§1. do projecto de Mártov: «Considera-se como pertencente ao Partido Operário Social-Democrata
da Rússia todo aquele que, aceitando o seu programa, trabalha activamente para levar à prática os
seus objectivos sob o controlo e a direcção dos órgãos (sic!) do partido.»
§1. do meu projecto: «Considera-se membro do partido todo aquele que aceita o programa e apoia o
partido tanto materialmente como pela sua participação pessoal numa das organizações do partido.»
§1. da fórmula proposta por Mártov no congresso e adoptada pelo congresso: «Considera-se
membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que aceita o seu programa,
apoia materialmente o partido e lhe dá o seu apoio pessoal regular sob a direcção de uma das suas
organizações.»
Desta comparação ressalta claramente que o projecto de Mártov não contém nenhuma ideia, mas
apenas uma frase oca. Que os membros do partido trabalham sob o controlo e a direcção dos
órgãos do partido, isso é evidente, isso não pode ser doutro modo, e só fala disso quem gosta de
falar para não dizer nada, quem gosta de encher os «estatutos» de uma torrente de palavreado e
fórmulas burocráticas (isto é, desnecessárias para o trabalho e pretensamente necessárias para o
aparato). A ideia do parágrafo um só aparece quando se põe a questão: podem os órgãos do partido
dirigir de facto membros do partido que não pertencem a nenhuma organização do partido? Não
há vestígio sequer desta ideia no projecto do camarada Mártov. Portanto, eu não podia conhecer a
«opinião» do camarada Martóv «sobre este ponto», porque no projecto do camarada Mártov não há
nenhuma opinião sobre este assunto. A referência aos factos do camarada Mártov revela-se
apenas um emaranhado.
Pelo contrário, justamente do camarada Mártov há que dizer que ele, pelo meu projecto, «conhecia
a minha opinião sobre este assunto» e não protestou contra ela, não a rejeitou, nem no colégio de
redacção, se bem que o meu projecto tenha sido mostrado a todos duas ou três semanas antes do
congresso, nem perante os delegados, que tomaram conhecimento unicamente do meu projecto.
Mais ainda. Mesmo no congresso, quando apresentei o meu projecto de estatutos<ref group = "8">A propósito. A comissão de actas publicou no anexo XI o projecto de estatutos «apresentado ao congresso por
Lénine» (p. 393). Também a comissão emaranhou um pouco as coisas neste ponto. Confundiu o meu projecto
inicial (ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 256-258 -N. Ed.), que foi mostrado a todos os
delegados (e a muitíssimos antes do Congresso), com o que apresentei no congresso, e publicou o primeiro como
se fosse o segundo. Eu, naturalmente, não tenho nada contra a publicação dos meus projectos, mesmo em todos os
graus da sua preparação, mas nem por isso se devia confundir as coisas. E, no entanto, causou-se confusão,
porque Popov e Mártov (pp. 154 e 157) criticam, no projecto que apresentei realmente ao congresso, formulações
que não existem no projecto publicado pela comissão de actas (cfr. p. 394, §§ 7 e 11). Com um pouco mais de
atenção, bastava ter confrontado as páginas que eu indicava para notar o erro. (Nota do Autor)</ref> e o defendi antes
da eleição da comissão dos estatutos, o camarada Mártov declarou claramente: «Apoio as
conclusões do camarada Lénine. Só não estou de acordo com ele em duas questões» (sublinhado
por mim): no modo de constituição do Conselho e na cooptação por unanimidade (p. 157). Quanto a
um desacordo sobre o § l ainda não se diz nem uma palavra.
Na sua brochura sobre o estado de sítio, o camarada Mártov considerou necessário recordar uma
vez mais, e em grande pormenor, os seus estatutos. Assegura aí que os seus estatutos, os quais ainda
agora (Fevereiro de 1904 - não sabemos o que acontecerá daqui a três meses) está pronto a
subscrever, com excepção de algumas particularidades secundárias, «exprimiam com bastante
clareza a sua atitude negativa em relação à hipertrofia do centralismo» (p. IV). O facto de não ter
apresentado esse projecto ao congresso é agora explicado pelo camarada Mártov, em primeiro
lugar, pelo facto de «a educação iskrista lhe ter inspirado uma atitude de desprezo pelos estatutos»
(quando agrada ao camarada Mártov, a palavra iskrista não significa para ele estreito espírito de
círculo, mas a mais consequente das tendências! Só é pena que três anos de educação iskrista não
tenham inspirado ao camarada Mártov uma atitude de desprezo pela fraseologia anarquista, com a
qual a instabilidade de um intelectual é capaz de justificar a violação de estatutos adoptados de
comum acordo). Em segundo lugar, vede bem, ele, o camarada Mártov, quis evitar «introduzir a
mínima dissonância na táctica desse núcleo organizativo fundamental que era o Iskra». Isto é de
uma maravilhosa consequência! Na questão de princípio sobre a formulação oportunista do §1 ou da hipertrofia do centralismo, o camarada Mártov receou de tal modo a dissonância (que só é
terrível do mais estreito ponto de vista do círculo) que não apresentou as suas divergências mesmo
perante um núcleo como a redacção! Na questão prática da composição dos centros, o camarada
Mártov pediu a ajuda do Bund e dos partidários da Rabótcheie Dielo contra o voto da maioria dos
membros da organização do Iskra (verdadeiro núcleo organizativo fundamental). O camarada
Mártov não se dá conta da «dissonância» das suas próprias frases quando se vale de processos
próprios dos círculos em defesa da quase-redacção para renegar o «espírito de círculo» na
apreciação do problema pelos que são mais competentes. Para o castigar, citaremos integralmente
o seu projecto de estatutos, marcando, por nosso lado, os pontos de vista e a hipertrofia que
revela25.
«Projecto de estatutos do partido. - I. Filiação no partido. - 1) Considera-se como pertencente ao
Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que, aceitando o seu programa, trabalha
activamente para levar à prática os seus objectivos sob o controlo e a direcção dos órgãos do
partido. - 2) A expulsão de um membro do partido por actos incompatíveis com os interesses do
partido é decidida pelo Comité Central. [A sentença com os motivos de expulsão é conservada nos
arquivos do partido e comunicada, se requerido, a cada comité do partido. Pode-se apelar para o
congresso da decisão de expulsão tomada pelo CC desde que dois ou mais comités o requeiram]»...
Indicarei com parêntesis rectos os preceitos do projecto de Mártov evidentemente vazios de
sentido, que não só não contêm qualquer «ideia», mas nem sequer nenhuma condição ou exigência
precisa, como é o caso inimitável de indicar nos «estatutos» onde precisamente se deverá
conservar a sentença, ou então a referência ao facto de se poder apelar para o congresso das
decisões do CC, relativas à expulsão (e não de todas as suas decisões em geral?). Eis precisamente
uma hipertrofia de frase, ou um verdadeiro formalismo burocrático, no sentido da inclusão de
pontos e parágrafos que são visivelmente supérfluos, inúteis ou dilatórios. «... II. Comités locais.-3)
No seu trabalho local, o partido é representado pelos comités do partido...» (Que novo e que
profundo!) «...4) [Consideram-se comités do partido os existentes ao realizar-se o segundo
congresso e representados nele, com a composição que tenham neste momento.] - 5) Os novos
comités do partido, além dos mencionados no § 4, são designados pelo Comité Central [que
reconhece como comité a composição que no momento dado tenha a organização local, ou que
constitui o comité local reformando esta última]. - 6) Os comités completam o número dos seus
membros por meio da cooptação. - 7) O CC tem o direito de completar o número de membros de
um comité local com outros camaradas (que conheça), de modo que o seu número não ultrapasse
um terço do número total de membros...» Modelo de burocracia: porque não mais do que um terço?
Qual é o objectivo disto? Qual o sentido desta restrição que não restringe nada, visto que este modo
de completar pode ser repetido muitas vezes? «... 8) [No caso de um comité local se ter
desagregado ou ter sido desfeito» (quer isto dizer que nem todos os seus membros foram presos?)
«pela repressão, o CC restabelece-o»]... (agora sem ter em conta o § 7.? O camarada Mártov não
acha que o § 8. se parece com as leis russas sobre a moral pública, que mandam trabalhar nos dias
de semana e descansar nos dias feriados?) «...9. [O congresso ordinário do partido pode encarregar
o CC de reformar a composição de qualquer comité local cuja actividade seja considerada
incompatível com os interesses do partido. Neste último caso, declara-se dissolvido o dito comité e
consideram-se os camaradas do local em que funciona desligados de qualquer subordinação26 a
ele»]... A regra contida neste parágrafo é tão altamente útil como o artigo que ainda hoje figura nas
leis russas e que diz: O alcoolismo é proibido a todos e a cada um. «... 10. [Os comités locais do
partido dirigem todo o trabalho de propaganda, agitação e organização do partido na localidade e
dão o seu concurso, segundo as suas possibilidades, ao CC e ao OC do partido na execução das
tarefas gerais do partido de que foram incumbidos»] ... Uf! Mas para que serve isto, em nome de
25 Devo assinalar que, infelizmente, não consegui encontrar a primeira variante do projecto de Mártov, que consistia
em qualquer coisa como 48 parágrafos e sofria ainda mais duma «hipertrofia» de formalismo inútil. (Nota do Autor)
26 Chamamos a atenção do camarada Axelrod para esta palavrinha. Vejam só que horror! Eis onde estão as raízes do
«jacobinismo» que vai ao ponto de... modificar a composição da redacção... (Nota do Autor)
todos os santos?... 11). [«Ó regulamento interno de uma organização local, as relações recíprocas
entre o comité e os grupos que lhe estão subordinados» (está a ouvir, está a ouvir, camarada
Axelrod?) «e os limites de competência e autonomia» (e os limites de competência não serão o
mesmo que os limites de autonomia?) «destes grupos são estabelecidos pelo próprio comité e
levados ao conhecimento do CC e da redacção do OC»]... (Uma lacuna: não se diz onde são
guardadas essas comunicações) ...«12. [Todos os grupos e membros individuais do partido
subordinados aos comités têm o direito de exigir que as suas opiniões e desejos sobre qualquer
questão sejam comunicados ao CC do partido e aos seus Órgãos Centrais.] - 13. Cada comité local
do partido tem o dever de descontar das suas receitas uma parte que corresponde à caixa do CC
segundo distribuição a efectuar pelo CC. - III. Organizações destinadas à agitação em diversas
línguas (para além do russo). -14. [Para a agitação numa das línguas não russas e para a organização
dos operários entre os quais se faz esta agitação, podem constituir-se organizações à parte nos
pontos onde for imprescindível especializar essa agitação e estabelecer tal organização separada.] -
15. O cuidado de resolver a questão de saber em que medida existe esta necessidade é deixado ao
CC do partido, e em caso de contestação, ao congresso do partido» ... A primeira parte do parágrafo
é supérflua, se tivermos em conta o estipulado a seguir nos estatutos, e a segunda parte sobre os
casos de contestação é simplesmente ridícula... «16. [As organizações locais a que faz referência o §
14 são autónomas quanto aos seus objectivos especiais, mas actuam sob controlo do comité local e
a ele estão subordinadas, e as formas deste controlo e as normas das relações de organização entre o
comité e a organização especial, é o comité local que as estabelece»... (Graças a Deus! Vemos agora
muito claramente como era inútil alinhar toda esta torrente de palavras ocas)... «No tocante aos
assuntos gerais do partido, estas organizações actuam como parte da organização do comité.] - 17.
[As organizações locais a que faz referência o § 14 podem formar uma união autónoma para realizar
com êxito os seus objectivos especiais. Tal união pode ter os seus órgãos especiais administrativos e
literários ficando ambos submetidos ao controlo directo do CC do partido. Os estatutos desta união
são elaborados por ela própria, mas ratificados pelo CC do partido.] -18. [Podem igualmente fazer
parte da união autónoma a que faz referência o § 17 os comités locais do partido se, atendendo às
condições locais, se dedicarem principalmente à agitação na língua correspondente. Nota. Sendo
parte constitutiva de uma união autónoma, tal comité não deixa de ser um comité do partido»]...
(todo o parágrafo é extremamente útil e superiormente inteligente e a nota mais do que tudo o
resto)... «19. [As organizações locais pertencentes à união autónoma, nas suas relações com os
órgãos centrais da união, ficaram submetidas ao controlo dos comités locais.] -20. [Os órgãos
centrais, literários e administrativos, das uniões autónomas estão nas mesmas relações com o CC
que os comités locais do partido.) - IV. O Comité Central e os órgãos literários do partido. - 21. [Os
representantes de todo o partido na sua totalidade são o CC e os órgãos literários, político e
científico.] - 22. Cabe ao CC a direcção geral de toda a actividade prática do partido; o cuidado de
utilizar e repartir judiciosamente todas as suas forças; o controlo da actividade de todos os sectores
do partido; o fornecimento de literatura às organizações locais; a organização do aparelho técnico
do partido; a convocação dos congressos do partido. - 23. Cabe aos órgãos literários do partido a
direcção ideológica da vida do partido; a propaganda do programa do partido e a elaboração
científica e publicística da concepção do mundo da social-democracia. - 24. Todos os comités locais
do partido e as uniões autónomas estão em ligação directa tanto com o CC do partido, como com a
redacção dos órgãos do partido, levando periodicamente ao seu conhecimento a marcha do
movimento e do trabalho de organização na área local. - 25. A redacção dos órgãos literários do
partido é designada pelo congresso do partido e está em funções até ao congresso seguinte. - 26. [A
redacção é autónoma nos seus assuntos internos] e pode, no intervalo entre os congressos,
completar ou modificar a sua composição, informando o CC em cada caso. - 27. Todos os
comunicados emanados do CC ou por ele sancionados são publicados no órgão do partido, a pedido
do CC. - 28. O CC, de acordo com a redacção dos órgãos do partido, cria grupos especiais de
escritores para várias formas de trabalho literário. - 29. O CC é designado pelo congresso do partido
e está em funções até ao congresso seguinte. O CC completa a sua composição por cooptação em
número ilimitado, informando em cada caso a redacção dos órgãos centrais do partido. - V. A
organização do partido no estrangeiro. - 30. A organização do partido no estrangeiro realiza a
propaganda entre os russos residentes no estrangeiro, e a organização dos elementos socialistas
existentes entre eles. À sua frente está uma administração eleita. - 31. As uniões autónomas que
façam parte do partido podem ter as suas secções no estrangeiro para realizarem as tarefas especiais
destas uniões. Estas secções, na qualidade de grupos autónomos, pertencem à organização geral no
estrangeiro. - VI. Os congressos do partido. - 32. O congresso é a instância suprema do partido. -
33. [O congresso do partido estabelece o seu programa, os seus estatutos e os princípios
orientadores da sua actividade; controla o trabalho de todos os órgãos do partido e resolve os
conflitos entre eles.] - 34. Estão representados no congresso: a) todos os comités locais do partido;
b) os órgãos administrativos centrais de todas as uniões autónomas que pertençam ao partido; c) o
CC do partido e as redacções dos seus órgãos centrais; d) a organização do partido no estrangeiro. -
35. A transmissão de mandatos é autorizada, mas sob a condição de um delegado não representar
mais de três mandatos efectivos. É permitido dividir um mandato entre dois representantes. Não são
admitidos mandatos imperativos. - 36. O CC tem o direito de convidar para o congresso, com voto
consultivo, os camaradas cuja presença possa ser útil. - 37. Para introduzir modificações no
programa ou nos estatutos do partido é preciso que haja uma maioria de dois terços dos votos
presentes; as outras questões são resolvidas por maioria simples. - 38. Considera-se válido um
congresso se mais de metade de todos os comités do partido existentes à data do congresso nele
estiverem representados. - 39. O congresso reúne-se, na medida do possível, uma vez de dois em
dois anos. [No caso de surgirem dificuldades para reunir o congresso nesse prazo, independentes da
vontade do CC, este pode adiá-lo sob a sua responsabilidade»].
O leitor que, excepcionalmente, teve a paciência de ler até ao fim estes pretensos estatutos, não nos
exigirá certamente um exame especial das conclusões seguintes. Primeira conclusão: os estatutos
sofrem de uma hidropisia dificilmente curável. Segunda conclusão: é impossível descobrir neles
qualquer sombra de pontos de vista organizativos que demonstrem uma atitude negativa face à
hipertrofia do centralismo. Terceira conclusão: o camarada Mártov procedeu muito razoavelmente,
sonegando aos olhos das pessoas (e ao exame do congresso) mais de 38/39 dos seus estatutos. A
única coisa que não deixa de ser original é que, a propósito desta sonegação, se fale de viseira
levantada.
h) DISCUSSÃO SOBRE O CENTRALISMO ANTES DA CISÃO ENTRE OS ISKRISTAS
Antes de passar à questão, verdadeiramente interessante, da formulação do § 1 dos estatutos,
questão que indubitavelmente revela diversos matizes de opinião, deter-nos-emos ainda um pouco
na curta discussão geral relativa aos estatutos, que ocupou a 14ª sessão do congresso e parte da 15ª
Esta discussão tem uma certa importância porque precedeu o completo desacordo na organização
do Iskra a propósito da composição dos centros. Ao contrário, as discussões posteriores sobre os
estatutos em geral e a cooptação em particular tiveram lugar depois do nosso desacordo na
organização do Iskra. É natural que antes do desacordo pudéssemos exprimir os nossos pontos de
vista mais imparcialmente, no sentido de uma maior independência dos nossos pontos de vista em
relação ao problema da composição pessoal do CC, que a todos agitou. O camarada Mártov, como
já assinalei, aderiu (p. 157) ao meu ponto de vista em matéria de organização, com a reserva de
discordar em dois pontos de pormenor. Pelo contrário, tanto os anti-iskristas, como o «centro»
entraram imediatamente na liça contra as duas ideias fundamentais de todo o plano de organização
do Iskra (e, em consequência, dos estatutos na sua totalidade): contra o centralismo e contra os
«dois centros». O camarada Líber referiu-se aos meus estatutos como «desconfiança organizada» e
viu (tal como os camaradas Popov e Egórov) descentralismo nos dois centros. O camarada Akímov
exprimiu o desejo de alargar a esfera de competência dos comités locais, concedendo-lhes em
particular a eles próprios «o direito de modificar a sua composição». «É preciso dar-lhes maior
liberdade de acção... Os comités locais devem ser eleitos pelos militantes activos da localidade, tal
como o CC é eleito pelos representantes de todas as organizações activas da Rússia. Mas se mesmo
isto não pode ser concedido, que se limite então o número de membros que o CC pode designar
para trabalhar nos comités locais...» (158). Como vedes, o camarada Akímov sugere aqui um
argumento contra a «hipertrofia do centralismo», mas o camarada Mártov continua surdo a estas
autorizadas indicações, enquanto a sua derrota, quanto à composição dos centros, o não leva a
seguir Akímov. Continua surdo mesmo quando o camarada Akímov lhe sugere a «ideia» dos seus
próprios estatutos (§7: restrição dos direitos do CC de introduzir membros nos comités)! Neste
momento, o camarada Mártov não queria ainda «dissonância» connosco, e é por isso que tolerava a
dissonância com o camarada Akímov tal como consigo próprio... Neste momento, o «monstruoso
centralismo» só era atacado por aqueles a quem não convinha evidentemente o centralismo do
Iskra: era atacado por Akímov, Líber, Goldblat, seguidos com prudência e precaução (de maneira a
poder voltar atrás em qualquer momento) por Egórov (ver pp. 156 e 276), etc. Neste momento, a
imensa maioria do partido dava-se ainda conta com toda a clareza de que eram os interesses de
capelinha, os interesses de círculo do Bund, do Iújni Rabótchi, etc., que provocavam o protesto
contra o centralismo. De resto, mesmo agora, é claro para a maioria do partido que são
precisamente os interesses de círculo da velha redacção do Iskra que provocam o seu protesto
contra o centralismo...
Vede, por exemplo, o discurso do camarada Goldblat (160-161). Ele argumenta contra o meu
centralismo «monstruoso» que, segundo ele, conduz ao «aniquilamento» das organizações
inferiores e «está imbuído da tendência de conceder ao centro um poder ilimitado, o direito
ilimitado de intervir em tudo», que só deixaria às organizações «um único direito, submeter-se sem
um único protesto às ordens vindas de cima», etc. «O centro previsto pelo projecto encontrar-se-á
num espaço vazio, não haverá à sua volta nenhuma periferia, mas simplesmente uma massa amorfa
onde se moverão os seus agentes executores.» Isto é, palavra por palavra, a mesma fraseologia
falsa com que os Mártov e os Axelrod começaram a obsequiar-nos depois da sua derrota no
congresso. O Bund mereceu o riso no congresso quando, lutando contra o nosso centralismo,
concede ao seu próprio centro direitos ilimitados ainda mais claramente especificados (por
exemplo, o direito de introduzir e expulsar membros, e mesmo o de rejeitar delegados aos
congressos). Risos merecerão também, uma vez elucidada a questão, as lamentações da minoria
que clama contra o centralismo e contra os estatutos quando está em minoria, e que mal se converte
em maioria logo se apoia nos estatutos.
Sobre a questão dos dois centros, o agrupamento foi também claramente evidente: contra todos os
iskristas erguem-se também ao mesmo tempo Líber, Akímov (que foi o primeiro a entoar a cantiga
dos Axelrod-Mártov, hoje em moda, sobre o predomínio do OC sobre o CC no Conselho), Popov e
Egórov. O plano dos dois centros decorria naturalmente das ideias que o antigo Iskra sempre tinha
desenvolvido sobre a organização (e que, em palavras, tinham sido aprovadas pelos Popov e
Egórov!). A política do antigo Iskra opunha-se diametralmente aos planos do Iújni Rabótchi, planos
visando a criação de um órgão popular paralelo e a sua transformação num órgão de facto
predominante. Eis aqui a raiz da contradição, tão estranha à primeira vista, de todos os anti-iskristas
e todo o pântano serem a favor de um centro único, isto é, a favor de um centralismo
aparentemente maior. É claro que também houve delegados (sobretudo no pântano) que quase não
compreendiam a que levariam e tinham que levar, pela própria natureza das coisas, os planos de
organização do Iújni Rabótchi. Mas eram impelidos a seguir os anti-iskristas pela sua própria
natureza indecisa e pouco segura de si.
Entre os discursos dos iskristas durante estes debates (que precederam a cisão entre os iskristas)
sobre os estatutos, são particularmente importantes os dos camaradas Mártov («adesão» às minhas
ideias sobre organização) e Trótski. Este último respondeu aos camaradas Akímov e Líber de tal
forma que cada palavra da sua resposta desmascara o que há de falso no comportamento que seguiu
a «minoria» depois do congresso e nas teorias que adoptou depois do congresso. «Os estatutos - diz
ele (o camarada Akímov) - não definem com suficiente precisão a esfera de competência do CC.
Não posso estar de acordo com ele. Pelo contrário, a definição é precisa e significa: na medida em
que o partido é um todo, é preciso assegurar-lhe o controlo dos comités locais. O camarada Líber
disse que os estatutos são, para empregar uma expressão minha, a «desconfiança organizada». É
verdade. Só que eu tinha empregado esta expressão ao falar dos estatutos propostos pelos
representantes do Bund, que eram a desconfiança organizada da parte de um sector do partido face a
todo o partido. Em contrapartida os nossos estatutos» (neste momento, estes estatutos eram
«nossos», até à derrota na questão da composição do centro!) «constituem a desconfiança
organizada do partido face a todos os seus sectores, isto é, o controlo de todas as organizações
locais, regionais, nacionais e outras» (158). Sim, os nossos estatutos foram aqui caracterizados com
precisão, e nós aconselhamos a lembrarem-se mais vezes desta caracterização aqueles que, de
consciência tranquila, afirmam agora que foi a astuta maioria que concebeu a ideia e estabeleceu o
sistema da «desconfiança organizada», ou o que vem a dar no mesmo, do «estado de sítio». Basta
comparar o discurso citado com os discursos do congresso da Liga no Estrangeiro, para obter um
modelo de falta de carácter em política, um exemplo de como mudaram as concepções de Mártov e
Cª, segundo se tratava do seu próprio organismo colectivo ou do organismo colectivo de outrem, de
ordem inferior.
i) O PARÁGRAFO UM DOS ESTATUTOS
Citámos já as diferentes fórmulas à volta das quais se desenrolaram interessantes debates no
congresso. Estes debates ocuparam cerca de duas sessões e terminaram com duas votações
nominais (durante todo o congresso houve somente, se não me engano, oito votações nominais
apenas em casos de particular importância, devido à enorme perda de tempo que acarretam). A
questão aqui abordada era sem dúvida uma questão de princípio. O interesse do congresso pelos
debates era imenso. Participaram na votação todos os delegados, facto raro no nosso congresso
(como em qualquer grande congresso) e que assim testemunha do interesse dos participantes na
discussão.
Qual era, pois, a essência da questão em disputa? Já disse no congresso, e repeti-o depois mais de
uma vez, que «não considero de modo nenhum a nossa divergência (sobre o §1) tão essencial que
dela dependa a vida ou a morte do partido. Se houver um mau artigo nos estatutos, não vamos, de
modo algum, morrer por isso!» (p. 250)27. Esta diferença em si mesma, ainda que revelando matizes
de princípio, não pôde de modo nenhum provocar a divergência (na realidade, para falar sem
rodeios, a cisão) que se declarou depois do congresso. Mas qualquer pequena divergência pode
tornar-se grande se insistirmos nela, se a colocarmos em primeiro plano, se nos pusermos a
investigar todas as suas raízes e ramificações. Qualquer pequena divergência pode tomar uma
enorme importância, se servir de ponto de partida para uma viragem para certas concepções
erradas e se a estas concepções vierem juntar-se, em virtude de novas divergências complementares,
actos anárquicos que levam o partido à cisão.
Esta era precisamente a situação no caso que examinamos. Uma divergência relativamente pouco
importante sobre o §1 tomou agora uma importância enorme, porque foi precisamente o que serviu
de ponto de viragem para subtilezas oportunistas e para a fraseologia anarquista da minoria
(sobretudo no congresso da Liga, e depois também nas colunas do novo Iskra). Esta divergência
marcou o início da coligação da minoria iskrista com os anti-iskristas e com o pântano, que
adquiriu precisamente formas acabadas no momento das eleições, e sem a compreensão da qual é
impossível compreender a divergência essencial, fundamental, a da questão relativa à composição
dos centros. O pequeno erro de Mártov e Axelrod a propósito do § um, constituía uma ligeira fenda
no nosso vaso (como eu disse no congresso da Liga). Teria sido possível amarrar o vaso mais
solidamente, com um nó duplo (e não com um nó corrediço, como tinha julgado ouvir Mártov que,
no congresso da Liga, se encontrava num estado próximo da histeria). Poder-se-ia orientar todos os
27 Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 287. (N. Ed.)
esforços para aumentar a fenda, para quebrar o vaso. Foi o que aconteceu, em consequência do
boicote e de todas as outras idênticas medidas anárquicas dos zelosos partidários de Mártov. A
divergência sobre o § l teve um papel considerável na questão da eleição dos centros, e a derrota de
Mártov neste ponto levou-o à «luta no terreno dos princípios» por meios grosseiramente mecânicos
e até escandalosos (os discursos do congresso da Liga da Social-Democracia Revolucionária Russa
no Estrangeiro).
Hoje, depois de todos esses acontecimentos, a questão do § um tomou assim uma enorme
importância, e devemos compreender com exactidão, tanto o carácter dos agrupamentos no
congresso ao ser votado este §, como - o que é incomparavelmente mais importante - o verdadeiro
carácter dos matizes de opinião que se revelaram ou tinham começado a revelar-se com o § um.
Hoje, em consequência dos acontecimentos conhecidos pelo leitor, a questão apresenta-se como se
segue: ter-se-á reflectido na fórmula de Mártov, defendida por Axelrod, a sua (ou a deles)
instabilidade, vacilação e a sua falta de carácter em política, como disse no congresso do partido
(333) o seu (ou o deles) desvio para o jauressismo e o anarquismo, como supunha Plekhánov no
congresso da Liga (p. 102 e outras das actas da Liga)? Ou será que a minha fórmula, defendida por
Plekhánov, reflectia uma concepção falsa, burocrática, formalista, em estilo pompadur28 e não
social-democrática do centralismo? Oportunismo e anarquismo ou burocracia e formalismo?:
assim está colocada a questão agora, quando a pequena divergência se tornou grande. E
examinando o fundo dos argumentos a favor e contra a minha fórmula, devemos ter presente
precisamente esta maneira de colocar o problema - eu diria historicamente determinada se não
receasse expressões demasiado pomposas - que os acontecimentos nos impuseram a todos.
Comecemos o exame destes argumentos por uma análise dos debates no congresso. O primeiro
discurso, o do camarada Egórov, só nos interessa pelo facto de a sua atitude (non liquet, isto ainda
não é claro para mim, não sei ainda onde está a verdade) ser muito característica de bom número de
delegados, a quem não era fácil orientar-se numa questão efectivamente nova, bastante complexa e
minuciosa. O discurso seguinte, o do camarada Axelrod, põe imediatamente a questão no terreno
dos princípios. É o primeiro discurso com este carácter, ou melhor, é em geral o primeiro discurso
do camarada Axelrod no congresso, e é difícil considerar particularmente feliz a sua estreia com o
famoso «professor». «Creio - dizia o camarada Axelrod - que devemos delimitar os conceitos de
partido e organização. Ora estas duas noções são aqui confundidas. Esta confusão é perigosa.» Tal é
o primeiro argumento contra a minha formulação. Mas examinai-o mais de perto. Quando digo que
o partido deve ser uma soma (não uma simples soma aritmética, mas um complexo) de
organizações29, quer isto dizer que eu «confundo» dois conceitos, partido e organização? É
evidente que não. Exprimo assim, de maneira absolutamente clara e precisa, o meu desejo, a minha
exigência de que o partido, como destacamento de vanguarda da classe, seja algo o mais
organizado possível, que o partido só aceite nas suas fileiras aqueles elementos que admitam, pelo
menos, um mínimo de organização. Pelo contrário, o meu contraditor confunde no partido os
elementos organizados e os não organizados, aqueles a quem se pode dirigir e os que se não pode, os elementos avançados e os que são incorrigivelmente atrasados, porque os atrasados corrigíveis
podem entrar na organização. É esta confusão que é verdadeiramente perigosa. O camarada
Axelrod invoca em seguida as «organizações estritamente conspirativas e centralistas do passado»
(«Terra e Liberdade» e «A Vontade do Povo»): à volta destas organizações «agrupava-se uma
quantidade de pessoas que não pertenciam à organização, mas que a ajudavam de uma forma ou de
outra e eram consideradas membros do partido... Este princípio deve ser aplicado ainda mais
estritamente na organização social-democrata». Cá chegamos a um dos pontos-chave da questão:
«este princípio» que permite que se intitulem membros do partido pessoas que não pertencem a
nenhuma das suas organizações e que somente «o ajudam de uma maneira ou de outra» será
efectivamente um princípio social-democrata? E Plekhánov deu a esta pergunta a única resposta
possível: «Axelrod não tinha razão quando aludia à década de 70. Havia então um centro bem
organizado e admiravelmente disciplinado; este centro tinha à sua volta organizações de diferentes
níveis, criadas por ele próprio, e o que estava fora dessas organizações era caos e anarquia. Os
elementos que constituíam este caos auto-intitulavam-se membros do partido, mas a causa, longe de
ganhar com isso, só perdia. Não devemos imitar a anarquia da década de 70, mas evitá-la.» Assim,
«este princípio», que o camarada Axelrod queria fazer passar por social-democrata, é de facto um
princípio anárquico. Para refutar isto, é preciso demonstrar a possibilidade do controlo, da
direcção e da disciplina à margem da organização, é preciso demonstrar a necessidade de atribuir
aos «elementos do caos» o título de membros do partido. Os defensores da fórmula do camarada
Mártov não demonstraram, e não podiam demonstrar, nem uma coisa nem outra. O camarada
Axelrod citou, a título de exemplo, «um professor que se considera social-democrata e o declara».
Para levar até ao fim o pensamento ilustrado por este exemplo, o camarada Axelrod deveria
perguntar em seguida: os próprios sociais-democratas organizados consideram tal professor um
social-democrata? Como não levantou esta segunda questão, Axelrod deixou a sua argumentação a
meio. De facto, das duas uma. Ou os sociais-democratas organizados reconhecem o professor em
questão como um social-democrata, e então porque não haviam de incluí-lo nesta ou naquela
organização social-democrata? Só na condição de tal integração as «declarações» do professor
estarão em conformidade com os seus actos e não serão apenas frases ocas (ao que de resto se
reduzem com demasiada frequência as declarações professorais). Ou os sociais-democratas
organizados não reconhecem o professor como um social-democrata, e neste caso carece de sentido
e é absurdo, insensato e prejudicial conferir-lhe o direito de usar o título honroso e cheio de
responsabilidade de membro do partido. Trata-se pois de aplicar consequentemente o princípio de
organização, ou consagrar a dispersão e a anarquia. Estamos a construir o partido tomando como
base um núcleo já formado e consolidado de sociais-democratas, núcleo que, por exemplo,
organizou o congresso do partido, e que deve ampliar e multiplicar todo o tipo de organizações do
partido, ou contentamo-nos com a frase tranquilizadora de que todos os que nos ajudam são
membros do partido? «Se adoptamos a fórmula de Lénine - prosseguiu o camarada Axelrod -
deitaremos pela borda fora uma parte dos que, embora não possam ser admitidos directamente na
organização, são, no entanto, membros do partido.» A confusão de conceitos de que queria acusar-
me o camarada Axelrod, aparece agora com plena clareza nas suas próprias palavras: considera já
como um facto que todos os que nos ajudam são membros do partido, enquanto é exactamente este
o ponto contestado, e os contraditores devem primeiro, provar a necessidade e a utilidade de tal
interpretação. Qual o significado desta frase à primeira vista tão terrível: deitar pela borda fora? Se
considerarmos membros do partido apenas os aderentes às organizações que reconhecemos como
organizações do partido, então as pessoas que não possam entrar «directamente» em nenhuma
organização do partido podem, no entanto, militar numa organização que não seja do partido, mas
que esteja em contacto com ele. Por consequência, não se trata de modo algum de deitar pela borda
fora ninguém, isto é, afastar do trabalho, da participação no movimento. Pelo contrário, quanto mais
fortes forem as nossas organizações do partido, englobando verdadeiros sociais-democratas,
quanto menos hesitação e instabilidade houver no interior do partido, mais larga, mais variada,
mais rica e mais fecunda será a influência do partido sobre os elementos das massas operárias que o
rodeiam e por ele são dirigidos. Com efeito, não se pode confundir o partido, como destacamento de
vanguarda da classe operária, com toda a classe. Ora, é justamente nesta confusão (característica do
nosso economismo oportunista em geral) que cai o camarada Axelrod quando diz: «Naturalmente,
estamos a criar, antes de tudo, uma organização dos elementos mais activos do partido, uma
organização de revolucionários; mas como somos um partido de classe, devemos fazer as coisas de
modo a não deixar fora do partido os que, conscientemente, ainda que talvez sem se mostrarem
absolutamente activos, tenham uma ligação com esse partido.» Primeiro, no número dos elementos
activos do partido operário social-democrata, de modo algum figurarão apenas as organizações de
revolucionários, mas toda uma série de organizações operárias, reconhecidas como organizações
do partido. Segundo, por que razão ou em virtude de que lógica se poderia deduzir do facto de
sermos um partido de classe a consequência de não ser preciso estabelecer uma distinção entre os
que pertencem ao partido e os que têm uma ligação com o partido? Muito pelo contrário:
precisamente devido à existência dos diferentes graus de consciência e actividade, é necessário
estabelecer uma diferença no grau de proximidade do partido. Nós somos um partido de classe, e é
por isso que quase toda a classe (e em tempo de guerra, num período de guerra civil,
absolutamente toda a classe) deve agir sob a direcção do nosso partido, deve ter com o nosso
partido a ligação mais estreita possível. Mas seria manilovismo30 e «seguidismo» pensar que sob o
capitalismo quase toda a classe, ou mesmo toda a classe, estará um dia em condições de se elevar ao
ponto de alcançar o grau de consciência e de actividade do seu destacamento de vanguarda, do seu
partido social-democrata. Nunca nenhum social-democrata de bom senso duvidou de que sob o
capitalismo, mesmo a organização sindical (mais rudimentar, mais acessível ao grau de consciência
das camadas não desenvolvidas) não está à altura de englobar quase toda ou toda a classe operária.
Seria unicamente enganar-se a si próprio, fechar os olhos sobre a imensidade das nossas tarefas,
restringir essas tarefas, esquecer a diferença entre o destacamento de vanguarda e toda a massa que
pende para ele, esquecer a obrigação constante do destacamento de vanguarda de elevar camadas
cada vez mais amplas ao seu nível avançado. E é precisamente esse fechar dos olhos e esse
esquecimento que se comete quando se apaga a diferença que existe entre os que têm ligação e os
que entram, entre os conscientes e os activos, por um lado, e os que ajudam, por outro.
Alegar que somos um partido de classe para justificar a dispersão orgânica, para justificar a
confusão entre organização e desorganização, é repetir o erro de Nadéjdine, que confundia «a
questão filosófica e histórico-social das “profundas raízes” do movimento com uma questão técnica
de organização». (Que Fazer?, p. 91)31. É esta confusão, cujo feliz iniciador foi o camarada
Axelrod, que dezenas de vezes repetiram os oradores que defendiam a fórmula do camarada
Mártov. «Quanto mais se difundir o título de membro do partido, tanto melhor» diz Mártov, sem no
entanto explicar qual a utilidade da ampla difusão de um título que não corresponda ao seu
conteúdo. Pode negar-se que o controlo dos membros não pertencentes à organização do partido
seja uma ficção? Uma larga difusão de uma ficção não é útil, antes prejudicial. «Só temos que nos
congratular se cada grevista, cada manifestante, tomando a responsabilidade dos seus actos, puder
declarar-se membro do partido» (p. 239). Será verdade? Qualquer grevista deverá ter o direito de
declarar-se membro do partido? Com esta tese, o camarada Mártov leva de uma assentada o seu
erro até ao absurdo, rebaixando a social-democracia ao grevismo, repetindo as desventuras dos
Akímov. Só temos que nos alegrar se a social-democracia conseguir dirigir cada greve, porque é seu
dever directo e absoluto dirigir todas as manifestações da luta de classe do proletariado, e a greve é
uma das manifestações mais profundas e vigorosas desta luta. Mas seremos seguidistas se
admitirmos que se identifique esta forma elementar de luta, que ipso facto não é mais que uma
forma trade-unionista, com a luta social-democrata, multilateral e consciente. Oportunisticamente,
legitimaremos uma manifesta falsidade, se dermos a cada grevista o direito de «se declarar
membro do partido», porque tal «declaração», num grande número de casos, será uma declaração
falsa. Estaremos a embalar-nos com sonhos manilovianos se tentarmos persuadir-nos a nós próprios e persuadir os outros que cada grevista pode ser social-democrata e membro do partido social-
democrata, dada a infinita fragmentação, opressão e embrutecimento que, sob o capitalismo,
inevitavelmente continuarão a pesar sobre sectores muito amplos de operários «não instruídos», não
qualificados. Justamente o exemplo do «grevista» mostra com particular clareza a diferença entre a
aspiração revolucionária de dirigir cada greve de uma maneira social-democrata, e a fraseologia
oportunista, que declara cada grevista membro do partido. Nós somos um partido de classe, na
medida em que dirijamos efectivamente de um modo social-democrata quase toda ou mesmo toda a
classe do proletariado, mas só os Akímov é que podem deduzir disso que devemos identificar em
palavras o partido e a classe.
«Não receio uma organização de conspiradores», disse no mesmo discurso o camarada Mártov;
mas, acrescentava, «a organização de conspiradores, para mim, só tem sentido se envolvida por um
amplo partido operário social-democrata» (p. 239). Para ser exacto deveria ter dito: se envolvida por
um amplo movimento operário social-democrata. Sob esta forma, a tese do camarada Mártov não
só é indiscutível, como é também um verdadeiro truísmo. Se me detenho neste ponto, é unicamente
porque do truísmo do camarada Mártov os oradores seguintes deduziram o argumento muito
corrente e muito vulgar, de que Lénine queria «reduzir todo o conjunto de membros do partido a
um conjunto de conspiradores». Esta conclusão, que só nos pode fazer sorrir, foi tirada tanto pelo
camarada Possadóvski, como pelo camarada Popov, e quando Martínov e Akímov a retomaram, o
seu verdadeiro carácter, ou seja, o carácter de frase oportunista, tornou-se manifesto. Actualmente,
este mesmo argumento é desenvolvido no novo Iskra pelo camarada Axelrod, para dar a conhecer
aos leitores os novos pontos de vista da nova redacção sobre organização. Já no congresso, na
primeira sessão em que se examinou o § l, dei-me conta de que os contraditres se queriam servir
desta arma barata, e é por isso que no meu discurso fiz este aviso (p. 240): «Não devemos pensar
que as organizações do partido devam ter apenas revolucionários profissionais. Nós precisamos das
mais diversas organizações, de todas as espécies, de todos os níveis e de todos os matizes, desde as
organizações extremamente restritas e conspirativas, até às extremamente amplas e livres, lose
Organisationen.»32 É uma verdade tão patente e evidente que considerei supérfluo deter-me nela.
Mas nos tempos que correm, quando já nos arrastaram para trás em muitas e muitas coisas, somos
forçados, também aqui, a «repisar o que já foi dito». Por isso, reproduzirei algumas passagens de
Que Fazer? e da Carta a Um Camarada:
... «Para um círculo de corifeus como Alexéiev e Míchkine, Khaltúrine e Jeliábov, são acessíveis as
tarefas políticas no sentido mais real, mais prático do termo, precisamente porque, e no grau em
que, a sua propaganda ardente encontra eco na massa, que desperta espontaneamente, porque a sua
fervente energia é secundada e apoiada pela energia da classe revolucionária.»33 Para ser um
partido social-democrata é preciso conquistar o apoio precisamente da classe. Não é o partido que
deve envolver a organização de conspiradores, como pensava o camarada Mártov; é a classe
revolucionária, o proletariado que deve envolver o partido, que tanto abrangerá as organizações de
conspiradores como as organizações não conspiradoras.
... «As organizações operárias para a luta económica devem ser organizações sindicais. Todo o
operário social-democrata deve, dentro do possível, apoiar estas organizações e nelas trabalhar
activamente... Mas é absolutamente contrário aos nossos interesses exigir que só os sociais-
democratas possam ser membros das uniões profissionais já que isso reduziria a nossa influência
sobre a massa. Que participe na união profissional todo o operário que compreenda a necessidade
da união para a luta contra os patrões e o governo. O próprio objectivo das uniões profissionais seria
inexequível se não agrupassem todos os operários capazes de compreender, ainda que mais não
fosse, esta noção elementar, se estas uniões profissionais não fossem organizações muito amplas. E
quanto mais amplas forem estas organizações, tanto mais ampla será a nossa influência nelas, influência exercida não somente pelo desenvolvimento “espontâneo” da luta económica, mas
também pela acção consciente e directa dos membros socialistas das uniões sobre os seus
camaradas» (p. 86)34. Diremos de passagem que o exemplo dos sindicatos é particularmente
característico para emitir um juízo sobre o problema em discussão respeitante ao §1. Que os
sindicatos devam trabalhar «sob controlo e direcção» das organizações sociais-democratas, a este
respeito não pode haver duas opiniões entre os sociais-democratas. Mas partir desta base para dar
a todos os membros destes sindicatos o direito de «se declararem» membros do partido social-
democrata seria um absurdo evidente e representaria a ameaça de um duplo dano: por um lado,
reduzir as dimensões do movimento sindical e enfraquecer a solidariedade operária neste domínio.
Por outro lado, abrir as portas do partido social-democrata à confusão e à vacilação. A social-
democracia alemã teve que resolver um problema semelhante em circunstâncias concretas aquando
do famoso incidente dos pedreiros de Hamburgo que trabalhavam à tarefa35. A social-democracia
não hesitou um momento em reconhecer que o a acção dos fura-greves era indigna do ponto de
vista de um social-democrata, ou seja, em reconhecer a direcção das greves, o apoio às mesmas
como coisa sua própria; mas ao mesmo tempo rejeitou com não menos decisão a exigência de
identificar os interesse do partido com os interesses das uniões profissionais, de fazer o partido
responsável dos diversos passos dos diferentes sindicatos. O partido deve aplicar-se, e aplicar-se-á,
a impregnar do seu espírito, a submeter à sua influência as uniões profissionais, mas precisamente
no interesse desta influência deve distinguir nestas uniões os elementos plenamente sociais-
democratas (que pertencem ao partido social-democrata) dos que não são inteiramente conscientes
nem inteiramente activos sob o ponto de vista político, e não deve confundir uns e outros, como
quer o camarada Axelrod.
...«A centralização das funções mais clandestinas pela organização dos revolucionários não
debilitará, antes reforçará, a amplitude e o conteúdo da actividade de uma grande quantidade de
outras organizações destinadas ao grande público e, por consequência, o menos regulamentadas e o
menos clandestinas possível: sindicatos operários, círculos operários de auto-didactas e de leitura de
literatura ilegal, círculos socialistas, círculos democráticos para todos os outros sectores da
população, etc., etc. Estes círculos, sindicatos e organizações são necessários por toda a parte, é
preciso que sejam o mais numerosos e as suas funções as mais variadas possível, mas é absurdo e
prejudicial confundir estas organizações com a dos revolucionários, apagar as fronteiras que
existem entre elas» ... (p. 96)36. Esta passagem mostra quão despropositadamente o camarada
Mártov me recordou que amplas organizações operárias devem envolver a organização de
revolucionários. Eu já tinha assinalado isso em Que Fazer? e desenvolvi esta ideia de forma mais
concreta na Carta a Um Camarada. Os círculos de fábricas, escrevia eu na referida carta, «são
particularmente importantes para nós; com efeito, a principal força do movimento reside no grau de
organização dos operários das grandes fábricas, visto que as grandes empresas (e fábricas)
englobam a parte predominante da classe operária, não só pelo seu número mas mais ainda pela sua
influência, pelo seu desenvolvimento, pela sua capacidade de luta. Cada fábrica deve ser uma
fortaleza nossa... O subcomité de fábrica deve esforçar-se por englobar toda a fábrica, o maior
número possível de operários, numa rede de todo o tipo de círculos (ou agentes)... Todos os grupos,
círculos, subcomités, etc., devem ter o estatuto de organismos dependentes do comité ou de filiais
do mesmo. Alguns deles declararão francamente o seu desejo de entrar no Partido Operário Social-
Democrata da Rússia, e passarão a fazer parte do partido no caso de serem aprovados pelo comité; assumirão (por indicação do comité ou de acordo com ele) certas funções, comprometer-se-ão a
submeter-se às disposições dos organismos do partido, receberão os direitos de todos os membros
do partido, serão considerados os candidatos mais próximos a membros do comité, etc. Outros não
entrarão para o POSDR, continuarão na situação de círculos, organizados por membros do partido,
ou pessoas ligadas a este ou aquele grupo do partido, etc.» (pp. 17-18)37. Das palavras que sublinhei
ressalta com particular clareza que a ideia da minha formulação do § l está já integralmente
expressa na Carta a Um Camarada. As condições de admissão no partido são aqui claramente
indicadas, a saber: 1. um certo grau de organização e 2. confirmação por um comité do partido.
Uma página mais abaixo, indico aproximadamente os grupos e organizações que devem (ou não
devem) ser admitidos no partido e por que razões: «Os grupos de distribuidores devem pertencer ao
POSDR e conhecer um determinado número dos seus membros e dos seus funcionários. Os grupos
que estudam as condições profissionais do trabalho e elaboram projectos de reivindicações
profissionais não têm necessariamente que pertencer ao POSDR. Os grupos de estudantes, de
oficiais do exército, de empregados que fazem a sua auto-educação com a colaboração de um ou
dois membros do partido, por vezes não devem sequer saber que estes pertencem ao partido, etc.»
(pp.18-19)38.
E aqui tendes novos materiais sobre a questão da «viseira levantada»! Ao passo que a fórmula do
Projecto do camarada Mártov nem sequer toca nas relações entre o partido e as organizações, eu
indicava já acerca de um ano do congresso que certas organizações deviam entrar no partido e
outras não. Na Carta a Um Camarada destaca-se já claramente a ideia que defendi no congresso. A
questão poderia apresentar-se graficamente da seguinte forma. Segundo o grau de organização em
geral, e do grau de clandestinidade da organização em particular, podemos aproximadamente
distinguir as categorias seguintes: 1. organizações de revolucionários; 2. organizações de operários,
tão amplas e variadas quanto possível (limito-me à classe operária, supondo como coisa que se
subentende por si própria o facto de que certos elementos de outras classes delas façam igualmente
parte em certas condições). Estas duas categorias formam o partido. A seguir, 3. organizações
operárias ligadas ao partido; 4. organizações operárias não ligadas ao partido, mas de facto
submetidas ao seu controlo e direcção; 5. elementos não organizados da classe operária que em
parte se submetem igualmente, pelo menos durante as grandes manifestações da luta de classes, à
direcção da social-democracia. Eis como aproximadamente se apresentam as coisas do meu ponto
de vista. Pelo contrário, do ponto de vista do camarada Mártov as fronteiras do partido ficam
absolutamente indeterminadas, porque «qualquer grevista» pode «declarar-se membro do partido».
Qual é o proveito de tal imprecisão? A ampla difusão do «título». O seu prejuízo consiste em
provocar a ideia desorganizadora da confusão da classe com o partido.
Para ilustrar os princípios gerais que expusemos, lançaremos ainda uma breve vista de olhos à
posterior discussão no congresso acerca do §1. O camarada Brúker (para alegria do camarada
Mártov) pronunciou-se a favor da minha fórmula, mas verificou-se que a sua aliança comigo,
contrariamente à aliança do camarada Akímov com Mártov, baseava-se num mal-entendido. O
camarada Brúker «não está de acordo com os estatutos no seu conjunto nem com todo o seu
espírito» (p. 239), e defende a minha fórmula como base da democracia que desejavam os
partidários da Rabótcheie Dielo. O camarada Brúker ainda não se elevou ao ponto de vista de que
na luta política, por vezes, é preciso escolher o mal menor; o camarada Brúker não se apercebeu de
que era inútil defender a democracia num congresso como o nosso. O camarada Akímov mostrou-se
mais perspicaz. Colocou a questão de modo absolutamente exacto quando reconheceu que «os
camaradas Mártov e Lénine discutem a questão de saber qual (das fórmulas) atinge melhor o seu
objectivo comum» (p. 252). «Brúker e eu - continua - queremos escolher a que menos atinja o
objectivo. Eu, neste sentido, escolho a fórmula de Mártov.» E o camarada Akímov explicou com
franqueza que «o próprio objectivo deles» (de Plekhánov, Mártov e meu; isto é, a criação de uma organização dirigente de revolucionários) o considera «irrealizável e prejudicial»; tal como o
camarada Martínov39 defende a ideia dos economistas de que não é necessária «a organização de
revolucionários». Ele «tem uma profunda fé em que a vida acabará por impor-se na nossa
organização de partido, independentemente de lhe fechardes o caminho com a fórmula de Mártov
ou com a fórmula de Lénine». Não valeria a pena que nos detivéssemos nesta concepção
«seguidista» da «vida» se não tropeçássemos com ela também nos discursos do camarada Mártov.
O segundo discurso do camarada Mártov (p. 245) é, em geral, tão interessante que vale a pena
examiná-lo em pormenor.
Primeiro argumento do camarada Mártov: o controlo das organizações do partido sobre os membros
do partido não pertencentes a essas organizações «é realizável porquanto o comité ao atribuir a
qualquer pessoa uma função determinada pode controlar o seu cumprimento» (p. 245). Esta tese é
altamente característica, pois «denuncia», se é que nos podemos permitir esta expressão, a quem é
necessária e a quem servirá na realidade a fórmula de Mártov: a intelectuais isolados ou a grupos
operários e às massas operárias? Porque da fórmula de Mártov são possíveis duas interpretações: 1)
tem o direito de «se declarar» (palavras do próprio camarada Mártov) membro do partido todo
aquele que lhe preste uma colaboração pessoal regular sob a direcção de uma das suas organizações;
2) qualquer organização do partido tem o direito de reconhecer como membro do partido todo
aquele que lhe preste uma colaboração pessoal regular sob a sua direcção. Só a primeira
interpretação permite, com efeito, a «qualquer grevista» dizer-se membro do partido, e, por isso
mesmo, só esta interpretação conquistou imediatamente os corações dos Líber, dos Akímov e dos
Martínov. Mas esta interpretação é manifestamente uma frase, porque pode englobar toda a classe
operária, e a diferença entre o partido e a classe é apagada; só «simbolicamente» se pode falar em
controlo e direcção de «qualquer grevista». Eis porque o camarada Mártov, no seu segundo
discurso, se desviou logo para a segunda interpretação (ainda que, diga-se entre parêntesis, ela
tenha sido explicitamente rejeitada pelo congresso, que não aprovou a resolução de Kóstitch40, p.
255): o comité atribuirá funções e controlará o seu cumprimento. Naturalmente, tais missões
especiais nunca existirão em relação à massa dos operários, aos milhares de proletários (de que
falam o camarada Axelrod e o camarada Martínov); mas, muitas vezes elas serão confiadas
precisamente aos professores mencionados por Axelrod, aos estudantes de liceu com quem se
preocupavam o camarada Líber e o camarada Popov (p. 241), à juventude revolucionária de que
falava o camarada Axelrod no seu segundo discurso (p. 242). Numa palavra: ou a fórmula do
camarada Mártov ficará reduzida a letra morta, a frase oca, ou então servirá principalmente e quase
exclusivamente «a intelectuais completamente imbuídos de individualismo burguês» e que não
querem entrar numa organização. Em palavras, a fórmula de Mártov parece defender os interesses
das largas camadas do proletariado. Mas, de facto, esta fórmula servirá os interesses da
intelectualidade burguesa, que receia a disciplina e organização proletárias. Ninguém ousará
negar que o que caracteriza, de um modo geral, a intelectualidade como uma camada especial nas
sociedades capitalistas contemporâneas é justamente o seu individualismo e a sua incapacidade
para se submeter à disciplina e à organização (ver, por exemplo, os conhecidos artigos de Kautsky
sobre a intelectualidade); nisso é que reside, entre outras coisas, a diferença desvantajosa entre esta
camada social e o proletariado; nisto reside uma das razões que explicam a fraqueza e instabilidade da intelectualidade, que o proletariado tantas vezes sentiu. E esta particularidade da intelectualidade
está inseparavelmente ligada às suas condições habituais de vida, ao seu modo de ganhar a vida, que
se aproximam em muitíssimos aspectos das condições de existência pequeno-burguesa (trabalho
individual ou em colectivos muito pequenos, etc.). Enfim, também não é por acaso que justamente
os defensores da fórmula do camarada Mártov tiveram que citar o exemplo de professores e
estudantes de liceu! Nos debates sobre o §1 não foram os campeões de uma ampla luta proletária
que se levantaram contra os campeões de uma organização radical conspirativa, como pensavam os
camaradas Martínov e Axelrod, mas os partidários do individualismo intelectual burguês que se
defrontaram com os partidários da organização e disciplina proletárias.
O camarada Popov disse: «Em toda a parte, em Petersburgo como em Nikoláiev ou em Odessa, há,
segundo o testemunho dos representantes dessas cidades, dezenas de operários que difundem
literatura, que fazem agitação oral e que não podem ser membros da organização. Podemos
acrescentá-los à organização, mas não considerá-los membros» (p. 241). Porque não podem ser
membros da organização? Só o camarada Popov conhece o segredo. Já citei atrás uma passagem da
Carta a Um Camarada, que demonstra que justamente a admissão de todos estes operários (às
centenas e não às dezenas) nas organizações é possível e necessária, e que grande número destas
organizações podem e devem pertencer ao partido.
Segundo argumento do camarada Mártov: «Para Lénine, não há no partido outras organizações que
as do partido» ... Absolutamente exacto!... «Na minha opinião, pelo contrário, tais organizações
devem existir. A vida cria e multiplica organizações muito mais rapidamente do que nós
conseguimos integrá-las na hierarquia da nossa organização combativa de revolucionários
profissionais» ... Isto é falso em dois sentidos: 1) a «vida» cria muito menos organizações eficientes
de revolucionários do que as que são necessárias ao movimento operário; 2) o nosso partido deve
ser hierarquia, não só das organizações de revolucionários, mas também da massa das organizações
operárias... «Lénine crê que o CC só concederá o título de organizações do partido às que forem
absolutamente seguras no campo dos princípios. Mas o camarada Brúker compreende muito bem
que a vida (sic!) se imporá, e que o CC, para não deixar numerosas organizações fora do partido,
será obrigado a legalizá-las mesmo que não sejam completamente seguras. É precisamente por isso
que o camarada Brúker se junta a Lénine» ... Esta é uma concepção realmente seguidista da «vida»!
É evidente que, se o CC fosse obrigatoriamente composto por pessoas que se deixam guiar, não
pela sua própria opinião, mas pelo que dizem os outros (ver o incidente do CO), nesse caso a «vida
impor-se-ia» no sentido de os elementos mais atrasados do partido poderem predominar (como
também aconteceu agora que se formou uma «minoria» no partido com os elementos
atrasados). Mas é impossível invocar um único motivo racional que possa obrigar um CC
inteligente a admitir no partido elementos «que não sejam seguros». É precisamente com esta
alusão à «vida» que «cria» elementos não seguros que o camarada Mártov põe em evidência o
carácter oportunista do seu plano de organização!... «Quanto a mim, pelo contrário - prossegue -
penso que se uma organização deste tipo (que não é completamente segura) consente em aceitar o
programa do partido e o controlo do partido, nós podemos admiti-la no partido, sem que, por isso,
façamos dela uma organização do partido. Consideraria um grande triunfo do nosso partido se, por
exemplo, qualquer união de «independentes» decidisse aceitar o ponto de vista da social-
democracia e o seu programa, e entrar no partido, o que todavia não significaria que integrássemos
essa união na organização do partido» ... Eis aqui a que confusão leva a fórmula de Mártov:
organizações sem partido que pertencem ao partido! Imaginai só o seu esquema: o partido = 1)
organizações de revolucionários, + 2) organizações operárias reconhecidas como organizações do
partido, + 3) organizações operárias não reconhecidas como organizações do partido
(principalmente formadas por «independentes»), + 4) indivíduos encarregados de diversas funções,
professores, estudantes de liceu, etc., + 5) «qualquer grevista». Ao lado deste notável plano só
podemos colocar as palavras do camarada Líber: «A nossa tarefa não é exclusivamente organizar
uma organização (!!), mas podemos e devemos organizar o partido» (p. 241). Sim, com certeza,
podemos e devemos fazê-lo, mas para isso são necessárias não as palavras vazias de sentido sobre
«organizar organizações», mas sim exigir directamente aos membros do partido que realizem
efectivamente um trabalho de organização. Falar de «organizar o partido» e defender que se
encubra com a palavra partido toda a espécie de desorganização e dispersão é falar por falar.
«A nossa fórmula - diz o camarada Mártov - exprime a aspiração de que exista entre a organização
de revolucionários e a massa uma série de organizações.» Não é isso, precisamente. Esta aspiração,
verdadeiramente obrigatória, é justamente o que a fórmula de Mártov não exprime, pois não
estimula a organizar-se, não contém a exigência de organizar-se, não separa o organizado do
inorganizado. Não dá senão um título41, e a propósito disto não podemos deixar de lembrar as
palavras do camarada Axelrod: «Não há decretos que possam proibi-los (aos círculos da juventude
revolucionária, etc.), e a pessoas isoladas, de se dizerem sociais-democratas» (santa verdade!) «ou
até de se considerarem parte integrante do partido»... Isto já é absolutamente falso! Proibir alguém
de se dizer social-democrata é impossível e é inútil, porque esta palavra apenas exprime
directamente um sistema de convicções, e não relações determinadas de organização. Proibir
círculos e pessoas isoladas de «se considerarem parte integrante do partido» é possível e necessário,
quando esses círculos e pessoas prejudicam a causa do partido, o corrompem ou o desorganizam.
Seria ridículo falar de um partido, como de um todo, como de uma grandeza política, se ele não
pudesse «proibir por decreto» a um círculo «considerar-se parte integrante» do todo! De que
serviria então fixar um método e condições para a expulsão do partido? O camarada Axelrod levou
com evidência ao absurdo o erro fundamental do camarada Mártov; erigiu mesmo este erro em
teoria oportunista quando acrescentou: «Na fórmula de Lénine, o §1 está manifestamente em
contradição de princípios com a própria essência (!!) e com as tarefas do partido social-democrata
do proletariado» (p. 243). Isto significa, nem mais nem menos, o seguinte: o exigir mais do partido
que da classe contradiz de princípio a própria essência das tarefas do proletariado. Não é de
espantar que Akímov tenha defendido com todas as suas forças semelhante teoria!
A justiça exige que se diga que o camarada Axelrod, que agora quer converter esta fórmula errada,
que manifestamente tende para o oportunismo, em gérmen de novas opiniões, no congresso, pelo
contrário, mostrou-se disposto a «negociar» tendo dito: «Mas dou-me conta de que estou a arrombar
uma porta aberta» ... (disto mesmo me dou eu conta no novo Iskra)... «porque o camarada Lénine,
com os seus círculos da periferia, que se consideram partes integrantes da organização do partido,
antecipa-se à minha exigência» ... (e não só com os círculos da periferia, mas também com toda a
espécie de uniões operárias: cf. p. 242 das actas, o discurso do camarada Strákhov, e as passagens
citadas anteriormente de Que Fazer? e da Carta a Um Camarada)... «Restam ainda as pessoas
isoladas, mas também nisto poderíamos negociar.» Respondi ao camarada Axelrod que, falando em geral, não era contrário a negociar42, e tenho de esclarecer agora em que sentido o disse. É
precisamente no respeitante às pessoas isoladas, todos esses professores, estudantes de liceu e
outros, que eu teria feito menos concessões; mas se se tivesse tratado de uma dúvida acerca das
organizações operárias, eu consentiria (apesar de tais dúvidas carecerem absolutamente de
fundamento, como demonstrei mais atrás) em acrescentar ao meu § l uma nota aproximadamente do
seguinte teor: «As organizações operárias que aceitarem o programa e os estatutos do Partido
Operário Social-Democrata da Rússia devem ser no maior número possível incluídas nas
organizações do partido.» É claro que, falando com rigor, o lugar de tal desejo não é nos estatutos,
que devem limitar-se a definições jurídicas, mas em comentários de esclarecimento, em brochuras
(e já referi que, muito antes dos estatutos, eu tinha dado explicações neste sentido em brochuras
minhas; mas, pelo menos, tal nota não encerraria nem sombras dessas ideias falsas, que pudessem
levar à desorganização, nem sombras de raciocínios oportunistas43, nem de «concepções
anarquistas» que a fórmula do camarada Mártov contém indubitavelmente.
A última expressão, que citei entre aspas, pertence ao camarada Pavlóvitch que, com muita justeza,
qualificou de anarquismo o facto de reconhecer como membros elementos «irresponsáveis e que
se incluem a si próprios no partido». «Traduzida em linguagem corrente - dizia Pavlóvitch,
explicando a minha fórmula ao camarada Líber - ela significa: “Se queres ser membro do partido,
tens que reconhecer também as relações de organização, e não apenas de uma maneira platónica.”»
Ainda que simples, esta «tradução» mostrou, no entanto, não ser supérflua (como o demonstraram
os acontecimentos posteriores ao congresso), não só para os diversos professores e estudantes de
liceu duvidosos, mas também para os mais autênticos membros do partido, para as pessoas de
cima... O camarada Pavlóvitch assinalou com não menos razão a contradição entre a fórmula do
camarada Mártov e o princípio indiscutível do socialismo científico, que com tanta infelicidade
citou o camarada Mártov: «O nosso partido é o intérprete consciente de um processo inconsciente.» Exactamente. E é precisamente por isso que é errado querer que «qualquer grevista» possa intitular-
se membro do partido, porque, se «qualquer greve» não fosse simplesmente a expressão espontânea
de um poderoso instinto de classe e de luta de classes que conduz inevitavelmente à revolução
social, mas fosse uma expressão consciente deste processo, então... então a greve geral não seria
uma frase anarquista, então o nosso partido englobaria imediatamente, de uma só vez, toda a classe
operária e, por consequência, acabaria também, de uma só vez, com toda a sociedade burguesa.
Para ser verdadeiramente um intérprete consciente, o partido deve saber estabelecer relações de
organização que assegurem um certo nível de consciência e elevem sistematicamente este nível.
«Para seguir o caminho de Mártov - diz o camarada Pavlóvitch - é preciso primeiramente suprimir o
ponto relativo ao reconhecimento do programa, porque, para aceitar um programa, é preciso
assimilá-lo e compreendê-lo... Reconhecer o programa implica um nível bastante elevado de
consciência política.» Jamais admitiremos que o apoio à social-democracia, que a participação na
luta por ela dirigida sejam artificialmente limitados seja por que exigência for (assimilação,
compreensão, etc.), porque essa mesma participação, pelo simples facto de se afirmar, eleva a
consciência e os instintos de organização; mas já que nos agrupamos num partido para um
trabalho metódico, devemos cuidar de assegurar este carácter metódico.
Que a advertência do camarada Pavlóvitch sobre o programa não foi supérflua, viu-se
imediatamente nessa mesma sessão. Os camaradas Akímov e Líber, que haviam feito triunfar a
fórmula do camarada Mártov44, imediatamente revelaram a sua verdadeira natureza ao exigir (pp.
254-255) que (para «ser membro» do partido) se reconhecesse também o programa apenas de um
modo platónico, apenas nos «seus princípios fundamentais». «A proposta do camarada Akímov é
perfeitamente lógica do ponto de vista do camarada Mártov», observou o camarada Pavlóvitch.
Infelizmente, as actas não nos dizem quantos votos teve a proposta de Akímov - pelo menos sete,
segundo todas as probabilidades (cinco bundistas, Akímov e Brúker). E a saída precisamente dos
sete delegados do congresso transformou a «compacta maioria» (anti-iskristas, «centro» e
partidários de Mártov), que se tinha começado a formar à volta do §1 dos estatutos, numa compacta
minoria! A saída precisamente dos sete delegados provocou a derrota da proposta de confirmação
da velha redacção, o que teria sido uma flagrante violação da «continuidade» na direcção do Iskra!
E o original grupo dos sete era a única salvação e o único penhor da «continuidade» iskrista: este
grupo era constituído pelos bundistas, Akímov e Brúker, ou seja, precisamente, pelos delegados que
votaram contra os motivos de reconhecimento do Iskra como Órgão Central, aqueles cujo
oportunismo dezenas de vezes tinha sido reconhecido pelo congresso, e designadamente por Mártov
e Plekhánov, a propósito de suavizar o §1 respeitante ao programa. A «continuidade» do Iskra
salvaguardada pelos anti-iskristas! - aproximamo-nos aqui do nó da tragicomédia posterior ao
congresso.
O agrupamento de votos sobre o § um dos estatutos revelou um fenómeno exactamente do mesmo
género que o incidente da igualdade de direitos das línguas: a separação de um quarto
(aproximadamente) da maioria iskrista torna possível a vitória dos anti-iskristas seguidos pelo
«centro». Também aqui, bem entendido, há votos isolados que alteram a perfeita harmonia do
quadro: numa assembleia tão numerosa como o nosso congresso, encontram-se infalivelmente
elementos «selvagens», que se inclinam por casualidade, ora para um lado, ora para outro,
sobretudo a propósito de uma questão como o § um, em que o verdadeiro carácter de divergência
apenas começava a desenhar-se e muitos na realidade não conseguiam ainda orientar-se (por se
não ter tratado previamente do problema na literatura). Dos iskristas da maioria afastaram-se cinco
votos (Rússov e Kárski, cada um com dois votos, e Lénski com um voto); em contrapartida, a ela se juntaram um anti-iskrista (Brúker) e três do centro (Medvédev, Egórov e Tsariov); daqui resultou
um total de 23 votos (24 - 5+4), um voto menos que o agrupamento definitivo nas eleições. A
maioria foi dada a Mártov pelos anti-iskristas, dos quais 7 eram a favor dele e um a meu favor
(sete do «centro» eram também a favor de Mártov, três a meu favor). A coligação da minoria
iskrista com os anti-iskristas e o «centro», que constituiu uma minoria compacta no fim do
congresso e depois do congresso, começava a formar-se. O erro político de Mártov e Axelrod, que
deram indubitávelmente um passo para o oportunismo e o individualismo anarquista na
formulação do § um, e sobretudo na defesa dessa fórmula, logo se revelou com particular relevo
graças à arena livre e aberta do congresso; revelou-se pelo facto de os elementos menos estáveis e
menos firmes no campo dos princípios terem lançado imediatamente todas as suas forças para
alargar a fenda, a brecha que se tinha aberto nas opiniões da social-democracia revolucionária. O
trabalho conjunto no congresso por pessoas que prosseguiam abertamente, no domínio da
organização, objectivos diferentes (ver o discurso de Akímov), levou imediatamente os adversários
de princípio do nosso plano de organização e dos nossos estatutos a apoiarem o erro dos camaradas
Mártov e Axelrod. Os iskristas, que também neste ponto se tinham mantido fiéis aos pontos de vista
da social-democracia revolucionária, encontraram-se em minoria. Esta é uma circunstância de
enorme importância, porque, sem a ter esclarecido, é absolutamente impossível compreender quer
a luta por particularidades dos estatutos, quer a luta pela composição pessoal do Órgão Central e do
Comité Central.
j) VÍTIMAS INOCENTES DE UMA FALSA ACUSAÇÃO DE OPORTUNISMO
Antes de passar à subsequente discussão sobre os estatutos é necessário, para explicar a nossa
divergência na questão da composição pessoal dos órgãos centrais, tratar de passagem das reuniões
privadas da organização do Iskra, que se realizaram durante o congresso. A última e a mais
importante dessas quatro reuniões decorreu justamente depois da votação do § um dos estatutos,
pelo que a cisão da organização do Iskra, que se verificou nessa reunião, foi cronológica e
logicamente uma condição prévia da luta que se desenrolou a seguir.
As reuniões privadas da organização do Iskra45 começaram pouco depois do incidente do CO, que
forneceu um pretexto para o exame da questão das eventuais candidaturas ao CC. Subentende-se
que, dado que se suprimiram os mandatos imperativos, tais reuniões tiveram um carácter
meramente consultivo, que a ninguém obrigava, mas cuja importância foi no entanto enorme. A
eleição do CC apresentava grandes dificuldades para os delegados, que não conheciam nem os
nomes clandestinos nem o trabalho interno da organização do Iskra, organização que criou a
unidade de facto do partido e exerceu a direcção do movimento prático, o que constituiu um dos
motivos do reconhecimento oficial do Iskra. Dissemos já que os iskristas mantendo a sua unidade
tinham plenamente assegurada no congresso uma grande maioria, cerca de 3/5, e todos os delegados
o compreendiam na perfeição. Todos os iskristas esperavam precisamente que a organização do
Iskra interviesse recomendando uma determinada composição pessoal do CC, e nenhum dos
membros desta organização disse uma só palavra contra o exame prévio, no seu seio, da
composição do CC, ninguém disse uma só palavra sobre a aprovação de toda a composição do CO,
ou seja, da sua transformação em CC, nem uma palavra mesmo da realização de uma reunião,
com todos os membros do CO, para tratar dos candidatos ao CC. Também esta circunstância é
extraordinariamente característica, e importa sobremaneira tê-la em conta, porque agora os
partidários de Mártov defendem zelosamente, com data atrasada, o CO, demonstrando assim pela
centésima ou milésima vez a sua falta de carácter em política46. Enquanto a cisão pela composição dos centros não unira Mártov com os Akímov, toda a gente se dava conta no congresso de uma
coisa de que qualquer pessoa imparcial poderá facilmente convencer-se pelas suas actas e por toda a
história do Iskra, a saber: que o CO era principalmente uma comissão formada para convocar o
congresso, e composta intencionalmente por representantes de diferentes matizes, incluindo o Bund;
quanto ao verdadeiro trabalho para criar a unidade orgânica do partido, era a organização do Iskra
que o tinha suportado inteiramente sobre os seus ombros (é preciso ter também em conta que
alguns membros iskristas do CO estiveram ausentes do congresso absolutamente por acaso, quer
em consequência de prisões, quer por outras circunstâncias «alheias à sua vontade»). A composição
da organização do Iskra presente no congresso já tinha sido dada na brochura do camarada
Pavlóvitch (ver a sua Carta sobre o II Congresso, p. 13 )47.
O resultado definitivo dos acalorados debates na organização do Iskra foram duas votações de que
já falei na Carta à Redacção. Primeira votação: «uma das candidaturas apoiadas por Mártov é
rejeitada por nove votos contra quatro e três abstenções». Parece que nada pode haver de mais
simples nem mais natural do que este facto: com o assentimento geral do total dos dezasseis
membros da organização do Iskra presentes no congresso, é debatida a questão das possíveis
candidaturas, e é rejeitada por maioria de votos uma das propostas pelo camarada Mártov
(precisamente o do camarada Stein, coisa que atirou agora para a frente, não podendo resistir mais,
o próprio camarada Mártov, p. 69 do Estado de Sítio). Porque nos tínhamos reunido em congresso
do partido justamente para discutir e resolver, entre outras, a questão de saber a quem entregar «a
batuta» do maestro, e o nosso dever geral de partido era dedicar a este ponto da ordem do dia a mais
séria atenção, resolver esta questão do ponto de vista dos interesses da causa, e não do
«sentimentalismo filistino», como justamente disse mais tarde o camarada Rússov. Claro que
aquando da discussão no congresso da questão dos candidatos era impossível deixar de falar de
certas qualidades pessoais, deixar de exprimir aprovação ou desaprovação48, sobretudo numa
reunião não oficial e restrita. E eu já fiz no congresso da Liga a advertência de que era absurdo
considerar a desaprovação duma candidatura uma coisa «difamante» (p. 49 das actas da Liga); que
era absurdo fazer uma «cena» e ficar histérico em virtude daquilo que constitui o cumprimento do
estrito dever de partido no que se refere a eleger de modo consciente e cuidadoso pessoas para os
cargos. Ora, para a nossa minoria, foi a partir daqui que começou a dança: puseram-se a gritar,
depois do congresso, que se «destruía uma reputação» (p. 70 das actas da Liga), e a assegurar em
letra de forma ao grande público que o camarada Stein era a «principal figura» do antigo CO, e
que o tinham acusado sem fundamento de «não se sabe que planos infernais» (p. 69 do Estado de
Sítio). Não será histerismo gritar, por uma aprovação ou desaprovação de candidaturas, que se
«destrói uma reputação»? Não será uma querela mesquinha, quando, tendo sofrido uma derrota
tanto na reunião privada da organização do Iskra como na reunião oficial da instância suprema do
partido, no congresso, as pessoas se lamentam em frente de toda a gente e recomendam ao
respeitável público os candidatos rejeitados como «principais figuras»? quando em seguida as
pessoas tentam impor ao partido os seus candidatos através da cisão e exigindo a cooptação? Entre nós, na atmosfera bafienta do estrangeiro, as noções políticas tornaram-se de tal modo confusas que
o camarada Mártov já não sabe distinguir entre o dever de partido e o espírito de círculo e o
compadrio! Pelos vistos é burocratismo e formalismo pensar que se deve discutir e resolver a
questão das candidaturas unicamente nos congressos, em que os delegados se reúnem para tratar,
antes de tudo, de importantes questões de princípios, onde se encontram os representantes do
movimento capazes de encarar imparcialmente a questão das pessoas, e que são capazes (e devem)
exigir e recolher todas as informações sobre os candidatos antes de uma votação decisiva; onde é
natural e necessário que se dedique certo tempo às discussões sobre a batuta do maestro. Em vez
deste ponto de vista burocrático e formalista, foram introduzidos agora entre nós outros costumes:
depois dos congressos, falaremos a torto e a direito do enterro político de Ivan Ivánovitch, da
destruição da reputação de Ivan Nikíforovitch49. Haverá escritores que recomendarão os candidatos
em brochuras, afirmando farisaicamente, batendo no peito: não é um círculo, é o partido... O
público leitor que aprecia escândalos irá saborear avidamente esta novidade sensacional: fulano foi
a principal figura do CO, segundo garante o próprio Mártov50. Este público leitor é muito mais
capaz de discutir e resolver a questão do que instituições formalistas no género dos congressos, com
as suas decisões grosseiramente mecânicas, tomadas por maioria... Sim, os nossos verdadeiros
militantes do partido ainda terão de limpar os grande estábulos de Augias de querelas mesquinhas
no estrangeiro!

Edição atual tal como às 12h54min de 22 de setembro de 2023