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{{Obra bibliográfica
| título = Um Passo pra Frente, Dois Passos pra Trás
A Crise no nosso Partido<ref group="1">V. I. Lénine trabalhou durante vários meses no seu livro Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás (A Crise no Nosso Partido), estudando cuidadosamente as actas das sessões e as resoluções do II Congresso do POSDR, as intervenções de cada um dos delegados, os agrupamentos políticos que se formaram no congresso, bem como os documentos do Comité Central e do Conselho do partido, materiais esses que foram publicados em Janeiro de 1904. Em Maio de 1904 o livro de Lénine foi publicado.
Nesta obra V. I. Lénine desferiu um golpe demolidor no oportunismo dos mencheviques quanto às questões de organização. O enorme significado histórico do livro consiste, sobretudo, no facto de Lénine, desenvolvendo a doutrina marxista sobre o partido, ter elaborado os princípios de organização do partido revolucionário proletário, e de, pela primeira vez na história do marxismo, ter feito uma crítica completa do oportunismo em matéria de organização, tendo mostrado o perigo particular que comporta a subestimação do significado da organização no movimento operário.
O livro provocou ataques ferozes dos mencheviques. Plekhánov exigiu que o Comité Central se dessolidarizasse do livro de Lénine, enquanto os conciliadores no Comité Central procuraram retardar a sua impressão e difusão. Apesar de todos os esforços dos oportunistas, a obra de Lénine Um Passo em frente, Dois Passos Atrás conseguiu uma ampla difusão entre os operários avançados da Rússia. </ref>
| escrito por = V.I. Lenin
| publicado = 1904
| tipo = Livro
| fonte = [https://www.marxists.org/portugues/lenin/1904/passo/passo.pdf Editorial Avante; Marxists Internet Archive]
}}


== Prefácio ==
Quando se trava uma luta prolongada, tenaz e apaixonada começam a delinear-se, geralmente ao
fim de certo tempo, os pontos de divergência centrais, essenciais, de cuja solução depende o
resultado definitivo da campanha, e em comparação com os quais os episódios menores e
insignificantes da luta passam cada vez mais para segundo plano.
E o que se passa também com o combate que se trava no seio do nosso partido e que, há já meio
ano, chama a atenção de todos os membros do partido. E precisamente porque foi necessário, no
esboço de toda a luta que ofereço ao leitor, aludir a uma série de pormenores de interesse mínimo e
a inúmeras querelas que não oferecem no fundo qualquer interesse, eu queria, desde o início,
chamar a atenção do leitor para duas questões verdadeiramente centrais, essenciais, de enorme
interesse e de projecção histórica incontestável, que constituem as questões políticas mais urgentes
na ordem do dia do nosso partido.
A primeira diz respeito ao significado político da divisão do nosso partido em «maioria» e
«minoria», divisão que tomou forma no segundo congresso do partido<ref group="1">O II Congresso do POSDR realizou-se de 17 (30) de Julho a 10 (23) de Agosto de 1903. As primeiras 13 sessões do congresso efectuaram-se em Bruxelas. Depois, devido às perseguições por parte da polícia, as sessões do congresso foram transferidas para Londres.
As mais importantes questões do congresso eram a aprovação do programa e dos estatutos do partido, e as eleições dos seus centros dirigentes. Lénine e os seus partidários travaram no congresso uma luta decidida contra os oportunistas.
O congresso aprovou por unanimidade (com uma abstenção) o programa do partido, em que foram formuladas tanto as tarefas imediatas do proletariado e da próxima revolução democrático-burguesa (programa mínimo), como as tarefas que visavam a vitória da revolução socialista e o estabelecimento da ditadura do proletariado (programa máximo).
No decurso das discussões sobre os estatutos do partido travou-se uma luta aguda quanto à questão dos princípios organizativos da edificação do partido.
Lénine e os seus partidários lutavam pela criação de um partido revolucionário combativo da classe operária e consideravam necessário que se adoptassem estatutos que dificultassem a adesão ao partido de todos os elementos instáveis e vacilantes. A formulação de Mártov, que tornava mais fácil a adesão ao partido de todos os elementos instáveis, foi apoiada no congresso não só pelos anti-iskristas e pelo «pântano» («centro»), como também pelos iskristas brandos, e foi aprovada pelo congresso por uma insignificante maioria de votos. Mas, no fundamental, o congresso aprovou os estatutos elaborados por Lénine. O congresso aprovou também uma série de resoluções sobre
as questões de táctica. No congresso deu-se a cisão entre os partidários consequentes da orientação iskrista, leninistas, e os iskristas brandos partidários de Mártov. Os partidários da orientação leninista obtiveram a maioria dos votos durante as eleições dos organismos centrais do partido e passaram a ser denominados bolcheviques (da palavra russa bolchinstvó, que quer dizer maioria), enquanto os oportunistas, que obtiveram a minoria, receberam a denominação de mencheviques (da palavra russa menchinstvó, que quer dizer minoria). O congresso teve um enorme significado para o desenvolvimento do movimento operário na Rússia. Ele acabou com o trabalho artesanal e com o espírito de círculo no movimento social-democrata e deu início a um partido marxista revolucionário na Rússia, o partido dos bolcheviques.</ref> e que deixou muito para trás
todas as anteriores divisões dos sociais-democratas russos.
A segunda questão diz respeito ao significado de princípio da posição do novo Iskra em matéria de
organização, tanto quanto se trata de uma posição efectivamente de princípio.
A primeira questão é a do ponto de partida da luta no nosso partido, a questão da sua origem, das
suas causas, do seu carácter político fundamental. A segunda questão é a do resultado final da luta,
do seu desenlace, do balanço que, no terreno dos princípios, se obtém somando tudo o que se refere
aos princípios e subtraindo tudo o que se refere a querelas mesquinhas. A primeira questão resolve-
se analisando a luta no congresso do partido; a segunda analisando o novo conteúdo de princípios
do novo Iskra. Uma e outra destas análises, que constituem nove décimos desta brochura, levam à
conclusão de que a «maioria» é a ala revolucionária do nosso partido, e que a «minoria» é a sua ala
oportunista; as divergências que separam actualmente estas duas alas dizem respeito sobretudo a
questões de organização, e não a questões de programa ou de táctica; o novo sistema de concepções
que se desenha no novo Iskra com tanto mais clareza quanto mais ele procura aprofundar a sua
posição, quanto mais esta posição se vai libertando de todas as querelas sobre a cooptação, é
oportunismo em matéria de organização.
O principal defeito da literatura de que dispomos sobre a crise do nosso partido é, no que diz
respeito ao estudo e esclarecimento dos factos, a ausência quase total duma análise das actas do
congresso do partido, e no que respeita ao esclarecimento dos princípios fundamentais do problema
de organização, é a falta de uma análise da ligação que inegavelmente existe entre o erro cometido
pelo camarada Mártov e pelo camarada Axelrod na formulação do parágrafo primeiro dos estatutos
e a defesa desta formulação, por um lado, e todo o «sistema» (tanto quanto se pode falar aqui de um
sistema) dos princípios actuais do Iskra em matéria de organização, por outro lado. Pelos vistos a
actual redacção do Iskra não nota sequer esta ligação, embora a importância da discussão do
parágrafo primeiro tenha sido já muitas vezes assinalada nas publicações da «maioria». Hoje, os
camaradas Axelrod e Mártov em essência não fazem mais do que desenvolver e alargar o seu erro
inicial sobre o parágrafo primeiro. Em essência, toda a posição dos oportunistas em matéria de
organização começou a revelar-se já na discussão do parágrafo primeiro: na sua defesa de uma
organização do partido difusa e não fortemente cimentada; na sua hostilidade à ideia (à ideia
«burocrática») da edificação do partido de cima para baixo, a partir do congresso do partido e dos
organismos por ele criados; na sua tendência para actuar de baixo para cima, permitindo a qualquer
professor, a qualquer estudante do liceu e a «qualquer grevista» declarar-se membro do partido; na
sua hostilidade ao «formalismo», que exige a um membro do partido que pertença a uma
organização reconhecida pelo partido; na sua tendência para uma mentalidade de intelectual
burguês, pronto apenas a «reconhecer platonicamente as relações de organização»; na sua
inclinação para essa subtileza de espírito oportunista e as frases anarquistas; na sua tendência para o
autonomismo contra o centralismo; numa palavra, em tudo o que hoje floresce tão exuberantemente
no novo Iskra, e que contribui para o esclarecimento cada vez mais profundo e evidente do erro
inicial.
Quanto às actas do congresso do partido, a falta de atenção verdadeiramente imerecida de que são
objecto só pode explicãr-se pelas querelas que envenenam as nossas discussões e possivelmente,
além disso, pelo excesso de verdades demasiado amargas que essas actas contêm. As actas do
congresso apresentam o quadro da verdadeira situação do nosso partido, quadro único no seu
género, insubstituível pela sua exactidão, plenitude, diversidade, riqueza e autenticidade; um quadro
das concepções, do estado de espírito e dos planos traçados pelos próprios participantes do
movimento, um quadro dos matizes políticos existentes no nosso partido e que mostra a sua força
relativa, as suas relações mútuas e a sua luta. As actas do congresso do partido, e só elas, mostram-
nos em que medida nós conseguimos verdadeiramente varrer tudo o que restava das velhas relações
puramente de círculos e conseguimos substituí-las por uma única grande ligação, a de partido. Todo
o membro do partido desejoso de participar conscientemente nos assuntos do seu partido deve
estudar com cuidado o nosso congresso do partido, precisamente: estudar, porque a simples leitura
do amontoado de materiais brutos que as actas contém é insuficiente para dar um quadro do
congresso. Só com um estudo minucioso e independente se pode conseguir (e deve-se procurar
fazê-lo) fundir num todo os resumos sucintos dos discursos, os excertos secos dos debates, as
pequenas controvérsias sobre questões secundárias (secundárias na aparência), para que ante os
membros do partido surja o rosto vivo de cada orador destacado, se revele com precisão a
fisionomia política de cada um dos grupos de delegados ao congresso do partido. O autor destas
linhas considerará que o seu trabalho não terá sido em vão se conseguir pelo menos dar um impulso
ao estudo, amplo e individual, das actas do congresso do partido.
Ainda uma palavra a respeito dos adversários da social-democracia. Eles seguem com caretas de
alegria maligna as nossas discussões; evidentemente procurarão utilizar para os seus fins algumas
passagens isoladas desta brochura dedicada aos defeitos e lacunas do nosso partido. Os sociais-
democratas russos estão já suficientemente temperados nas batalhas para não se deixarem perturbar
por essas alfinetadas, e para prosseguir, apesar delas, o seu trabalho de autocrítica, continuando a
revelar implacavelmente as suas próprias lacunas, que serão corrigidas, necessária e seguramente,
pelo crescimento do movimento operário. E que os senhores adversários tentem apresentar-nos da
situação verdadeira dos seus próprios «partidos» um quadro que se pareça, mesmo de longe, com o
que apresentam as actas do nosso segundo congresso!
Maio de 1904.
N. Lénine
=== Notas ===
<references group="1" />
==a) A Preparação do Congresso==
Há uma máxima segundo a qual cada pessoa tem o direito, durante vinte e quatro horas, de maldizer
os seus juízes. O congresso do nosso partido, como qualquer congresso de qualquer partido, foi
igualmente juiz de várias pessoas que aspiravam ao posto de dirigentes e sofreram um fracasso.
Agora, esses representantes da «minoria», com uma ingenuidade enternecedora, «maldizem os seus
juízes» e procuram, por todos os meios, lançar o descrédito sobre o congresso e minimizar a sua
importância e autoridade. Esta tendência exprimiu-se talvez com o maior relevo no artigo de Praktik
que, no n° 57 do Iskra, se indigna com a ideia da «divindade» soberana do congresso. Eis um traço
tão característico do novo Iskra, que não poderíamos deixar de referir. A redacção, que é composta
na sua maior parte por pessoas rejeitadas pelo congresso, continua, por um lado, a intitular-se
redacção «do partido» e, por outro lado, abre os braços a indivíduos que afirmam que o congresso
não é uma divindade. Muito bonito, não é verdade? Sim, senhores, o congresso não é certamente
uma divindade, mas que pensar dos que começam a «denegrir» o congresso depois de aí terem
sofrido uma derrota?
Lembremos, com efeito, os principais factos da história da preparação do congresso.
Desde o princípio, no seu anúncio datado de 1900<ref group="2">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 4, pp. 354-360. (N. Ed.)</ref>, que precedeu a publicação do jornal, o Iskra
declarava que antes de nos unificarmos era necessário que nos demarcássemos. O Iskra procurou
fazer da Conferência de 1902<ref group="2">A Conferência de 1902, conferência dos representantes dos comités e organizações do POSDR, realizou-se de 23 a 28 de Março (de 5 a 10 de Abril) de 1902 em Belostok. Os «economistas» e os bundistas, que os apoiavam, tentaram
transformar a conferência no II Congresso do POSDR, esperando consolidar deste modo a sua situação nas fileiras
da social-democracia russa e paralisar a crescente influência do Iskra. Esta tentativa, no entanto, fracassou. A
conferência elegeu o Comité de Organização para preparar o II Congresso do partido. Em breve, após a conferência,
a maioria dos seus delegados, entre eles dois membros do Comité da Organização, foram presos pela polícia. O
novo Comité de Organização para a preparação do II Congresso do POSDR foi formado em Novembro de 1902 na
cidade de Pskov, na reunião dos representantes do Comité de Petersburgo do POSDR, da organização do Iskra na
Rússia e do grupo Iújni Rabótchi.</ref> uma reunião privada, e não um congresso do partido.<ref group ="2">Ver as actas do II Congresso, p.20.</ref> O Iskra agiu com extraordinária circunspecção no Verão e Outono de 1902, ao renovar o Comité de Organização eleito nessa conferência. Finalmente, o trabalho de demarcação terminou, terminou como todos nós o reconhecemos. O Comité de Organização foi constituído mesmo nos finais de 1902. O Iskra saúda a sua consolidação e declara - no seu editorial do n° 32 - que a convocação de um congresso do partido era a necessidade mais urgente e imediata<ref group = "2">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 91-93. (N. Ed.)</ref>. Assim, o que menos nos podem censurar é o
ter precipitado a convocação do segundo congresso. Nós aplicámos esta regra: olhar duas vezes
antes de decidir; tínhamos o pleno direito moral de esperar que os camaradas, uma vez decidido, se
não lembrassem de choramingar e olhar de novo.
O Comité de Organização elaborou o regulamento do segundo congresso, regulamento
extremamente minucioso (formalista e burocrático, diriam os que agora encobrem com estes
vocábulos a sua falta de carácter em matéria política); fê-lo aprovar por todos os comités e aprovou-
o enfim, estabelecendo, entre outras coisas, no § 18: «Todas as resoluções do congresso e todas as
eleições por ele feitas constituem uma decisão do partido, obrigatória para todas as suas
organizações. Elas não podem, sob pretexto algum, ser contestadas por ninguém, e só podem ser
revogadas ou modificadas pelo congresso seguinte do partido.»<ref group = "2">Ver as actas do II Congresso, pp. 22-23, 380.</ref> Na verdade, que inocentes em si
mesmas são estas palavras, então tacitamente aceites como algo que se subentende, e como soam
hoje estranhamente, como se fossem um veredicto contra a «minoria»! Com que fim foi redigido
este parágrafo? Unicamente pelo respeito das formalidades? Não, evidentemente. Esta decisão
parecia necessária, e era-o efectivamente, porque o partido era composto por uma série de grupos
fragmentados e autónomos, dos quais se podia esperar a recusa de reconhecer o congresso. Ela
exprimia precisamente a boa vontade de todos os revolucionários (de que tanto e tão pouco a
propósito se fala hoje, caracterizando por eufemismo com o termo boa o que merece antes o epíteto
de caprichosa). Esta disposição equivalia à palavra de honra recíproca de todos os sociais-
democratas russos. Ela devia garantir que o imenso trabalho, os perigos, as despesas exigidas pelo
congresso, não seriam vãos; que o congresso se não transformaria numa comédia. Ela qualificava
antecipadamente qualquer não-reconhecimento das decisões e eleições do congresso como uma
quebra de confiança.
De quem troça então o novo Iskra, que fez a nova descoberta de que o congresso não é uma
divindade e que as suas decisões não são sacrossantas? Conterá a sua descoberta «novas concepções
em matéria de organização» ou apenas novas tentativas de apagar velhas pistas?
===Notas===
<references group="2" />
==b) O Significado dos Agrupamentos no Congresso==
Assim, o congresso reuniu-se depois de preparativos extremamente minuciosos, na base da mais
completa representação. O reconhecimento geral da composição regular do congresso e do carácter
absolutamente obrigatório das suas resoluções encontrou também a sua expressão na declaração
feita pelo presidente (p. 54 das actas) depois da constituição do congresso.
Qual era portanto a tarefa principal do congresso? Criar um verdadeiro partido sobre as bases de
princípios e de organização que tinham sido propostas e elaboradas pelo Iskra. Que o congresso
devia trabalhar precisamente neste sentido era facto antecipadamente determinado por três anos de
actividade do Iskra, aprovada pela maioria dos comités. O programa e orientação do Iskra deviam
tornar-se o programa e orientação do partido; os planos do Iskra em matéria de organização deviam
ser consagrados nos estatutos da organização do partido. Mas é evidente que tal resultado não se
podia obter sem luta: a representação integral no congresso assegurou também a presença nele de
organizações que tinham combatido decididamente o Iskra (o Bund e a Rabótcheie Dielo), assim
como a de organizações que, embora reconhecendo verbalmente o Iskra como órgão dirigente,
prosseguiam de facto os seus próprios planos, e se distinguiam pela sua falta de firmeza no terreno
dos princípios (o grupo Iújni Rabótchi e os delegados de certos comités a ele ligados). Nestas
condições, o congresso não podia deixar de tornar-se um campo de luta pela vitória da orientação do «Iskra». Que o congresso foi efectivamente um campo de batalha, é um facto que aparecerá claramente para quem quer que leia com um pouco de atenção as actas. E a nossa tarefa
consiste agora em estudar detalhadamente os principais agrupamentos que se revelaram no
congresso a propósito de diversas questões, e reconstruir, com base nos dados precisos das actas, a
fisionomia política de cada um dos grupos fundamentais do congresso. O que eram realmente esses
grupos, tendências e matizes que, no congresso, sob a direcção do Iskra, deviam fundir-se num
único partido? É isto que devemos mostrar com uma análise dos debates e votações. Esclarecer este
ponto é de capital importância para estudar o que são na realidade os nossos sociais-democratas,
assim como para compreender as causas das divergências. E por isso que, no meu discurso no
congresso da Liga e na minha carta à redacção do novo Iskra, pus precisamente em primeiro plano a
análise dos diferentes agrupamentos.<ref group = "3">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, pp. 41-52, 98-104. (N. Ed.)</ref> Os meus adversários, entre os representantes da «minoria»
(com Mártov à cabeça), não compreenderam em absoluto o fundo da questão. No congresso da
Liga, limitaram-se a fazer emendas de pormenor, «justificando-se» da acusação que lhes faziam de
terem virado para o oportunismo, sem mesmo procurarem traçar, para me contradizerem, qualquer
outro quadro dos agrupamentos no congresso. Agora, no Iskra (n.° 56), Mártov tenta apresentar
todas as tentativas para delimitar com exactidão os diversos grupos políticos no congresso, como
simples «politiquice de círculo». São palavras muito fortes, camarada Mártov! Mas as palavras
fortes do novo Iskra têm uma propriedade original: basta reproduzir exactamente todas as
peripécias da divergência a partir do congresso, para que todas essas palavras fortes se voltem inteiramente e em primeiro lugar contra a actual redacção. Olhai-vos a vós próprios senhores que
vos dizeis redactores do partido, vós que levantais a questão da politiquice de círculo!
Os factos da nossa luta no congresso aborrecem agora tanto Mártov que ele tenta apagá-los
completamente. «O iskrista - diz ele - é aquele que no congresso do partido e antes dele declarou
que se solidariza plenamente com o Iskra, defendeu o seu programa e o seu ponto de vista em
matéria de organização e apoiou a sua política neste terreno. Havia no congresso mais de quarenta
destes iskristas, tantos quantos o número de votos favoráveis ao programa do Iskra e à resolução
que reconhecia o Iskra como órgão central do partido.» Folheai as actas do congresso e vereis que
todos (p. 233) aceitaram o programa, excepto Akímov, que se absteve. Com essas palavras, o
camarada Mártov quer assegurar-nos que tanto os bundistas como Brúker e Martínov
demonstraram a sua «plena solidariedade» com o Iskra e defenderam os seus pontos de vista em
matéria de organização! Isto é ridículo. A transformação, depois do congresso, de todos os seus
participantes em membros do partido com iguais direitos (de resto, nem todos, já que os bundistas
se retiraram) confunde-se nessas palavras com a divisão em agrupamentos que provocou a luta no
congresso. Em vez de estudar os elementos que depois do congresso formaram a «maioria» e a
«minoria», faz-se uma frase oficial: aceitaram o programa!
Reparai na votação do reconhecimento do Iskra como Órgão Central. Vereis que Martínov, a quem
agora o camarada Mártov, com audácia digna duma melhor causa, atribui a defesa das concepções e
da política do Iskra em matéria de organização, é quem precisamente insiste na separação das duas
partes da resolução: o reconhecimento puro e simples do Iskra como Órgão Central e o reconhecimento dos seus méritos. Quando da votação da primeira parte da resolução (reconhecimento dos méritos do Iskra, expressão de solidariedade com ele), obtiveram-se apenas 35 votos a favor, dois contra (Akímov e Brúker) e onze abstenções (Martínov, os cinco bundistas e
cinco votos da redacção: os meus dois votos, os dois de Mártov e um de Plekhánov). Por
consequência, o grupo dos anti-iskristas (cinco bundistas e três partidários da Rabótcheie Dielo)
destaca-se com toda a clareza também aqui, neste exemplo, o mais vantajoso para o ponto de vista
actual de Mártov, exemplo escolhido por ele próprio. Vede a votação da segunda parte da resolução:
o reconhecimento do Iskra como Órgão Central sem se dar justificação alguma e sem exprimir
solidariedade (p. 147 das actas). Houve 44 votos a favor, que o actual Mártov atribui aos iskristas.
Houve ao todo 51 votos; subtraindo as cinco abstenções dos redactores, ficam 46 votos; dois
votaram contra (Akímov e Brúker); por consequência, fazem parte dos 44 restantes todos os cinco
bundistas. Assim, no congresso, os bundistas «exprimiram a sua plena solidariedade com o Iskra» -
eis como a história oficial é escrita pelo Iskra oficial! Antecipando-nos ao relato, expliquemos ao
leitor os verdadeiros motivos desta verdade oficial: a actual redacção do Iskra poderia ser e seria de
facto uma redacção do partido (e não quase-partido, como agora) se os bundistas e os partidários
da «Rabótcheie Dielo» não tivessem abandonado o congresso. Por essa razão foi necessário
converter em «iskristas» esses fiéis guardiões da actual redacção, que se diz do partido. Mas
voltaremos a isto em pormenor um pouco mais adiante.
Põe-se em seguida a pergunta: se o congresso foi uma luta entre elementos iskristas e anti-iskristas,
não haveria elementos intermédios, instáveis, que oscilassem entre uns e outros? Quem conheça um
pouco o nosso partido e a fisionomia habitual de todos os congressos, inclinar-se-á a priori a
responder a esta pergunta com uma afirmativa. O camarada Mártov não sente agora o mínimo
desejo de se recordar desses elementos instáveis, e apresenta o grupo do Iújni Rabótchi, com os
delegados que gravitam à sua volta, como iskristas típicos, e as nossas divergências com eles como
insignificantes e sem importância. Felizmente, temos agora sob os olhos o texto integral das actas, e
podemos portanto resolver esta questão - a questão de facto, bem entendido - na base de dados
documentais. O que dissemos acima em geral sobre os agrupamentos no congresso não pretende de
modo nenhum resolver este problema, mas simplesmente colocá-lo de modo correcto.
Sem uma análise dos agrupamentos políticos, sem traçar um quadro do congresso como luta entre
determinados matizes, é impossível compreender as nossas discordâncias. A tentativa de Mártov de
escamotear a diferença de matizes, juntando mesmo os bundistas com os iskristas, é simplesmente
furtar-se à questão. Mesmo a priori, na base da história da social-democracia russa antes do
congresso, desenham-se (para a sua comprovação ulterior e pormenorizado estudo) três grupos
principais: os iskristas, os anti-iskristas e os elementos instáveis, vacilantes e inconstantes.
===Notas===
<references group = "3"/>
==c) O Início do Congresso - O Incidente com o Comitê de Organização==
O mais cómodo é fazer a análise dos debates e votações do congresso seguindo a ordem das sessões
para anotar sucessivamente os matizes políticos que se desenham cada vez mais nitidamente. Só nos
afastaremos da ordem cronológica em caso de absoluta necessidade, para examinar em conjunto
certos problemas estritamente relacionados ou certos agrupamentos similares. Para maior
imparcialidade, tentaremos anotar todas as votações principais deixando de lado, bem entendido,
uma série de votações sobre questões de pormenor, que tomaram ao nosso congresso um tempo
exorbitante (em parte devido à nossa inexperiência e à má distribuição dos documentos entre as
reuniões de comissões e as sessões plenárias, e em parte em consequência de atrasos deliberados
que raiavam a obstrução).
A primeira questão que suscitou debates que começaram a revelar os diferentes matizes foi sobre se
devia ser dado o primeiro lugar (na «ordem do dia» do congresso) ao ponto seguinte: «posição do
Bund no partido» (pp. 29-33 das actas). Segundo o ponto de vista dos iskristas, defendido por
Plekhánov, Mártov, Trótski e por mim, não podia haver quaisquer dúvidas a este respeito. A saída
do Bund mostrou de forma evidente a justeza das nossas considerações: se o Bund não queria
caminhar connosco nem admitir os princípios de organização que a maioria do partido partilhava
com o Iskra, era inútil e contrário ao bom senso «fingir» caminhar juntos e arrastar assim o
congresso (como arrastavam os bundistas). A literatura já tinha esclarecido o problema, e era
evidente para qualquer membro consciente do partido que só faltava pôr francamente a questão e
escolher aberta e lealmente: autonomia (caminhamos juntos) ou federação (separamo-nos).
Evasivos em toda a sua política, também aqui os bundistas quiseram ser evasivos e adiar a questão.
O camarada Akímov junta-se a eles e logo formula, provavelmente em nome de todos os partidários
da Rabótcheie Dielo, as suas divergências com o Iskra no plano organizativo (p. 31 das actas). Ao
lado do Bund e da Rabótcheie Dielo alinha o camarada Mákhov (dois votos do comité de Nikoláiev,
que, pouco antes, se tinha declarado solidário com o Iskra!). Para o camarada Mákhov o problema
não é nada claro, e para ele o «ponto nevrálgico» é também a «questão da estrutura democrática ou,
pelo contrário (notai bem!), do centralismo», exactamente como para a maioria da nossa actual
redacção «do partido», maioria que no congresso ainda se não tinha dado conta deste «ponto
nevrálgico»!
Assim, contra os iskristas erguem-se o Bund, a Rabótcheie Dielo e o camarada Mákhov, reunindo
todos juntos os dez votos que se registaram contra nós (p. 33). Houve 30 votos a favor, e, como
veremos em seguida, é à volta deste número que muitas vezes oscilam os votos dos iskristas. Onze
abstiveram-se, não se ligando de maneira definida, como se verifica, nem a um nem a outro dos
«partidos» em luta. É interessante notar que na altura da votação sobre o § 2 dos estatutos do Bund
(a rejeição do § 2 provocou a saída do Bund do partido) eram igualmente em número de dez os
votos e as abstenções (p. 289 das actas); abstiveram-se precisamente os três partidários da
Rabótcheie Dielo (Brúker, Martínov, Akímov) e o camarada Mákhov. É evidente que a votação
sobre o lugar a reservar à questão do Bund deu origem a um agrupamento que não tinha nada de
acidental. É evidente que todos estes camaradas discordavam do Iskra, não só em relação ao
problema técnico da ordem da discussão, como também quanto ao fundo. No que se refere à
Rabótcheie Dielo, a divergência de fundo é clara para todos, e o camarada Mákhov definiu de modo
notável a sua atitude no seu discurso a propósito da saída do Bund (pp. 289-290 das actas). Vale a
pena que nos detenhamos neste discurso. O camarada Mákhov diz que, depois da resolução que
rejeitou a federação, «a situação do Bund no POSDR, de questão de princípio, tornou-se para ele
uma questão de política real face à organização nacional historicamente constituída. Aqui -
prossegue o orador - tive forçosamente que ter em conta todas as consequências que podiam advir
da nossa votação e por isso teria votado a favor do § 2 na sua totalidade». O camarada Mákhov
compreendeu perfeitamente o espírito da «política real»; em princípio já rejeitou a federação, e é
por isso que, na prática, teria votado a favor de um ponto dos estatutos que estabelece essa mesma
federação! E este camarada «prático» explica a sua estrita posição de princípio com as palavras
seguintes: «Mas (o famoso «mas» de Chtchedrine!) como qualquer votação minha tinha apenas um
carácter de princípio (!!) e não podia ter carácter prático, devido à votação quase unânime de todos
os outros congressistas, preferi abster-me para, por princípio» ... (Deus nos livre de tal espírito de
princípio!)... «fazer ressaltar a diferença da minha posição, neste caso, relativamente à posição
defendida pelos delegados do Bund que votaram a favor desse ponto. Pelo contrário, teria votado a
favor desse ponto se os delegados do Bund se abstivessem, assunto sobre o qual insistiram
anteriormente.» Entenda quem puder! Eis um homem agarrado aos princípios que se abstém de
declarar em voz alta: sim, porque isso é inútil na prática quando toda a gente diz: não.
Depois da votação sobre o lugar a reservar na ordem do dia à questão do Bund, pôs-se a questão do
grupo «Borbá», que também determinou um agrupamento extremamente interessante e que estava
estreitamente ligado à questão mais «delicada» do congresso: a composição pessoal dos centros. A
comissão encarregada de determinar a composição do congresso pronuncia-se contra o convite do
grupo «Borbá», de acordo com uma decisão do Comité de Organização repetida duas vezes (ver
pp. 383 e 375 das actas) e também de acordo com o relatório dos seus representantes na comissão
(p. 35).
O camarada Egórov, membro do CO, declara que «a questão do grupo «Borbá» (notai bem, do
«Borbá» e não deste ou daquele dos seus membros) é nova para si», e pede a suspensão da sessão. É
um mistério como é que uma questão duas vezes resolvida pelo CO podia ser nova para um dos
seus membros. Durante a interrupção, o CO, com a composição que por acaso estava presente no
congresso (vários membros seus, velhos membros da organização do Iskra, estavam ausentes do
congresso), reúne em sessão (p. 40 das actas).<ref group = "4">Quanto a esta sessão, ver a Carta de Pavlóvitch, membro do CO, que antes do congresso foi eleito por
unanimidade representante autorizado da redacção, seu sétimo membro (actas da Liga, p. 44). (Nota do Autor)</ref> Iniciam-se os debates sobre o «Borbá»: os
partidários da Rabótcheie Dielo pronunciam-se a favor (Martínov, Akímov e Brúker, pp. 36-38). Os
iskristas (Pavlóvitch, Sorókine, Langue, Trótski, Mártov e outros) pronunciam-se contra. O
congresso divide-se de novo, da maneira que já conhecemos. Trava-se em torno do «Borbá» uma
luta obstinada, e o camarada Mártov faz um discurso particularmente circunstanciado (p. 38) e
«combativo», no qual alude com razão à «desigualdade de representação» dos grupos da Rússia e
dos grupos do estrangeiro, diz que não estaria muito «bem» conceder a um grupo do estrangeiro um
«privilégio» (palavras de ouro, hoje particularmente instrutivas depois dos acontecimentos
posteriores ao congresso!), que não se deve fomentar «no partido o caos em matéria de organização,
caracterizado por uma fragmentação que não é justificada por nenhuma consideração de princípio»
(em cheio... na «minoria» do congresso do nosso partido!). Além dos partidários da Rabótcheie
Dielo, ninguém, até ao encerramento das inscrições de oradores, se pronunciou abertamente e com
fundamento a favor do «Borbá» (p. 40). Devemos fazer justiça ao camarada Akímov e aos seus
amigos, que pelo menos não tergiversaram e não se esconderam, mas prosseguiram abertamente a
sua táctica e disseram abertamente o que queriam.
Depois do encerramento das inscrições de oradores, quando já ninguém se pode pronunciar sobre o
fundo da questão, o camarada Egórov «pede insistentemente que se oiça a decisão que acaba de ser
adoptada pelo CO». Não é de estranhar que os membros do congresso se indignem com tal
9 Quanto a esta sessão, ver a Carta de Pavlóvitch, membro do CO, que antes do congresso foi eleito por unanimidade representante autorizado da redacção, seu sétimo membro (actas da Liga, p. 44). (Nota do Autor) procedimento, e o camarada Plekhánov, na presidência, exprime «a sua perplexidade por o camarada Egórov insistir no seu pedido». Porque, segundo pareceria, das duas uma: ou se falava franca e claramente, perante todo o congresso, sobre o fundo da questão, ou então não se dizia absolutamente nada. Mas deixar encerrar as inscrições de oradores para, em seguida, a pretexto de «discurso de resumo», apresentar ao congresso uma nova resolução do CO, precisamente sobre a questão que se acaba de debater, é uma verdadeira punhalada nas costas!
A sessão recomeçou depois do almoço, e o bureau, que continua perplexo, decide renunciar ao
«formalismo» e recorrer a um último recurso, de que os congressos se servem apenas em última
instância: uma «explicação amigável». Popov, representante do CO, lê a decisão do CO adoptada
por todos os seus membros, excepto um, Pavlóvitch (p. 43), propondo ao Congresso que convide
Riazánov.
Pavlóvitch declara que negou e continua a negar a legitimidade da reunião do CO e que a nova
decisão do CO «contradiz a sua decisão anterior». Esta declaração desencadeia uma verdadeira
tempestade. O camarada Egórov, igualmente membro do CO e do grupo Iújni Rabótchi, evita
responder sobre o fundo da questão e tenta transferir o centro de gravidade para a questão da
disciplina. O camarada Pavlóvitch, diz, infringiu a disciplina do partido(!), visto que o CO, depois
de ter examinado o seu protesto, tinha decidido «não dar conhecimento ao congresso da opinião
pessoal de Pavlóvitch». Os debates desviam-se para a disciplina do partido. E Plekhánov, entre
ruidosos aplausos do congresso, explica em forma didáctica ao camarada Egórov: «Nós não temos
mandatos imperativos» (p. 42, cfr. p. 379, regulamento do congresso, § 7: «Os plenos poderes dos
delegados não devem ser limitados por mandatos imperativos. No exercício dos seus plenos poderes
são completamente livres e independentes»). «O congresso é a instância suprema do partido», e por
isso infringe a disciplina do partido e o regulamento do congresso precisamente quem, de qualquer
maneira, impede um delegado de se dirigir directamente ao congresso sobre todas as questões da
vida do partido, sem qualquer excepção. A controvérsia reduz--se por consequência ao dilema:
espírito de círculo ou espírito de partido? Limitação dos direitos dos delegados no congresso, em
nome de direitos ou de regulamentos imaginários de quaisquer organismos e círculos, ou dissolução
completa, não só em palavras, mas de facto, perante o congresso, de todas as instâncias inferiores e
antigos pequenos grupos, até que se criem verdadeiros organismos oficiais do partido. O leitor já
pode ver por aqui a imensa importância de princípio desta discussão no próprio início (terceira
sessão) de um congresso que se propunha restaurar de facto o partido. Neste debate se concentrou,
por assim dizer, o conflito entre os antigos círculos e pequenos grupos (no género do Iújni
Rabótchi) e o partido que renascia. E os grupos anti-iskristas manifestam-se imediatamente: o
bundista Abramson, o camarada Martínov, ardente aliado da actual redacção do Iskra e nosso velho
conhecido, o camarada Mákhov, que também conhecemos, todos se manifestam a favor de Egórov e
do grupo do Iújni Rabótchi e contra Pavlóvitch. O camarada Martínov, que hoje, à porfia com
Mártov e Axelrod, faz gala de «democracia» em matéria de organização, evoca mesmo... o exército,
onde só se pode apelar para uma instância superior por intermédio da inferior! O verdadeiro sentido
desta «compacta» oposição anti-iskrista era evidente para todos os que assistiam ao congresso ou
que tinham seguido com atenção a vida interna do nosso partido antes do congresso. O objectivo da
oposição (objectivo de que nem todos os membros tinham talvez consciência e que por vezes
defendiam por inércia) era defender a independência, o particularismo, os interesses de capelinha
dos pequenos grupos para que não sejam tragados por um amplo partido, que vinha sendo
estruturado na base dos princípios iskristas.
Foi também deste ponto de vista que o camarada Mártov, que então ainda não se tinha unido a
Martínov, abordou a questão. O camarada Mártov ataca decididamente, e com razão, os que «na sua
concepção de disciplina de partido não vão além das obrigações do revolucionário para com o
grupo de ordem inferior de que é membro». «Nenhum agrupamento por imposição (o itálico é de
Mártov) é admissível num partido unificado», explica Mártov aos defensores do espírito de círculo,
sem prever que com estas palavras fustiga a sua própria actuação política nas últimas sessões do
congresso e depois dele... O agrupamento por imposição é inadmissível para o CO, mas
perfeitamente admissível para a redacção. O agrupamento por imposição é condenado por Mártov
quando o vê do centro, mas é defendido por Mártov quando deixa de lhe satisfazer a composição
deste centro…
É interessante notar que o camarada Mártov, no seu discurso, sublinhou expressamente, para além
do «enorme erro» do camarada Egórov, a instabilidade política manifestada pelo CO. «Em nome do
CO - indigna-se Mártov com razão - foi apresentada uma proposta que contradiz o relatório da
comissão (baseado, acrescentamos nós, no relatório dos membros do CO: p. 43, palavras de
Koltsov) e as propostas anteriores do CO» (sublinhado meu). Como vedes, Mártov compreendia
então muito bem, antes de efectuar a sua «viragem», que a substituição do grupo «Borbá» por
Riazánov em nada retira o carácter absolutamente contraditório e hesitante da actividade do CO (as
actas do congresso da Liga, p. 57, podem informar os membros do partido do modo como as coisas
se apresentavam a Mártov depois da sua viragem). Mártov não se limitou então a analisar a questão
da disciplina; também perguntou claramente ao CO: «Que aconteceu de novo para ser necessária
uma reformulação?» (sublinhado meu). Porque, de facto, o CO, ao fazer a sua proposta, nem
sequer teve a coragem suficiente para defender abertamente a sua opinião, como fizeram Akímov e
outros. Mártov refuta-o (actas da Liga, p. 56), mas quem ler as actas do congresso verá que ele se
engana. Popov, que faz uma proposta em nome do CO, não diz uma só palavra dos motivos (p. 41
das actas do congresso do partido). Egórov desloca a questão para o ponto da disciplina, mas quanto
à essência ele só afirma: «O CO podia ter tido novas razões»... (mas se surgiram e quais é o que se
ignora)... «podia talvez ter-se esquecido de inscrever alguém, etc.» (Este «etc.» é a única salvação
do orador, porque o CO não podia ter esquecido a questão do «Borbá», já discutida por ele duas
vezes antes do congresso e uma vez na comissão.) «O CO tomou esta decisão não porque a sua
atitude para com o grupo «Borba» tenha mudado, mas porque quer suprimir escolhos inúteis do
caminho da futura organização central do partido desde os primeiros passos da sua actividade.» Isto
não é apresentar uma razão, mas eludir uma razão. Todo o social-democrata sincero (e não pomos
em causa a sinceridade de nenhum dos delegados ao congresso) tem o cuidado de suprimir tudo o
que considera um escolho, e suprimi-lo com os meios que considera adequados. Apresentar razões
é explicar e formular com precisão a sua opinião sobre as coisas em lugar de se esquivar por um
truísmo. E teria sido impossível apresentar razões «sem mudar de atitude para com o «Borbá»,
porque as anteriores decisões contraditórias do CO tinham igualmente tido o cuidado de suprimir
escolhos, mas viam esses «escolhos» precisamente na posição contrária. O camarada Mártov atacou
então com grande violência e muita razão este argumento, que qualificou de «mesquinho» e devido
ao desejo de «se esquivar», aconselhando o CO a «não temer o que os outros dirão». Com estas
palavras o camarada Mártov caracterizou maravilhosamente o fundo e o significado do matiz
político que, no congresso, desempenhou um importante papel e que se distingue justamente pela
sua falta de independência e pela sua mesquinhez, pela ausência de uma linha própria e pelo receio
do que dirão os outros, pelas eternas oscilações entre duas partes claramente determinadas, pelo
medo de expor abertamente o seu credo, numa palavra, por todas as características do «pântano».<ref group = "4">Há actualmente pessoas no partido que, ao ouvir esta palavra, se horrorizam e se queixam que nesta polémica falta o
espírito de camaradagem. É uma deturpação estranha da sensibilidade sob a influência do tom oficial... usado
inoportunamente! Quase não há partido político com luta interna que dispense este termo, com o qual são
designados os elementos hesitantes que oscilam entre os que lutam. E os alemães, que sabem manter a luta interna
num quadro perfeitamente comedido, não se ofendem por motivo da palavra versumpft (enterrado no pântano - N.
Ed.) e não se horrorizam, não manifestam uma cómica pruderie (pudor hipócrita - N. Ed.) oficial (Nota do Autor).</ref>
Esta falta de carácter em política do grupo instável levou, entre outras coisas, a que ninguém,
excepto o bundista Iúdine (p. 53), fizesse uma proposta ao congresso para convidar um membro do
grupo «Borbá». Houve 5 votos a favor da proposta de Iúdine, evidentemente todos bundistas: os
elementos hesitantes mais uma vez viraram a casaca! Qual era, mais ou menos, o número de
votantes do grupo do centro, mostram-no as votações das propostas de Koltsov e Iúdine sobre este ponto: a do iskrista obteve 32 votos (p. 47); a do bundista 16, ou seja, além dos oito votos anti-
iskristas, os dois votos do camarada Mákhov (cfr. p. 46), os quatro votos do grupo Iújni Rabótchi e
mais dois votos. Mostraremos em seguida que não poderíamos considerar acidental esta
distribuição, mas primeiro exporemos sumariamente a opinião actual de Mártov sobre este
incidente do CO. Mártov afirmou perante a Liga que «Pavlóvitch e os outros atiçaram as paixões».
Basta consultar as actas do congresso para ver que os discursos mais circunstanciados, mais
ardentes e mais duros contra o «Borbá» e o CO são os do próprio Mártov. Tentando empurrar o
«erro» para Pavlóvitch, só dá provas de instabilidade: antes do congresso tinha precisamente
escolhido Pavlóvitch como sétimo membro da redacção; no congresso juntou-se inteiramente a
Pavlóvitch (p. 44) contra Egórov. Depois, quando se viu derrotado por Pavlóvitch, acusou-o de
«atiçar as paixões». É simplesmente ridículo.
No Iskra (n° 56) Mártov faz ironia por se atribuir grande importância ao convite de X ou de Y. De
novo esta ironia se volta contra Mártov, porque o incidente com o CO serviu precisamente de ponto
de partida aos debates sobre uma questão tão «importante» como o convite de X ou de Y para fazer
parte do CC e do OC. Não está certo empregar-se duas medidas diferentes segundo se trate do seu
próprio «grupo de ordem inferior» (em relação ao partido) ou de qualquer outro. Isto é
precisamente espírito filistino e espírito de círculo, e não uma atitude de partido. Um simples
confronto entre o discurso de Mártov perante a Liga (p. 57) e o seu discurso no congresso (p. 44)
prova-o inteiramente. «Não compreendo - dizia Mártov entre outras coisas na Liga - como as
pessoas arranjam maneira de se dizerem a qualquer preço iskristas e ao mesmo tempo mostrarem-se
envergonhadas de o ser.» Estranha incompreensão da diferença entre o «dizer-se» e o «ser», entre a
palavra e a acção. No congresso, Mártov disse-se a si próprio adversário dos agrupamentos por
imposição, mas foi partidário deles depois do congresso…
===Notas===
<references group="4"/>
==d) Dissolução do Grupo «Iújni Rabótchi»==
A forma como se dividiram os delegados sobre a questão do CO poderá parecer fortuita. Mas tal
opinião seria errada; para a dissipar, afastar-nos-emos da ordem cronológica e examinaremos
imediatamente um incidente que, embora tenha acontecido no fim do congresso, está estreitamente
ligado ao precedente. Este incidente é a dissolução do grupo Iújni Rabótchi. Contra as tendências
iskristas em matéria de organização - coesão absoluta das forças do partido e supressão do caos que
as fracciona - levantaram-se aqui os interesses de um dos grupos, que, enquanto não havia um
verdadeiro partido, tinha feito um trabalho útil, mas que se tornou supérfluo depois de se ter
organizado o trabalho de modo centralizado. Em nome dos interesses de círculo, o grupo Iújni
Rabótchi tinha tanto direito de conservar a sua «continuidade» e inviolabilidade como a antiga
redacção do Iskra. Em nome dos interesses do partido, este grupo devia submeter-se à transferência
das suas forças «para as organizações correspondentes do partido» (p. 313, final da resolução
adoptada pelo congresso). Do ponto de vista dos interesses de círculo, do ponto de vista «filistino»,
não podia deixar de parecer «coisa delicada» (expressão dos camaradas Rússov e Deutsch) a
dissolução de um grupo útil, que tinha tão pouca vontade de se deixar dissolver como a antiga
redacção do Iskra. Do ponto de vista dos interesses do partido, era indispensável esta dissolução,
esta «absorção» (expressão de Gússev) pelo partido. O grupo Iújni Rabótchi declarou abertamente
que «não considerava necessário» proclamar-se dissolvido e exigia que «o congresso se
pronunciasse categoricamente» e «imediatamente: sim ou não». O grupo Iújni Rabótchi invocou a
mesma «continuidade» para a qual apelara a velha redacção do Iskra... depois da sua dissolução!
«Ainda que todos nós, individualmente considerados, constituamos um único partido - disse o
camarada Egórov -, nem por isso esse partido deixa de ser composto por toda uma série de
organizações, as quais se deve ter em conta como grandezas históricas... Se tal organização não é
prejudicial ao partido, não há por que dissolvê-la.»
Assim se pôs de forma perfeitamente definida uma importante questão de princípio, e todos os
iskristas - enquanto os interesses do seu próprio círculo não vieram para primeiro plano - se
pronunciaram categoricamente contra os elementos instáveis (nesse momento, os bundistas e dois
dos partidários da Rabótcheie Dielo já não estavam no congresso; seguramente que teriam
defendido com a máxima energia a necessidade de «ter em conta as grandezas históricas»). Os
resultados da votação foram 31 a favor, cinco contra e cinco abstenções (os quatro votos dos
membros do grupo Iújni Rabótchi, e mais um voto, provavelmente o de Belov, a julgar pelas suas
anteriores declarações, p. 308). Um grupo de dez votos, francamente hostil ao plano de organização
consequente do Iskra e defendendo o espírito de círculo contra o espírito de partido, desenha-se
muito claramente. Durante os debates, os iskristas põem esta questão justamente no plano dos
princípios (ver o discurso de Langue, p. 315), pronunciam-se contra o trabalho artesanal e a
dispersão, recusam-se a ter em conta as «simpatias» desta ou aquela organização, e declaram
abertamente: «Se há um ou dois anos ainda os camaradas do Iújni Rabótchi se tivessem identificado
mais estritamente com os princípios, a unidade do partido e o triunfo dos princípios do programa
que aqui sancionámos teriam sido conseguidos mais cedo.» Dentro do mesmo espírito pronunciam-
se Orlov, Gússev, Liádov, Muraviov, Rússov, Pavlóvitch, Glébov e Górine. Os iskristas da
«minoria» não só se não manifestam contra estas advertências precisas várias vezes apresentadas no
congresso contra a falta de firmeza de princípios da política e da «linha» do Iújni Rabótchi, de
Mákhov e outros; não só não fazem a mínima reserva acerca deste assunto, como pelo contrário,
pela boca de Deutsch decididamente se lhe associam, condenando o «caos» e aplaudindo «a
franqueza com que a questão tinha sido posta» (p. 315) pelo próprio camarada Rússov, que naquela
mesma sessão teve a audácia - que horror! - de também «pôr francamente» a questão da antiga
redacção puramente numa base de partido (p. 325).
A questão da dissolução do Iújni Rabótchi provocou neste grupo uma terrível indignação, da qual se
encontram marcas nas actas (não devemos esquecer que as actas dão apenas uma pálida imagem
dos debates, porque em vez de discursos completos, apresentam apenas breves resumos ou
excertos). O camarada Egórov chegou mesmo a qualificar de «mentira» a simples menção do grupo
Rabótchaia Misl ao lado do Iújni Rabótchi, exemplo característico da atitude que predominava no
congresso para com o economismo consequente. E mesmo muito mais tarde, na 37ª sessão, Egórov
fala da dissolução do Iújni Rabótchi com a mais viva irritação (p. 356), pedindo que se escreva nas
actas que, durante os debates sobre o Iújni Rabótchi, os membros deste grupo não foram
consultados, nem sobre os meios a destinar às suas publicações, nem sobre o controlo do OC e do
CC. O camarada Popov, durante os debates a propósito do Iújni Rabótchi, faz alusão à maioria
compacta que teria decidido antecipadamente do destino deste grupo. «Agora - diz ele (p. 316) -,
depois dos discursos dos camaradas Gússev e Orlov, tudo está claro.» É evidente o sentido
destas palavras: agora que os iskristas se pronunciaram e apresentaram uma resolução, tudo está
claro, isto é, está claro que o Iújni Rabótchi será dissolvido contra sua vontade. O próprio delegado
do Iújni Rabótchi separa aqui os iskristas (e, além disso, iskristas como Gússev e Orlov) dos seus
partidários, como sendo representantes de «linhas» diferentes de política de organização. E quando
o actual Iskra apresenta o grupo Iújni Rabótchi (e também, provavelmente, Mákhov?) como
«iskristas típicos», isso só nos mostra com precisão o esquecimento dos acontecimentos mais
importantes (do ponto de vista desse grupo) do congresso, e o desejo da nova redacção de apagar os
indícios que assinalam os elementos que serviram de origem à chamada «minoria».
Infelizmente, a questão de um órgão popular não foi levantada no congresso. Todos os iskristas
debateram esta questão com extraordinária animação antes e durante o congresso, fora das sessões,
concordando que, no momento actual da vida no nosso partido, lançar ombros à publicação de um
tal órgão, ou dar este carácter a um dos já existentes, seria empresa extremamente irracional. Os
anti-iskristas pronunciaram-se no congresso em sentido contrário, o grupo Iújni Rabótchi fez o
mesmo no seu relatório. E não se pode explicar, a não ser por obra do acaso ou pela recusa em
levantar uma questão «sem esperança», que não se tenha apresentado uma resolução adequada
subscrita por dez pessoas.
==e) O Incidente da Igualdade de Direitos das Línguas==
Retomemos a ordem das sessões do congresso.
Pudemos convencer-nos agora que antes mesmo do exame a fundo das questões se revelou
claramente no congresso, não só um grupo perfeitamente definido de anti-iskristas (8 votos), mas
também um grupo de elementos intermédios, instáveis, prontos a apoiar esses oito e a aumentar o
seu número para cerca de 16-18 votos.
A questão do lugar do Bund no partido, debatida no congresso com extremo, com excessivo
pormenor, reduziu-se à discussão de uma tese de princípio, adiando-se a resolução prática até à
discussão das relações de organização. Visto que já antes do congresso se tinha consagrado bastante
espaço na literatura ao estudo dos temas referentes a este ponto, a discussão no congresso trouxe
relativamente pouco de novo. Todavia, não podemos deixar de assinalar que os partidários da
Rabótcheie Dielo (Martínov, Akímov e Brúker), embora concordando com a resolução de Mártov,
puseram a reserva de que a consideravam insuficiente, e que não estavam de acordo com as
conclusões dela decorrentes (pp. 69, 73, 83, 86).
Depois de discutir a questão do lugar do Bund, o congresso passou à questão do programa. Aqui, os
debates desenvolveram-se principalmente à volta de emendas de pormenor sem grande interesse.
No que respeita aos princípios, a oposição dos anti-iskristas só se manifestou na cruzada do
camarada Martínov contra a famosa apresentação da questão da espontaneidade e da consciência.
Naturalmente, os bundistas e os partidários da Rabótcheie Dielo declararam-se inteiramente a favor
de Martínov. A inconsistência das suas objecções foi demonstrada, entre outros, por Mártov e
Plekhánov. A título de curiosidade, indicaremos que, hoje, a redacção do Iskra (aparentemente
depois de reflectir) passou para o lado de Martínov e diz o contrário do que dizia no congresso!<ref group = "6">A redacção do Iskra menchevique inseriu no suplemento do n° 57 do Iskra, de 15 de Janeiro de 1904, o artigo do
ex-«economista» A. Martínov, no qual o autor se pronuciava contra os princípios dos bolcheviques no campo da
organização e fazia ataques a V. I. Lénine. Numa nota ao artigo de Martínov, a redacção do Iskra, tendo declarado
formalmente não estar de acordo com algumas ideias do autor, em geral aprovou este artigo e concordou com as
teses principais de Martínov.</ref>
Provavelmente isto está de acordo com o famoso princípio da «continuidade» ... Só nos resta
esperar que a redacção acabe por orientar-se e nos explique em que medida precisamente está de
acordo com Martínov, exactamente em quê e desde quando. Entretanto, limitar-nos-emos a
perguntar se já alguma vez se viu um órgão de partido cuja redacção, depois de um congresso, se
tenha posto a dizer o contrário do que dizia no congresso?
Deixando de lado os debates sobre o reconhecimento do Iskra como Órgão Central (já falámos
disso mais atrás) e o início dos debates sobre os estatutos (de que será mais conveniente tratar
quando do exame de conjunto dos estatutos), passemos aos matizes de princípio surgidos na
discussão do programa. Em primeiro lugar sublinhemos um pormenor extraordinariamente
característico: os debates sobre a representação proporcional. O camarada Egórov, do Iújni
Rabótchi, propunha a sua introdução no programa e defendeu o seu ponto de vista de tal maneira
que deu azo à justa observação de Possadóvski (iskrista da minoria) sobre a existência de um «sério
desacordo». «É indubitável - declarou o camarada Possadóvski - que não estamos de acordo sobre a
seguinte questão fundamental: dever-se-á subordinar a nossa política futura a certos princípios
democráticos fundamentais atribuindo-lhes um valor absoluto, ou deverão todos os princípios
democráticos subordinar-se exclusivamente aos interesses do nosso partido? Pronuncio-me
decididamente a favor desta última opinião.» Plekhánov «solidariza-se inteiramente» com
Possadóvski, exprimindo-se em termos ainda mais precisos e enérgicos contra «o valor absoluto dos
princípios democráticos» e contra a sua interpretação «abstracta». «É concebível em hipótese um caso - diz - em que nós, sociais-democratas, nos pronunciemos contra o sufrágio universal. Houve
tempo em que a burguesia das repúblicas italianas privava os indivíduos pertencentes à nobreza dos
seus direitos políticos. O proletariado revolucionário poderia limitar os direitos políticos das classes
superiores, tal como estas antes limitaram os seus direitos políticos.» O discurso de Plekhánov é
recebido com aplausos e vaias, e quando Plekhánov protesta contra o Zwischenruf<ref group = "6">Àparte durante o discurso de um orador. (N. Ed.)</ref>: «Não deveis
vaiar», e pede aos camaradas que não se coíbam, o camarada Egórov levanta-se e diz: «Quando tais
discursos são aplaudidos, sou obrigado a vaiá-los.» Juntamente com o camarada Goldblat (delegado
do Bund), o camarada Egórov pronuncia-se contra as opiniões de Possadóvski e de Plekhánov.
Infelizmente o debate foi encerrado e a questão levantada durante ele não voltou a ser tratada. Mas
em vão o camarada Mártov se esforça agora por minimizar e até anular o seu significado, dizendo
no congresso da Liga: «Estas palavras (de Plekhánov) provocaram a indignação duma parte dos
delegados, indignação que facilmente se poderia ter evitado se o camarada Plekhánov tivesse
acrescentado que, evidentemente, não se pode imaginar uma situação tão trágica em que o
proletariado, para consolidar a sua vitória, tenha de espezinhar direitos políticos como a liberdade
de imprensa... (Plekhánov: «merci»)» (p. 58 das actas da Liga). Esta interpretação contradiz
frontalmente a declaração absolutamente categórica do camarada Possadóvski no congresso
acerca do «sério desacordo» e da divergência sobre uma «questão fundamental». Sobre esta questão
fundamental, todos os iskristas se pronunciaram no congresso contra os representantes da «direita»
anti-iskrista (Goldblat) e do «centro» do congresso (Egórov). Isto é um facto, e podemos garantir
sem hesitações que, se o «centro» (espero que esta palavra choque menos que qualquer outra os
partidários «oficiais» da suavidade...), se o «centro» tivesse que (através do camarada Egórov ou
Mákhov) pronunciar-se «sem constrangimento» sobre esta questão ou questões análogas, um sério
desacordo teria surgido imediatamente.
As divergências manifestaram-se, ainda mais nitidamente acerca da questão da «igualdade de
direitos das línguas» (p. 171 e seguintes das actas). Sobre este ponto os debates são menos
eloquentes que as votações: feitas as contas, temos um inacreditável número de dezasseis! E isto
para quê? Para saber se bastava assinalar no programa a igualdade de todos os cidadãos,
independentemente do sexo, etc., e da língua, ou se era preciso dizer: «liberdade de língua» ou
«igualdade de direitos das línguas». No congresso da Liga, o camarada Mártov caracterizou
bastante acertadamente este episódio, quando disse que «uma discussão insignificante sobre a
redacção de um ponto do programa adquiriu um significado de princípio porque metade do
congresso estava pronta a derrubar a comissão do programa». Exactamente.<ref group = "6">Mártov acrescenta: «Neste caso Plekhánov causou-nos um grande dano com a sua piada sobre os burros» (quando se
tratava da liberdade da língua, um bundista, parece-me, mencionou no número das instituições as coudelarias, e
Plekhánov disse em aparte «os cavalos não falam, mas os burros às vezes fazem-no»). Evidentemente não posso ver
nesta piada uma especial suavidade, espírito conciliador, prudência, flexibilidade. No entanto, acho estranho que
Mártov, embora reconhecendo o significado de princípio do debate, não se detenha de modo nenhum no exame
daquilo em que reside o espírito de princípio e que matizes encontraram aqui expressão; limita-se a assinalar o
«dano» das piadas. Este é, de facto, um ponto de vista burocrático e formalista! As piadas mordazes, com efeito,
«causaram um grande dano no congresso», não só as que visavam os bundistas, mas também as relativas às pessoas
que os bundistas tinham por vezes apoiado ou até salvado da derrota. Mas, uma vez reconhecido o significado de
princípio deste incidente, não nos podemos limitar a frases sobre a «inadmissibilidade» (p. 58 das actas da Liga) de
certas piadas. (Nota do Autor)</ref> O motivo do conflito
era realmente insignificante; não obstante, este tomou um verdadeiro carácter de princípio e
consequentemente formas terrivelmente encarniçadas, até à tentativa de «derrubar» a comissão do
programa, até à suspeita de se querer «prejudicar o congresso» (Egórov suspeitava isto de
Mártov!) e até a trocar observações pessoais do carácter mais... injurioso (p. 178). Até o camarada
Popov «lamentou que, a propósito de ninharias, se criasse uma tal atmosfera» (sublinhado por
mim, p. 182), que reinou durante três sessões (16ª, 17ª e 18ª).
Todas estas expressões demonstram, da forma mais precisa e categórica, o facto importantíssimo de
que a atmosfera de «suspeita» e das formas mais encarniçadas de luta («derrubar») - cuja origem,
mais tarde, no congresso da Liga, foi imputada à maioria dos iskristas! - existia na realidade muito
antes de nos termos cindido em maioria e minoria. Repito que é um facto de enorme importância, um facto essencial, cuja incompreensão leva muita e muita gente, do modo mais leviano, a julgar artificial o carácter da maioria no fim do congresso. Do actual ponto de vista do camarada Mártov, que afirma que havia no congresso 9/10 de iskristas, é absolutamente inexplicável e absurdo que, por «ninharias», por uma causa «insignificante», tenha surgido um conflito que tomou um «carácter de princípio» e que quase levou ao derrubamento da comissão do congresso. Seria ridículo desembaraçar-se deste facto com queixas e lamentações a propósito de piadas «prejudiciais». O conflito não podia tomar um significado de princípio pela violência de qualquer piada, esse significado só podia advir do carácter dos agrupamentos políticos no congresso. Não foram as asperezas nem as piadas que provocaram o conflito - elas foram apenas um sintoma do facto de existirem «contradições» no seio do agrupamento político do congresso, de nele existirem todos os germes de um conflito, uma heterogeneidade interna que, com uma força imanente, surgia ao menor pretexto, mesmo insignificante.
Pelo contrário, do ponto de vista de que encaro o congresso, e que considero meu dever defender
como uma determinada interpretação política dos acontecimentos, ainda que tal interpretação possa
parecer chocante a alguns, desse ponto de vista é perfeitamente explicável e inevitável o conflito
extremamente violento com carácter de princípio surgido por um motivo «insignificante». Visto
que durante o congresso a luta entre iskristas e anti-iskristas foi constante, visto que entre ambos se
encontravam elementos instáveis e estes, juntamente com os anti-iskristas, representavam um terço
dos votos (8+10=18, em 51, segundo o meu cálculo, evidentemente aproximado), é inteiramente
compreensível e natural que qualquer separação dos iskristas, ainda que duma fraca minoria,
podia dar a vitória à tendência anti-iskrista, e suscitava por consequência uma luta «furiosa». Isto
não resulta de interpelações e ataques desmesuradamente violentos, mas é o resultado duma certa
combinação política. Não foram as interpelações ásperas que provocaram o conflito político, foi a
existência dum conflito político no próprio agrupamento do congresso que provocou as interpelações ásperas e os ataques; é nesta oposição que reside a nossa fundamental divergência de
princípio com Mártov quanto à apreciação da importância política do congresso e dos seus resultados.
O congresso registou três exemplos particularmente salientes de separação dum número
insignificante de iskristas da sua maioria - a igualdade de direitos das línguas, o §1 dos estatutos e
as eleições - e em cada um dos três casos se travou uma luta encarniçada que, finalmente, levou à
grave crise actual do partido. Para compreender o sentido político desta crise e desta luta não nos
podemos limitar a frases sobre piadas inadmissíveis, temos de examinar os agrupamentos políticos
dos matizes que se defrontaram no congresso. O incidente sobre a «igualdade de direitos das
línguas» oferece, por consequência, um duplo interesse, na medida em que explica as razões da
divergência, porque aqui Mártov ainda era (ainda era!) um iskrista e combatia, talvez mais do que
ninguém, os anti-iskristas e o «centro».
A guerra começou com uma discussão entre o camarada Mártov e o líder dos bundistas, o camarada
Líber (pp. 171-172). Mártov demonstra que a reivindicação da «igualdade de direitos dos cidadãos»
é suficiente. A «liberdade das línguas» é rejeitada, mas a «igualdade de direitos das línguas» é
imediatamente proposta, e o camarada Egórov lança-se ao combate na companhia de Líber. Mártov
declara que se trata de feiticismo «quando os oradores insistem na igualdade de direitos das
nacionalidades e transferem a desigualdade para o domínio da língua. Mas a questão deve ser
analisada de um ângulo oposto: existe uma desigualdade de direitos entre as nacionalidades, a qual
se exprime, entre outras coisas, pelo facto de as pessoas duma certa nacionalidade serem privadas
do direito de usar a sua língua materna» (p. 172). Mártov tinha então inteira razão. Era com efeito
uma espécie de feiticismo a tentativa absolutamente inconsistente de Líber e Egórov de defender a
justeza da sua fórmula e considerar que nós não queríamos ou não sabíamos aplicar o princípio da
igualdade de direitos das nacionalidades. Na realidade, como «feiticistas» defendiam precisamente
uma palavra e não um princípio; agiam não por medo de qualquer erro de princípio, mas por medo
do que dissessem os outros. É esta psicologia da instabilidade (e se «os outros» nos acusassem
disto?) - assinalada por nós durante o incidente do Comité de Organização - que manifestou
claramente neste caso todo o nosso «centro». Outro dos seus representantes, Lvov, delegado da
região mineira, próximo do grupo Iújni Rabótchi, «considera que a questão relativa à opressão das
línguas, apresentada pelas regiões periféricas, é muito séria. É importante que, incluindo no nosso
programa um ponto referente à língua, nós afastemos qualquer suspeita de russificação, que poderia
recair sobre os sociais-democratas». Eis uma notável fundamentação da «seriedade» da questão. A
questão é muito séria porque é preciso afastar as eventuais suspeitas das regiões periféricas! O
orador não diz absolutamente nada quanto ao fundo da questão, não responde às acusações de
feiticismo, mas confirma-as inteiramente, dando provas duma total falta de argumentos, limitando-
se a falar do que poderiam dizer as regiões periféricas. Tudo o que possam dizer é falso, replicam-
lhe. Mas em vez de procurar saber se é ou não verdade, responde: «Poderiam suspeitar.»
Uma tal maneira de pôr o problema, atribuindo-lhe um carácter sério e importante, toma realmente
um significado de princípio, mas de modo nenhum o que queriam descobrir nele os Líber, os
Egórov e os Lvov. O que assume um carácter de princípio é saber se devemos deixar as
organizações e membros do partido aplicar os princípios gerais e essenciais do programa, tendo em
conta as condições concretas e desenvolvendo-os no sentido dessa aplicação, ou se devemos, por
simples medo das suspeitas, encher o programa de pormenores insignificantes, de indicações
particulares, de repetições, de casuística. O que tem carácter de princípio é saber como podem
sociais-democratas, na luta com a casuística, discernir («suspeitar») tentativas de restrição dos
direitos e liberdades democráticas elementares. Quando renunciaremos enfim a esse culto feiticista
da casuística? - esta a ideia que nos surgiu quando da luta sobre as «línguas».
O agrupamento dos delegados nesta luta é especialmente claro graças à abundância de votações
nominais. Houve três. Contra o núcleo iskrista erguem-se unânime e constantemente os anti-
iskristas (8 votos) e, com muito ligeiras flutuações, todo o centro (Mákhov, Lvov, Egórov, Popov,
Medvédev, Ivanov, Tsariov, Belov; só os dois últimos hesitaram a princípio, ora abstendo-se, ora
votando connosco, e só à terceira votação tomaram uma posição definitiva). Uma parte dos iskristas
separa-se, sobretudo os caucasianos (três, com seis votos), e devido a isto a tendência «feiticista»
ganha finalmente o predomínio. Na terceira votação, quando os partidários de ambas as tendências
tinham definido bem as suas posições, três caucasianos com seis votos separaram-se dos iskristas da
maioria para se juntarem ao campo oposto; dois com dois votos, Possadóvski e Kóstitch,
abandonam os iskristas da minoria. Nas duas primeiras votações tinham passado para o campo
contrário ou tinham-se abstido: Lénski, Stepánov e Górski da maioria iskrista, e Deutsch da
minoria. A separação de oito votos iskristas (num total de 33) deu a superioridade à coligação
dos anti-iskristas e elementos instáveis. É este precisamente o facto essencial quanto aos
agrupamentos no congresso, facto que se repetiu (mas só com a separação de outros iskristas) na
votação do §1 dos estatutos e nas eleições. Não é de admirar que aqueles que foram derrotados nas
eleições fechem agora cuidadosamente os olhos às razões políticas desta derrota, aos pontos de
partida da luta de matizes, que cada vez mais revelava e desmascarava cada vez mais
implacavelmente perante o partido os elementos instáveis e politicamente pouco firmes. O incidente
da igualdade de direitos das línguas mostra-nos esta luta com tanto mais relevo quanto então o
camarada Mártov não tinha ainda merecido os louvores e a aprovação de Akímov e Mákhov.
===Notas===
<references group = "6"/>
==f) O Programa Agrário==
A inconsequência no campo dos princípios dos anti-iskristas e do «centro» manifestou-se também
claramente nos debates sobre o programa agrário, que tomaram muito tempo ao congresso (ver pp.
190-226 das actas) e levantaram numerosas questões extremamente interessantes. Como era de
esperar, a campanha contra o programa é iniciada pelo camarada Martínov (depois de observações
de pormenor dos camaradas Líber e Egórov). Utiliza o velho argumento segundo o qual corrigindo
«precisamente esta injustiça histórica» «consagramos» indirectamente, pretende ele, «outras
injustiças históricas», etc. Ao seu lado coloca-se o camarada Egórov, que inclusive «não vê
claramente qual é o significado deste programa. É um programa para nós, isto é, fixa as
reivindicações que formulamos, ou queremos torná-lo popular?» (!?!?). O camarada Líber «queria
fazer as mesmas observações que o camarada Egórov». O camarada Mákhov intervém com a sua
habitual energia e declara que «a maioria (?) dos oradores não compreende absolutamente nada do
que é o programa proposto e dos fins que visa». O programa proposto, estão a ver, «dificilmente
poderia ser considerado um programa agrário social-democrata»; ele... «soa, de certo modo, a
brincar à correcção das injustiças históricas»; e tem «um matiz de demagogia e aventureirismo». A
confirmação teórica destas elucubrações é, como de costume, o exagero e a simplificação do
marxismo vulgar: pretende-se que os iskristas querem «tratar os camponeses como um todo
homogéneo; mas como o campesinato já há muito (?) está dividido em classes, a apresentação dum
programa único tem como consequência inevitável converter esse programa no seu conjunto em
demagógico, e torná-lo aventureirista quando posto em prática» (202). O camarada Mákhov «revela
sem querer» a verdadeira causa da atitude negativa para com o nosso programa agrário observada
por muitos sociais-democratas prontos a «reconhecerem» o Iskra (como fez o próprio Mákhov),
mas que não reflectiram absolutamente nada sobre a sua orientação, sobre a sua posição teórica e
prática. De facto, é precisamente a vulgarização do marxismo aplicada a um fenómeno tão
complexo e polifacético como o sistema actual da economia camponesa russa, que esteve e ainda
está na base da incompreensão deste programa, e não divergências de pormenor. E sobre este ponto
de vista de um marxismo vulgar puseram-se rapidamente de acordo os líderes dos elementos anti--
iskristas (Líber e Martínov) e do «centro» (Egórov e Mákhov). O camarada Egórov exprimiu
também francamente um dos traços característicos do Iújni Rabótchi e dos grupos e círculos que
tendem para ele, a saber: a incompreensão da importância do movimento camponês, a
incompreensão de que o ponto fraco dos nossos sociais-democratas, aquando das primeiras famosas
insurreições camponesas, foi não a sobrestimação mas antes a subestimação do papel deste
movimento (e a falta de força para o utilizar). «Estou longe de partilhar o entusiasmo da redacção
pelo movimento camponês - disse o camarada Egórov -, entusiasmo que se apoderou de muitos
sociais-democratas depois das revoltas camponesas.» Infelizmente o camarada Egórov não se deu
ao trabalho de explicar ao congresso com o mínimo de precisão em que consistiu esse entusiasmo
da redacção, como também não se deu ao trabalho de dar indicações concretas sobre o material
literário que o Iskra forneceu. Além disso esqueceu que todos os pontos fundamentais do nosso
programa agrário foram desenvolvidos pelo Iskra já no seu terceiro número<ref group = "7">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 4, pp. 429-437. (N. Ed.)</ref>, ou seja, muito antes
das revoltas camponesas. Os que «reconheceram» o Iskra não só em palavras não fariam mal se
dessem um pouco mais de atenção aos seus princípios teóricos e tácticos!
«Não, no campesinato não podemos fazer muito!» - exclama o camarada Egórov, e depois explica
esta exclamação não como protesto contra qualquer «entusiasmo» particular, mas como negação de
toda a nossa posição: «Isto significa pois que a nossa palavra de ordem não pode competir com uma
palavra de ordem aventureira.» Fórmula muito característica da ausência de princípios que tudo
reduz a uma «concorrência» entre palavras de ordem de diferentes partidos! E isto é dito depois de
o orador se ter declarado «satisfeito» com as explicações teóricas que indicavam que visamos um
êxito duradouro na agitação, sem nos deixarmos perturbar por insucessos temporários, e que um
êxito duradouro (apesar da ruidosa gritaria dos «concorrentes» ... dum minuto) é impossível sem que o programa assente em firmes bases teóricas (p. 196). Que confusão se revela nesta afirmação
de que se sente «satisfeito», seguida imediatamente da repetição das teses herdadas do velho
economismo para o qual «a concorrência entre palavras de ordem» decidia todas as questões não só
do programa agrário, mas de todo o programa e de toda a táctica da luta económica e política. «Vós
não obrigareis o operário agrícola - dizia o camarada Egórov - a lutar lado a lado com o camponês
rico pelos ''otrézki''<ref group = "7">Otrézki (terras cortadas): terras tiradas aos camponeses pelos latifundiários quando da abolição da servidão na
Rússia em 1861. Os camponeses foram obrigados a tomar essas terras em arrendamento aos latifundiários em
condições escravizantes.</ref>, que em grande parte já estão nas mãos desse camponês rico.»
Encontramo-nos de novo perante a mesma simplificação indubitavelmente aparentada com o nosso
economismo oportunista, que afirmava que é impossível «obrigar» o proletário a lutar pelo que em
grande parte está nas mãos da burguesia, e que no futuro, em proporção ainda mais considerável,
lhe cairá nas mãos. Uma vez mais a mesma vulgarização que esquece as peculiaridades russas das
relações capitalistas gerais entre o operário agrícola e o camponês rico. Hoje os otrézki de facto
oprimem também o operário agrícola, e não é preciso «obrigá-lo» a lutar para se libertar da sua
servidão. Quem é preciso «obrigar» são certos intelectuais; é preciso obrigá-los a encarar as suas
tarefas com maior largueza de vistas, obrigá-los a renunciar às fórmulas estereotipadas no exame de
questões concretas, obrigá-los a ter em conta a conjuntura histórica, que complica e modifica os
nossos objectivos. Só o preconceito de que o mujique é estúpido, preconceito que, como observa
com razão o camarada Mártov (p. 202), transparece nos discursos do camarada Mákhov e doutros
adversários do programa agrário - só tal preconceito explica o esquecimento por estes adversários
das reais condições de vida do nosso operário agrícola.
Depois de ter simplificado a questão reduzindo-a à mera contraposição: operário e capitalista, os
representantes do nosso «centro», como de costume, esforçaram-se por lançar a sua estreiteza
mental sobre o mujique. O camarada Mákhov dizia: «É precisamente porque considero o mujique
inteligente, na medida do seu estreito ponto de vista de classe, que creio que ele apoiará o ideal
pequeno-burguês da apropriação e da partilha.» Visivelmente, confundem-se aqui duas coisas: a
definição do ponto de vista de classe do mujique, considerado corno um pequeno burguês, e a
restrição deste ponto de vista, a sua redução a uma «medida estreita». É nesta redução que consiste
o erro dos Egórov e dos Mákhov (tal como o erro dos Martínov e dos Akímov consistia em reduzir
a uma «medida estreita» o ponto de vista do proletário). E, no entanto, a lógica e a história ensinam-
nos que o ponto de vista de classe pequeno-burguês pode ser mais ou menos estreito, mais ou
menos progressivo, precisamente devido à dupla posição do pequeno burguês. E a nossa tarefa não
é de modo nenhum deixar cair os braços de desânimo perante a estreiteza («estupidez») do mujique
ou perante a sua submissão a «preconceitos», mas, pelo contrário, alargar constantemente o seu
ponto de vista, ajudar a sua razão a vencer os preconceitos.
O ponto de vista do «marxismo» vulgar sobre a questão agrária na Rússia teve a sua expressão
culminante nas últimas palavras do discurso do camarada Mákhov no qual este fiel defensor da
velha redacção do Iskra expôs os seus princípios. Por alguma razão as suas palavras foram
recebidas com aplausos... irónicos, é verdade. «Não sei verdadeiramente ao que se possa chamar
uma desgraça» - disse o camarada Mákhov, indignado com a observação de Plekhánov de que o
movimento a favor da partilha negra<ref group = "7">Partilha negra: uma das palavras de ordem populares no seio do campesinato da Rússia tsarista, que exprimia a
aspiração dos camponeses à partilha total da terra.</ref> não nos assustava de modo nenhum, e que não seríamos nós
a entravar esse movimento progressivo (progressivo burguês). «Mas esta revolução, prossegue o
camarada Mákhov, se assim a podemos chamar, não será revolucionária. Diria mais: já não será
revolução, mas reacção (risos), uma revolução parecida com um motim... Tal revolução far-nos-á
recuar e levará certo tempo a voltar ao ponto em que estamos hoje. Presentemente temos muito
mais do que nos tempos da Revolução Francesa (aplausos irónicos); temos um partido social-
democrata (risos)...» Sim, um partido social-democrata que raciocinasse como Mákhov, ou com instituições centrais apoiadas nos Mákhov, não merecia de facto mais do que riso...
Assim, vemos que mesmo a propósito de questões puramente de princípio levantadas pelo programa
agrário, o agrupamento que já conhecemos manifestou-se imediatamente. Os anti-iskristas (8 votos)
lançam-se numa cruzada em nome do marxismo vulgar; os chefes do «centro», os Egórov e os
Mákhov, seguem-nos, desorientando-se e desviando-se constantemente para o mesmo ponto de
vista estreito. É por isso que é natural que em certos pontos do programa agrário a votação
apresente resultados de 30 a 35 votos a favor (pp. 225 e 226), ou seja, exactamente o número
aproximado que já observámos quando da discussão do lugar a atribuir à questão do Bund, quando
do incidente do CO e quando se tratou do encerramento do Iújni Rabótchi. Basta que se levante uma
questão um pouco fora dos esquemas habituais e já estabelecidos e exigindo que a teoria de Marx se
aplique com um mínimo de independência a relações económico-sociais particulares e novas (novas
para os alemães) para que logo os iskristas capazes de se manterem à altura da situação se reduzam
a 3/5 dos votos e todo o «centro» se coloque imediatamente ao lado dos Líber e dos Martínov. E o
camarada Mártov ainda tenta encobrir este facto evidente, omitindo receosamente as votações em
que os matizes se revelaram claramente!
Os debates sobre o programa agrário mostram claramente a luta travada pelos iskristas contra dois
quintos bem contados do congresso. Os delegados caucasianos assumiram nesta questão uma
posição perfeitamente correcta, em grande parte, sem dúvida, graças ao seu conhecimento profundo
das formas locais de inúmeras sobrevivências feudais, o que os preservou das meras contraposições
abstractas e escolares com que se contentavam os Mákhov. Contra Martínov e Líber, contra Mákhov
e Egórov, levantaram-se tanto Plekhánov como Gússev (que confirmou que «bastantes vezes lhe
tinha acontecido encontrar entre os camaradas que actuavam na Rússia concepções tão pessimistas»
... como as do camarada Egórov... «sobre o nosso trabalho no campo») como ainda Kostrov, Kárski
e Trótski. Este assinala com razão que os «bem intencionados conselhos» dos críticos do programa
agrário «cheiram demasiado a filistinismo». Apenas é preciso notar, no respeitante ao estudo dos
agrupamentos políticos no congresso, que nesta passagem do seu discurso (p. 208) talvez não tenha
tido razão ao colocar o camarada Langue ao lado de Egórov e Mákhov. Quem ler atentamente as
actas verá que a posição de Langue e Górine difere totalmente da de Egórov e Mákhov. A
formulação do ponto referente aos otrézki desagrada a Langue e Górine: eles compreendem
plenamente a ideia do nosso programa agrário, mas tentam aplicá-lo de outro modo; trabalham
positivamente para encontrar uma fórmula mais impecável, do seu ponto de vista, e apresentam
projectos de resoluções para convencer os autores do programa, ou para se porem ao seu lado contra
todos os não-iskristas. Basta comparar, por exemplo, as propostas de Mákhov sobre a rejeição de
todo o programa agrário (p. 212, nove a favor, 38 contra) e os seus diferentes pontos (p. 216, etc.)
com a posição de Langue, que propõe uma redacção própria do ponto sobre os otrézki (p. 225),
para nos convencermos da diferença radical entre eles.<ref group = "7">Cf. o discurso de Górine, p. 213.</ref>
Falando em seguida dos argumentos que cheiram a «filistinismo», o camarada Trótski assinalava
que, «no período revolucionário que se aproxima, devemos ligar-nos ao campesinato» ... «Perante
esta tarefa, o cepticismo e “perspicácia” política de Mákhov e Egórov são mais prejudiciais do que
qualquer miopia.» O camarada Kóstitch, outro iskrista da minoria, assinalou muito justamente «a
falta de segurança em si mesmo e na sua firmeza no plano dos princípios » do camarada Mákhov -
caracterização que se ajusta perfeitamente ao nosso «centro». «No seu pessimismo, o camarada
Mákhov coincide com o camarada Egórov, embora haja matizes entre ambos - prossegue o
camarada Kóstitch. - Ele esquece que os sociais-democratas já trabalham entre o campesinato, que
onde é possível dirigem já o seu movimento. E com o seu pessimismo restringem a envergadura do
nosso trabalho» (p. 210).
Para terminarmos com os debates surgidos no congresso sobre o programa, assinalemos ainda as
curtas discussões sobre o apoio a conceder às tendências de oposição. No nosso programa diz-se
explicitamente que o partido social-democrata apoia «todo o movimento de oposição e
revolucionário dirigido contra o regime social e político existente na Rússia». Pareceria que esta
última reserva mostra com bastante clareza quais são precisamente as tendências de oposição que
apoiamos. No entanto, também aqui os diferentes matizes há muito definidos no nosso partido
imediatamente se manifestaram, apesar de ser difícil supor que sobre uma questão tão repisada
pudessem ainda subsistir «dúvidas e mal-entendidos»! Evidentemente, tratava-se não de mal-
entendidos mas de matizes. Mákhov, Líber e Martínov imediatamente deram o alarme e
encontraram-se novamente em minoria tão «compacta» que, também aqui, o camarada Mártov
deveria talvez ter explicado isto por uma intriga, maquinações, pela diplomacia e outras coisas
encantadoras (ver o seu discurso no congresso da Liga), às quais recorrem as pessoas incapazes de
compreender as razões políticas da formação de grupos «compactos», quer da minoria, quer da
maioria.
Ainda desta vez, Mákhov começa por uma simplificação vulgar do marxismo. «A nossa única
classe revolucionária é o proletariado - declara; mas desta premissa correcta tira imediatamente uma
conclusão falsa - o resto, não conta, são penduras (riso geral)... Sim, penduras, e a única coisa que
querem é aproveitar-se. Sou contra que os apoiemos» (p. 226). A formulação inimitável que o
camarada Mákhov deu à sua posição confundiu muitos (dos seus partidários), mas, na realidade,
tanto Líber como Martínov estiveram de acordo com ele quando propuseram suprimir a palavra «de
oposição», ou limitá-la, acrescentando «de oposição democrática». Contra esta emenda de Martínov
insurgiu-se com razão Plekhánov. «Devemos criticar os liberais - disse - desmascarar a sua posição
ambígua. Isso é verdade... Mas, ao desmascarar a estreiteza e limitação de todos os movimentos que
não o movimento social-democrata, temos o dever de explicar ao proletariado que, em comparação
com o absolutismo, mesmo uma constituição que não concedesse o sufrágio universal seria um
passo em frente e que, por consequência, o proletariado não deve preferir o actual regime a uma
constituição desse tipo.» Os camaradas Martínov, Líber e Mákhov não estão de acordo com isto e
persistem na sua posição, contra a qual dirigem os seus ataques Axelrod, Starover, Trótski e
novamente Plekhánov. Aqui o camarada Mákhov bateu-se a si próprio mais uma vez. Primeiro,
declarou que as outras classes (excepto o proletariado) «não contam» e que «é contra que as
apoiemos». Em seguida, suavizou-se e admitiu que, «mesmo sendo no fundo reaccionária, a
burguesia é muitas vezes revolucionária, quando se trata, por exemplo, de combater o feudalismo e
os seus vestígios». «Mas há grupos - continuou, rectificando sem rectificar nada - que são sempre
(?) reaccionários, como os artesãos, por exemplo.» Estas as pérolas em matéria de princípios a que
chegaram estes líderes do nosso «centro», os mesmos que, mais tarde, com espuma na boca,
defenderam a velha redacção! Foram exactamente os artesãos, mesmo na Europa ocidental, onde a
organização corporativa era tão forte, que demonstraram, como aliás outros pequenos burgueses das
cidades, um extraordinário espírito revolucionário na época da queda do absolutismo. Precisamente
para um social-democrata russo, é especialmente absurdo repetir sem reflexão o que os camaradas
do Ocidente dizem dos actuais artesãos um século ou meio século depois da queda do absolutismo.
Afirmar na Rússia que no aspecto político os artesãos são reaccionários comparados com a
burguesia é simplesmente retomar uma frase feita, aprendida de cor.
É lamentável que as actas não tenham conservado nenhuma indicação quanto ao número de votos
obtidos pelas emendas rejeitadas de Martínov, Mákhov e Líber sobre este ponto. Só podemos dizer
que os líderes dos elementos anti-iskristas e um dos líderes do «centro»<ref group = "7">O outro líder deste mesmo grupo, do «centro», o camarada Egórov, exprimiu noutro lugar a sua opinião, quando se
tratava da resolução de Axelrod sobre os socialistas-revolucionários (p. 359), sobre o apoio às tendências de
oposição. O camarada Egórov viu uma «contradição» entre a exigência de apoiar todo o movimento de oposição e
revolucionário, que figura no programa, e a atitude negativa perante os socialistas-revolucionários e os liberais.
Abordando a questão doutra forma, e de um ponto de vista um pouco diferente, o camarada Egórov deu aqui provas
da mesma concepção estreita do marxismo e da mesma atitude hesitante, meio hostil, para com a posição (por ele «reconhecida») do Iskra, como o fizeram os camaradas Mákhov, Eíber e Martínov. (Nota do Autor)
Socialistas-revolucionários: partido pequeno-burguês que surgiu na Rússia nos fins de 1901 e princípios de 1902,
em resultado da fusão de vários grupos e círculos populistas.
O partido dos bolchevique desmascarava as tentativas dos socialistas-revolucionários de se fazerem passar por
socialistas, travava uma luta tenaz com os socialistas-revolucionários pela influência sobre o campesinato, mostrava
o prejuízo que a sua táctica do terror individual acarretava para o movimento operário. Ao mesmo tempo, os
bolcheviques aceitavam, em certas condições, acordos temporários com os socialistas-revolucionários na luta contra
o tsarismo. Nos anos da primeira revolução russa (1905-1907) separou-se do partido dos socialistas-revolucionários
a ala direita, que formou o Partido Socialista Popular do Trabalho, partido legal que, pelas suas concepções, estava
próximo dos democratas-constitucionalistas, e a ala esquerda, que formou a união semianarquista dos maximalistas.
Durante o período da reacção de Stolípine (1907-1910), o partido dos socialistas-revolucionários atingiu uma
desagregação completa no campo da ideologia e da organização. Nos anos da primeira guerra mundial a maioria dos
socialistas-revolucionários ocuparam as posições do social-chauvinismo.
Depois da vitória da revolução democrática burguesa de Fevereiro de 1917, os socialistas-revolucionários, em
conjunto com os mencheviques e os democratas-constitucionalistas, foram o apoio principal do governo provisório
contra-revolucionário da burguesia e dos latifundiários, e os seus dirigentes (Kérenski, Avéntiev, Tchernov) faziam
parte dele.
O partido dos socialistas-revolucionários negou-se a apoiar as exigências do campesinato de liquidação da
propriedade latifundiária da terra, pronunciando-se a favor da sua conservação. Os ministros socialistas-
revolucionários do governo provisório mandavam destacamentos punitivos contra os camponeses que se
apoderavam das terras dos latifundiários.
Durante os anos da intervenção militar estrangeira e da guerra civil os socialistas-revolucionários apoiaram
activamente os intervencionistas e os guardas brancos, participaram nas conspirações contra-revolucionárias,
organizaram actos terroristas contra personalidades do Estado soviético e do Partido Comunista. </ref> se coligaram ainda desta
vez contra os iskristas, no agrupamento que já conhecemos. Ao fazer o balanço de todos os debates
do programa, não podemos deixar de concluir que nem uma só vez vimos um debate animado e de
interesse geral que não tenha assinalado a diferença de matizes, escamoteada hoje pelo camarada
Mártov e pela nova redacção do Iskra.
===Notas===
<references group = "7"/>
==g) Os Estatutos do Partido. Projecto do Camarada Mártov==
Depois do programa, o congresso passou aos estatutos do partido (deixamos de lado a questão
acima mencionada do OC, assim como os relatórios dos delegados, a maior parte dos quais os não
puderam apresentar, infelizmente, duma maneira satisfatória). É inútil dizer que a questão dos
estatutos tinha para todos nós uma importância imensa. Com efeito, desde o princípio, o Iskra tinha
agido não só como órgão literário, mas também como célula de organização. No editorial do n° 4
(Por onde Começar?), o Iskra tinha proposto todo um plano de organização<ref group = "8">No discurso pronunciado sobre o reconhecimento do Iskra como Órgão Central, o camarada Popov, entre outras
coisas, disse o seguinte: «Recordo o artigo Por onde Começar?, publicado no número 3 ou 4 do Iskra. Muitos dos
camaradas que naquela ocasião actuavam na Rússia acharam-no falho de tacto; a outros, o plano parecia fantástico,
e a maioria (provavelmente a maioria das pessoas que rodeavam Popov) explicava-o apenas por ambição» (p. 140).
Como o leitor pode ver, estou já acostumado a esta explicação das minhas opiniões políticas como ambição,
explicação que agora repetem o camarada Axelrod e o camarada Mártov. (Nota do Autor)</ref>, e aplicou esse plano
invariavelmente e de modo sistemático durante três anos. Quando o segundo congresso do partido
reconheceu o Iskra como Órgão Central, dos três pontos de considerandos da resolução (p. 147)
dois eram consagrados precisamente a este plano de organização e às ideias do «Iskra» em
matéria de organização: ao seu papel na direcção do trabalho prático do partido e ao seu papel
dirigente no trabalho de unificação. É pois perfeitamente natural que o trabalho do Iskra e toda a
obra de organização do partido, toda a obra de restabelecimento efectivo do partido, não pudessem
ser considerados acabados antes que todo o partido reconhecesse e fixasse formalmente certas
ideias em matéria de organização. Esta função devia ser cumprida pelos estatutos de organização do
partido.
As ideias fundamentais que o Iskra pretendia pôr na base da organização do partido resumiam-se,
no fundo, às duas seguintes. A primeira, a ideia do centralismo, definia em princípio o modo de
resolver todos os numerosos problemas de organização particulares e de pormenor. A segunda,
respeitante à função particular de um órgão ideológico dirigente, de um jornal, tinha em conta as necessidades temporárias e específicas precisamente do movimento operário social-democrata
russo, nas condições de um regime de escravidão política, com a condição de criar no estrangeiro
uma base inicial de operações para o assalto revolucionário. A primeira ideia, como a única ideia de
princípios, devia penetrar todos os estatutos; a segunda, como ideia particular, originada por
circunstâncias temporárias de lugar e modo de acção, traduzia-se num afastamento aparente do
centralismo, na criação de dois centros, o OC e o CC. Estas duas ideias fundamentais do Iskra
acerca da organização do partido foram por mim desenvolvidas no editorial do Iskra (n° 4) Por
onde Começar?<ref group = "8">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 5, pp. 1-13. (N. Ed.)</ref> e em Que Fazer?<ref group = "8">Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p.79. (N. Ed.)</ref>, e, finalmente, explicadas pormenorizadamente, quase sob
forma de estatutos, na Carta a Um Camarada<ref group = "8">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 7-25. (N. Ed.)</ref>. Na realidade, já só restava o trabalho de redacção
para formular os parágrafos dos estatutos que deviam dar corpo precisamente a estas ideias, se o
reconhecimento do Iskra não era para ficar no papel, se não era meramente uma frase convencional.
No prefácio à nova edição da Carta a Um Camarada apontei já que basta uma simples comparação
entre os estatutos do partido e essa brochura para estabelecer a completa identidade das ideias de
organização em ambos.<ref group = "8">Veribidem, pp. 5-6. (N. Ed.)</ref>
A propósito do trabalho de redacção para formular as ideias iskristas de organização nos estatutos
tenho de aludir a um incidente mencionado pelo camarada Mártov. «...Uma referência aos factos
mostrar-vos-á - dizia Mártov no congresso da Liga (p. 58) - como foi inesperado para Lénine o meu
desvio para o oportunismo quanto a este parágrafo (isto é, o primeiro). Mês e meio ou dois meses
antes do congresso, tinha mostrado a Lénine o meu projecto, em que o §1 estava redigido
exactamente como o propus no congresso. Lénine pronunciou-se contra o meu projecto por ser
excessivamente pormenorizado, e disse-me que só lhe agradava a ideia do §1 - a definição de
filiação -, que incluiria nos seus estatutos com modificações, pois achava pouco feliz a minha
formulação. Assim, Lénine conhecia há muito a minha formulação, conhecia a minha opinião sobre
este assunto. Como vedes, fui para o congresso de viseira levantada, sem esconder as minhas
opiniões. Preveni que combateria a cooptação recíproca, o princípio da unanimidade na cooptação
para o Comité Central, para o Órgão Central, etc.»
No que diz respeito ao aviso relativo à luta contra a cooptação recíproca, veremos no lugar próprio
como se apresentavam as coisas. Detenhamo-nos agora nesta «viseira levantada» dos estatutos de
Mártov. Ao expor à Liga, de memória, o episódio do seu projecto pouco feliz (que o próprio Mártov
retirou do congresso como pouco feliz, mas que, depois do congresso, com a sua consequência
habitual, voltou a trazer à luz do dia), Mártov, como acontece muitas vezes, esqueceu muitas coisas
e por isso mais uma vez voltou a emaranhá-las. Parece que já havia factos bastantes para evitar as
referências a conversas privadas e à sua memória (as pessoas involuntariamente só se lembram do
que lhes convém!), e, não obstante, o camarada Mártov, à falta de outros materiais, usa dados de
péssima qualidade. Agora mesmo o camarada Plekhánov começa a imitá-lo - pelos vistos os maus
exemplos são contagiosos.
A «ideia» do parágrafo um do projecto de Mártov não podia «agradar-me», porque não havia nesse
projecto nenhuma ideia que tenha surgido no congresso. Falhou-lhe a memória. Tive a sorte de
encontrar entre os meus papéis o projecto de Mártov, em que «o parágrafo um não está redigido
do modo que ele propôs no congresso»! Aqui está a «viseira levantada»!
§1. do projecto de Mártov: «Considera-se como pertencente ao Partido Operário Social-Democrata
da Rússia todo aquele que, aceitando o seu programa, trabalha activamente para levar à prática os
seus objectivos sob o controlo e a direcção dos órgãos (sic!) do partido.»
§1. do meu projecto: «Considera-se membro do partido todo aquele que aceita o programa e apoia o
partido tanto materialmente como pela sua participação pessoal numa das organizações do partido.»
§1. da fórmula proposta por Mártov no congresso e adoptada pelo congresso: «Considera-se
membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que aceita o seu programa,
apoia materialmente o partido e lhe dá o seu apoio pessoal regular sob a direcção de uma das suas
organizações.»
Desta comparação ressalta claramente que o projecto de Mártov não contém nenhuma ideia, mas
apenas uma frase oca. Que os membros do partido trabalham sob o controlo e a direcção dos
órgãos do partido, isso é evidente, isso não pode ser doutro modo, e só fala disso quem gosta de
falar para não dizer nada, quem gosta de encher os «estatutos» de uma torrente de palavreado e
fórmulas burocráticas (isto é, desnecessárias para o trabalho e pretensamente necessárias para o
aparato). A ideia do parágrafo um só aparece quando se põe a questão: podem os órgãos do partido
dirigir de facto membros do partido que não pertencem a nenhuma organização do partido? Não
há vestígio sequer desta ideia no projecto do camarada Mártov. Portanto, eu não podia conhecer a
«opinião» do camarada Martóv «sobre este ponto», porque no projecto do camarada Mártov não há
nenhuma opinião sobre este assunto. A referência aos factos do camarada Mártov revela-se
apenas um emaranhado.
Pelo contrário, justamente do camarada Mártov há que dizer que ele, pelo meu projecto, «conhecia
a minha opinião sobre este assunto» e não protestou contra ela, não a rejeitou, nem no colégio de
redacção, se bem que o meu projecto tenha sido mostrado a todos duas ou três semanas antes do
congresso, nem perante os delegados, que tomaram conhecimento unicamente do meu projecto.
Mais ainda. Mesmo no congresso, quando apresentei o meu projecto de estatutos<ref group = "8">A propósito. A comissão de actas publicou no anexo XI o projecto de estatutos «apresentado ao congresso por
Lénine» (p. 393). Também a comissão emaranhou um pouco as coisas neste ponto. Confundiu o meu projecto
inicial (ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 256-258 -N. Ed.), que foi mostrado a todos os
delegados (e a muitíssimos antes do Congresso), com o que apresentei no congresso, e publicou o primeiro como
se fosse o segundo. Eu, naturalmente, não tenho nada contra a publicação dos meus projectos, mesmo em todos os
graus da sua preparação, mas nem por isso se devia confundir as coisas. E, no entanto, causou-se confusão,
porque Popov e Mártov (pp. 154 e 157) criticam, no projecto que apresentei realmente ao congresso, formulações
que não existem no projecto publicado pela comissão de actas (cfr. p. 394, §§ 7 e 11). Com um pouco mais de
atenção, bastava ter confrontado as páginas que eu indicava para notar o erro. (Nota do Autor)</ref> e o defendi antes
da eleição da comissão dos estatutos, o camarada Mártov declarou claramente: «Apoio as
conclusões do camarada Lénine. Só não estou de acordo com ele em duas questões» (sublinhado
por mim): no modo de constituição do Conselho e na cooptação por unanimidade (p. 157). Quanto a
um desacordo sobre o § l ainda não se diz nem uma palavra.
Na sua brochura sobre o estado de sítio, o camarada Mártov considerou necessário recordar uma
vez mais, e em grande pormenor, os seus estatutos. Assegura aí que os seus estatutos, os quais ainda
agora (Fevereiro de 1904 - não sabemos o que acontecerá daqui a três meses) está pronto a
subscrever, com excepção de algumas particularidades secundárias, «exprimiam com bastante
clareza a sua atitude negativa em relação à hipertrofia do centralismo» (p. IV). O facto de não ter
apresentado esse projecto ao congresso é agora explicado pelo camarada Mártov, em primeiro
lugar, pelo facto de «a educação iskrista lhe ter inspirado uma atitude de desprezo pelos estatutos»
(quando agrada ao camarada Mártov, a palavra iskrista não significa para ele estreito espírito de
círculo, mas a mais consequente das tendências! Só é pena que três anos de educação iskrista não
tenham inspirado ao camarada Mártov uma atitude de desprezo pela fraseologia anarquista, com a
qual a instabilidade de um intelectual é capaz de justificar a violação de estatutos adoptados de
comum acordo). Em segundo lugar, vede bem, ele, o camarada Mártov, quis evitar «introduzir a
mínima dissonância na táctica desse núcleo organizativo fundamental que era o Iskra». Isto é de
uma maravilhosa consequência! Na questão de princípio sobre a formulação oportunista do §1 ou da hipertrofia do centralismo, o camarada Mártov receou de tal modo a dissonância (que só é
terrível do mais estreito ponto de vista do círculo) que não apresentou as suas divergências mesmo
perante um núcleo como a redacção! Na questão prática da composição dos centros, o camarada
Mártov pediu a ajuda do Bund e dos partidários da Rabótcheie Dielo contra o voto da maioria dos
membros da organização do Iskra (verdadeiro núcleo organizativo fundamental). O camarada
Mártov não se dá conta da «dissonância» das suas próprias frases quando se vale de processos
próprios dos círculos em defesa da quase-redacção para renegar o «espírito de círculo» na
apreciação do problema pelos que são mais competentes. Para o castigar, citaremos integralmente
o seu projecto de estatutos, marcando, por nosso lado, os pontos de vista e a hipertrofia que
revela.<ref group = "8">Devo assinalar que, infelizmente, não consegui encontrar a primeira variante do projecto de Mártov, que consistia
em qualquer coisa como 48 parágrafos e sofria ainda mais duma «hipertrofia» de formalismo inútil. (Nota do Autor)</ref>
«Projecto de estatutos do partido. - I. Filiação no partido. - 1) Considera-se como pertencente ao
Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que, aceitando o seu programa, trabalha
activamente para levar à prática os seus objectivos sob o controlo e a direcção dos órgãos do
partido. - 2) A expulsão de um membro do partido por actos incompatíveis com os interesses do
partido é decidida pelo Comité Central. [A sentença com os motivos de expulsão é conservada nos
arquivos do partido e comunicada, se requerido, a cada comité do partido. Pode-se apelar para o
congresso da decisão de expulsão tomada pelo CC desde que dois ou mais comités o requeiram]»...
Indicarei com parêntesis rectos os preceitos do projecto de Mártov evidentemente vazios de
sentido, que não só não contêm qualquer «ideia», mas nem sequer nenhuma condição ou exigência
precisa, como é o caso inimitável de indicar nos «estatutos» onde precisamente se deverá
conservar a sentença, ou então a referência ao facto de se poder apelar para o congresso das
decisões do CC, relativas à expulsão (e não de todas as suas decisões em geral?). Eis precisamente
uma hipertrofia de frase, ou um verdadeiro formalismo burocrático, no sentido da inclusão de
pontos e parágrafos que são visivelmente supérfluos, inúteis ou dilatórios. «... II. Comités locais.-3)
No seu trabalho local, o partido é representado pelos comités do partido...» (Que novo e que
profundo!) «...4) [Consideram-se comités do partido os existentes ao realizar-se o segundo
congresso e representados nele, com a composição que tenham neste momento.] - 5) Os novos
comités do partido, além dos mencionados no § 4, são designados pelo Comité Central [que
reconhece como comité a composição que no momento dado tenha a organização local, ou que
constitui o comité local reformando esta última]. - 6) Os comités completam o número dos seus
membros por meio da cooptação. - 7) O CC tem o direito de completar o número de membros de
um comité local com outros camaradas (que conheça), de modo que o seu número não ultrapasse
um terço do número total de membros...» Modelo de burocracia: porque não mais do que um terço?
Qual é o objectivo disto? Qual o sentido desta restrição que não restringe nada, visto que este modo
de completar pode ser repetido muitas vezes? «... 8) [No caso de um comité local se ter
desagregado ou ter sido desfeito» (quer isto dizer que nem todos os seus membros foram presos?)
«pela repressão, o CC restabelece-o»]... (agora sem ter em conta o § 7.? O camarada Mártov não
acha que o § 8. se parece com as leis russas sobre a moral pública, que mandam trabalhar nos dias
de semana e descansar nos dias feriados?) «...9. [O congresso ordinário do partido pode encarregar
o CC de reformar a composição de qualquer comité local cuja actividade seja considerada
incompatível com os interesses do partido. Neste último caso, declara-se dissolvido o dito comité e
consideram-se os camaradas do local em que funciona desligados de qualquer subordinação<ref group = "8">Chamamos a atenção do camarada Axelrod para esta palavrinha. Vejam só que horror! Eis onde estão as raízes do
«jacobinismo» que vai ao ponto de... modificar a composição da redacção... (Nota do Autor)</ref> a
ele»]... A regra contida neste parágrafo é tão altamente útil como o artigo que ainda hoje figura nas
leis russas e que diz: O alcoolismo é proibido a todos e a cada um. «... 10. [Os comités locais do
partido dirigem todo o trabalho de propaganda, agitação e organização do partido na localidade e
dão o seu concurso, segundo as suas possibilidades, ao CC e ao OC do partido na execução das
tarefas gerais do partido de que foram incumbidos»] ... Uf! Mas para que serve isto, em nome de
25 Devo assinalar que, infelizmente, não consegui encontrar a primeira variante do projecto de Mártov, que consistia
em qualquer coisa como 48 parágrafos e sofria ainda mais duma «hipertrofia» de formalismo inútil. (Nota do Autor)
26 Chamamos a atenção do camarada Axelrod para esta palavrinha. Vejam só que horror! Eis onde estão as raízes do
«jacobinismo» que vai ao ponto de... modificar a composição da redacção... (Nota do Autor)
todos os santos?... 11). [«Ó regulamento interno de uma organização local, as relações recíprocas
entre o comité e os grupos que lhe estão subordinados» (está a ouvir, está a ouvir, camarada
Axelrod?) «e os limites de competência e autonomia» (e os limites de competência não serão o
mesmo que os limites de autonomia?) «destes grupos são estabelecidos pelo próprio comité e
levados ao conhecimento do CC e da redacção do OC»]... (Uma lacuna: não se diz onde são
guardadas essas comunicações) ...«12. [Todos os grupos e membros individuais do partido
subordinados aos comités têm o direito de exigir que as suas opiniões e desejos sobre qualquer
questão sejam comunicados ao CC do partido e aos seus Órgãos Centrais.] - 13. Cada comité local
do partido tem o dever de descontar das suas receitas uma parte que corresponde à caixa do CC
segundo distribuição a efectuar pelo CC. - III. Organizações destinadas à agitação em diversas
línguas (para além do russo). -14. [Para a agitação numa das línguas não russas e para a organização
dos operários entre os quais se faz esta agitação, podem constituir-se organizações à parte nos
pontos onde for imprescindível especializar essa agitação e estabelecer tal organização separada.] -
15. O cuidado de resolver a questão de saber em que medida existe esta necessidade é deixado ao
CC do partido, e em caso de contestação, ao congresso do partido» ... A primeira parte do parágrafo
é supérflua, se tivermos em conta o estipulado a seguir nos estatutos, e a segunda parte sobre os
casos de contestação é simplesmente ridícula... «16. [As organizações locais a que faz referência o §
14 são autónomas quanto aos seus objectivos especiais, mas actuam sob controlo do comité local e
a ele estão subordinadas, e as formas deste controlo e as normas das relações de organização entre o
comité e a organização especial, é o comité local que as estabelece»... (Graças a Deus! Vemos agora
muito claramente como era inútil alinhar toda esta torrente de palavras ocas)... «No tocante aos
assuntos gerais do partido, estas organizações actuam como parte da organização do comité.] - 17.
[As organizações locais a que faz referência o § 14 podem formar uma união autónoma para realizar
com êxito os seus objectivos especiais. Tal união pode ter os seus órgãos especiais administrativos e
literários ficando ambos submetidos ao controlo directo do CC do partido. Os estatutos desta união
são elaborados por ela própria, mas ratificados pelo CC do partido.] -18. [Podem igualmente fazer
parte da união autónoma a que faz referência o § 17 os comités locais do partido se, atendendo às
condições locais, se dedicarem principalmente à agitação na língua correspondente. Nota. Sendo
parte constitutiva de uma união autónoma, tal comité não deixa de ser um comité do partido»]...
(todo o parágrafo é extremamente útil e superiormente inteligente e a nota mais do que tudo o
resto)... «19. [As organizações locais pertencentes à união autónoma, nas suas relações com os
órgãos centrais da união, ficaram submetidas ao controlo dos comités locais.] -20. [Os órgãos
centrais, literários e administrativos, das uniões autónomas estão nas mesmas relações com o CC
que os comités locais do partido.) - IV. O Comité Central e os órgãos literários do partido. - 21. [Os
representantes de todo o partido na sua totalidade são o CC e os órgãos literários, político e
científico.] - 22. Cabe ao CC a direcção geral de toda a actividade prática do partido; o cuidado de
utilizar e repartir judiciosamente todas as suas forças; o controlo da actividade de todos os sectores
do partido; o fornecimento de literatura às organizações locais; a organização do aparelho técnico
do partido; a convocação dos congressos do partido. - 23. Cabe aos órgãos literários do partido a
direcção ideológica da vida do partido; a propaganda do programa do partido e a elaboração
científica e publicística da concepção do mundo da social-democracia. - 24. Todos os comités locais
do partido e as uniões autónomas estão em ligação directa tanto com o CC do partido, como com a
redacção dos órgãos do partido, levando periodicamente ao seu conhecimento a marcha do
movimento e do trabalho de organização na área local. - 25. A redacção dos órgãos literários do
partido é designada pelo congresso do partido e está em funções até ao congresso seguinte. - 26. [A
redacção é autónoma nos seus assuntos internos] e pode, no intervalo entre os congressos,
completar ou modificar a sua composição, informando o CC em cada caso. - 27. Todos os
comunicados emanados do CC ou por ele sancionados são publicados no órgão do partido, a pedido
do CC. - 28. O CC, de acordo com a redacção dos órgãos do partido, cria grupos especiais de
escritores para várias formas de trabalho literário. - 29. O CC é designado pelo congresso do partido
e está em funções até ao congresso seguinte. O CC completa a sua composição por cooptação em
número ilimitado, informando em cada caso a redacção dos órgãos centrais do partido. - V. A
organização do partido no estrangeiro. - 30. A organização do partido no estrangeiro realiza a
propaganda entre os russos residentes no estrangeiro, e a organização dos elementos socialistas
existentes entre eles. À sua frente está uma administração eleita. - 31. As uniões autónomas que
façam parte do partido podem ter as suas secções no estrangeiro para realizarem as tarefas especiais
destas uniões. Estas secções, na qualidade de grupos autónomos, pertencem à organização geral no
estrangeiro. - VI. Os congressos do partido. - 32. O congresso é a instância suprema do partido. -
33. [O congresso do partido estabelece o seu programa, os seus estatutos e os princípios
orientadores da sua actividade; controla o trabalho de todos os órgãos do partido e resolve os
conflitos entre eles.] - 34. Estão representados no congresso: a) todos os comités locais do partido;
b) os órgãos administrativos centrais de todas as uniões autónomas que pertençam ao partido; c) o
CC do partido e as redacções dos seus órgãos centrais; d) a organização do partido no estrangeiro. -
35. A transmissão de mandatos é autorizada, mas sob a condição de um delegado não representar
mais de três mandatos efectivos. É permitido dividir um mandato entre dois representantes. Não são
admitidos mandatos imperativos. - 36. O CC tem o direito de convidar para o congresso, com voto
consultivo, os camaradas cuja presença possa ser útil. - 37. Para introduzir modificações no
programa ou nos estatutos do partido é preciso que haja uma maioria de dois terços dos votos
presentes; as outras questões são resolvidas por maioria simples. - 38. Considera-se válido um
congresso se mais de metade de todos os comités do partido existentes à data do congresso nele
estiverem representados. - 39. O congresso reúne-se, na medida do possível, uma vez de dois em
dois anos. [No caso de surgirem dificuldades para reunir o congresso nesse prazo, independentes da
vontade do CC, este pode adiá-lo sob a sua responsabilidade»].
O leitor que, excepcionalmente, teve a paciência de ler até ao fim estes pretensos estatutos, não nos
exigirá certamente um exame especial das conclusões seguintes. Primeira conclusão: os estatutos
sofrem de uma hidropisia dificilmente curável. Segunda conclusão: é impossível descobrir neles
qualquer sombra de pontos de vista organizativos que demonstrem uma atitude negativa face à
hipertrofia do centralismo. Terceira conclusão: o camarada Mártov procedeu muito razoavelmente,
sonegando aos olhos das pessoas (e ao exame do congresso) mais de 38/39 dos seus estatutos. A
única coisa que não deixa de ser original é que, a propósito desta sonegação, se fale de viseira
levantada.
===Notas===
<references group = "8" />
==h) Discussão Sobre o Centralismo Antes da Cisão Entre os Iskristas==
Antes de passar à questão, verdadeiramente interessante, da formulação do § 1 dos estatutos,
questão que indubitavelmente revela diversos matizes de opinião, deter-nos-emos ainda um pouco
na curta discussão geral relativa aos estatutos, que ocupou a 14ª sessão do congresso e parte da 15ª
Esta discussão tem uma certa importância porque precedeu o completo desacordo na organização
do Iskra a propósito da composição dos centros. Ao contrário, as discussões posteriores sobre os
estatutos em geral e a cooptação em particular tiveram lugar depois do nosso desacordo na
organização do Iskra. É natural que antes do desacordo pudéssemos exprimir os nossos pontos de
vista mais imparcialmente, no sentido de uma maior independência dos nossos pontos de vista em
relação ao problema da composição pessoal do CC, que a todos agitou. O camarada Mártov, como
já assinalei, aderiu (p. 157) ao meu ponto de vista em matéria de organização, com a reserva de
discordar em dois pontos de pormenor. Pelo contrário, tanto os anti-iskristas, como o «centro»
entraram imediatamente na liça contra as duas ideias fundamentais de todo o plano de organização
do Iskra (e, em consequência, dos estatutos na sua totalidade): contra o centralismo e contra os
«dois centros». O camarada Líber referiu-se aos meus estatutos como «desconfiança organizada» e
viu (tal como os camaradas Popov e Egórov) descentralismo nos dois centros. O camarada Akímov
exprimiu o desejo de alargar a esfera de competência dos comités locais, concedendo-lhes em
particular a eles próprios «o direito de modificar a sua composição». «É preciso dar-lhes maior
liberdade de acção... Os comités locais devem ser eleitos pelos militantes activos da localidade, tal
como o CC é eleito pelos representantes de todas as organizações activas da Rússia. Mas se mesmo
isto não pode ser concedido, que se limite então o número de membros que o CC pode designar
para trabalhar nos comités locais...» (158). Como vedes, o camarada Akímov sugere aqui um
argumento contra a «hipertrofia do centralismo», mas o camarada Mártov continua surdo a estas
autorizadas indicações, enquanto a sua derrota, quanto à composição dos centros, o não leva a
seguir Akímov. Continua surdo mesmo quando o camarada Akímov lhe sugere a «ideia» dos seus
próprios estatutos (§7: restrição dos direitos do CC de introduzir membros nos comités)! Neste
momento, o camarada Mártov não queria ainda «dissonância» connosco, e é por isso que tolerava a
dissonância com o camarada Akímov tal como consigo próprio... Neste momento, o «monstruoso
centralismo» só era atacado por aqueles a quem não convinha evidentemente o centralismo do
Iskra: era atacado por Akímov, Líber, Goldblat, seguidos com prudência e precaução (de maneira a
poder voltar atrás em qualquer momento) por Egórov (ver pp. 156 e 276), etc. Neste momento, a
imensa maioria do partido dava-se ainda conta com toda a clareza de que eram os interesses de
capelinha, os interesses de círculo do Bund, do Iújni Rabótchi, etc., que provocavam o protesto
contra o centralismo. De resto, mesmo agora, é claro para a maioria do partido que são
precisamente os interesses de círculo da velha redacção do Iskra que provocam o seu protesto
contra o centralismo...
Vede, por exemplo, o discurso do camarada Goldblat (160-161). Ele argumenta contra o meu
centralismo «monstruoso» que, segundo ele, conduz ao «aniquilamento» das organizações
inferiores e «está imbuído da tendência de conceder ao centro um poder ilimitado, o direito
ilimitado de intervir em tudo», que só deixaria às organizações «um único direito, submeter-se sem
um único protesto às ordens vindas de cima», etc. «O centro previsto pelo projecto encontrar-se-á
num espaço vazio, não haverá à sua volta nenhuma periferia, mas simplesmente uma massa amorfa
onde se moverão os seus agentes executores.» Isto é, palavra por palavra, a mesma fraseologia
falsa com que os Mártov e os Axelrod começaram a obsequiar-nos depois da sua derrota no
congresso. O Bund mereceu o riso no congresso quando, lutando contra o nosso centralismo,
concede ao seu próprio centro direitos ilimitados ainda mais claramente especificados (por
exemplo, o direito de introduzir e expulsar membros, e mesmo o de rejeitar delegados aos
congressos). Risos merecerão também, uma vez elucidada a questão, as lamentações da minoria
que clama contra o centralismo e contra os estatutos quando está em minoria, e que mal se converte
em maioria logo se apoia nos estatutos.
Sobre a questão dos dois centros, o agrupamento foi também claramente evidente: contra todos os
iskristas erguem-se também ao mesmo tempo Líber, Akímov (que foi o primeiro a entoar a cantiga
dos Axelrod-Mártov, hoje em moda, sobre o predomínio do OC sobre o CC no Conselho), Popov e
Egórov. O plano dos dois centros decorria naturalmente das ideias que o antigo Iskra sempre tinha
desenvolvido sobre a organização (e que, em palavras, tinham sido aprovadas pelos Popov e
Egórov!). A política do antigo Iskra opunha-se diametralmente aos planos do Iújni Rabótchi, planos
visando a criação de um órgão popular paralelo e a sua transformação num órgão de facto
predominante. Eis aqui a raiz da contradição, tão estranha à primeira vista, de todos os anti-iskristas
e todo o pântano serem a favor de um centro único, isto é, a favor de um centralismo
aparentemente maior. É claro que também houve delegados (sobretudo no pântano) que quase não
compreendiam a que levariam e tinham que levar, pela própria natureza das coisas, os planos de
organização do Iújni Rabótchi. Mas eram impelidos a seguir os anti-iskristas pela sua própria
natureza indecisa e pouco segura de si.
Entre os discursos dos iskristas durante estes debates (que precederam a cisão entre os iskristas)
sobre os estatutos, são particularmente importantes os dos camaradas Mártov («adesão» às minhas
ideias sobre organização) e Trótski. Este último respondeu aos camaradas Akímov e Líber de tal
forma que cada palavra da sua resposta desmascara o que há de falso no comportamento que seguiu
a «minoria» depois do congresso e nas teorias que adoptou depois do congresso. «Os estatutos - diz
ele (o camarada Akímov) - não definem com suficiente precisão a esfera de competência do CC.
Não posso estar de acordo com ele. Pelo contrário, a definição é precisa e significa: na medida em
que o partido é um todo, é preciso assegurar-lhe o controlo dos comités locais. O camarada Líber
disse que os estatutos são, para empregar uma expressão minha, a «desconfiança organizada». É
verdade. Só que eu tinha empregado esta expressão ao falar dos estatutos propostos pelos
representantes do Bund, que eram a desconfiança organizada da parte de um sector do partido face a
todo o partido. Em contrapartida os nossos estatutos» (neste momento, estes estatutos eram
«nossos», até à derrota na questão da composição do centro!) «constituem a desconfiança
organizada do partido face a todos os seus sectores, isto é, o controlo de todas as organizações
locais, regionais, nacionais e outras» (158). Sim, os nossos estatutos foram aqui caracterizados com
precisão, e nós aconselhamos a lembrarem-se mais vezes desta caracterização aqueles que, de
consciência tranquila, afirmam agora que foi a astuta maioria que concebeu a ideia e estabeleceu o
sistema da «desconfiança organizada», ou o que vem a dar no mesmo, do «estado de sítio». Basta
comparar o discurso citado com os discursos do congresso da Liga no Estrangeiro, para obter um
modelo de falta de carácter em política, um exemplo de como mudaram as concepções de Mártov e
Cª, segundo se tratava do seu próprio organismo colectivo ou do organismo colectivo de outrem, de
ordem inferior.
==i) O Parágrafo de um dos Estatutos==
Citámos já as diferentes fórmulas à volta das quais se desenrolaram interessantes debates no
congresso. Estes debates ocuparam cerca de duas sessões e terminaram com duas votações
nominais (durante todo o congresso houve somente, se não me engano, oito votações nominais
apenas em casos de particular importância, devido à enorme perda de tempo que acarretam). A
questão aqui abordada era sem dúvida uma questão de princípio. O interesse do congresso pelos
debates era imenso. Participaram na votação todos os delegados, facto raro no nosso congresso
(como em qualquer grande congresso) e que assim testemunha do interesse dos participantes na
discussão.
Qual era, pois, a essência da questão em disputa? Já disse no congresso, e repeti-o depois mais de
uma vez, que «não considero de modo nenhum a nossa divergência (sobre o §1) tão essencial que
dela dependa a vida ou a morte do partido. Se houver um mau artigo nos estatutos, não vamos, de
modo algum, morrer por isso!» (p. 250).<ref group = "10">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 287. (N. Ed.)</ref> Esta diferença em si mesma, ainda que revelando matizes
de princípio, não pôde de modo nenhum provocar a divergência (na realidade, para falar sem
rodeios, a cisão) que se declarou depois do congresso. Mas qualquer pequena divergência pode
tornar-se grande se insistirmos nela, se a colocarmos em primeiro plano, se nos pusermos a
investigar todas as suas raízes e ramificações. Qualquer pequena divergência pode tomar uma
enorme importância, se servir de ponto de partida para uma viragem para certas concepções
erradas e se a estas concepções vierem juntar-se, em virtude de novas divergências complementares,
actos anárquicos que levam o partido à cisão.
Esta era precisamente a situação no caso que examinamos. Uma divergência relativamente pouco
importante sobre o §1 tomou agora uma importância enorme, porque foi precisamente o que serviu
de ponto de viragem para subtilezas oportunistas e para a fraseologia anarquista da minoria
(sobretudo no congresso da Liga, e depois também nas colunas do novo Iskra). Esta divergência
marcou o início da coligação da minoria iskrista com os anti-iskristas e com o pântano, que
adquiriu precisamente formas acabadas no momento das eleições, e sem a compreensão da qual é
impossível compreender a divergência essencial, fundamental, a da questão relativa à composição
dos centros. O pequeno erro de Mártov e Axelrod a propósito do § um, constituía uma ligeira fenda
no nosso vaso (como eu disse no congresso da Liga). Teria sido possível amarrar o vaso mais
solidamente, com um nó duplo (e não com um nó corrediço, como tinha julgado ouvir Mártov que,
no congresso da Liga, se encontrava num estado próximo da histeria). Poder-se-ia orientar todos os
esforços para aumentar a fenda, para quebrar o vaso. Foi o que aconteceu, em consequência do
boicote e de todas as outras idênticas medidas anárquicas dos zelosos partidários de Mártov. A
divergência sobre o § l teve um papel considerável na questão da eleição dos centros, e a derrota de
Mártov neste ponto levou-o à «luta no terreno dos princípios» por meios grosseiramente mecânicos
e até escandalosos (os discursos do congresso da Liga da Social-Democracia Revolucionária Russa
no Estrangeiro).
Hoje, depois de todos esses acontecimentos, a questão do § um tomou assim uma enorme
importância, e devemos compreender com exactidão, tanto o carácter dos agrupamentos no
congresso ao ser votado este §, como - o que é incomparavelmente mais importante - o verdadeiro
carácter dos matizes de opinião que se revelaram ou tinham começado a revelar-se com o § um.
Hoje, em consequência dos acontecimentos conhecidos pelo leitor, a questão apresenta-se como se
segue: ter-se-á reflectido na fórmula de Mártov, defendida por Axelrod, a sua (ou a deles)
instabilidade, vacilação e a sua falta de carácter em política, como disse no congresso do partido
(333) o seu (ou o deles) desvio para o jauressismo e o anarquismo, como supunha Plekhánov no
congresso da Liga (p. 102 e outras das actas da Liga)? Ou será que a minha fórmula, defendida por
Plekhánov, reflectia uma concepção falsa, burocrática, formalista, em estilo pompadur<ref group = "10">Pompadurismo, pompadurs: imagem satírica generalizada, criada pelo escritor russo M. E. Saltikov-Chetchdrine
na sua obra Pompadures e pompaduras, na qual o escritor satírico russo estigmatizou a mais alta administração
tsarista, ministros e governadores</ref> e não
social-democrática do centralismo? Oportunismo e anarquismo ou burocracia e formalismo?:
assim está colocada a questão agora, quando a pequena divergência se tornou grande. E
examinando o fundo dos argumentos a favor e contra a minha fórmula, devemos ter presente
precisamente esta maneira de colocar o problema - eu diria historicamente determinada se não
receasse expressões demasiado pomposas - que os acontecimentos nos impuseram a todos.
Comecemos o exame destes argumentos por uma análise dos debates no congresso. O primeiro
discurso, o do camarada Egórov, só nos interessa pelo facto de a sua atitude (non liquet, isto ainda
não é claro para mim, não sei ainda onde está a verdade) ser muito característica de bom número de
delegados, a quem não era fácil orientar-se numa questão efectivamente nova, bastante complexa e
minuciosa. O discurso seguinte, o do camarada Axelrod, põe imediatamente a questão no terreno
dos princípios. É o primeiro discurso com este carácter, ou melhor, é em geral o primeiro discurso
do camarada Axelrod no congresso, e é difícil considerar particularmente feliz a sua estreia com o
famoso «professor». «Creio - dizia o camarada Axelrod - que devemos delimitar os conceitos de
partido e organização. Ora estas duas noções são aqui confundidas. Esta confusão é perigosa.» Tal é
o primeiro argumento contra a minha formulação. Mas examinai-o mais de perto. Quando digo que
o partido deve ser uma soma (não uma simples soma aritmética, mas um complexo) de
organizações,<ref group = "10">A palavra «organização» costuma usar-se em dois sentidos, lato e restrito. Em sentido restrito, significa uma célula
individual de uma colectividade humana, e que adquiriu um grau mínimo de estruturação. Em sentido lato, significa
a soma dessas células reunidas num todo. Por exemplo, a marinha, o exército, o Estado são ao mesmo tempo uma
soma de organizações (no sentido restrito da palavra) e uma variedade de organização social (no sentido lato da
palavra). O departamento de instrução pública é uma organização (no sentido lato da palavra) e é composto por uma
série de organizações (no sentido restrito da palavra). Do mesmo modo, o partido é também uma organização, deve
ser uma organização (no sentido lato da palavra); mas ao mesmo tempo o partido deve ser composto por toda uma
série de organizações diversas (no sentido restrito da palavra). Daí que o camarada Axelrod, ao falar da delimitação
dos conceitos de partido e de organização, primeiro, não atendeu à diferença entre sentido lato e sentido restrito da
palavra organização, em segundo lugar não reparou que ele próprio confundiu num mesmo monte os elementos
organizados e os não organizados. (Nota do Autor)
</ref> quer isto dizer que eu «confundo» dois conceitos, partido e organização? É
evidente que não. Exprimo assim, de maneira absolutamente clara e precisa, o meu desejo, a minha
exigência de que o partido, como destacamento de vanguarda da classe, seja algo o mais
organizado possível, que o partido só aceite nas suas fileiras aqueles elementos que admitam, pelo
menos, um mínimo de organização. Pelo contrário, o meu contraditor confunde no partido os
elementos organizados e os não organizados, aqueles a quem se pode dirigir e os que se não pode, os elementos avançados e os que são incorrigivelmente atrasados, porque os atrasados corrigíveis
podem entrar na organização. É esta confusão que é verdadeiramente perigosa. O camarada
Axelrod invoca em seguida as «organizações estritamente conspirativas e centralistas do passado»
(«Terra e Liberdade» e «A Vontade do Povo»): à volta destas organizações «agrupava-se uma
quantidade de pessoas que não pertenciam à organização, mas que a ajudavam de uma forma ou de
outra e eram consideradas membros do partido... Este princípio deve ser aplicado ainda mais
estritamente na organização social-democrata». Cá chegamos a um dos pontos-chave da questão:
«este princípio» que permite que se intitulem membros do partido pessoas que não pertencem a
nenhuma das suas organizações e que somente «o ajudam de uma maneira ou de outra» será
efectivamente um princípio social-democrata? E Plekhánov deu a esta pergunta a única resposta
possível: «Axelrod não tinha razão quando aludia à década de 70. Havia então um centro bem
organizado e admiravelmente disciplinado; este centro tinha à sua volta organizações de diferentes
níveis, criadas por ele próprio, e o que estava fora dessas organizações era caos e anarquia. Os
elementos que constituíam este caos auto-intitulavam-se membros do partido, mas a causa, longe de
ganhar com isso, só perdia. Não devemos imitar a anarquia da década de 70, mas evitá-la.» Assim,
«este princípio», que o camarada Axelrod queria fazer passar por social-democrata, é de facto um
princípio anárquico. Para refutar isto, é preciso demonstrar a possibilidade do controlo, da
direcção e da disciplina à margem da organização, é preciso demonstrar a necessidade de atribuir
aos «elementos do caos» o título de membros do partido. Os defensores da fórmula do camarada
Mártov não demonstraram, e não podiam demonstrar, nem uma coisa nem outra. O camarada
Axelrod citou, a título de exemplo, «um professor que se considera social-democrata e o declara».
Para levar até ao fim o pensamento ilustrado por este exemplo, o camarada Axelrod deveria
perguntar em seguida: os próprios sociais-democratas organizados consideram tal professor um
social-democrata? Como não levantou esta segunda questão, Axelrod deixou a sua argumentação a
meio. De facto, das duas uma. Ou os sociais-democratas organizados reconhecem o professor em
questão como um social-democrata, e então porque não haviam de incluí-lo nesta ou naquela
organização social-democrata? Só na condição de tal integração as «declarações» do professor
estarão em conformidade com os seus actos e não serão apenas frases ocas (ao que de resto se
reduzem com demasiada frequência as declarações professorais). Ou os sociais-democratas
organizados não reconhecem o professor como um social-democrata, e neste caso carece de sentido
e é absurdo, insensato e prejudicial conferir-lhe o direito de usar o título honroso e cheio de
responsabilidade de membro do partido. Trata-se pois de aplicar consequentemente o princípio de
organização, ou consagrar a dispersão e a anarquia. Estamos a construir o partido tomando como
base um núcleo já formado e consolidado de sociais-democratas, núcleo que, por exemplo,
organizou o congresso do partido, e que deve ampliar e multiplicar todo o tipo de organizações do
partido, ou contentamo-nos com a frase tranquilizadora de que todos os que nos ajudam são
membros do partido? «Se adoptamos a fórmula de Lénine - prosseguiu o camarada Axelrod -
deitaremos pela borda fora uma parte dos que, embora não possam ser admitidos directamente na
organização, são, no entanto, membros do partido.» A confusão de conceitos de que queria acusar-
me o camarada Axelrod, aparece agora com plena clareza nas suas próprias palavras: considera já
como um facto que todos os que nos ajudam são membros do partido, enquanto é exactamente este
o ponto contestado, e os contraditores devem primeiro, provar a necessidade e a utilidade de tal
interpretação. Qual o significado desta frase à primeira vista tão terrível: deitar pela borda fora? Se
considerarmos membros do partido apenas os aderentes às organizações que reconhecemos como
organizações do partido, então as pessoas que não possam entrar «directamente» em nenhuma
organização do partido podem, no entanto, militar numa organização que não seja do partido, mas
que esteja em contacto com ele. Por consequência, não se trata de modo algum de deitar pela borda
fora ninguém, isto é, afastar do trabalho, da participação no movimento. Pelo contrário, quanto mais
fortes forem as nossas organizações do partido, englobando verdadeiros sociais-democratas,
quanto menos hesitação e instabilidade houver no interior do partido, mais larga, mais variada,
mais rica e mais fecunda será a influência do partido sobre os elementos das massas operárias que o
rodeiam e por ele são dirigidos. Com efeito, não se pode confundir o partido, como destacamento de
vanguarda da classe operária, com toda a classe. Ora, é justamente nesta confusão (característica do
nosso economismo oportunista em geral) que cai o camarada Axelrod quando diz: «Naturalmente,
estamos a criar, antes de tudo, uma organização dos elementos mais activos do partido, uma
organização de revolucionários; mas como somos um partido de classe, devemos fazer as coisas de
modo a não deixar fora do partido os que, conscientemente, ainda que talvez sem se mostrarem
absolutamente activos, tenham uma ligação com esse partido.» Primeiro, no número dos elementos
activos do partido operário social-democrata, de modo algum figurarão apenas as organizações de
revolucionários, mas toda uma série de organizações operárias, reconhecidas como organizações
do partido. Segundo, por que razão ou em virtude de que lógica se poderia deduzir do facto de
sermos um partido de classe a consequência de não ser preciso estabelecer uma distinção entre os
que pertencem ao partido e os que têm uma ligação com o partido? Muito pelo contrário:
precisamente devido à existência dos diferentes graus de consciência e actividade, é necessário
estabelecer uma diferença no grau de proximidade do partido. Nós somos um partido de classe, e é
por isso que quase toda a classe (e em tempo de guerra, num período de guerra civil,
absolutamente toda a classe) deve agir sob a direcção do nosso partido, deve ter com o nosso
partido a ligação mais estreita possível. Mas seria manilovismo<ref group = "10"><Manilovismo: do nome do latifundiário Manílov, personagem da obra do escritor russo N. V. Gógol Almas Mortas; é
sinónimo da afabilidade, do sentimentalismo melífluo e da fantasia infundada.</ref> e «seguidismo» pensar que sob o
capitalismo quase toda a classe, ou mesmo toda a classe, estará um dia em condições de se elevar ao
ponto de alcançar o grau de consciência e de actividade do seu destacamento de vanguarda, do seu
partido social-democrata. Nunca nenhum social-democrata de bom senso duvidou de que sob o
capitalismo, mesmo a organização sindical (mais rudimentar, mais acessível ao grau de consciência
das camadas não desenvolvidas) não está à altura de englobar quase toda ou toda a classe operária.
Seria unicamente enganar-se a si próprio, fechar os olhos sobre a imensidade das nossas tarefas,
restringir essas tarefas, esquecer a diferença entre o destacamento de vanguarda e toda a massa que
pende para ele, esquecer a obrigação constante do destacamento de vanguarda de elevar camadas
cada vez mais amplas ao seu nível avançado. E é precisamente esse fechar dos olhos e esse
esquecimento que se comete quando se apaga a diferença que existe entre os que têm ligação e os
que entram, entre os conscientes e os activos, por um lado, e os que ajudam, por outro.
Alegar que somos um partido de classe para justificar a dispersão orgânica, para justificar a
confusão entre organização e desorganização, é repetir o erro de Nadéjdine, que confundia «a
questão filosófica e histórico-social das “profundas raízes” do movimento com uma questão técnica
de organização». (Que Fazer?, p. 91).<ref group = "10">Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p. 164. - (N. Ed.)</ref> É esta confusão, cujo feliz iniciador foi o camarada
Axelrod, que dezenas de vezes repetiram os oradores que defendiam a fórmula do camarada
Mártov. «Quanto mais se difundir o título de membro do partido, tanto melhor» diz Mártov, sem no
entanto explicar qual a utilidade da ampla difusão de um título que não corresponda ao seu
conteúdo. Pode negar-se que o controlo dos membros não pertencentes à organização do partido
seja uma ficção? Uma larga difusão de uma ficção não é útil, antes prejudicial. «Só temos que nos
congratular se cada grevista, cada manifestante, tomando a responsabilidade dos seus actos, puder
declarar-se membro do partido» (p. 239). Será verdade? Qualquer grevista deverá ter o direito de
declarar-se membro do partido? Com esta tese, o camarada Mártov leva de uma assentada o seu
erro até ao absurdo, rebaixando a social-democracia ao grevismo, repetindo as desventuras dos
Akímov. Só temos que nos alegrar se a social-democracia conseguir dirigir cada greve, porque é seu
dever directo e absoluto dirigir todas as manifestações da luta de classe do proletariado, e a greve é
uma das manifestações mais profundas e vigorosas desta luta. Mas seremos seguidistas se
admitirmos que se identifique esta forma elementar de luta, que ipso facto não é mais que uma
forma trade-unionista, com a luta social-democrata, multilateral e consciente. Oportunisticamente,
legitimaremos uma manifesta falsidade, se dermos a cada grevista o direito de «se declarar
membro do partido», porque tal «declaração», num grande número de casos, será uma declaração
falsa. Estaremos a embalar-nos com sonhos manilovianos se tentarmos persuadir-nos a nós próprios e persuadir os outros que cada grevista pode ser social-democrata e membro do partido social-
democrata, dada a infinita fragmentação, opressão e embrutecimento que, sob o capitalismo,
inevitavelmente continuarão a pesar sobre sectores muito amplos de operários «não instruídos», não
qualificados. Justamente o exemplo do «grevista» mostra com particular clareza a diferença entre a
aspiração revolucionária de dirigir cada greve de uma maneira social-democrata, e a fraseologia
oportunista, que declara cada grevista membro do partido. Nós somos um partido de classe, na
medida em que dirijamos efectivamente de um modo social-democrata quase toda ou mesmo toda a
classe do proletariado, mas só os Akímov é que podem deduzir disso que devemos identificar em
palavras o partido e a classe.
«Não receio uma organização de conspiradores», disse no mesmo discurso o camarada Mártov;
mas, acrescentava, «a organização de conspiradores, para mim, só tem sentido se envolvida por um
amplo partido operário social-democrata» (p. 239). Para ser exacto deveria ter dito: se envolvida por
um amplo movimento operário social-democrata. Sob esta forma, a tese do camarada Mártov não
só é indiscutível, como é também um verdadeiro truísmo. Se me detenho neste ponto, é unicamente
porque do truísmo do camarada Mártov os oradores seguintes deduziram o argumento muito
corrente e muito vulgar, de que Lénine queria «reduzir todo o conjunto de membros do partido a
um conjunto de conspiradores». Esta conclusão, que só nos pode fazer sorrir, foi tirada tanto pelo
camarada Possadóvski, como pelo camarada Popov, e quando Martínov e Akímov a retomaram, o
seu verdadeiro carácter, ou seja, o carácter de frase oportunista, tornou-se manifesto. Actualmente,
este mesmo argumento é desenvolvido no novo Iskra pelo camarada Axelrod, para dar a conhecer
aos leitores os novos pontos de vista da nova redacção sobre organização. Já no congresso, na
primeira sessão em que se examinou o § l, dei-me conta de que os contraditres se queriam servir
desta arma barata, e é por isso que no meu discurso fiz este aviso (p. 240): «Não devemos pensar
que as organizações do partido devam ter apenas revolucionários profissionais. Nós precisamos das
mais diversas organizações, de todas as espécies, de todos os níveis e de todos os matizes, desde as
organizações extremamente restritas e conspirativas, até às extremamente amplas e livres, lose
Organisationen.»<ref group = "10">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 287. (N. Ed.)</ref> É uma verdade tão patente e evidente que considerei supérfluo deter-me nela.
Mas nos tempos que correm, quando já nos arrastaram para trás em muitas e muitas coisas, somos
forçados, também aqui, a «repisar o que já foi dito». Por isso, reproduzirei algumas passagens de
Que Fazer? e da Carta a Um Camarada:
... «Para um círculo de corifeus como Alexéiev e Míchkine, Khaltúrine e Jeliábov, são acessíveis as
tarefas políticas no sentido mais real, mais prático do termo, precisamente porque, e no grau em
que, a sua propaganda ardente encontra eco na massa, que desperta espontaneamente, porque a sua
fervente energia é secundada e apoiada pela energia da classe revolucionária.»<ref group = "10">Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p. 154. (N. Ed.)</ref> Para ser um
partido social-democrata é preciso conquistar o apoio precisamente da classe. Não é o partido que
deve envolver a organização de conspiradores, como pensava o camarada Mártov; é a classe
revolucionária, o proletariado que deve envolver o partido, que tanto abrangerá as organizações de
conspiradores como as organizações não conspiradoras.
... «As organizações operárias para a luta económica devem ser organizações sindicais. Todo o
operário social-democrata deve, dentro do possível, apoiar estas organizações e nelas trabalhar
activamente... Mas é absolutamente contrário aos nossos interesses exigir que só os sociais-
democratas possam ser membros das uniões profissionais já que isso reduziria a nossa influência
sobre a massa. Que participe na união profissional todo o operário que compreenda a necessidade
da união para a luta contra os patrões e o governo. O próprio objectivo das uniões profissionais seria
inexequível se não agrupassem todos os operários capazes de compreender, ainda que mais não
fosse, esta noção elementar, se estas uniões profissionais não fossem organizações muito amplas. E
quanto mais amplas forem estas organizações, tanto mais ampla será a nossa influência nelas, influência exercida não somente pelo desenvolvimento “espontâneo” da luta económica, mas
também pela acção consciente e directa dos membros socialistas das uniões sobre os seus
camaradas» (p. 86).<ref group = "10">Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p. 159. (N. Ed.)</ref> Diremos de passagem que o exemplo dos sindicatos é particularmente
característico para emitir um juízo sobre o problema em discussão respeitante ao §1. Que os
sindicatos devam trabalhar «sob controlo e direcção» das organizações sociais-democratas, a este
respeito não pode haver duas opiniões entre os sociais-democratas. Mas partir desta base para dar
a todos os membros destes sindicatos o direito de «se declararem» membros do partido social-
democrata seria um absurdo evidente e representaria a ameaça de um duplo dano: por um lado,
reduzir as dimensões do movimento sindical e enfraquecer a solidariedade operária neste domínio.
Por outro lado, abrir as portas do partido social-democrata à confusão e à vacilação. A social-
democracia alemã teve que resolver um problema semelhante em circunstâncias concretas aquando
do famoso incidente dos pedreiros de Hamburgo que trabalhavam à tarefa.<ref group = "10">Trata-se do incidente que teve lugar em Hamburgo em 1900, devido ao comportamento de um grupo de 122
pedreiros que, tendo formado a «União Livre dos Pedreiros», trabalhavam à tarefa durante a greve, apesar da
proibição da organização central. A secção hamburguesa da organização dos pedreiros pôs a questão da conduta de
fura-greves sociais-democratas, membros do grupo, perante as organizações locais do partido, as quais comunicaram
esta questão para ser analisada pelo Comité Central da social-democracia alemã. O tribunal arbitrai do partido,
designado pelo Comité Central, condenou a conduta dos sociais-democratas da «União Livre dos Pedreiros», mas
rejeitou a proposta de os excluir do partido.</ref> A social-democracia
não hesitou um momento em reconhecer que o a acção dos fura-greves era indigna do ponto de
vista de um social-democrata, ou seja, em reconhecer a direcção das greves, o apoio às mesmas
como coisa sua própria; mas ao mesmo tempo rejeitou com não menos decisão a exigência de
identificar os interesse do partido com os interesses das uniões profissionais, de fazer o partido
responsável dos diversos passos dos diferentes sindicatos. O partido deve aplicar-se, e aplicar-se-á,
a impregnar do seu espírito, a submeter à sua influência as uniões profissionais, mas precisamente
no interesse desta influência deve distinguir nestas uniões os elementos plenamente sociais-
democratas (que pertencem ao partido social-democrata) dos que não são inteiramente conscientes
nem inteiramente activos sob o ponto de vista político, e não deve confundir uns e outros, como
quer o camarada Axelrod.
...«A centralização das funções mais clandestinas pela organização dos revolucionários não
debilitará, antes reforçará, a amplitude e o conteúdo da actividade de uma grande quantidade de
outras organizações destinadas ao grande público e, por consequência, o menos regulamentadas e o
menos clandestinas possível: sindicatos operários, círculos operários de auto-didactas e de leitura de
literatura ilegal, círculos socialistas, círculos democráticos para todos os outros sectores da
população, etc., etc. Estes círculos, sindicatos e organizações são necessários por toda a parte, é
preciso que sejam o mais numerosos e as suas funções as mais variadas possível, mas é absurdo e
prejudicial confundir estas organizações com a dos revolucionários, apagar as fronteiras que
existem entre elas» ... (p. 96).<ref group = "10">Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p. 168. (N. Ed.)</ref> Esta passagem mostra quão despropositadamente o camarada
Mártov me recordou que amplas organizações operárias devem envolver a organização de
revolucionários. Eu já tinha assinalado isso em Que Fazer? e desenvolvi esta ideia de forma mais
concreta na Carta a Um Camarada. Os círculos de fábricas, escrevia eu na referida carta, «são
particularmente importantes para nós; com efeito, a principal força do movimento reside no grau de
organização dos operários das grandes fábricas, visto que as grandes empresas (e fábricas)
englobam a parte predominante da classe operária, não só pelo seu número mas mais ainda pela sua
influência, pelo seu desenvolvimento, pela sua capacidade de luta. Cada fábrica deve ser uma
fortaleza nossa... O subcomité de fábrica deve esforçar-se por englobar toda a fábrica, o maior
número possível de operários, numa rede de todo o tipo de círculos (ou agentes)... Todos os grupos,
círculos, subcomités, etc., devem ter o estatuto de organismos dependentes do comité ou de filiais
do mesmo. Alguns deles declararão francamente o seu desejo de entrar no Partido Operário Social-
Democrata da Rússia, e passarão a fazer parte do partido no caso de serem aprovados pelo comité; assumirão (por indicação do comité ou de acordo com ele) certas funções, comprometer-se-ão a
submeter-se às disposições dos organismos do partido, receberão os direitos de todos os membros
do partido, serão considerados os candidatos mais próximos a membros do comité, etc. Outros não
entrarão para o POSDR, continuarão na situação de círculos, organizados por membros do partido,
ou pessoas ligadas a este ou aquele grupo do partido, etc.» (pp. 17-18).<ref group = "10">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 15, 18-19. (N. Ed.)</ref> Das palavras que sublinhei
ressalta com particular clareza que a ideia da minha formulação do § l está já integralmente
expressa na Carta a Um Camarada. As condições de admissão no partido são aqui claramente
indicadas, a saber: 1. um certo grau de organização e 2. confirmação por um comité do partido.
Uma página mais abaixo, indico aproximadamente os grupos e organizações que devem (ou não
devem) ser admitidos no partido e por que razões: «Os grupos de distribuidores devem pertencer ao
POSDR e conhecer um determinado número dos seus membros e dos seus funcionários. Os grupos
que estudam as condições profissionais do trabalho e elaboram projectos de reivindicações
profissionais não têm necessariamente que pertencer ao POSDR. Os grupos de estudantes, de
oficiais do exército, de empregados que fazem a sua auto-educação com a colaboração de um ou
dois membros do partido, por vezes não devem sequer saber que estes pertencem ao partido, etc.»
(pp.18-19).<ref group = "10">Ver Ibidem, p. 19. (N. Ed.)</ref>
E aqui tendes novos materiais sobre a questão da «viseira levantada»! Ao passo que a fórmula do
Projecto do camarada Mártov nem sequer toca nas relações entre o partido e as organizações, eu
indicava já acerca de um ano do congresso que certas organizações deviam entrar no partido e
outras não. Na Carta a Um Camarada destaca-se já claramente a ideia que defendi no congresso. A
questão poderia apresentar-se graficamente da seguinte forma. Segundo o grau de organização em
geral, e do grau de clandestinidade da organização em particular, podemos aproximadamente
distinguir as categorias seguintes: 1. organizações de revolucionários; 2. organizações de operários,
tão amplas e variadas quanto possível (limito-me à classe operária, supondo como coisa que se
subentende por si própria o facto de que certos elementos de outras classes delas façam igualmente
parte em certas condições). Estas duas categorias formam o partido. A seguir, 3. organizações
operárias ligadas ao partido; 4. organizações operárias não ligadas ao partido, mas de facto
submetidas ao seu controlo e direcção; 5. elementos não organizados da classe operária que em
parte se submetem igualmente, pelo menos durante as grandes manifestações da luta de classes, à
direcção da social-democracia. Eis como aproximadamente se apresentam as coisas do meu ponto
de vista. Pelo contrário, do ponto de vista do camarada Mártov as fronteiras do partido ficam
absolutamente indeterminadas, porque «qualquer grevista» pode «declarar-se membro do partido».
Qual é o proveito de tal imprecisão? A ampla difusão do «título». O seu prejuízo consiste em
provocar a ideia desorganizadora da confusão da classe com o partido.
Para ilustrar os princípios gerais que expusemos, lançaremos ainda uma breve vista de olhos à
posterior discussão no congresso acerca do §1. O camarada Brúker (para alegria do camarada
Mártov) pronunciou-se a favor da minha fórmula, mas verificou-se que a sua aliança comigo,
contrariamente à aliança do camarada Akímov com Mártov, baseava-se num mal-entendido. O
camarada Brúker «não está de acordo com os estatutos no seu conjunto nem com todo o seu
espírito» (p. 239), e defende a minha fórmula como base da democracia que desejavam os
partidários da Rabótcheie Dielo. O camarada Brúker ainda não se elevou ao ponto de vista de que
na luta política, por vezes, é preciso escolher o mal menor; o camarada Brúker não se apercebeu de
que era inútil defender a democracia num congresso como o nosso. O camarada Akímov mostrou-se
mais perspicaz. Colocou a questão de modo absolutamente exacto quando reconheceu que «os
camaradas Mártov e Lénine discutem a questão de saber qual (das fórmulas) atinge melhor o seu
objectivo comum» (p. 252). «Brúker e eu - continua - queremos escolher a que menos atinja o
objectivo. Eu, neste sentido, escolho a fórmula de Mártov.» E o camarada Akímov explicou com
franqueza que «o próprio objectivo deles» (de Plekhánov, Mártov e meu; isto é, a criação de uma organização dirigente de revolucionários) o considera «irrealizável e prejudicial»; tal como o
camarada Martínov<ref group = "10">O camarada Martínov, de resto, quer distinguir-se do camarada Akímov, quer demonstrar que conspirativo não quer
dizer clandestino, que a diferença existente entre estas duas palavras envolve uma diferença de conceitos. Mas nem
o camarada Martínov nem o camarada Axelrod, que agora segue no seu trilho, explicaram afinal em que consiste
essa diferença. O camarada Martínov «faz como se» eu, por exemplo, em Que Fazer? (do mesmo modo que em As
Tarefas) [ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 2, pp. 433-470. - (N. Ed.)] não me tivesse declarado
terminantemente contra «reduzir a luta política a uma conspiração». O camarada Martínov quer forçar os seus
ouvintes a esquecer que aqueles contra quem eu lutava não viam a necessidade de uma organização de
revolucionários, como tão-pouco não a vê agora o camarada Akímov.(Nota do Autor)</ref> defende a ideia dos economistas de que não é necessária «a organização de
revolucionários». Ele «tem uma profunda fé em que a vida acabará por impor-se na nossa
organização de partido, independentemente de lhe fechardes o caminho com a fórmula de Mártov
ou com a fórmula de Lénine». Não valeria a pena que nos detivéssemos nesta concepção
«seguidista» da «vida» se não tropeçássemos com ela também nos discursos do camarada Mártov.
O segundo discurso do camarada Mártov (p. 245) é, em geral, tão interessante que vale a pena
examiná-lo em pormenor.
Primeiro argumento do camarada Mártov: o controlo das organizações do partido sobre os membros
do partido não pertencentes a essas organizações «é realizável porquanto o comité ao atribuir a
qualquer pessoa uma função determinada pode controlar o seu cumprimento» (p. 245). Esta tese é
altamente característica, pois «denuncia», se é que nos podemos permitir esta expressão, a quem é
necessária e a quem servirá na realidade a fórmula de Mártov: a intelectuais isolados ou a grupos
operários e às massas operárias? Porque da fórmula de Mártov são possíveis duas interpretações: 1)
tem o direito de «se declarar» (palavras do próprio camarada Mártov) membro do partido todo
aquele que lhe preste uma colaboração pessoal regular sob a direcção de uma das suas organizações;
2) qualquer organização do partido tem o direito de reconhecer como membro do partido todo
aquele que lhe preste uma colaboração pessoal regular sob a sua direcção. Só a primeira
interpretação permite, com efeito, a «qualquer grevista» dizer-se membro do partido, e, por isso
mesmo, só esta interpretação conquistou imediatamente os corações dos Líber, dos Akímov e dos
Martínov. Mas esta interpretação é manifestamente uma frase, porque pode englobar toda a classe
operária, e a diferença entre o partido e a classe é apagada; só «simbolicamente» se pode falar em
controlo e direcção de «qualquer grevista». Eis porque o camarada Mártov, no seu segundo
discurso, se desviou logo para a segunda interpretação (ainda que, diga-se entre parêntesis, ela
tenha sido explicitamente rejeitada pelo congresso, que não aprovou a resolução de Kóstitch,<ref group = "10">Na resolução de S. Zboróvski (Kóstitch), que foi rejeitada pelo congresso, propunha-se a seguinte formulação do § l
dos estatutos do partido: «Todo aquele que reconheça o programa do partido e preste ao partido apoio material e o
seu concurso pessoal regular sob a direcção de uma das organizações do partido é considerado por esta última
membro do partido.»</ref> p.
255): o comité atribuirá funções e controlará o seu cumprimento. Naturalmente, tais missões
especiais nunca existirão em relação à massa dos operários, aos milhares de proletários (de que
falam o camarada Axelrod e o camarada Martínov); mas, muitas vezes elas serão confiadas
precisamente aos professores mencionados por Axelrod, aos estudantes de liceu com quem se
preocupavam o camarada Líber e o camarada Popov (p. 241), à juventude revolucionária de que
falava o camarada Axelrod no seu segundo discurso (p. 242). Numa palavra: ou a fórmula do
camarada Mártov ficará reduzida a letra morta, a frase oca, ou então servirá principalmente e quase
exclusivamente «a intelectuais completamente imbuídos de individualismo burguês» e que não
querem entrar numa organização. Em palavras, a fórmula de Mártov parece defender os interesses
das largas camadas do proletariado. Mas, de facto, esta fórmula servirá os interesses da
intelectualidade burguesa, que receia a disciplina e organização proletárias. Ninguém ousará
negar que o que caracteriza, de um modo geral, a intelectualidade como uma camada especial nas
sociedades capitalistas contemporâneas é justamente o seu individualismo e a sua incapacidade
para se submeter à disciplina e à organização (ver, por exemplo, os conhecidos artigos de Kautsky
sobre a intelectualidade); nisso é que reside, entre outras coisas, a diferença desvantajosa entre esta
camada social e o proletariado; nisto reside uma das razões que explicam a fraqueza e instabilidade da intelectualidade, que o proletariado tantas vezes sentiu. E esta particularidade da intelectualidade
está inseparavelmente ligada às suas condições habituais de vida, ao seu modo de ganhar a vida, que
se aproximam em muitíssimos aspectos das condições de existência pequeno-burguesa (trabalho
individual ou em colectivos muito pequenos, etc.). Enfim, também não é por acaso que justamente
os defensores da fórmula do camarada Mártov tiveram que citar o exemplo de professores e
estudantes de liceu! Nos debates sobre o §1 não foram os campeões de uma ampla luta proletária
que se levantaram contra os campeões de uma organização radical conspirativa, como pensavam os
camaradas Martínov e Axelrod, mas os partidários do individualismo intelectual burguês que se
defrontaram com os partidários da organização e disciplina proletárias.
O camarada Popov disse: «Em toda a parte, em Petersburgo como em Nikoláiev ou em Odessa, há,
segundo o testemunho dos representantes dessas cidades, dezenas de operários que difundem
literatura, que fazem agitação oral e que não podem ser membros da organização. Podemos
acrescentá-los à organização, mas não considerá-los membros» (p. 241). Porque não podem ser
membros da organização? Só o camarada Popov conhece o segredo. Já citei atrás uma passagem da
Carta a Um Camarada, que demonstra que justamente a admissão de todos estes operários (às
centenas e não às dezenas) nas organizações é possível e necessária, e que grande número destas
organizações podem e devem pertencer ao partido.
Segundo argumento do camarada Mártov: «Para Lénine, não há no partido outras organizações que
as do partido» ... Absolutamente exacto!... «Na minha opinião, pelo contrário, tais organizações
devem existir. A vida cria e multiplica organizações muito mais rapidamente do que nós
conseguimos integrá-las na hierarquia da nossa organização combativa de revolucionários
profissionais» ... Isto é falso em dois sentidos: 1) a «vida» cria muito menos organizações eficientes
de revolucionários do que as que são necessárias ao movimento operário; 2) o nosso partido deve
ser hierarquia, não só das organizações de revolucionários, mas também da massa das organizações
operárias... «Lénine crê que o CC só concederá o título de organizações do partido às que forem
absolutamente seguras no campo dos princípios. Mas o camarada Brúker compreende muito bem
que a vida (sic!) se imporá, e que o CC, para não deixar numerosas organizações fora do partido,
será obrigado a legalizá-las mesmo que não sejam completamente seguras. É precisamente por isso
que o camarada Brúker se junta a Lénine» ... Esta é uma concepção realmente seguidista da «vida»!
É evidente que, se o CC fosse obrigatoriamente composto por pessoas que se deixam guiar, não
pela sua própria opinião, mas pelo que dizem os outros (ver o incidente do CO), nesse caso a «vida
impor-se-ia» no sentido de os elementos mais atrasados do partido poderem predominar (como
também aconteceu agora que se formou uma «minoria» no partido com os elementos
atrasados). Mas é impossível invocar um único motivo racional que possa obrigar um CC
inteligente a admitir no partido elementos «que não sejam seguros». É precisamente com esta
alusão à «vida» que «cria» elementos não seguros que o camarada Mártov põe em evidência o
carácter oportunista do seu plano de organização!... «Quanto a mim, pelo contrário - prossegue -
penso que se uma organização deste tipo (que não é completamente segura) consente em aceitar o
programa do partido e o controlo do partido, nós podemos admiti-la no partido, sem que, por isso,
façamos dela uma organização do partido. Consideraria um grande triunfo do nosso partido se, por
exemplo, qualquer união de «independentes» decidisse aceitar o ponto de vista da social-
democracia e o seu programa, e entrar no partido, o que todavia não significaria que integrássemos
essa união na organização do partido» ... Eis aqui a que confusão leva a fórmula de Mártov:
organizações sem partido que pertencem ao partido! Imaginai só o seu esquema: o partido = 1)
organizações de revolucionários, + 2) organizações operárias reconhecidas como organizações do
partido, + 3) organizações operárias não reconhecidas como organizações do partido
(principalmente formadas por «independentes»), + 4) indivíduos encarregados de diversas funções,
professores, estudantes de liceu, etc., + 5) «qualquer grevista». Ao lado deste notável plano só
podemos colocar as palavras do camarada Líber: «A nossa tarefa não é exclusivamente organizar
uma organização (!!), mas podemos e devemos organizar o partido» (p. 241). Sim, com certeza,
podemos e devemos fazê-lo, mas para isso são necessárias não as palavras vazias de sentido sobre
«organizar organizações», mas sim exigir directamente aos membros do partido que realizem
efectivamente um trabalho de organização. Falar de «organizar o partido» e defender que se
encubra com a palavra partido toda a espécie de desorganização e dispersão é falar por falar.
«A nossa fórmula - diz o camarada Mártov - exprime a aspiração de que exista entre a organização
de revolucionários e a massa uma série de organizações.» Não é isso, precisamente. Esta aspiração,
verdadeiramente obrigatória, é justamente o que a fórmula de Mártov não exprime, pois não
estimula a organizar-se, não contém a exigência de organizar-se, não separa o organizado do
inorganizado. Não dá senão um título,<ref group = "10">No congresso da Liga, o camarada Mártov expôs ainda a favor da sua fórmula um outro argumento que provoca o
riso. «Nós poderíamos indicar - diz - que a fórmula de Lénine, entendida à letra, elimina do partido os agentes do
CC, visto que estes não constituem uma organização» (p. 59). Esse argumento foi igualmente acolhido com risos no
congresso da Liga, como consta das actas. O camarada Mártov supõe que a «dificuldade» por ele assinalada só pode
ser resolvida se os agentes do CC passarem a fazer parte de uma «organização do CC». Mas o problema não
consiste nisto. Consiste em que, com o seu exemplo, o camarada Mártov mostrou claramente uma total
incompreensão da ideia do §1, deu o exemplo de uma crítica puramente pedante que de facto merece o riso.
Formalmente, bastaria constituir «uma organização de agentes do CC», redigir uma resolução sobre a sua inclusão
no partido, e a «dificuldade», que causou tantos quebra-cabeças ao camarada Mártov, desapareceria imediatamente.
Mas a ideia do § l na minha fórmula consiste no estímulo: «Organizai-vos!»; em assegurar um controlo e uma
direcção reais. Quanto ao fundo da questão, é ridículo perguntar se os agentes do CC se incluirão no partido,
porque o controlo real da sua actividade é plena e indubitavelmente assegurado pelo próprio facto de terem sido
designados como agentes, pelo próprio facto de continuarem nesse cargo. Por conseguinte, não se pode aqui falar
sequer de confusão entre o organizado e o inorganizado (base do erro da fórmula do camarada Mártov). A fórmula
do camarada Mártov não serve porque todos e cada um podem declarar-se membros do partido, qualquer
oportunista, qualquer charlatão, qualquer «professor» e qualquer «estudante de liceu». O camarada Mártov procura
em vão escamotear este calcanhar de Aquiles da sua fórmula, com exemplos nos quais não está sequer em questão
que alguém se inclua a si mesmo na categoria de membro, se declare membro. (Nota do Autor)</ref> e a propósito disto não podemos deixar de lembrar as
palavras do camarada Axelrod: «Não há decretos que possam proibi-los (aos círculos da juventude
revolucionária, etc.), e a pessoas isoladas, de se dizerem sociais-democratas» (santa verdade!) «ou
até de se considerarem parte integrante do partido»... Isto já é absolutamente falso! Proibir alguém
de se dizer social-democrata é impossível e é inútil, porque esta palavra apenas exprime
directamente um sistema de convicções, e não relações determinadas de organização. Proibir
círculos e pessoas isoladas de «se considerarem parte integrante do partido» é possível e necessário,
quando esses círculos e pessoas prejudicam a causa do partido, o corrompem ou o desorganizam.
Seria ridículo falar de um partido, como de um todo, como de uma grandeza política, se ele não
pudesse «proibir por decreto» a um círculo «considerar-se parte integrante» do todo! De que
serviria então fixar um método e condições para a expulsão do partido? O camarada Axelrod levou
com evidência ao absurdo o erro fundamental do camarada Mártov; erigiu mesmo este erro em
teoria oportunista quando acrescentou: «Na fórmula de Lénine, o §1 está manifestamente em
contradição de princípios com a própria essência (!!) e com as tarefas do partido social-democrata
do proletariado» (p. 243). Isto significa, nem mais nem menos, o seguinte: o exigir mais do partido
que da classe contradiz de princípio a própria essência das tarefas do proletariado. Não é de
espantar que Akímov tenha defendido com todas as suas forças semelhante teoria!
A justiça exige que se diga que o camarada Axelrod, que agora quer converter esta fórmula errada,
que manifestamente tende para o oportunismo, em gérmen de novas opiniões, no congresso, pelo
contrário, mostrou-se disposto a «negociar» tendo dito: «Mas dou-me conta de que estou a arrombar
uma porta aberta» ... (disto mesmo me dou eu conta no novo Iskra)... «porque o camarada Lénine,
com os seus círculos da periferia, que se consideram partes integrantes da organização do partido,
antecipa-se à minha exigência» ... (e não só com os círculos da periferia, mas também com toda a
espécie de uniões operárias: cf. p. 242 das actas, o discurso do camarada Strákhov, e as passagens
citadas anteriormente de Que Fazer? e da Carta a Um Camarada)... «Restam ainda as pessoas
isoladas, mas também nisto poderíamos negociar.» Respondi ao camarada Axelrod que, falando em geral, não era contrário a negociar,<ref group = "10">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 287. (N. Ed.)</ref> e tenho de esclarecer agora em que sentido o disse. É
precisamente no respeitante às pessoas isoladas, todos esses professores, estudantes de liceu e
outros, que eu teria feito menos concessões; mas se se tivesse tratado de uma dúvida acerca das
organizações operárias, eu consentiria (apesar de tais dúvidas carecerem absolutamente de
fundamento, como demonstrei mais atrás) em acrescentar ao meu § l uma nota aproximadamente do
seguinte teor: «As organizações operárias que aceitarem o programa e os estatutos do Partido
Operário Social-Democrata da Rússia devem ser no maior número possível incluídas nas
organizações do partido.» É claro que, falando com rigor, o lugar de tal desejo não é nos estatutos,
que devem limitar-se a definições jurídicas, mas em comentários de esclarecimento, em brochuras
(e já referi que, muito antes dos estatutos, eu tinha dado explicações neste sentido em brochuras
minhas; mas, pelo menos, tal nota não encerraria nem sombras dessas ideias falsas, que pudessem
levar à desorganização, nem sombras de raciocínios oportunistas,<ref group = "10">Entre esses raciocínios, que surgem inevitavelmente quando se tenta fundamentar a fórmula de Mártov, conta-se em
particular a frase do camarada Trótski (pp. 248 e 346) de que «o oportunismo se deve a causas mais complexas (ou:
é determinado por causas mais profundas) que um ou outro ponto dos estatutos; deve-se ao nível relativo de
desenvolvimento da democracia burguesa e do proletariado» ... Não se trata de que os pontos dos estatutos possam
dar lugar ao oportunismo, mas sim de forjar com eles uma arma mais ou menos acerada contra o oportunismo.
Quanto mais profundas forem as suas causas, mais acerada deve ser essa arma. Por isso justificar com as «causas
profundas» do oportunismo uma fórmula que lhe abre as portas, é seguidismo da mais pura água. Quando o
camarada Trótski era contra o camarada Líber, ele compreendia que os estatutos são a «desconfiança organizada» do
todo para com a parte, do destacamento de vanguarda para com o atrasado! Mas quando o camarada Trótski se
colocou ao lado do camarada Líber, esqueceu-se de tudo isso e chegou mesmo a justificar a fraqueza e inconstância
da nossa organização desta desconfiança (desconfiança para com o oportunismo) com «causas complexas», com o
«nível de desenvolvimento do proletariado», etc. Outro argumento do camarada Trótski: «Para a juventude
intelectual, organizada de uma maneira ou de outra, é muito mais fácil incluir-se a si própria (o sublinhado é meu)
nas listas do partido.» Justamente. Eis a razão por que a fórmula segundo a qual até os elementos inorganizados se
declaram membros do partido peca pela sua imprecisão, própria de intelectuais, e não a minha, que suprime o
direito de «se incluir a si próprio» nas listas. O camarada Trótski diz que se o CC «não reconhece» uma
organização de oportunistas é exclusivamente em virtude do carácter das pessoas, e se essas pessoas forem
conhecidas como individualidades políticas, não serão perigosas, podem ser afastadas por meio do boicote de todo o
partido. Isto é verdade apenas para os casos em que é preciso afastar do partido (e mesmo assim é apenas meia
verdade, porque um partido organizado afasta por votação e não por boicote). É completamente falso para os casos,
muito mais frequentes, em que é absurdo afastar, em que é preciso simplesmente controlar. Com fins de controlo, o
CC pode intencionalmente admitir no partido, sob certas condições, uma organização não totalmente segura mas
apta para o trabalho, para assim a pôr à prova, para tentar levá-la para o bom caminho, para paralisar, dirigindo-a,
os seus desvios parciais, etc. Uma admissão deste género não é perigosa se, de um modo geral, não for permitido
«incluir-se a si próprio» nas listas do partido. Uma inclusão deste tipo será muitas vezes útil para que se exprimam
(e se examinem) com franqueza e responsabilidade, sob controlo, os pontos de vista errados e a táctica errada.
«Mas se as definições jurídicas devem corresponder às relações reais, tem que ser rejeitada a fórmula do camarada
Lénine», diz o camarada Trótski, e mais uma vez o diz como um oportunista. As relações reais não são uma coisa
morta, antes vivem e se desenvolvem. As definições jurídicas podem corresponder ao desenvolvimento progressivo
dessas relações, mas podem também (se essas definições são más) «corresponder» a uma regressão ou a uma
estagnação. Este último caso é justamente o «caso» do camarada Mártov. (Nota do Autor)</ref> nem de «concepções
anarquistas» que a fórmula do camarada Mártov contém indubitavelmente.
A última expressão, que citei entre aspas, pertence ao camarada Pavlóvitch que, com muita justeza,
qualificou de anarquismo o facto de reconhecer como membros elementos «irresponsáveis e que
se incluem a si próprios no partido». «Traduzida em linguagem corrente - dizia Pavlóvitch,
explicando a minha fórmula ao camarada Líber - ela significa: “Se queres ser membro do partido,
tens que reconhecer também as relações de organização, e não apenas de uma maneira platónica.”»
Ainda que simples, esta «tradução» mostrou, no entanto, não ser supérflua (como o demonstraram
os acontecimentos posteriores ao congresso), não só para os diversos professores e estudantes de
liceu duvidosos, mas também para os mais autênticos membros do partido, para as pessoas de
cima... O camarada Pavlóvitch assinalou com não menos razão a contradição entre a fórmula do
camarada Mártov e o princípio indiscutível do socialismo científico, que com tanta infelicidade
citou o camarada Mártov: «O nosso partido é o intérprete consciente de um processo inconsciente.» Exactamente. E é precisamente por isso que é errado querer que «qualquer grevista» possa intitular-
se membro do partido, porque, se «qualquer greve» não fosse simplesmente a expressão espontânea
de um poderoso instinto de classe e de luta de classes que conduz inevitavelmente à revolução
social, mas fosse uma expressão consciente deste processo, então... então a greve geral não seria
uma frase anarquista, então o nosso partido englobaria imediatamente, de uma só vez, toda a classe
operária e, por consequência, acabaria também, de uma só vez, com toda a sociedade burguesa.
Para ser verdadeiramente um intérprete consciente, o partido deve saber estabelecer relações de
organização que assegurem um certo nível de consciência e elevem sistematicamente este nível.
«Para seguir o caminho de Mártov - diz o camarada Pavlóvitch - é preciso primeiramente suprimir o
ponto relativo ao reconhecimento do programa, porque, para aceitar um programa, é preciso
assimilá-lo e compreendê-lo... Reconhecer o programa implica um nível bastante elevado de
consciência política.» Jamais admitiremos que o apoio à social-democracia, que a participação na
luta por ela dirigida sejam artificialmente limitados seja por que exigência for (assimilação,
compreensão, etc.), porque essa mesma participação, pelo simples facto de se afirmar, eleva a
consciência e os instintos de organização; mas já que nos agrupamos num partido para um
trabalho metódico, devemos cuidar de assegurar este carácter metódico.
Que a advertência do camarada Pavlóvitch sobre o programa não foi supérflua, viu-se
imediatamente nessa mesma sessão. Os camaradas Akímov e Líber, que haviam feito triunfar a
fórmula do camarada Mártov,<ref group = "10">Recolheu 28 votos a favor e 22 contra. Dos oito anti-iskristas, sete votaram por Mártov e um por mim. Sem o auxílio
dos oportunistas, o camarada Mártov não teria podido fazer triunfar a sua fórmula oportunista. (No congresso da
Liga, o camarada Mártov tinha tentado, sem sorte nenhuma, negar este facto indubitável, limitando-se, não se sabe
porquê, aos votos dos bundistas e esquecendo o camarada Akímov e os seus amigos, ou mais exactamente,
recordando-os somente quando tal podia testemunhar contra mim, ou seja, o acordo do camarada Brúker comigo.)
(Nota do Autor)</ref> imediatamente revelaram a sua verdadeira natureza ao exigir (pp.
254-255) que (para «ser membro» do partido) se reconhecesse também o programa apenas de um
modo platónico, apenas nos «seus princípios fundamentais». «A proposta do camarada Akímov é
perfeitamente lógica do ponto de vista do camarada Mártov», observou o camarada Pavlóvitch.
Infelizmente, as actas não nos dizem quantos votos teve a proposta de Akímov - pelo menos sete,
segundo todas as probabilidades (cinco bundistas, Akímov e Brúker). E a saída precisamente dos
sete delegados do congresso transformou a «compacta maioria» (anti-iskristas, «centro» e
partidários de Mártov), que se tinha começado a formar à volta do §1 dos estatutos, numa compacta
minoria! A saída precisamente dos sete delegados provocou a derrota da proposta de confirmação
da velha redacção, o que teria sido uma flagrante violação da «continuidade» na direcção do Iskra!
E o original grupo dos sete era a única salvação e o único penhor da «continuidade» iskrista: este
grupo era constituído pelos bundistas, Akímov e Brúker, ou seja, precisamente, pelos delegados que
votaram contra os motivos de reconhecimento do Iskra como Órgão Central, aqueles cujo
oportunismo dezenas de vezes tinha sido reconhecido pelo congresso, e designadamente por Mártov
e Plekhánov, a propósito de suavizar o §1 respeitante ao programa. A «continuidade» do Iskra
salvaguardada pelos anti-iskristas! - aproximamo-nos aqui do nó da tragicomédia posterior ao
congresso.
O agrupamento de votos sobre o § um dos estatutos revelou um fenómeno exactamente do mesmo
género que o incidente da igualdade de direitos das línguas: a separação de um quarto
(aproximadamente) da maioria iskrista torna possível a vitória dos anti-iskristas seguidos pelo
«centro». Também aqui, bem entendido, há votos isolados que alteram a perfeita harmonia do
quadro: numa assembleia tão numerosa como o nosso congresso, encontram-se infalivelmente
elementos «selvagens», que se inclinam por casualidade, ora para um lado, ora para outro,
sobretudo a propósito de uma questão como o § um, em que o verdadeiro carácter de divergência
apenas começava a desenhar-se e muitos na realidade não conseguiam ainda orientar-se (por se
não ter tratado previamente do problema na literatura). Dos iskristas da maioria afastaram-se cinco
votos (Rússov e Kárski, cada um com dois votos, e Lénski com um voto); em contrapartida, a ela se juntaram um anti-iskrista (Brúker) e três do centro (Medvédev, Egórov e Tsariov); daqui resultou
um total de 23 votos (24 - 5+4), um voto menos que o agrupamento definitivo nas eleições. A
maioria foi dada a Mártov pelos anti-iskristas, dos quais 7 eram a favor dele e um a meu favor
(sete do «centro» eram também a favor de Mártov, três a meu favor). A coligação da minoria
iskrista com os anti-iskristas e o «centro», que constituiu uma minoria compacta no fim do
congresso e depois do congresso, começava a formar-se. O erro político de Mártov e Axelrod, que
deram indubitávelmente um passo para o oportunismo e o individualismo anarquista na
formulação do § um, e sobretudo na defesa dessa fórmula, logo se revelou com particular relevo
graças à arena livre e aberta do congresso; revelou-se pelo facto de os elementos menos estáveis e
menos firmes no campo dos princípios terem lançado imediatamente todas as suas forças para
alargar a fenda, a brecha que se tinha aberto nas opiniões da social-democracia revolucionária. O
trabalho conjunto no congresso por pessoas que prosseguiam abertamente, no domínio da
organização, objectivos diferentes (ver o discurso de Akímov), levou imediatamente os adversários
de princípio do nosso plano de organização e dos nossos estatutos a apoiarem o erro dos camaradas
Mártov e Axelrod. Os iskristas, que também neste ponto se tinham mantido fiéis aos pontos de vista
da social-democracia revolucionária, encontraram-se em minoria. Esta é uma circunstância de
enorme importância, porque, sem a ter esclarecido, é absolutamente impossível compreender quer
a luta por particularidades dos estatutos, quer a luta pela composição pessoal do Órgão Central e do
Comité Central.
===Notas===
<references group = "10" />
==j) Inocentes de uma Falsa Acusão de Oportunismo==
Antes de passar à subsequente discussão sobre os estatutos é necessário, para explicar a nossa
divergência na questão da composição pessoal dos órgãos centrais, tratar de passagem das reuniões
privadas da organização do Iskra, que se realizaram durante o congresso. A última e a mais
importante dessas quatro reuniões decorreu justamente depois da votação do § um dos estatutos,
pelo que a cisão da organização do Iskra, que se verificou nessa reunião, foi cronológica e
logicamente uma condição prévia da luta que se desenrolou a seguir.
As reuniões privadas da organização do Iskra<ref group = "11">Já no congresso da Liga eu procurei expor, com a maior brevidade possível, o que sucedeu nas reuniões privadas,
para evitar discussões sem solução. Os factos fundamentais ficam também expostos na minha Carta à Redacção do
«Iskra» (p. 4). O camarada Mártov não protestou contra eles na sua Resposta. (Nota do Autor)</ref> começaram pouco depois do incidente do CO, que
forneceu um pretexto para o exame da questão das eventuais candidaturas ao CC. Subentende-se
que, dado que se suprimiram os mandatos imperativos, tais reuniões tiveram um carácter
meramente consultivo, que a ninguém obrigava, mas cuja importância foi no entanto enorme. A
eleição do CC apresentava grandes dificuldades para os delegados, que não conheciam nem os
nomes clandestinos nem o trabalho interno da organização do Iskra, organização que criou a
unidade de facto do partido e exerceu a direcção do movimento prático, o que constituiu um dos
motivos do reconhecimento oficial do Iskra. Dissemos já que os iskristas mantendo a sua unidade
tinham plenamente assegurada no congresso uma grande maioria, cerca de 3/5, e todos os delegados
o compreendiam na perfeição. Todos os iskristas esperavam precisamente que a organização do
Iskra interviesse recomendando uma determinada composição pessoal do CC, e nenhum dos
membros desta organização disse uma só palavra contra o exame prévio, no seu seio, da
composição do CC, ninguém disse uma só palavra sobre a aprovação de toda a composição do CO,
ou seja, da sua transformação em CC, nem uma palavra mesmo da realização de uma reunião,
com todos os membros do CO, para tratar dos candidatos ao CC. Também esta circunstância é
extraordinariamente característica, e importa sobremaneira tê-la em conta, porque agora os
partidários de Mártov defendem zelosamente, com data atrasada, o CO, demonstrando assim pela
centésima ou milésima vez a sua falta de carácter em política.<ref group = "11">Tentai imaginar este «quadro de costumes»: um delegado da organização do Iskra no congresso reúne-se sozinho
com ela e não diz uma única palavra a propósito da reunião com o CO. Mas depois da sua derrota tanto nesta
organização, como no congresso, põe-se a lamentar que não tenha sido confirmado o CO, a contar-lhe loas com data atrasada e a ignorar altivamente a organização que lhe tinha outorgado o mandato! Podemos garantir que não há
facto análogo na história de nenhum partido verdadeiramente social-democrata e verdadeiramente operário. (Nota
do Autor)</ref> Enquanto a cisão pela composição dos centros não unira Mártov com os Akímov, toda a gente se dava conta no congresso de uma
coisa de que qualquer pessoa imparcial poderá facilmente convencer-se pelas suas actas e por toda a
história do Iskra, a saber: que o CO era principalmente uma comissão formada para convocar o
congresso, e composta intencionalmente por representantes de diferentes matizes, incluindo o Bund;
quanto ao verdadeiro trabalho para criar a unidade orgânica do partido, era a organização do Iskra
que o tinha suportado inteiramente sobre os seus ombros (é preciso ter também em conta que
alguns membros iskristas do CO estiveram ausentes do congresso absolutamente por acaso, quer
em consequência de prisões, quer por outras circunstâncias «alheias à sua vontade»). A composição
da organização do Iskra presente no congresso já tinha sido dada na brochura do camarada
Pavlóvitch (ver a sua Carta sobre o II Congresso, p. 13 ).<ref group = "11">Os membros da organização do Iskra no II Congresso do POSDR eram 16, dos quais 9 eram partidários da maioria,
com Lénine à frente.</ref>
O resultado definitivo dos acalorados debates na organização do Iskra foram duas votações de que
já falei na Carta à Redacção. Primeira votação: «uma das candidaturas apoiadas por Mártov é
rejeitada por nove votos contra quatro e três abstenções». Parece que nada pode haver de mais
simples nem mais natural do que este facto: com o assentimento geral do total dos dezasseis
membros da organização do Iskra presentes no congresso, é debatida a questão das possíveis
candidaturas, e é rejeitada por maioria de votos uma das propostas pelo camarada Mártov
(precisamente o do camarada Stein, coisa que atirou agora para a frente, não podendo resistir mais,
o próprio camarada Mártov, p. 69 do Estado de Sítio). Porque nos tínhamos reunido em congresso
do partido justamente para discutir e resolver, entre outras, a questão de saber a quem entregar «a
batuta» do maestro, e o nosso dever geral de partido era dedicar a este ponto da ordem do dia a mais
séria atenção, resolver esta questão do ponto de vista dos interesses da causa, e não do
«sentimentalismo filistino», como justamente disse mais tarde o camarada Rússov. Claro que
aquando da discussão no congresso da questão dos candidatos era impossível deixar de falar de
certas qualidades pessoais, deixar de exprimir aprovação ou desaprovação,<ref group = "11">O camarada Mártov queixou-se amargamente na Liga da dureza da minha desaprovação, sem notar que das suas
queixas se extraía um argumento contra si próprio. Lénine comportou-se - para nos servirmos da sua expressão -
freneticamente (p. 63 das actas da Liga). Exacto. Bateu com a porta. É verdade. Com a sua conduta indignou (na
segunda ou terceira reunião da organização do Iskra) os membros que ficaram na reunião. Correcto. - Mas que se
conclui daí? Unicamente que os meus argumentos sobre o fundo das questões em disputa eram convincentes e foram
confirmados pelo desenrolar do congresso. Porque o certo é que se nove dos dezasseis membros da organização do
Iskra, no fim de contas, se aliaram a mim, é claro que isso aconteceu apesar destas asperezas malignas, a despeito
delas. Portanto, se não tivesse havido «asperezas», talvez mais de nove membros tivessem estado do meu lado.
Portanto, tanto mais convincentes eram os argumentos e os factos se tão grande foi a «indignação» que tiveram de
contrabalançar. (Nota do Autor)</ref> sobretudo numa
reunião não oficial e restrita. E eu já fiz no congresso da Liga a advertência de que era absurdo
considerar a desaprovação duma candidatura uma coisa «difamante» (p. 49 das actas da Liga); que
era absurdo fazer uma «cena» e ficar histérico em virtude daquilo que constitui o cumprimento do
estrito dever de partido no que se refere a eleger de modo consciente e cuidadoso pessoas para os
cargos. Ora, para a nossa minoria, foi a partir daqui que começou a dança: puseram-se a gritar,
depois do congresso, que se «destruía uma reputação» (p. 70 das actas da Liga), e a assegurar em
letra de forma ao grande público que o camarada Stein era a «principal figura» do antigo CO, e
que o tinham acusado sem fundamento de «não se sabe que planos infernais» (p. 69 do Estado de
Sítio). Não será histerismo gritar, por uma aprovação ou desaprovação de candidaturas, que se
«destrói uma reputação»? Não será uma querela mesquinha, quando, tendo sofrido uma derrota
tanto na reunião privada da organização do Iskra como na reunião oficial da instância suprema do
partido, no congresso, as pessoas se lamentam em frente de toda a gente e recomendam ao
respeitável público os candidatos rejeitados como «principais figuras»? quando em seguida as
pessoas tentam impor ao partido os seus candidatos através da cisão e exigindo a cooptação? Entre nós, na atmosfera bafienta do estrangeiro, as noções políticas tornaram-se de tal modo confusas que
o camarada Mártov já não sabe distinguir entre o dever de partido e o espírito de círculo e o
compadrio! Pelos vistos é burocratismo e formalismo pensar que se deve discutir e resolver a
questão das candidaturas unicamente nos congressos, em que os delegados se reúnem para tratar,
antes de tudo, de importantes questões de princípios, onde se encontram os representantes do
movimento capazes de encarar imparcialmente a questão das pessoas, e que são capazes (e devem)
exigir e recolher todas as informações sobre os candidatos antes de uma votação decisiva; onde é
natural e necessário que se dedique certo tempo às discussões sobre a batuta do maestro. Em vez
deste ponto de vista burocrático e formalista, foram introduzidos agora entre nós outros costumes:
depois dos congressos, falaremos a torto e a direito do enterro político de Ivan Ivánovitch, da
destruição da reputação de Ivan Nikíforovitch.<ref group = "11">Ivan Ivánovitch e Ivan Nikíforovitch: personagens da obra de N. V. Gógol História de como brigaram Ivan
Ivánovitch e Ivan Nikíforovitch.</ref> Haverá escritores que recomendarão os candidatos
em brochuras, afirmando farisaicamente, batendo no peito: não é um círculo, é o partido... O
público leitor que aprecia escândalos irá saborear avidamente esta novidade sensacional: fulano foi
a principal figura do CO, segundo garante o próprio Mártov.<ref group = "11">Também propus na organização do Iskra e, como Mártov, não consegui fazê-lo triunfar, um candidato para o CC, de
cuja magnífica reputação, demonstrável por factos excepcionais, teria eu podido falar antes do congresso e no início
do mesmo. Mas não está na minha ideia fazê-lo. Este camarada tem dignidade suficiente para não permitir a
ninguém, depois do congresso, propor em letra de forma a sua candidatura ou queixar-se de enterros políticos, de
destruição de reputação, etc. (Nota do Autor)</ref> Este público leitor é muito mais
capaz de discutir e resolver a questão do que instituições formalistas no género dos congressos, com
as suas decisões grosseiramente mecânicas, tomadas por maioria... Sim, os nossos verdadeiros
militantes do partido ainda terão de limpar os grande estábulos de Augias de querelas mesquinhas
no estrangeiro!
<div style='text-align: center;'>___________</div>
Segunda votação da organização do Iskra: «É adoptada por dez votos contra dois com quatro
abstenções uma lista de cinco (para o CC) em que figuram, por proposta minha, um líder dos
elementos não iskristas e um líder da minoria iskrista.»<ref group = "11">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, p. 100. (N. Ed.)</ref> Esta votação é extraordinariamente
importante, pois mostra clara e irrefutavelmente toda a falsidade das invenções surgidas depois,
numa atmosfera de querelas mesquinhas, pretendendo que queríamos expulsar do partido ou afastar
os não-iskristas, que o que a maioria fez foi escolher candidatos apenas de uma metade do
congresso e elegê-los por essa metade, etc. Tudo isto é completamente falso. A votação de que
acabo de falar prova que não afastámos os não-iskristas não só do partido, como nem sequer do CC,
e que demos aos nossos opositores uma minoria muito considerável. A verdade é que queriam ter
a maioria, e quando este modesto desejo se não realizou, desencadearam um escândalo e
renunciaram completamente a fazer parte dos centros. Que foi exactamente isto o que aconteceu, a
despeito das afirmações do camarada Mártov na Liga, é o que ressalta da carta seguinte, que nos
foi endereçada, a nós, maioria iskrista (e maioria do congresso depois da saída dos sete), pela
minoria da organização do Iskra, pouco depois da adopção do §1 dos estatutos no congresso (de
notar que a reunião da organização do Iskra de que falei foi a última: depois dela, a organização
dissolveu-se de facto, e cada uma das partes procurou convencer os outros delegados no congresso
de que tinha razão).
Eis o texto da carta:
«Depois de ter ouvido as explicações dos delegados Sorókine e Sáblina sobre o desejo da maioria
da redacção e do grupo “Emancipação do Trabalho” de participar na reunião (em tal data),<ref group = "11">Segundo meus cálculos [Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, p. 481. (N. Ed.)], a data
mencionada na carta corresponde a uma terça-feira. A reunião efectuou-se numa terça-feira à noite, ou seja, depois
da 28ª sessão do congresso. Este dado cronológico é muito importante. Ele refuta documentalmente a opinião do camarada Mártov segundo a qual nós nos teríamos separado a propósito da questão da organização dos centros, e
não da questão da sua composição pessoal. Ele mostra documentalmente a justeza da minha exposição no
congresso da Liga e na Carta à Redacção. Depois da 28ª sessão do congresso os camaradas Mártov e Starover
falam largamente de uma falsa acusação de oportunismo, e não dizem uma palavra do desacordo que se verificou
sobre a composição do Conselho ou sobre a cooptação para os centros (o que discutimos nas 25ª, 26ª e 27ª sessões).
(Nota do Autor)</ref> e depois de ter estabelecido com a ajuda desses delegados que durante a sessão anterior se tinha lido
uma lista de candidatos ao CC, lista que pretensamente partia de nós, e que foi utilizada para
caracterizar falsamente toda a nossa posição política; considerando que, em primeiro lugar, esta
lista nos foi atribuída sem que se tenha feito qualquer tentativa para verificar a sua origem; que, em
segundo lugar, esta circunstância está indubitavelmente ligada à acusação de oportunismo
abertamente difundida contra a maioria da redacção do Iskra e do grupo “Emancipação do
Trabalho”; e que, em terceiro lugar, a ligação desta acusação com um plano perfeitamente
determinado para modificar a composição da redacção do “Iskra” nos surge agora com toda a
clareza, consideramos insatisfatórias as razões invocadas para não nos admitirem na reunião, e o
não terem querido deixar-nos assistir a ela mostra que não querem dar-nos a possibilidade de refutar
as falsas acusações acima mencionadas.
« No que se refere a um possível acordo entre nós sobre uma lista comum de candidatos para o CC,
declaramos que a única lista que podemos aceitar como base de acordo é esta: Popov, Trótski,
Glébov, sublinhando que esta lista tem um carácter de compromisso, porque a inclusão nela do
camarada Glébov não significa senão uma concessão aos desejos da maioria, já que, depois de
termos esclarecido o papel desempenhado pelo camarada Glébov no congresso, não consideramos
que o camarada Glébov corresponda àquilo que se deve exigir de um candidato ao CC.
«Sublinhamos ao mesmo tempo que ao iniciar negociações sobre as candidaturas ao CC fazemo-lo
sem que isso tenha alguma relação com a questão da composição da redacção do OC, porque não
estamos dispostos a iniciar quaisquer negociações sobre esta questão (composição da redacção).
Pelos camaradas, Mártov e Starover»
Esta carta, que reproduz fielmente as disposições de espírito das partes em disputa assim como o
estado da discussão, introduz-nos imediatamente «no coração» da cisão que se iniciava e mostra as
suas verdadeiras causas. A minoria da organização do Iskra, recusando o acordo com a maioria e
preferindo a livre agitação no congresso (tendo evidentemente pleno direito a isso) tenta todavia
obter dos «delegados» da maioria que a admitam numa sua reunião privada! Claro que esta
divertida exigência apenas provocou na nossa reunião (é claro, a carta foi lida aí) sorrisos e encolher
de ombros; quanto aos gritos próximos da histeria por causa das «falsas acusações de oportunismo»,
provocaram o riso aberto. Mas analisemos primeiro, ponto por ponto, as amargas queixas de Mártov
e de Starover.
Atribui-se-lhes falsamente a lista; caracteriza-se falsamente a sua posição política. No entanto,
segundo reconhece o próprio Mártov (p. 64 das actas da Liga), não me passou pela cabeça pôr em
dúvida a sua afirmação de que não é o autor da lista. Em geral, a questão de saber quem é o autor
dela não tem nada que ver com o caso, e que a lista tenha sido elaborada por um iskrista ou por um
representante do «centro», etc., isso não tem qualquer importância. O importante é que esta lista,
inteiramente composta por elementos da actual minoria, circulou no congresso, ainda que como
simples conjectura ou hipótese. Por fim, o mais importante é que o camarada Mártov viu-se
obrigado no congresso a renegar com todas as suas forças uma lista que agora teria de aceitar com
entusiasmo. Não seria possível fazer ressaltar mais fortemente a instabilidade na apreciação dos
homens e dos matizes do que neste salto efectuado em cerca de dois meses, dos gritos sobre os
«boatos difamantes» à vontade de impor ao partido para o centro esses mesmos candidatos da lista que se dizia difamante!<ref group = "11">As linhas precedentes estavam já compostas quando recebemos notícias do incidente do camarada Gússev e do
camarada Deutsch. Analisaremos este incidente separadamente, no anexo. (Nota do Autor)</ref>
Esta lista, dizia o camarada Mártov no congresso da Liga, «significava, do ponto de vista político,
uma coligação entre nós e o Iújni Rabótchi, por um lado, e o Bund, por outro, coligação no sentido
de um acordo directo» (p. 64). Isto é falso, porque, primeiro, o Bund não teria aceitado nunca um
«acordo» sobre uma lista em que não figurava um único bundista; e segundo, não se tratava, nem
podia tratar-se, de qualquer acordo directo (que parecia difamante a Mártov) não só com o Bund,
mas até com o grupo Iújni Rabótchi. Justamente, tratava-se não de um acordo, mas de uma
coligação; não do facto de o camarada Mártov fazer uma combinação, mas do facto de ele ter que
ser inevitavelmente apoiado por esses mesmos elementos anti-iskristas e hesitantes, contra os
quais tinha lutado durante a primeira metade do congresso e que se tinham agarrado ao seu erro
sobre o §1 dos estatutos. A carta que citei mostra, da forma mais incontestável, que a raiz da
«ofensa» reside justamente na acusação de oportunismo aberta e ainda por cima falsa. Estas
«acusações», pelas quais começou toda a dança, e que o camarada Mártov tão cuidadosamente
agora procura eludir, a despeito de eu as ter recordado na Carta à Redacção, eram de duas
espécies: primeiro, durante os debates sobre o §1 dos estatutos, Plekhánov disse claramente que a
questão do §1 visava «separar» de nós «toda a espécie de representantes do oportunismo», e que a
favor do meu projecto, como garantia contra a invasão do partido por estes, «deviam votar, nem que
fosse apenas por este facto, todos os inimigos do oportunismo» (p. 246 das actas do congresso).
Estas palavras enérgicas, apesar de eu as ter suavizado um pouco (p. 250),<ref group = "11">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 288. (N. Ed.)</ref> fizeram sensação, o que
se expressou nitidamente nos discursos dos camaradas Rússov (p. 247), Trótski (p. 248) e Akímov
(p. 253). Nos «corredores» do nosso «parlamento», a tese de Plekhánov foi vivamente comentada e
apresentada de mil maneiras em controvérsias intermináveis relativas ao §1. E eis que, em vez de se
defenderem quanto ao fundo, os nossos queridos camaradas pretenderam-se ridiculamente
ofendidos e chegaram a queixar-se por escrito de uma «falsa acusação de oportunismo»!
Uma psicologia própria de círculos e uma assombrosa falta de maturidade de partido, que não pode
suportar a aragem fresca de um debate público diante de todos, evidenciam-se aqui com toda a
clareza. É essa psicologia tão conhecida do homem russo, que se exprime por um velho adágio: ou
um soco ou um beijo na mão! As pessoas estão de tal modo habituadas à redoma de um estreito e
amistoso compadrio, que desmaiam à primeira intervenção, sob sua própria responsabilidade, numa
arena livre e aberta. Acusar de oportunismo, mas então quem? O grupo «Emancipação do Trabalho»
e ainda por cima a sua maioria - imaginem este horror! Ou a cisão do partido por causa desta ofensa
inapagável, ou abafar este «aborrecimento de família» restabelecendo «a continuidade» da redoma -
este dilema transparece já com traços bastante determinados na carta que estamos a analisar. A
psicologia do individualismo intelectual e do espírito de círculo chocou com a exigência de uma
intervenção aberta perante o partido. Imaginem se é possível um absurdo semelhante, uma querela
como a queixa contra uma «falsa acusação de oportunismo», no partido alemão! A organização e a
disciplina proletárias há muito tempo que aí fizeram esquecer esta falta de firmeza própria de
intelectuais. Ninguém sente senão profundo respeito por Liebknecht, por exemplo; mas como
teriam rido aí da queixa de que o tinham «acusado abertamente de oportunismo» (juntamente com
Bebel) no congresso de 1895,<ref group = "11">O congresso da social-democracia alemã de 1895 efectuou-se em Breslau (actualmente Wroclaw, cidade polaca) de
6 a 12 de Outubro. No centro da atenção do congresso estava a discussão do projecto do programa agrário proposto
pela comissão agrária que foi criada por decisão do Congresso de Frankfurt de 1894. O projecto de programa agrário
continha sérios erros, nomeadamente a tendência que nele se manifestava de transformar o partido proletário num
partido «de todo o povo ». Este projecto era defendido, além dos oportunistas, também por A. Bebel e W.
Liebknecht, pelo que foram criticados no congresso pelos camaradas do partido. O projecto do programa agrário foi
submetido no congresso a uma crítica severa por K. Kautsky, C. Zetkin e por vários outros sociais-democratas. O
congresso, por maioria de votos (158 contra 63), rejeitou o projecto de programa agrário apresentado pela comissão.</ref> quando a propósito da questão agrária se encontrou na má
companhia do conhecido oportunista Vollmar e dos seus amigos. O nome de Liebknecht está indissoluvelmente ligado à história do movimento operário alemão, não, claro, porque Liebknecht
se tenha desviado para o oportunismo numa questão relativamente secundária e particular, mas
apesar disso. Do mesmo modo, apesar de todas as irritações da luta, o nome do camarada Axelrod,
por exemplo, inspira e inspirará sempre respeito a todo o social-democrata russo, mas não porque o
camarada Axelrod tenha defendido uma ideiazinha oportunista no segundo congresso do nosso
partido, nem porque tenha exumado o velho lixo anarquista no segundo congresso da Liga, mas
apesar disso. Só o espírito de círculo mais endurecido, com a sua lógica - ou um soco, ou um beijo
na mão -, pôde desencadear este histerismo, estas querelas mesquinhas e uma cisão do partido por
causa de uma «falsa acusação de oportunismo contra a maioria do grupo “Emancipação do
Trabalho”».
O outro elemento desta terrível acusação está estreitamente ligado ao anterior [o camarada Mártov
esforçou-se em vão, no congresso da Liga (p. 63), por contornar e dissimular um dos aspectos deste
incidente]. Este argumento está relacionado com a coligação dos elementos anti-iskristas e
hesitantes com o camarada Mártov, coligação que se esboçou a propósito da questão do § l dos
estatutos. Não é preciso dizer que não se tratava, e nem podia tratar-se, de nenhum acordo directo
ou indirecto entre o camarada Mártov e os anti-iskristas, e ninguém o suspeitava disso: apenas o
medo o fez crer isto. Mas o seu erro revelou-se politicamente no facto de que as pessoas que
indubitavelmente tendiam para o oportunismo começaram a constituir à sua volta uma maioria cada
vez mais sólida e «compacta» (que agora se tornou minoria devido apenas à saída «acidental» de
sete delegados). Chamámos a atenção para esta «coligação», claro está, também abertamente, logo
após os debates sobre o §1, tanto no congresso (ver a observação acima transcrita do camarada
Pavlóvitch, p. 255 das actas do congresso) como na organização do Iskra (foi sobretudo Plekhánov
que assinalou isso, se não me engano). Literalmente, é a mesma indicação e a mesma troça que
visavam Bebel e Liebknecht em 1895, quando Zetkin lhes disse: «Es tut mir in der Seele weh, dass
ich dich in der Gesellschaft seh'» (Lamento ver-te - a Bebel - nessa companhia, ou seja, com
Vollmar e Cª).<ref group = "11">C. Zetkin citou de memória, na sua intervenção no congresso da social-democracia alemã, as palavras de Margarida,
do Fausto de Goethe (Margarida reprova Fausto pela sua amizade por Mefistófeles).</ref> É verdadeiramente estranho que Bebel e Liebknecht não tenham então enviado a
Kautsky e a Zetkin uma mensagem histérica sobre uma falsa acusação de oportunismo...
Quanto à lista dos candidatos ao CC, esta carta mostra o erro do camarada Mártov, que afirmou na
Liga que a recusa de chegar a um acordo connosco não era ainda definitiva; isso prova, uma vez
mais, como é pouco razoável na luta política querer reproduzir de memória conversas, em vez de
consultar documentos. Na realidade, a «minoria» foi modesta a ponto de apresentar à «maioria» um
ultimato: designar dois representantes da «minoria» e um da «maioria» (a título de compromisso e
unicamente, na verdade, como concessão!). É monstruoso, mas é um facto. E este facto mostra
claramente até que ponto é uma invenção tudo o que agora se diz de que o que a maioria fez foi
escolher candidatos apenas de uma metade do congresso e elegê-los por essa metade. É justamente
o contrário: os partidários de Mártov propunham-nos, apenas a título de concessão, um dos três,
desejando, por conseguinte, no caso de não aceitarmos esta original «concessão», introduzir todos
os seus! Na nossa reunião privada, rimo-nos da modéstia dos martovistas e elaborámos a nossa lista:
Glébov - Travínski (mais tarde eleito para o CC) – Popov. Substituímos este último (também numa
reunião privada dos 24) pelo camarada Vassíliev (eleito depois para o CC), unicamente porque o
camarada Popov se recusou a figurar na nossa lista; recusou-se primeiro numa conversa privada, e
depois abertamente no congresso (p. 338
'''Foi isto que se passou.'''
A modesta «minoria» desejava modestamente estar em maioria. Quando este modesto desejo não
foi satisfeito, a «minoria» preferiu renunciar completamente e desencadear um escandalozinho. E há
agora pessoas que falam com uma majestosa condescendência da «intransigência» da «maioria»!
A «minoria» apresentou divertidos ultimatos à «maioria» fazendo uma campanha pela livre agitação
no congresso. Depois de ter sofrido uma derrota, os nossos heróis desataram a chorar e a gritar
sobre o estado de sítio. Voilà tout.<ref group = "11">Eis tudo. (N. Ed.)</ref>
A terrível acusação segundo a qual nos propúnhamos modificar a composição da redacção, nós
(reunião privada dos 24) acolhemo-la igualmente com um sorriso: toda a gente conhecia bem, desde
o próprio início do congresso, e mesmo antes dele, que existia um plano de renovar a redacção pela
eleição de um grupo de três inicial (falarei disto com mais pormenor quando tratar da eleição da
redacção no congresso). Que a «minoria» se tenha assustado com este plano, depois de ter
verificado que a coligação da «minoria» com os anti-iskristas era uma excelente confirmação da
justeza desse plano - isso não nos espantou, era perfeitamente natural. Não podíamos, é claro, tomar
a sério a proposta de nos transformarmos de livre vontade em minoria, antes da luta no congresso;
nem podíamos tomar a sério toda a carta, cujos autores tinham atingido um grau de irritação
inacreditável, a ponto de falarem de «falsas acusações de oportunismo». Tínhamos firme confiança
de que o seu sentido do dever de partido bem depressa triunfaria do desejo natural de «descarregar a
raiva».
===Notas===
<references group = "11" />
==l) Continuação dos Debates Sobre os Estatutos. Composição do Conselho==
Os pontos seguintes dos estatutos suscitaram muito mais controvérsias sobre pormenores do que
sobre princípios de organização. A 24ª sessão do congresso foi inteiramente consagrada à questão
da representação nos congressos do partido, e mais uma vez foi travada uma decidida e firme
batalha contra os planos comuns a todos os iskristas apenas pelos bundistas (Goldblat e Líber, pp.
258-259) e pelo camarada Akímov, que, com meritória franqueza, reconheceu o seu papel no
congresso: «sempre que uso da palavra, tenho plena consciência de que com os meus argumentos
não terei influência sobre os camaradas; pelo contrário, prejudicarei o ponto que defendo» (p. 261).
Esta justa observação foi particularmente oportuna logo após a discussão do §1 dos estatutos;
simplesmente, a expressão «pelo contrário» não está muito bem aqui, visto que o camarada Âkímov
sabia não só prejudicar certos pontos, mas ao mesmo tempo, e por isso, «influenciar os
camaradas»... entre os iskristas de espírito muito pouco consequente, inclinados à fraseologia
oportunista.
No conjunto, o §3 dos estatutos, que fixa as condições de representação no congresso, foi aprovado
por maioria, com 7 abstenções (p. 263), pertencentes sem dúvida ao número dos anti-iskristas.
O debate sobre a composição do Conselho, que ocupou a maior parte da 25ª sessão do congresso,
mostrou a extrema fragmentação dos argumentos em torno de um enorme número de projectos.
Abramson e Tsariov rejeitaram totalmente o plano do Conselho. Pánine insistiu em querer fazer do
Conselho exclusivamente um tribunal de arbitragem, e por isso, com perfeita consequência, propôs
que se suprimisse a definição de que o Conselho é o organismo superior que pode ser convocado
por dois dos seus membros.<ref group = "12">O camarada Starover inclinava-se também, pelos vistos, para o ponto de vista do camarada Pánine, com a única
diferença de que este último sabia o que queria, e, com toda a consequência, propunha resoluções que convertiam o
Conselho em organismo puramente arbitral, de conciliação, enquanto o camarada Starover não sabia o que queria ao
dizer que, segundo o projecto, o Conselho devia reunir-se «apenas quando o desejassem as partes» (p. 266). Isto é
francamente inexacto. (Nota do Autor)</ref>
Herz e Rússov defenderam diferentes modos de constituição do Conselho, além dos três modos
propostos pelos cinco membros da comissão dos estatutos.
As questões em discussão resumiam-se antes de mais à definição das funções do Conselho: tribunal
de arbitragem ou organismo superior do partido? O camarada Pánine, como já disse, pronunciava-se
consequentemente pela primeira. Mas estava sozinho. O camarada Mártov pronunciou-se
vigorosamente contra: «Proponho a rejeição da proposta que pretende eliminar as palavras: “O
Conselho é o organismo superior”; a nossa formulação (ou seja, a formulação das funções do
Conselho, sobre a qual tínhamos chegado a acordo na comissão dos estatutos) deixa
intencionalmente a possibilidade de o Conselho se transformar no organismo superior do partido.
Para nós, o Conselho não é apenas um organismo de conciliação.» Mas a composição do Conselho,
segundo o projecto do camarada Mártov, correspondia inteira e exclusivamente ao carácter de
«organismo de conciliação» ou tribunal de arbitragem: dois membros de cada um dos dois centros e
um quinto convidado por estes quatro. Não só tal composição do Conselho, mas também a adoptada
pelo congresso, sob proposta dos camaradas Rússov e Herz (o quinto membro é designado pelo
congresso), correspondem exclusivamente a objectivos de conciliação ou de mediação. Entre esta
composição do Conselho e a sua missão de converter-se em organismo superior do partido há uma
contradição irredutível. O organismo superior do partido deve ter uma composição constante, e não
depender de mudanças fortuitas (por vezes devido a prisões) da composição dos centros. O
organismo superior deve estar em relação directa com o congresso do partido, de quem receberá os
seus poderes, e não de dois outros organismos do partido subordinados ao congresso. O organismo
superior deve ser composto por pessoas conhecidas pelo congresso do partido. Por fim, o organismo
superior não pode ser organizado de maneira que a sua própria existência dependa do acaso: se
os dois organismos colectivos não chegam a acordo para escolher um quinto membro, o partido fica
sem organismo superior! A isto objectou-se: 1) que se um dos cinco se abstém e os outros quatro se
dividem em dois grupos, a situação pode igualmente não ter saída (Egórov). Esta objecção carece
de fundamento, porque a impossibilidade de tomar uma decisão é por vezes inevitável para
qualquer organismo colectivo, mas isso é totalmente diferente da impossibilidade de constituir um
organismo colectivo. Segunda objecção: «Se um organismo como o Conselho não é capaz de
escolher o seu quinto membro, isso quer dizer que ele é incapaz de actuar em geral» (Zassúlitch).
Mas não se trata aqui de que o organismo superior não seja capaz de actuar, mas de que este não
existe: sem um quinto membro, não haverá Conselho algum, não haverá «organismo» algum e
nem se poderá falar da sua capacidade de actuar. Por fim, ainda seria um mal remediável se se
pudesse dar o caso de não se constituir um organismo colectivo do partido acima do qual haja outro
organismo colectivo superior, pois então este organismo colectivo superior poderia sempre, em
casos extraordinários, preencher a lacuna, de um modo ou de outro. Mas acima do Conselho não
existe organismo colectivo algum, a não ser o congresso, e, por consequência, deixar nos estatutos
uma possibilidade de não se poder nem sequer constituir o Conselho seria uma evidente falta de
lógica.
As minhas duas breves intervenções no congresso sobre esta questão foram consagradas
unicamente à análise (pp. 267 e 269)<ref group = "12">er V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed, em russo, t. 7, p. 292. (N. Ed.)</ref> destas duas objecções erradas, com as quais o projecto de
Mártov foi defendido por ele próprio e outros camaradas. Quanto ao predomínio do OC ou do CC
no Conselho, nem sequer lhe toquei. Esta questão foi levantada, pela primeira vez, no sentido de
chamar a atenção para o perigo de predomínio do OC, pelo camarada Akímov já na 14ª sessão do
congresso (p. 157), e foi só Akímov que os camaradas Mártov, Axelrod e outros seguiram, depois
do congresso, lançando a história absurda e demagógica segundo a qual a «maioria» queria
transformar o CC num instrumento da redacção. Analisando esta questão no seu Estado de Sítio, o
camarada Mártov, modestamente, omitiu o seu verdadeiro iniciador!
Quem quiser tomar conhecimento, com todos os pormenores, da forma como foi posto o problema
do predomínio do OC sobre o CC no congresso do partido, em vez de se limitar às citações
desligadas do contexto, dar-se-á facilmente conta de que o camarada Mártov deturpa as coisas. Já na
14ª sessão não foi outro senão o camarada Popov que começou por polemizar contra os pontos de vista do camarada Akímov que queria «defender na cúpula do partido “a mais estrita
centralização”» para restringir a influência do OC (p. 154, sublinhado por mim), «que é no que
realmente consiste o sentido deste sistema (de Akímov)». «Longe de defender tal centralização,
acrescenta o camarada Popov, estou pronto a combatê-la de todas as maneiras, porque ela é a
bandeira do oportunismo.» É esta a raiz da famosa questão do predomínio do OC sobre o CC, e
não é de admirar que o camarada Mártov seja agora obrigado a silenciar a verdadeira origem deste
problema. Até o camarada Popov não podia deixar de se aperceber do carácter oportunista das
dissertações de Akímov sobre o predomínio do OC<ref group = "12">Nem o camarada Popov, nem o camarada Mártov, se importavam de chamar oportunista ao camarada Akímov, e só
começaram a zangar-se e a indignar-se no momento em que se aplicou esse nome a eles próprios, muito justamente
de resto, a propósito da «igualdade de direitos das línguas» ou do § 1. O camarada Akímov, cujos passos o camarada
Mártov seguiu, soube no entanto comportar-se no congresso do partido com mais dignidade e mais coragem do que
o camarada Mártov e Cª no congresso da Liga. «Chamam-me aqui oportunista - dizia o camarada Akímov no
congresso do partido -; quanto a mim, acho que é um termo insultuoso, uma injúria, e penso não o ter merecido de
modo nenhum; contudo não protesto» (p. 296). Talvez os camaradas Mártov e Starover tenham convidado o
camarada Akímov a subscrever o seu protesto contra a falsa acusação de oportunismo, e o camarada Akímov
recusou? (Nota do Autor)</ref> e, para estabelecer uma distinção bem clara
entre si e o camarada Akímov, o camarada Popov declarava categoricamente: «Pouco importa que
este centro (o Conselho) seja composto por três membros da redacção e dois membros do CC. É
uma questão secundária (sublinhado por mim), o importante é que a direcção, a direcção suprema
do partido, emane de uma única fonte» (p. 155). O camarada Akímov objecta: «O projecto concede
ao OC o predomínio no Conselho, quanto mais não seja porque a composição da redacção é
permanente, enquanto a do CC é variável» (p. 157), argumento que se refere apenas ao «carácter
permanente» da direcção no terreno dos princípios (facto normal e desejável), mas de modo
nenhum ao «predomínio» no sentido de uma ingerência ou de um atentado à autonomia. E o
camarada Popov, que então não pertencia ainda à «minoria», a qual cobre o seu descontentamento
com a composição dos centros com mexericos sobre a falta de independência do CC, responde ao
camarada Akímov de modo muito razoável: «Eu proponho considerá-lo (o Conselho) o centro
directivo do partido, e então a questão de saber se o Conselho é composto por maior número de
representantes do OC ou do CC não terá qualquer importância» (pp. 157-158. Sublinhado por
mim).
Quando se voltou a tratar da composição do Conselho na 25ª sessão, o camarada Pavlóvitch,
prosseguindo os velhos debates, declara-se pelo predomínio do OC sobre o CC «dada a estabilidade
do primeiro» (p. 264), entendendo por isso a estabilidade no domínio dos princípios, como também
o entendeu o camarada Mártov que, tomando a palavra imediatamente depois do camarada
Pavlóvitch, considerou desnecessário «estabelecer o predomínio de um organismo sobre outro» e
indicou a possibilidade de um dos membros do CC residir no estrangeiro: «o que conservará até
certo ponto a estabilidade no CC no plano dos princípios» (264). Aqui não há ainda nem sombra de
confusão demagógica da questão relativa à estabilidade dos princípios e à sua salvaguarda com a
salvaguarda da autonomia e da independência do CC. Esta confusão, que se tornou depois do
congresso o principal trunfo, ou quase, do camarada Mártov, só a defendeu com empenho no
congresso o camarada Akímov, que já nesse momento falava «do espírito de Araktchéiev dos
estatutos» (268), que «se no Conselho do partido houver três membros do OC, o CC tornar-se-
á um simples instrumento da vontade da redacção (sublinhado por mim). Três pessoas residentes
no estrangeiro receberão poderes ilimitados (!!) para dispor do trabalho de todo (!!) o partido. Ficam
salvaguardados no sentido da sua segurança pessoal e por isso o seu poder é vitalício» (268). Foi
contra estas frases absolutamente absurdas e demagógicas, que substituem uma direcção ideológica
pela ingerência no trabalho de todo o partido (e que depois do congresso forneceram uma
palavra de ordem barata ao camarada Axelrod para os seus discursos sobre a «teocracia»), foi
contra isto que protestou novamente o camarada Pavlóvitch, sublinhando que era «a favor da
estabilidade e da pureza dos princípios que o Iskra representa. Dando predomínio à redacção do
Órgão Central fortaleço assim estes princípios» (268)
Eis como de facto se põe a questão do famoso predomínio do OC sobre o CC. Esta memorável
«divergência de princípio» dos camaradas Axelrod e Mártov mais não é que a repetição das frases
oportunistas e demagógicas do camarada Akímov, frases de cujo verdadeiro carácter até o
camarada Popov se apercebera claramente, quando ainda não tinha sofrido a derrota no que se
refere à composição dos centros!
<div style='text-align: center;'>* * *</div>
Balanço da questão da composição do Conselho: a despeito das tentativas do camarada Mártov para
provar no seu Estado de Sítio que a minha exposição na Carta à Redacção é contraditória e errada,
as actas do congresso mostram claramente que, em comparação com o §1, esta questão, de facto, é
apenas um pormenor e que era verdadeira deformação total da verdade a declaração feita no
artigo O Nosso Congresso (n.° 53 do Iskra) de que tínhamos discutido «quase exclusivamente» a
constituição dos organismos centrais do partido. Deformação tanto mais chocante quanto o autor do
artigo ignorou completamente os debates sobre o §1. Além disso, as actas mostram ainda que não
havia um agrupamento determinado dos iskristas sobre a questão da composição do Conselho: não
há votações nominais, Mártov separa-se de Pánine, eu estou de acordo com Popov, Egórov e
Gússev mantém-se à parte, etc. Enfim, a minha última afirmação (no congresso da «Liga da Social-
Democracia Revolucionária Russa no Estrangeiro») de que se consolidava a coligação dos
partidários de Mártov e dos anti-iskristas é igualmente confirmada pela viragem, hoje clara para
todos, efectuada pelos camaradas Mártov e Axelrod a favor de Akímov também nesta questão.
===Notas===
<references group = "12"/>
==m) Conclusão dos Debates Sobre o Estatuto. Cooptação Para os Centros. Saída dos Delegados da «Rabótcheie Dielo»==
Dos debates posteriores sobre os estatutos (26ª sessão do congresso), é digna de menção somente a
questão relativa à limitação dos poderes do Comité Central, questão que lança luz sobre o carácter
dos ataques actuais dos martovistas ao hipercentralismo. Os camaradas Egórov e Popov tendiam a
limitar o centralismo com um pouco mais de convicção, independentemente da sua candidatura
própria ou da que propunham. Já na comissão dos estatutos eles tinham proposto que se limitasse o
direito do CC de dissolver os comités locais exigindo a concordância do Conselho, e, mais ainda,
limitando-o a uma série de casos expressamente enumerados (p. 272, nota 1). Três membros da
comissão dos estatutos (Glébov, Mártov e eu) declararam-se contra, e o camarada Mártov defendeu
a nossa opinião no congresso (p. 273) respondendo a Egórov e Popov que «o CC não deixaria de
discutir mesmo assim antes de tomar uma decisão tão grave como a dissolução de uma
organização». Como vedes, naquele momento o camarada Mártov ainda estava surdo a todas as
pretensões anticentralistas, e o congresso rejeitou a proposta de Egórov e Popov; infelizmente, as
actas não nos dizem por quantos votos.
No congresso do partido, o camarada Mártov declarou-se igualmente «contra a substituição da
palavra organiza (o CC organiza comités, etc., no § 6 dos estatutos do partido) pela palavra
confirma. Também é preciso conferir o direito de organizar», dizia então o camarada Mártov, que
ainda não tinha tido a maravilhosa ideia, que só descobriu no congresso da Liga, de que confirmar
não cabe no conceito de «organizar».
À parte estes dois pontos, dificilmente se encontrará qualquer interesse no resto dos debates já
totalmente dedicados a questões de pormenor relativas aos §§ 5-11 dos estatutos (pp. 273-276 das
actas). O parágrafo 12 é relativo à cooptação em todos os organismos colectivos do partido em
geral, e nos centros em particular. A comissão propõe que se aumente a maioria qualificada
necessária à cooptação de 2/3 para 4/5. Ò relator (Glébov) propõe a cooptação por unanimidade
para o CC. O camarada Egórov, considerando indesejáveis as fricções, declara-se a favor de uma
simples maioria, na ausência de um veto fundamentado. O camarada Popov não está de acordo nem
com a comissão nem com o camarada Egórov, e exige uma simples maioria (sem direito de veto) ou
a unanimidade. O camarada Mártov não está de acordo com a comissão, nem com Glébov, nem
com Egórov, nem com Popov; pronuncia-se contra a unanimidade, contra os 4/5 (a favor dos 2/3),
contra a «cooptação recíproca», isto é, contra o direito da redacção do OC de protestar contra
a cooptação no CC e vice-versa («o direito de controlo recíproco sobre a cooptação»).
Como o leitor vê, surge o agrupamento mais variado, e as divergências fragmentam-se quase ao
ponto de chegar a particularidades «pessoais» no ponto de vista de cada delegado!
O camarada Mártov diz: «Reconheço a impossibilidade psicológica de trabalhar com pessoas
desagradáveis. Mas a nós importa-nos igualmente que a nossa organização seja viva e tenha
capacidade de actuar.... Em caso de cooptação, o direito de controlo recíproco do CC e da redacção
do OC não é necessário. Se sou contra, não é porque pense que um possa ser incompetente na
jurisdição do outro. Não! A redacção do OC, por exemplo, poderia dar ao CC um bom conselho: se
convinha, por exemplo, admitir o senhor Nadéjdine no CC. Protesto porque não quero que se crie
uma série de trâmites que produzam irritação recíproca.»
Eu objectei-lhe: «Temos aqui duas questões. A primeira é relativa à maioria qualificada, e sou
contra a proposta de baixá-la de 4/5 para 2/3. Admitir um protesto fundamentado não é razoável, e
sou contra. A segunda questão, relativa ao direito de controlo recíproco do CC e do OC sobre a
cooptação é muitíssimo mais importante. O acordo recíproco dos dois centros é condição
indispensável de harmonia. Trata-se aqui da ruptura entre os dois centros. Quem não quiser a cisão
tem que velar para que haja harmonia. A vida do partido ensina-nos que houve pessoas que
semearam a cisão. E uma questão de princípio, uma questão importante, de que pode depender todo
o futuro do partido» (276-277).<ref group = "12">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 293. (N. Ed.)</ref> Este é o texto integral do resumo feito no congresso do meu
discurso, ao qual Mártov atribui uma importância particularmente séria. Infelizmente, embora
atribuindo-lhe essa importância, ele não se deu ao trabalho de a ligar a todos os debates e a toda a
situação política do congresso na ocasião em que foi pronunciado este discurso.
Em primeiro lugar, cabe perguntar: porque é que no meu projecto inicial (ver p. 394, §11)<ref group = "12">Ver ibidem, p. 257. (N. Ed.)</ref> me
limitei aos 2/3 e não exigia o controlo recíproco sobre a cooptação para os centros? O camarada
Trótski, que falou depois de mim (p. 277), levantou imediatamente esta questão.
O meu discurso no congresso da Liga e a carta do camarada Pavlóvitch sobre o II congresso
respondem a esta pergunta. O §1 dos estatutos «quebrou o vaso», e havia que amarrá-lo com um
«nó duplo», dizia eu no congresso da Liga. Isso significava em primeiro lugar que, a propósito de
uma questão puramente teórica, Mártov se revelou oportunista, e que o seu erro tinha sido
defendido por Líber e Akímov. Isso significava, em segundo lugar, que a coligação dos martovistas
(ou seja, de uma insignificante minoria dos iskristas) com os anti-iskristas lhes dava a maioria no
congresso na votação da composição pessoal dos centros. E eu falava então precisamente da
composição pessoal dos centros, sublinhando a necessidade de harmonia e advertindo contra as
«pessoas que semeavam a cisão». Esta advertência tomou com efeito uma grande importância de
princípio, porque a organização do Iskra (mais competente, sem dúvida, quanto à composição
pessoal dos centros, visto que conhece mais de perto todos os assuntos na prática e todos os
candidatos), já tinha emitido o seu voto consultivo sobre esta questão e tinha tomado a decisão que
conhecemos sobre as candidaturas que lhe provocavam receios. Tanto do ponto de vista moral como
no que se refere à essência do assunto (ou seja, quanto à competência daquele que decide), a
organização do Iskra devia desempenhar um papel decisivo nesta questão tão delicada. Mas
formalmente o camarada Mártov tinha sem dúvida todo o direito de apelar para os Líber e os Akímov, contra a maioria da organização do Iskra. E no seu brilhante discurso sobre o §1, o
camarada Akímov disse em termos notavelmente claros e inteligentes que, quando constata entre os
iskristas um desacordo sobre os meios de atingir o seu objectivo comum, iskrista, vota
conscientemente e de propósito a favor do pior meio, visto que os objectivos dele, Akímov, são
diametralmente opostos aos dos iskristas. Era pois fora de dúvida que, mesmo independentemente
da vontade e da consciência do camarada Mártov, seria precisamente a pior composição pessoal
dos centros que obteria o apoio dos Líber e dos Akímov. Eles podem votar, eles devem votar (a
julgar não pelas suas palavras, mas pelos seus actos, pelo seu voto sobre o §1), precisamente a favor
da lista que pudesse prometer a presença de «pessoas que semeassem a cisão», votar precisamente
para «semear a cisão». Será para admirar que, perante tal situação, eu tenha falado de uma
importante questão de princípio (harmonia dos dois centros) de que podia depender todo o futuro do
partido?
Nenhum social-democrata minimamente a par das ideias e dos planos iskristas e da história do
movimento, que partilhasse com alguma sinceridade estas ideias, podia duvidar um só momento de
que a solução, pelos Líber e pelos Akímov, do debate no seio da organização do Iskra sobre a
composição pessoal dos centros era formalmente justa, mas assegurava os piores resultados
possíveis. Era imperioso lutar contra estes piores resultados possíveis.
Põe-se a questão: como lutar? Não foi pela histeria nem pelos escandalozinhos, bem entendido, que
nós lutámos, mas por meios perfeitamente leais e perfeitamente legítimos: compreendendo que
estávamos em minoria (do mesmo modo que no § 1), pedimos ao Congresso que salvaguardasse
os direitos da minoria. Quer se tratasse duma maior severidade quanto à qualificação na admissão
dos membros (os 4/5 em vez dos 2/3), ou da unanimidade na cooptação, ou do controlo recíproco
sobre a cooptação para os centros, defendemos tudo isto quando nos vimos em minoria na
questão da composição pessoal dos centros. Este facto é constantemente ignorado pelos Joões e
os Pedros, que gostam de falar e dar opiniões sobre o congresso irreflectidamente, depois de duas
ou três conversas entre amigos, sem um estudo sério de todas as actas e de todos os «testemunhos»
das pessoas interessadas. E quem quiser estudar com consciência estas actas e estes testemunhos
chegará infalivelmente ao facto que indiquei: a raiz da discussão neste momento do congresso
estava precisamente no problema da composição pessoal dos centros, e nós procurávamos
conseguir condições mais rigorosas de controlo, justamente porque estávamos em minoria e
queríamos «amarrar com nó duplo o vaso» quebrado por Mártov com alegria e com a alegre
participação dos Líber e dos Akímov.
«Se assim não fosse - diz o camarada Pavlóvitch evocando esse momento do congresso - apenas
restaria supor que, ao propor o ponto da unanimidade na cooptação, estaríamos a cuidar dos
interesses dos nossos adversários, porque, para o partido dominante em qualquer organismo, a
unanimidade é não só inútil, mas até desvantajosa» (p. 14 da Carta sobre o II Congresso). Mas
actualmente esquece-se demasiadas vezes a cronologia dos factos, esquece-se que durante todo
um período do congresso a actual minoria era maioria (graças à participação dos Líber e dos
Akímov), que é precisamente a este período que corresponde o debate da cooptação para os centros,
debate cuja razão subjacente era a divergência na organização do Iskra sobre a composição pessoal
dos centros. Quem se der conta deste facto compreenderá também a paixão dos nossos debates e já
não se admirará desta contradição aparente, em que pequenas divergências de pormenor fazem
surgir questões verdadeiramente importantes, questões de princípio.
O camarada Deutsch, que usou da palavra na mesma sessão (p. 277) tinha bastante razão quando
declarou: «Sem dúvida que esta proposta está calculada para o momento actual». De facto, só
compreendendo o momento actual em toda a sua complexidade se pode compreender o verdadeiro
sentido da discussão. E é de extraordinária importância não perder de vista que quando nós
estávamos em minoria defendemos os direitos da minoria com processos que todo o social-
democrata europeu reconhece serem legítimos e admissíveis: ou seja, pedindo ao congresso um
controlo mais severo sobre a composição pessoal dos centros. Do mesmo modo, o camarada Egórov
tinha bastante razão quando dizia também no congresso, mas noutra sessão: «Admira-me muito
ouvir de novo nos debates referências aos princípios»... (Isto a propósito das eleições para o CC, na
31ª sessão do congresso, isto é, se não me engano, quinta-feira de manhã, enquanto a 26ª sessão, de
que falamos agora, foi numa segunda-feira à noite)... «Parece-me claro para toda a gente que nestes
últimos dias todos os debates giraram não à volta desta ou daquela maneira de colocar o assunto em
princípio, mas exclusivamente à volta da forma de assegurar ou impedir o acesso aos organismos
centrais desta ou daquela pessoa. Confessemos que os princípios desapareceram já há muito tempo
deste congresso, e chamemos as coisas pelos seus verdadeiros nomes. (Hilaridade geral. Muraviov:
“Peço que se faça constar na acta que o camarada Mártov sorriu”)» (p. 337). Não admira que o
camarada Mártov, tal como todos nós, tenha rido às gargalhadas das lamentações, verdadeiramente
risíveis, do camarada Egórov. Sim, «nos últimos dias» muitas coisas giraram à volta da questão da
composição pessoal dos centros. Isso é verdade. Com efeito, a coisa era clara para toda a gente no
congresso (e só agora a minoria tenta obscurecer este facto claro). Enfim, também é verdade que
importa chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes. Mas, por amor de Deus, para que é aqui
chamado o «perder os princípios»?? Reunimo-nos neste congresso (ver p. 10, ordem do dia do
congresso) precisamente para nos primeiros dias falar do programa, da táctica, dos estatutos e
resolver questões correspondentes, e falar nos últimos dias (pontos 18-19 da ordem do dia) da
composição pessoal dos centros, e decidir sobre essas questões. É um fenómeno natural e
inteiramente, inteiramente legítimo dedicar os últimos dias dos congressos à luta pela batuta de
maestro. (Mas quando, para conquistar essa batuta, se batem depois do congresso, já só é uma
querela mesquinha.) Se no congresso alguém sofreu uma derrota na questão da composição pessoal
dos centros (como o camarada Egórov), é simplesmente ridículo falar, depois disso, de «perder os
princípios». É natural, portanto, que toda a gente tenha rido do camarada Egórov. É compreensível
também por que razão o camarada Muraviov pediu para fazer constar na acta a participação do
camarada Mártov nesse riso: o camarada Mártov, ao rir-se do camarada Egórov, riu-se de si
próprio...
Para completar a ironia do camarada Muraviov, talvez não seja supérfluo comunicar o seguinte
facto. Depois do congresso, o camarada Mártov, como se sabe, afirmou a quem o quis ouvir que a
razão principal da nossa divergência está precisamente na questão da cooptação para os centros, que
«a maioria da antiga redacção» se manifestou terminantemente contra o controlo recíproco sobre a
cooptação para os centros. Antes do congresso, ao aceitar o meu projecto de eleição de dois grupos
de três, com uma cooptação recíproca de 2/3, o camarada Mártov escrevia-me a propósito disso:
«Aceitando esta forma de cooptação recíproca, convém notar que depois do congresso cada
organismo completará o número dos seus membros na base de princípios um pouco diferentes (eu
recomendaria o seguinte método: cada organismo coopta novos membros dando a conhecer as
suas intenções ao outro organismo; este último pode protestar, e então a controvérsia é resolvida
pelo Conselho. Para que não haja trâmites morosos, este processo deveria aplicar-se a candidatos
propostos antecipadamente pelo menos para o CC, candidatos entre os quais a cooptação se
pode fazer mais depressa). Para sublinhar que no futuro a cooptação se fará segundo um processo
que será previsto pelos estatutos do partido, é preciso acrescentar ao§22<ref group = "12">Trata-se do meu projecto inicial de Tagesordnung (ordem do dia - N. Ed.) do congresso e do comentário que o
acompanhava, projecto conhecido por todos os delegados. O § 22 deste projecto previa justamente a eleição de dois
grupos de três para o OC e o CC, a «cooptação recíproca» por estes seis por maioria de 2/3, a confirmação desta
cooptação recíproca pelo congresso e a cooptação independente ulterior para o OC e o CC. (Nota do Autor)</ref>:”... que confirmará as
decisões adoptadas”» (sublinhado por mim).
Sem comentários.
<div style='text-align: center;'>____________</div>
Depois de ter explicado o significado do momento em que teve lugar a discussão sobre a cooptação
para os centros, precisamos de nos deter um pouco nas votações referentes a este ponto; é inútil
alongarmo-nos sobre os debates, porque depois do discurso do camarada Mártov e do meu, que
citei, só houve curtas réplicas, nas quais tomou parte um número insignificante de delegados (ver
pp. 277-280 das actas). Quanto às votações, o camarada Mártov afirmou no congresso da Liga que
na minha exposição eu fiz «a maior falsificação» (p. 60 das actas da Liga) «ao apresentar a luta à
volta dos estatutos»... (o camarada Mártov enunciou sem querer uma grande verdade: depois do §1,
justamente à volta dos estatutos, desenvolveram-se acalorados debates)... «como uma luta do Iskra
contra os martovistas que tinham feito uma coligação com o Bund».
Vejamos de perto esta interessante questão relativa à «maior falsificação». O camarada Mártov junta
as votações sobre a composição do Conselho às votações sobre a cooptação, e cita oito votações: 1)
Eleição para o Conselho de dois membros pelo OC e de outros dois pelo CC: 27 a favor (M), 16
contra (L), 7 abstenções.<ref group = "12">As letras M e L entre parêntesis mostram de que lado estava eu (L) e de que lado estava Mártov (M). (Nota do
Autor)</ref> (Anotemos entre parêntesis que nas actas, p. 270, o número de
abstenções se eleva a 8, mas isto é um pormenor.) 2) Eleição do quinto membro do Conselho pelo
congresso: 23 a favor (L), 18 contra (M), 7 abstenções. 3) Substituição pelo próprio Conselho dos
membros saídos do Conselho: 23 contra (M), 16 a favor (L), 12 abstenções. 4) Unanimidade no CC:
25 a favor (L), 19 contra (M), 7 abstenções. 5) Exigência de um protesto fundamentado para que um
membro não seja admitido: 21 a favor (L), 19 contra (M), 11 abstenções. 6) Unanimidade na
cooptação para o OC: 23 a favor (L), 21 contra (M), 7 abstenções. 7) Possibilidade de uma votação
sobre o direito do Conselho de anular as decisões do OC e do CC sobre a não-admissão de um novo
membro: 25 a favor (M), 19 contra (L), 7 abstenções. 8) A própria proposta respeitante ao ponto
anterior: 24 a favor (M), 23 contra (L), 4 abstenções. «Neste caso é evidente - concluiu o camarada
Mártov (p. 61 das actas da Liga) - que um delegado do Bund votou a favor da proposta e os
outros se abstiveram.» (Sublinhado por mim.)
Cabe perguntar: porque considera o camarada Mártov evidente que um delegado do Bund tenha
votado por ele, por Mártov, quando não houve votações nominais?
Porque se fixa no número de votantes, e, quando este número indica a participação do Bund na
votação ele, o camarada Mártov, não duvida que esta participação tenha sido a seu favor, de
Mártov.
Donde resulta aqui a «maior falsificação» minha?
Havia no total 51 votos; sem os bundistas, 46; sem os partidários da Rabótcheie Dielo, 43. Em sete
votações das oito citadas pelo camarada Mártov, tomaram parte 43, 41, 39, 44, 40, 44 e 44
delegados; numa votação tomaram parte 47 delegados (ou melhor, houve 47 votos), e aqui o próprio
camarada Mártov reconhece que foi apoiado por um bundista. Evidencia-se assim que o quadro
traçado por Mártov (e traçado de maneira incompleta, vê-lo-emos daqui a pouco) vem apenas
confirmar e reforçar a minha exposição da luta! Em muitos casos foi muito elevado o número
de abstenções: isto mostra o interesse relativamente pequeno de todo o congresso por certos
pormenores; mostra a ausência de um agrupamento perfeitamente definido de iskristas sobre estas
questões. A afirmação de Mártov de que os bundistas «com a sua abstenção prestam um apoio
evidente a Lénine» (p. 62 das actas da Liga) fala justamente contra Mártov: portanto, somente na
ausência dos bundistas ou com a sua abstenção eu podia por vezes contar com a vitória. Mas sempre
que os bundistas consideravam que valia a pena intervir na luta, eles apoiavam o camarada
Mártov; e tal intervenção verificou-se não só no caso acima citado da participação dos 47
delegados. Quem quiser consultar as actas do congresso dar-se-á conta de que o quadro traçado pelo camarada Mártov é de modo muito estranho incompleto. O camarada Mártov omitiu
simplesmente ainda outros três casos em que o Bund participou na votação, com o pormenor de
que o camarada Mártov, bem entendido, saiu vitorioso em todos estes casos. Eis aqui estes casos:
1) Adopta-se a alteração proposta pelo camarada Fomine, que reduz a maioria qualificada de 4/5
para 2/3: 27 a favor, 21 contra (p. 278), participaram portanto 48 votos. 2) Adopta-se a proposta do
camarada Mártov para a supressão da cooptação recíproca: 26 a favor, 24 contra (p. 279),
participaram pois na votação 50 votos. Enfim, 3) É rejeitada a minha proposta de admitir a
cooptação para o OC e o CC exclusivamente com o assentimento de todos os membros do Conselho
(p. 280): 27 contra, 22 a favor (houve mesmo votação nominal, que infelizmente não está registada
nas actas), portanto 49 votos.
Resultado: quanto à cooptação para os centros, os bundistas participaram somente em quatro
votações (as três votações que acabo de citar, com 48, 50 e 49 votantes, e uma citada pelo
camarada Mártov, com 47 votantes). Em todas estas votações o camarada Mártov saiu vitorioso. A
minha exposição revelou-se exacta em todos os seus pontos, quando falo da coligação com o
Bund, quando constato o carácter de somenos importância das questões (muitíssimos casos com um
número considerável de abstenções), quando digo que não há agrupamento definido dos iskristas
(não há votações nominais; muito poucos oradores nos debates).
A tentativa do camarada Mártov de encontrar uma contradição na minha exposição não passou de
uma tentativa feita com meios inadequados, visto que o camarada Mártov destacou palavras
isoladas sem se dar ao trabalho de restabelecer todo o quadro.
<div style='text-align: center;'>____________</div>
O último parágrafo dos estatutos, dedicado à questão da organização no estrangeiro, mais uma vez
provocou debates e votações particularmente característicos do ponto de vista dos agrupamentos no
congresso. Tratava-se de reconhecer a Liga como organização do partido no estrangeiro. Claro, o
camarada Akímov insurgiu-se imediatamente, recordando a União no estrangeiro aprovada pelo
primeiro congresso e chamando a atenção para o significado de princípio da questão. «Devo
esclarecer primeiramente - declarou - que não atribuo grande valor prático a esta ou àquela solução
do problema. A luta ideológica que se tem desenvolvido até agora no nosso partido sem dúvida que
ainda não terminou; mas ela prosseguirá noutros planos e com outro agrupamento de forças... No
§13 dos estatutos mais uma vez ficou reflectida, e de modo muito marcado, a tendência para fazer
do nosso congresso, em vez de um congresso do partido, um congresso fraccionário. Em vez de
obrigar todos os sociais-democratas da Rússia a inclinarem-se perante as decisões do congresso do
partido, em nome da unidade do partido, unindo todas as organizações do partido, propõe-se ao
congresso que dissolva a organização da minoria, que obrigue esta a desaparecer» (281). Como o
leitor vê, a «continuidade», que se tornou agora tão cara ao camarada Mártov depois da sua derrota
na questão da composição dos centros, não era menos cara ao camarada Akímov. Mas, no
congresso, os que têm bitolas diferentes para si e para os outros levantaram-se apaixonadamente
contra o camarada Akímov. Apesar da adopção do programa, do reconhecimento do Iskra e da
adopção quase integral dos estatutos, traz-se para a cena precisamente o «princípio» que separava
«em princípio» a Liga da União. «Se o camarada Akímov pretende pôr a questão no plano dos
princípios - exclama o camarada Mártov -, não temos nada contra isso; sobretudo porque o
camarada Akímov falou das combinações possíveis na luta contra duas tendências. O triunfo de
uma tendência deve sancionar-se (notem que isto foi dito na 27ª sessão do congresso!) não no
sentido de se poder fazer uma nova reverência ao Iskra, mas no de abandonar definitivamente
todas as combinações possíveis de que falou o camarada Akímov» (282, sublinhado por mim).
Quadro: o camarada Mártov, depois de encerradas todas as discussões sobre o programa no
congresso, continua ainda a abandonar definitivamente todas as combinações possíveis...
enquanto não sofreu ainda uma derrota na questão da composição dos centros! O camarada Mártov,
no congresso, «abandona definitivamente» a possível «combinação» que com tanto êxito põe em
prática imediatamente a seguir ao congresso. Mas o camarada Akímov já então se mostrou bem
mais perspicaz do que o camarada Mártov; o camarada Akímov invocou os cinco anos de trabalho
«da velha organização do partido que, por decisão do primeiro congresso, tinha o nome de comité»,
e acabou com uma ultravenenosa e providencial alfinetada: «Quanto à opinião do camarada
Mártov de que são vãs as minhas esperanças de ver nascer uma tendência nova no nosso partido,
devo dizer que mesmo ele próprio me dá esperanças» (p. 283. Sublinhado por mim)
Sim, temos de reconhecer que o camarada Mártov justificou brilhantemente as esperanças do
camarada Akímov!
O camarada Mártov seguiu o camarada Akímov, convencido que este tinha razão, depois de ter sido
rompida a «continuidade» do antigo organismo de direcção colectiva do partido, que se considerava
a funcionar há três anos. A vitória do camarada Akímov não lhe ficou muito cara.
No congresso, no entanto, só os camaradas Martínov, Brúker e os bundistas (8 votos) se colocaram
ao lado de Akímov, e de um modo consequente. O camarada Egórov, como verdadeiro chefe do
«centro», prefere o áureo meio termo: está de acordo, vejam bem, com os iskristas, «simpatiza»
com eles (p. 282) e prova esta simpatia propondo (p. 283) que se passe por alto toda a questão de
princípios levantada, que não se fale nem da Liga nem da União. A proposta é rejeitada por 27
votos contra 15. É evidente que, além dos anti-iskristas (8), quase todo o «centro» (10) vota com o
camarada Egórov (o total de votos é de 42, de modo que um importante número se absteve ou
esteve ausente, como aconteceu muitas vezes com votações pouco interessantes ou cujo resultado
era indubitável). Desde que se trate de levar à prática os princípios iskristas, logo se confirma
que a «simpatia» do «centro» é puramente verbal, e que apenas nos seguem trinta votos ou pouco
mais. A discussão e a votação da proposta de Rússov (reconhecer a Liga como a única organização
no estrangeiro) provam-no ainda mais claramente. Os anti-iskristas e o «pântano» adoptam já
francamente um ponto de vista de princípios, defendido além do mais pelos camaradas Líber e
Egórov, que declaram que a proposta do camarada Rússov é ilegítima e não pode ser votada: «Com
ela todas as outras organizações no estrangeiro são condenadas ao massacre» (Egórov). E o orador,
que não quer participar no «massacre das organizações», não só recusa votar como até saí da sala. É
preciso no entanto fazer justiça ao líder do «centro»: ele dá provas (nos seus princípios errados) de
uma convicção e de uma coragem política dez vezes mais fortes do que o camarada Mártov e Cª, ele
intercedeu a favor da organização «que se massacrava» não apenas quando se tratava do seu
próprio círculo, que tinha sofrido uma derrota em luta aberta.
A proposta do camarada Rússov é considerada admissível à votação por 27 votos contra 15; é em
seguida aprovada por 25 contra 17. Acrescentando a estes 17 o camarada Egórov, ausente, obtemos
o conjunto completo (18) de anti-iskristas e do «centro».
Todo o §13 dos estatutos sobre a organização no estrangeiro é aprovado apenas por 31 votos contra
12 e seis abstenções. Este número, 31, que nos dá aproximadamente o número de iskristas no
congresso, isto é, os que defendem com consequência e aplicam na prática as concepções do Iskra,
encontramo-lo pelo menos já pela sexta vez na análise das votações do congresso (o lugar da
questão do Bund, o incidente do CO, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi e duas votações sobre o
programa agrário). E o camarada Mártov quer fazer-nos crer, a sério, que não há qualquer razão
para apontar um grupo tão «reduzido» de iskristas!
Não se pode deixar de assinalar também que a aprovação do §13 dos estatutos suscitou debates
extremamente característicos a propósito da declaração dos camaradas Akímov e Martínov sobre a
«recusa de participar na votação» (p. 288). O bureau do congresso examinou esta declaração e
reconheceu - com toda a justiça - que nem mesmo a dissolução directa da União daria qualquer
direito aos delegados da União de se recusarem a participar nos trabalhos do congresso. A recusa de
votar é sem dúvida um facto anormal e inadmissível, este o ponto de vista que com o bureau todo o
congresso adoptou, incluindo os iskristas da minoria, que, na 28ª sessão, vivamente reprovaram o
que eles próprios viriam a fazer na 31ª sessão! Quando o camarada Martínov se pôs a defender a
sua declaração (p. 291), ergueram-se contra ele tanto Pavlóvitch como Trótski, Kárski e Mártov. O
camarada Mártov compreendeu com peculiar clareza os deveres de uma minoria descontente
(enquanto ele próprio não ficou em minoria!) e discorreu sobre eles num tom particularmente
didáctico. «Ou sois membros do congresso - exclamava dirigindo-se aos camaradas Akímov e
Martínov -, e então deveis participar em todos os seus trabalhos» (sublinhado por mim; neste
momento o camarada Mártov não via ainda formalismo e burocratismo na submissão da minoria à
maioria!), «ou não sois membros do congresso, e então não podeis continuar na sessão... Pela sua
declaração, os delegados da União obrigam-me a fazer-lhes duas perguntas: são membros do
partido, são membros do congresso?» (p. 292).
O camarada Mártov ensina ao camarada Akímov os deveres que incumbem aos membros do
partido! Mas não foi em vão que o camarada Akímov disse que depositava certas esperanças no
camarada Mártov... Estas esperanças viriam a converter-se em realidade, mas só depois da derrota
do camarada Mártov nas eleições. Quando não se tratava de si próprio mas dos outros, o camarada
Mártov permanecia surdo, mesmo à terrível expressão «lei de excepção» lançada pela primeira
vez (se não me engano) pelo camarada Martínov. «As explicações que nos foram dadas -
respondeu o camarada Martínov aos que procuraram convencê-lo a retirar a sua declaração - não
puseram a claro se se tratava de uma decisão de princípio ou de uma medida de excepção contra a
União. Neste caso, consideramos que se fez um ultraje à União. O camarada Egórov, como nós
próprios, tem a impressão que se trata de uma lei de excepção (sublinhado por mim) contra a
União, e por isso abandonou mesmo a sala» (295). Tanto o camarada Mártov como o camarada
Trótski, com Plekhánov, erguem-se energicamente contra a ideia absurda, realmente absurda, de
ver um ultraje na votação do congresso, e o camarada Trótski, defendendo a resolução adoptada
por proposta sua pelo congresso (segundo a qual os camaradas Akímov e Martínov podem
considerar-se perfeitamente satisfeitos), assegura que «a resolução se reveste de um carácter de
princípio e não de um carácter filistino, e não nos importa que alguém se sinta ultrajado por ela»
(p. 296). Todavia, bem depressa se revelou que a mentalidade de círculo e o espírito filistino eram
ainda demasiado fortes no nosso partido, e as palavras orgulhosas que sublinhei revelaram-se uma
frase oca altissonante.
Os camaradas Akímov e Martínov recusaram-se a retirar a sua declaração e deixaram o congresso
no meio das exclamações gerais dos delegados: «Absolutamente injustificado!»
===Notas===
<references group = "12" />
==n) As Eleições. O Encerramento do Congresso.==
Depois da aprovação dos estatutos, o congresso adoptou uma resolução sobre as organizações
regionais, várias resoluções relativas a diferentes organizações do partido, e depois de debates
extremamente instrutivos sobre o grupo Iújni Rabótchi, cuja análise fiz anteriormente, o congresso
passou à questão das eleições para os organismos centrais do partido.
Sabemos já que a organização do Iskra, de quem todo o congresso esperava uma recomendação
autorizada, se tinha dividido neste ponto, querendo a minoria da organização tentar no congresso,
através de uma luta livre e aberta, conquistar a maioria. Sabemos também que, muito antes do
congresso, todos os delegados tinham tomado conhecimento do plano de renovação da redacção
pela eleição de dois grupos de três para o OC e o CC. Detenhamo-nos neste plano mais
pormenorizadamente para esclarecer os debates no congresso.
Eis aqui o texto exacto do meu comentário ao projecto de Tagesordnung do congresso, em que foi
exposto este plano<ref group = "13">Ver a minha Carta à Redacção do «Iskra», p. 5, e as actas da Liga, p. 53. (Nota do Autor)</ref>: «O congresso elegerá três pessoas para a redacção do OC e outras três para o
CC. Estas seis pessoas em conjunto, por maioria de 2/3 se necessário, completarão a redacção do
OC e o CC por cooptação, e apresentam ao congresso o relatório correspondente. Depois da
aprovação deste relatório pelo congresso, a cooptação posterior far-se-á separadamente pela
redacção do OC e pelo CC.»
Deste texto o plano ressalta com uma precisão perfeita e sem o mínimo equívoco: ele significa a
renovação da redacção com a participação dos mais influentes dirigentes do trabalho prático. Os
dois aspectos que assinalei neste plano são imediatamente evidentes para quem se der ao trabalho
de ler com alguma atenção o texto citado. Mas nos tempos que correm devemos determo-nos a
explicar mesmo as coisas mais elementares. O plano significa justamente a renovação da redacção,
e não necessariamente que se amplie ou se reduza o número dos seus membros, mas precisamente
que se renove, ficando em aberto a questão de um possível alargamento ou redução; a cooptação é
prevista apenas para os casos em que for necessária. Entre as hipóteses emitidas por diversas
pessoas sobre a questão desta renovação havia também planos de redução ou aumento possível do
número de membros da redacção para sete membros (pela minha parte considerei sempre que sete
era muito mais conveniente que seis), e até o aumento deste número para onze membros (coisa que
eu considerava possível no caso de uma união pacífica com todas as organizações sociais-
democratas em geral, com o Bund e a social-democracia polaca em particular). Mas o mais
importante que normalmente esquecem os que falam do «grupo de três», é que se exige que os
membros do CC participem na solução da questão relativa à cooptação posterior para o OC.
Nem um só camarada entre todos os membros da organização e delegados da «minoria» do
congresso que conheciam este plano e o aprovaram (exprimindo o seu acordo ou de maneira
explícita ou pelo seu silêncio) se deu ao trabalho de explicar o significado desta exigência.
Primeiro: porque se tinha adoptado como ponto de partida da renovação da redacção precisamente
um grupo de três e só um grupo de três? É evidente que isso careceria em absoluto de sentido se se
visasse exclusivamente, ou pelo menos principalmente, ampliar esse organismo colectivo, se tal
organismo colectivo fosse considerado verdadeiramente «harmonioso». Seria estranho que para
ampliar um organismo colectivo «harmonioso» não se partisse do seu conjunto, mas apenas de
uma parte dele. Sem dúvida que nem todos os membros desse organismo colectivo eram
considerados inteiramente aptos para discutir e resolver o problema da renovação da sua
composição pessoal, da transformação do velho círculo redactorial num organismo do partido. É
evidente que mesmo quem pessoalmente desejasse a renovação sob a forma de ampliação
reconhecia que a antiga composição não era harmoniosa, que não correspondia ao ideal de um
organismo do partido, porque, de outro modo, não havia razão para começar por reduzir o grupo de
seis a um grupo de três para o ampliar. Repito: isto é evidente por si só, e apenas um
obscurecimento momentâneo da questão por questões «pessoais» o pôde fazer esquecer.
Em segundo lugar, do texto antes citado ressalta que mesmo o acordo dos três membros do OC
ainda não bastaria para ampliar o grupo de três. Também isto é sempre esquecido. Para a cooptação
são precisos 2/3 de seis, ou seja, quatro votos; por isso bastaria que os três membros eleitos para o
CC opusessem o seu «veto» para tornar impossível qualquer ampliação do grupo de três. Pelo
contrário, mesmo se dois dos três membros da redacção do OC fossem contra a cooptação posterior,
esta poderia mesmo assim efectivar-se se os três membros do CC lhe tivessem dado o seu acordo. É
evidente desta maneira que se pretendia, ao transformar o velho círculo em organismo do partido,
dar voz decisiva aos dirigentes do trabalho prático eleitos pelo congresso. Quais eram,
aproximadamente, os camaradas que tínhamos em mente, mostra-o o facto de a redacção, antes do
congresso, ter eleito por unanimidade como sétimo membro o camarada Pavlóvitch, para o caso de
ser necessário falar no congresso em nome do nosso organismo colectivo; além do camarada
Pavlóvitch, propôs-se para o lugar do sétimo um velho membro da organização do Iskra e membro do CO, mais tarde eleito membro do CC.<ref group = "13"> Trata-se de G. M. Krjijanóvski.</ref>
Assim, o plano de eleição de dois grupos de três visava manifestamente: 1) renovar a redacção, 2)
eliminar nela certos aspectos do velho espírito de círculo, inadequado num organismo do partido (se
não houvesse nada a eliminar, não teríamos tido que inventar o grupo de três inicial!), e por fim 3)
eliminar os traços «teocráticos» de um organismo de literatos (eliminação a realizar fazendo com
que destacados militantes práticos intervenham para resolver a questão da ampliação do grupo de
três). Este plano, do qual todos os redactores tinham sido informados, assentava evidentemente na
experiência de três anos de trabalho e correspondia completamente aos princípios que pusemos
em prática consequentemente em matéria de organização revolucionária: na época de dispersão em
que apareceu o Iskra, muitas vezes se constituíam grupos de modo fortuito e espontâneo, sofrendo
inevitavelmente de certas manifestações nefastas do espírito de círculo. A criação do partido
implicava e exigia a eliminação destes aspectos; a participação de destacados militantes práticos
nesta eliminação era imprescindível, já que certos membros da redacção se tinham ocupado
sempre de questões de organização, e não era apenas um organismo de literatos que devia entrar no
sistema dos organismos do partido, mas sim um organismo de dirigentes políticos. O facto de ter
deixado ao congresso a tarefa de eleger o grupo de três inicial, era igualmente natural do ponto de
vista da política desde sempre defendida pelo Iskra: preparámos o congresso com extremo cuidado,
esperando que fossem plenamente esclarecidas as questões de princípio controversas, do programa,
da táctica e da organização; não duvidávamos que o congresso seria um congresso iskrista no sen-
tido de que a imensa maioria se solidarizaria nestas questões fundamentais (o que em parte demons-
travam também as resoluções sobre o reconhecimento do Iskra como órgão dirigente); tínhamos
pois que deixar aos camaradas sobre cujos ombros tinha pesado todo o trabalho de difusão das idei-
as do Iskra e de preparação da sua transformação em partido decidirem eles próprios quem eram os
candidatos mais competentes para o novo organismo do partido. É unicamente pelo carácter natural
do plano dos «dois grupos de três», unicamente pela sua plena conformidade com toda a política
do Iskra e com tudo o que sabiam dela os que tivessem a mais pequena relação com o trabalho, que
se pode explicar a aprovação geral deste plano e a ausência de qualquer outro plano concorrente.
E eis que no congresso o camarada Rússov propõe, antes de mais, que se elejam os dois grupos de
três. Os partidários de Mártov, que nos tinha informado por escrito da relação deste plano com
a falsa acusação de oportunismo, nem sequer pensaram, todavia, em reduzir a discussão sobre o
grupo de seis e o grupo de três à questão de saber se esta acusação era fundada ou não. Nem um
deles o mencionou sequer! Nem um deles ousou dizer uma só palavra sobre a diferença de
princípio dos matizes ligados ao grupo de seis e ao grupo de três. Preferiram um meio mais corrente
e mais barato: apelar para a piedade, falar de um possível ressentimento, fingir que o problema
da redacção estava já resolvido com a designação do Iskra como Órgão Central. Este último
argumento, utilizado pelo camarada Koltsov contra o camarada Rússov, é manifestamente falso.
Na ordem do dia do congresso figuravam - e não acidentalmente, é claro - dois pontos especiais (ver
p. 10 das actas): p. 4- «O OC do partido» e p. 18 - «A eleição do CC e da redacção do OC». Isto, em
primeiro lugar. Em segundo lugar, ao designar o OC, todos os delegados declararam
categoricamente que com isso não se confirmava a redacção, mas apenas a orientação,<ref group = "13">Ver p. 140 das actas, o discurso de Akímov: ...«dizem-me que das eleições para o OC falaremos no fim»; o discurso
de Muraviov contra Akímov «que toma demasiado a peito a questão da futura redacção do OC» (p. 141); o discurso
de Pavlóvitch declarando que, uma vez designado o órgão, tínhamos «materiais concretos com os quais podemos
fazer as operações com que o camarada Akímov tanto se preocupa», e que, quanto à «submissão» do Iskra «às
decisões do partido», não podia haver nisso nem sombra de dúvida (p. 142); o discurso de Trótski: «se não
confirmarmos a redacção o que é que nós confirmamos no Iskra?... Não é o nome, mas a orientação... não é o nome,
mas a bandeira» (p. 142); o discurso de Martínov: ... «Considero, como de resto muitos outros camaradas, que ao
discutir o reconhecimento do Iskra como jornal duma certa tendência, como nosso Órgão Central, não devemos falar
agora do modo de eleição ou de confirmação da sua redacção; falaremos disso mais tarde, no lugar correspondente
da ordem do dia»... (p. 143). (Nota do Autor)</ref> e nenhum
protesto se levantou contra estas declarações.
Assim, a declaração de que depois de ter confirmado um órgão determinado o congresso tinha de
facto confirmado desse modo a redacção - declaração muitas vezes repetida pelos partidários da
minoria (Koltsov, p. 321, Possadóvski, ibid., Popov, p. 322, e muitos outros) -, era simplesmente de
facto falsa. Era uma manobra evidente para todos, a qual mascarava o abandono da posição
tomada quando todos ainda podiam de modo verdadeiramente imparcial encarar o problema da
composição dos centros. Não era possível justificar o abandono, nem por razões de princípio
(porque levantar no congresso a questão da «falsa acusação de oportunismo» seria demasiado
desvantajoso para a minoria, a qual não disse uma só palavra a esse respeito), nem por uma
referência a factos concretos sobre a verdadeira capacidade de trabalho do grupo de seis ou do
grupo de três (porque a simples referência a estes factos teria fornecido uma montanha de provas
contra a minoria). Tiveram que escapar-se, portanto, com frases sobre «o todo harmonioso»,
«colectividade harmoniosa», sobre «a harmonia e a integridade cristalina do todo», etc. Não é de
espantar que imediatamente se tenham chamado tais argumentos pelo seu verdadeiro nome:
«palavras mesquinhas» (p. 328). O próprio plano do grupo de três testemunhava claramente falta
«de harmonia», e as impressões recolhidas pelos delegados no decorrer de mais de um mês de
trabalho em comum forneceram sem dúvida aos delegados uma grande quantidade de dados para
que pudessem julgar de modo independente. Quando o camarada Possadóvski fez alusão (de
maneira imprudente e irreflectida do seu ponto de vista: ver pp. 321 e 325 sobre o emprego
«condicional» que ele fez da palavra «fricções») a estes dados, o camarada Muraviov declarou
francamente: «Na minha opinião, é agora completamente claro para a maioria do congresso que tais
fricções<ref group = "13>Terminou o congresso sem que soubéssemos a que «fricções» o camarada Possadóvski se referia. Quanto ao
camarada Muraviov, na mesma sessão (p. 322) pôs em dúvida que se tivesse interpretado fielmente o seu
pensamento, e quando se retificavam as actas declarou francamente que «falara de fricções que tinha havido nos
debates no congresso sobre diversas questões, de fricções de um carácter de princípio, cuja existência, infelizmente,
é no momento actual um facto que ninguém negará» (p. 353). (Nota do Autor)</ref> existem indubitavelmente» (p. 321). A minoria quis compreender a palavra «fricções»
(lançada por Possadóvski e não por Muraviov) exclusivamente no sentido de algo pessoal, não
ousando levantar a luva lançada pelo camarada Muraviov, não ousando formular um único
argumento que na realidade servisse para a defesa do grupo de seis. Gerou-se uma discussão
arquicómica pela sua esterilidade: a maioria (pela boca do camarada Muraviov), declara ver com
toda a clareza o verdadeiro significado do grupo de seis e do grupo de três, enquanto a minoria
persiste em não ouvir e afirma que «não temos a possibilidade de fazer essa análise». A maioria
não só considera possível fazer essa análise, como já «a fez» e fala dos resultados para ela
perfeitamente claros dessa análise, enquanto a minoria, pelos vistos, receia essa análise,
escudando-se unicamente nas «palavras mesquinhas». A maioria recomenda «que se tenha em conta
que o nosso OC não é apenas um grupo de literatos»; a maioria «quer que à cabeça do OC estejam
pessoas perfeitamente determinadas, conhecidas do congresso, que preencham as exigências
de que falei» (isto é, exigências não apenas literárias, p. 327, discurso do camarada Langue). Ainda
desta vez, a minoria não ousa levantar a luva e não diz nem uma única palavra sobre quem, na sua
opinião, pode fazer parte de um organismo colectivo que não seja apenas literário, nem diz quem é
uma pessoa «perfeitamente determinada e conhecida do congresso». Á minoria continua a
entricheirar-se por trás da famosa «harmonia». Mais ainda. A minoria serve-se mesmo de
argumentos que são absolutamente falsos em princípio, e que por isso provocam, muito justamente,
uma resposta violenta. «O congresso - vejam só - não tem o direito, nem moral nem político, de
modificar a redacção» (Trótski, p. 326), «é uma questão demasiado delicada (sic!)» (ibid.) «como
devem comportar-se os membros não eleitos da redacção perante o facto de o congresso não
querer que eles façam mais parte da redacção?» (Tsariov, p. 324).<ref group = "13">Cf. o discurso do camarada Possadóvski:... «Ao escolher três membros entre os seis da antiga redacção, dizeis desse
modo que os outros três são inúteis, supérfluos. E não tendes nem o direito nem motivos fundados para o fazer.»
(Nota do Autor)</ref>
Tais argumentos remetiam já a questão inteiramente para o campo da piedade e do ressentimento, sendo um reconhecimento manifesto da bancarrota no terreno dos argumentos verdadeiramente de
princípio, verdadeiramente políticos. E a maioria definiu imediatamente esta maneira de pôr o
problema pelo seu verdadeiro nome: filistinismo (camarada Rússov). «Na boca de revolucionários
- disse justamente o camarada Rússov - ouvimos singulares discursos que estão em evidente
desacordo com o conceito de trabalho de partido, de ética de partido. O argumento essencial que os
adversários da eleição dos grupos de três formulam reduz-se a um ponto de vista puramente
filistino sobre os assuntos do partido» (todos os sublinhados são meus)... «colocando-nos neste
ponto de vista que não é de partido e sim filistino, em cada eleição iremos encontrar-nos perante a
questão de saber se Petrov se não ofenderia vendo que em vez dele foi eleito Ivanov, se determinado
membro do CO se não ofenderia vendo que em vez dele foi eleito outro para o CC. Camaradas,
onde é que isto nos vai levar? Se nos reunimos aqui não para nos obsequiarmos mutuamente
com agradáveis discursos ou trocarmos amabilidades filistinas, mas para criar um partido, não
podemos de maneira nenhuma estar de acordo com esse ponto de vista. Trata-se de eleger
funcionários e não pode colocar-se a questão de falta de confiança em nenhum dos não eleitos, mas
apenas do bem da causa e de que a pessoa eleita seja adequada para o cargo para que é
designada» (p. 325).
Aconselharíamos todos os que querem entender por si próprios as causas da cisão do partido e
chegar às suas raízes no congresso que leiam e releiam o discurso do camarada Rússov, cujos
argumentos a minoria não refutou, como nem sequer os pôs em dúvida. Aliás é impossível contestar
verdades tão elementares e primárias, cujo esquecimento tão justamente explicou o próprio
camarada Rússov só por «excitação nervosa». E para a minoria esta é efectivamente a explicação
menos desagradável de como eles tinham podido abandonar o ponto de vista de partido para passar
a um ponto de vista filistino e de círculo.<ref group = "13">O camarada Mártov, no seu Estado de Sítio, abordou esta questão do mesmo modo que todos os outros problemas
por ele tratados. Não se deu ao trabalho de esboçar um quadro completo da discussão. Muito modestamente, rodeou
a única verdadeira questão de princípio surgida nesta discussão: amabilidades filistinas ou eleição de funcionários?
Ponto de vista de partido ou ressentimento dos Ivan Ivánovitch? Também aqui o camarada Mártov contentou-se em
extrair passagens isoladas e desgarradas deste incidente, acrescentando toda a espécie de injúrias contra mim. É bem
pouco, camarada Mártov!
O camarada Mártov insiste particularmente em perguntar-me a mim por que razão não se elegeu no congresso os
camaradas Axelrod, Zassúlitch e Starover. O ponto de vista filistino por ele adoptado impede-o de ver como são
indecorosas tais perguntas (porque não pergunta isso ao seu colega de redacção, o camarada Plekhánov?). No facto
de eu considerar que «houve falta de tacto» na conduta da minoria no congresso quanto à questão do grupo de seis e
exigir ao mesmo tempo que se informe disso o partido, vê Mártov uma contradição. Não há qualquer contradição
nisto, como bem facilmente poderia dar-se conta o próprio Mártov, se se quisesse ter dado ao trabalho de fazer uma
exposição coerente de todas as peripécias do problema, e não de fragmentos. Ter falta de tacto era pôr a questão do
ponto de vista filistino, fazendo apelo à piedade e ao ressentimento; os interesses da publicidade de partido teriam
exigido uma apreciação, quanto ao fundo, das vantagens do grupo de seis em comparação com o grupo de três,
apreciação dos candidatos aos cargos, apreciação dos matizes: a minoria não disse sequer uma palavra acerca
disto no congresso.
Estudando atentamente as actas, o camarada Mártov teria podido encontrar nos discursos dos delegados toda uma
série de argumentos contra o grupo de seis. Eis alguns excertos desses discursos: primeiro, o antigo grupo de seis
deixa perceber claramente algumas asperezas no sentido de matizes de princípio; segundo, seria desejável uma
simplificação técnica do trabalho redactorial; terceiro, os interesses da causa passam por cima das amabilidades
filistinas; só a eleição permitirá garantir que as pessoas escolhidas sejam adequadas aos cargos; quarto, não se pode
limitar a liberdade de eleição pelo congresso; quinto, o partido agora não precisa apenas de um grupo de literatos no
OC, o OC não precisa apenas de homens de letras, mas também de administradores; sexto, o OC deve dispor de
pessoas perfeitamente determinadas, conhecidas do congresso; sétimo, um organismo formado por seis pessoas é
muitas vezes incapaz de actuar, e o seu trabalho não se fez graças a estatutos anormais, mas a despeito deles;
oitavo, dirigir um jornal é assunto do partido (e não dum círculo), etc. - Que o camarada Mártov tente, se se
interessa tanto pelas causas da não eleição destas pessoas, compreender cada uma destas considerações e refutar
nem que seja uma só delas. (Nota do Autor)</ref>
Mas a minoria estava a tal ponto impossibilitada de encontrar argumentos razoáveis e sérios contra
as eleições que, para além de introduzir espírito filistino nos assuntos do partido, chegou a métodos
de carácter francamente escandaloso. De facto, como não chamar assim ao método utilizado pelo camarada Popov, que aconselhou o camarada Muraviov «a não aceitar encargos delicados» (p.
322)? Que é isto senão querer «introduzir-se na consciência alheia», segundo a justa expressão do
camarada Sorókine (p. 328)? Que é isto senão especular sobre «questões pessoais» à falta de
argumentos políticos? Ao afirmar que «sempre protestámos contra tais meios», o camarada
Sorókine tinha ou não razão? «Será admissível a conduta do camarada Deutsch, que procurou de
maneira ostensiva pôr no pelourinho os camaradas que não estavam de acordo com ele?»<ref group = "13">Foi assim que o camarada Sorókine, naquela mesma sessão, compreendeu as palavras do camarada Deutsch (cf. p.
324: «diálogo violento com Orlov»). O camarada Deutsch explica (p. 351) que «não disse nada semelhante», mas
reconhece imediatamente que disse algo de muito, muito «semelhante». «Eu não disse: quem se decidirá - explica
o camarada Deutsch -, mas: estou com curiosidade de ver quem se decidirá [(sic!) o camarada Deutsch corrige-se,
indo de mal a pior!] a apoiar uma proposta tão criminosa (sic!) como a eleição do grupo de três» (p. 351). O
camarada Deutsch não refutou, antes confirmou, as palavras do camarada Sorókine. O camarada Deutsch
confirmou a censura deste último de que «todas as noções se baralharam aqui» (nos argumentos da minoria a favor
do grupo de seis). O camarada Deustch confirmou a oportunidade da alusão do camarada Sorókine a esta verdade
elementar de que «nós somos membros do partido e devemos agir guiados exclusivamente por considerações
políticas». Gritar que as eleições foram criminosas é rebaixar-se não só a uma atitude filistina, mas francamente ao
escandalozinho! (Nota do Autor)
</ref> (p. 328).
Façamos o balanço dos debates sobre a questão relativa à redacção. A minoria não refutou (nem
tentou refutar) as numerosas indicações da maioria sobre o facto de que os delegados conheciam o
projecto do grupo de três desde a abertura do congresso e antes do congresso e de que, por
consequência, esse projecto se baseava em considerações e dados independentes dos
acontecimentos e discussões do congresso. A minoria, ao assumir a defesa do grupo de seis,
tomava uma posição inadmissível e errada quanto aos princípios baseada em considerações
filistinas. A minoria mostrou ter esquecido completamente o ponto de vista de partido quanto à
escolha dos funcionários, sem procurar sequer fazer uma apreciação de cada candidato para um
cargo, da sua adequação ou não adequação às funções desse cargo. A minoria furtou-se ao exame
da questão a fundo, invocando a famosa harmonia, «vertendo lágrimas», «tomando atitudes
patéticas» (p. 327, discurso de Langue), como se «se quisesse matar» alguém. A minoria chegou
mesmo a «introduzir-se na consciência alheia», a gritar que as eleições eram «criminosas», a usar
de outros meios igualmente inadmissíveis, sob a influência da «excitação nervosa» (p. 325).
A luta do espírito filistino contra o espírito de partido, das «questões pessoais» do pior gosto
contra as considerações políticas, das palavras mesquinhas contra os conceitos mais elementares
do dever revolucionário, eis o que foi a luta à volta do grupo de seis e do grupo de três na
trigésima sessão do nosso congresso.
E na 31ª sessão, quando, por maioria de 19 votos contra 17 e três abstenções, o congresso rejeitou a
proposta para confirmação do conjunto da antiga redacção (ver p. 330 e a errata), e quando os
antigos redactores voltaram para a sala das sessões, o camarada Mártov, na sua «declaração em
nome da maioria da antiga redacção» (pp. 330-331), deu provas, em proporções ainda maiores, das
vacilações e da mesma instabilidade da posição política e das concepções políticas. Examinemos
em pormenor cada um dos pontos da declaração colectiva e da minha resposta (pp. 332-333) a esta
declaração.
«A partir de agora - diz o camarada Mártov depois da não confirmação da antiga redacção - o velho
Iskra já não existe, e seria mais lógico mudar-lhe o nome. De qualquer maneira, vemos na nova
decisão do congresso uma restrição substancial do voto de confiança dado ao Iskra numa das
primeiras sessões do congresso.»
O camarada Mártov, com os seus colegas, levanta uma questão, verdadeiramente interessante e
instrutiva sob muitos aspectos, sobre a coerência política. Já lhe respondi ao invocar aquilo que
todos tinham dito quando da confirmação do Iskra (p. 349 das actas, cf. acima, p. 82). É indubitável
que estamos na presença de um dos mais gritantes exemplos de falta de consequência em política.
Da parte de quem? Da parte da maioria do congresso ou da maioria da antiga redacção, deixamos ao
leitor o cuidado de julgar. É ainda ao leitor que deixamos o cuidado de decidir de duas outras
questões postas muito a propósito pelo camarada Mártov e pelos seus colegas: 1) é um ponto de
vista filistino ou um ponto de vista de partido que revela o desejo de ver «uma restrição do voto de
confiança ao Iskra» na decisão do congresso de proceder à eleição dos funcionários para a
redacção do OC? 2) a partir de que momento deixa realmente de existir o velho «Iskra»? A partir
do n° 46, quando Plekhánov e eu começámos ambos a dirigi-lo, ou a partir do n° 53, quando a
maioria da antiga redacção se colocou à cabeça dele? Se a primeira questão é uma questão de
princípio das mais interessantes, pelo contrário a segunda é uma questão de facto das mais
interessantes.
«Como se decidiu agora - prossegue o camarada Mártov - eleger uma redacção de três pessoas, eu
declaro em meu nome e em nome dos meus outros três camaradas que nenhum de nós fará parte
dessa nova redacção. Pela minha parte, acrescentarei que, se é exacto que alguns camaradas
quiseram inscrever o meu nome como um dos candidatos a esse «grupo de três», vejo-me obrigado
a ver nisso uma ofensa que não merecia (sic!). Digo isto em virtude das circunstâncias em que se
decidiu alterar a redacção. Decidiu-se isso por causa de certas “fricções”,<ref group = "13">O camarada Mártov faz provavelmente alusão à expressão do camarada Possadóvski: «fricções». Repito que o
camarada Possadóvski não explicou no entanto ao congresso onde ele queria chegar, e o camarada Muraviov, que
usou a mesma expressão, explicou que falava de fricções de princípio que tinham surgido nos debates do
congresso. Os leitores lembrar-se-ão que o único exemplo de verdadeiros debates de princípio, debates nos quais
tinham participado quatro redactores (Plekhánov, Mártov, Axelrod e eu) se referia ao § l dos estatutos, e que os
camaradas Mártov e Starover se queixaram por escrito da «falsa acusação de oportunismo» como um dos
argumentos a favor da «alteração» da redacção. Nesta carta, o camarada Mártov descobria uma ligação clara do
«oportunismo» com o plano de alteração da redacção, mas no congresso contentou-se em fazer uma vaga alusão a
«certas fricções». A «falsa acusação de oportunismo» estava já esquecida! (Nota do Autor)</ref> da incapacidade para
actuar da antiga redacção, e o congresso resolveu essa questão num determinado sentido, sem nada
perguntar à redacção sobre essas fricções e sem nomear sequer uma comissão para pôr a claro isso
da sua incapacidade para actuar» ... (O estranho é que a ninguém da minoria ocorreu propor ao
congresso que «perguntasse à redacção» ou nomeasse uma comissão! Não seria porque, depois da
cisão da organização do Iskra e do fracasso das conversações sobre as quais escreveram os
camaradas Mártov e Starover, isso teria sido inútil?)... «Nestas circunstâncias, devo considerar a
hipótese de certos camaradas de que eu aceitaria trabalhar na redacção reformada desta maneira
como uma mancha na minha reputação política»...<ref group = "13>O camarada Mártov acrescentou ainda: «Talvez Riazánov consentisse fazer esse papel, mas não o Mártov que
conheceis, penso eu, pelo seu trabalho.» Como se tratava de um ataque pessoal contra Riazánov, o camarada Mártov
retirou as suas palavras. Mas Riazánov figurou no congresso como tipo representativo, não por estas ou aquelas
qualidades pessoais (seria deslocado falar delas), mas pela fisionomia política do grupo «Borba», pelos seus erros
políticos. O camarada Mártov faz muito bem em retirar as ofensas pessoais, supostas ou reais, mas não se devem
esquecer por isso os erros políticos que devem servir de lição ao partido. O grupo «Borba» foi acusado no nosso
congresso de semear o «caos organizativo» e a «fragmentação que nenhuma consideração de princípio justificava»
(p. 38, discurso do camarada Mártov). Tal conduta política merece seguramente ser censurada, não só quando a
vemos manifestar-se num pequeno grupo antes do congresso do partido num período de caos geral, mas também
quando a vemos depois do congresso do partido, quando se elimina o caos, mesmo quando a vemos da parte da
«maioria da redacção do Iskra e da maioria do grupo “Emancipação do Trabalho”». (Nota do Autor)
</ref>
Foi propositadamente que reproduzi na íntegra este raciocínio, para apresentar ao leitor uma
amostra e o ponto de partida do que floresceu com tanta abundância depois do congresso e que não
podemos qualificar de outro modo senão como querela mesquinha. Já empreguei esta expressão na
minha Carta à Redacção do «Iskra» e, apesar do descontentamento da redacção, sou obrigado a
repeti-la pela sua exactidão incontestável. É errado crer-se que tais querelas implicam «motivos
baixos» (como conclui a redacção do novo Iskra): qualquer revolucionário minimamente
familiarizado com as nossas colónias de exilados e emigrados certamente pôde ver dezenas de
exemplos destas querelas, em que se colocavam e examinavam até à saciedade as mais absurdas
acusações, suspeitas, auto-acusações, questões «pessoais», etc., querelas provocadas pela «excitação nervosa» e condições de vida anormais, bafientas. Não há um só homem sensato que se
ponha a procurar a todo o custo motivos baixos nestas querelas, por mais baixas que sejam as
suas manifestações. E é apenas por uma «excitação nervosa» que se pode explicar esta meada
emaranhada de absurdos, de questões pessoais, de horrores fantásticos, de penetrações na
consciência alheia, de ofensas e de calúnias imaginárias que nos oferece o excerto que reproduzi do
discurso do camarada Mártov. As condições de vida bafientas geram entre nós centenas destas
querelas, e um partido político não mereceria consideração se não ousasse dar o seu verdadeiro
nome à doença de que sofre, fazer um diagnóstico implacável e procurar o meio de cura.
Na medida em que se pode distinguir nesta meada algo de princípio, tem de se chegar
inevitavelmente à conclusão de que «as eleições nada têm de comum com uma ofensa à reputação
política», que «negar o direito do congresso de proceder a novas eleições, de introduzir qualquer
modificação nos quadros de funcionários, de seleccionar os componentes dos organismos aos quais
outorga poderes», significa embrulhar a questão, e que «o ponto de vista do camarada Mártov
segundo o qual podia eleger-se parte do antigo organismo revela uma enorme confusão de
conceitos políticos» (como disse no congresso, p. 332).<ref group = "13>Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 305. (N. Ed.)</ref>
Omito a observação «pessoal» do camarada Mártov relativa à questão de saber quem teve a
iniciativa do plano do grupo de três e passo à caracterização «política» do significado que ele deu à
não confirmação da antiga redacção: ...«O que se passou agora é o último acto da luta que se
desenrolou durante a segunda metade do congresso»... (Muito bem! e esta segunda metade começa
no momento em que Mártov, a propósito do §1 dos estatutos, caiu no apertado abraço do camarada
Akímov)... «Não é segredo para ninguém que, quanto a esta reforma, não se trata de “capacidade
para actuar”, mas de uma luta pela influência sobre o CC»... (Em primeiro lugar, não é segredo para
ninguém que se tratava tanto da capacidade para actuar como de uma divergência sobre a
composição pessoal do CC, visto que o plano de «reforma» foi apresentado quando ainda não se
podia falar da segunda divergência e quando, em conjunto com o camarada Mártov, tínhamos
escolhido como sétimo membro da redacção o camarada Pavlóvitch! Em segundo lugar, já
mostrámos, apoiados em documentos, que se tratava da composição pessoal do CC, e que à la fin
des fins<ref group = "13>No fim dos fins. (N. Ed.)</ref> o problema se reduziu a uma diferença de listas: Glébov-Travínski-Popov e Glébov-
Trótski-Popov)... «A maioria da redacção mostrou que não queria ver transformado o CC num
instrumento da redacção»... (Começa a cantilena de Akímov: a questão da influência, pela qual luta
qualquer maioria, em qualquer congresso de partido, sempre e em todo o lado, a fim de consolidar
esta influência por uma maioria nos organismos centrais, passa para o domínio dos mexericos
oportunistas sobre o «instrumento» da redacção, sobre «um simples apêndice» da redacção?
como disse o próprio camarada Mártov um pouco mais tarde, p. 334.)... «É por isso que foi preciso
reduzir o número de membros da redacção(!!). E é por isso que não posso fazer parte de tal
redacção»... (Vejam só com mais atenção este «e é por isso que»: como poderia a redacção
transformar o CC num apêndice ou num instrumento? Exclusivamente no caso de ter três votos no
Conselho e abusar desta superioridade? Não é claro? E não será também claro que o camarada
Mártov, eleito terceiro membro, poderia sempre impedir qualquer abuso e eliminar apenas com o
seu voto qualquer superioridade da redacção no Conselho? A questão reduz-se, pois, precisamente,
à composição pessoal do CC, e desde logo fica bem claro que isso de instrumento e apêndice são
meros mexericos.) ... «Em conjunto com a maioria da antiga redacção, eu pensava que o congresso
poria fim ao “estado de sítio” no seio do partido e instalaria nele um regime normal. Na prática, o
estado de sítio com as suas leis de excepção contra certos grupos foi prolongado e até se agravou.
Só se se mantiver a composição da antiga redacção podemos garantir que os direitos conferidos à
redacção pelos estatutos não serão utilizados em prejuízo do partido»...
Esta é a passagem integral do discurso do camarada Mártov em que lançou pela primeira vez a
famigerada palavra de ordem do «estado de sítio». E agora vede a minha resposta:
...«Ao corrigir a declaração de Mártov sobre o carácter particular do plano dos dois grupos de três,
nem sequer penso, no entanto, em opor-me ao que o próprio Mártov diz sobre o “significado
político” da iniciativa que tomámos não confirmando a antiga redacção. Pelo contrário, estou
inteiramente e sem restrições de acordo com o camarada Mártov em que esta decisão tem grande
importância política, mas não no sentido que lhe atribui Mártov. Este é, disse ele, um acto da luta
pela influência no CC na Rússia. Eu vou mais longe do que Mártov. Toda a actividade do Iskra
enquanto grupo particular foi até agora uma luta pela influência, mas agora trata-se de algo mais,
trata-se de consolidar organicamente esta influência e não só de lutar por ela. A profundidade da
nossa divergência política com o camarada Mártov sobre este ponto manifesta-se claramente
quando ele me lança à cara este desejo de exercer influência no CC, ao passo que eu me prezo de ter
procurado e de continuar a procurar consolidar esta influência através da organização. Verifica-se
que até falamos linguagens diferentes. De que serviria todo o nosso trabalho, todos os nossos
esforços, se viessem a ser coroados pela mesma velha luta pela influência, e não pela plena
aquisição e consolidação da influência? Sim, o camarada Mártov tem toda a razão: o passo dado é
incontestavelmente um grande passo político, que prova que foi escolhida uma das tendências que
actualmente se nos apresentam para o trabalho futuro do nosso partido. E não estou nada
assustado com as palavras terríveis sobre o “estado de sítio no Partido”, sobre as “leis de
excepção contra certas pessoas ou certos grupos”, etc. Para os elementos instáveis e hesitantes
não somente podemos, mas devemos, criar o “estado de sítio”, e os nossos estatutos na sua
totalidade, todo o nosso centralismo a partir de agora aprovado pelo congresso, tudo isso mais não é
do que um “estado de sítio” contra as fontes tão numerosas de imprecisão política. Contra a
imprecisão necessitamos justamente de leis especiais, ainda que sejam de excepção, e o passo dado
pelo congresso indicou a direcção política justa, dando uma base sólida a tais leis e a tais
medidas.»<ref group = "13">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 307-308. (N. Ed.)</ref>
Sublinhei neste resumo do meu discurso no congresso a frase que o camarada Mártov preferiu
omitir no seu «Estado de Sítio» (p. 16). Não admira que esta frase lhe tenha desagradado e que não
tenha querido compreender o seu sentido bem claro.
Que significa a expressão «palavras terríveis», camarada Mártov?
Significa troçar, troçar dos que dão grandes nomes a coisas pequenas, que embrulham uma questão
simples com uma fraseologia pretensiosa.
O único, pequeno e simples facto que pôde servir e serviu de pretexto à «excitação nervosa» do
camarada Mártov consistia exclusivamente no facto de o camarada Mártov ter sofrido uma
derrota no congresso, na questão relativa à composição pessoal dos centros. O significado
político deste simples facto foi que a maioria do congresso do partido, depois de ter triunfado,
consolidou a sua influência estabelecendo também a maioria na direcção do partido, lançando, no
terreno da organização, uma base para a luta, por meio dos estatutos, contra aquilo que essa maioria
considerava hesitação, instabilidade e imprecisão.<ref group = "13">Como se manifestaram no congresso a hesitação, a instabilidade e a imprecisão da minoria iskrista? Primeiro, no
fraseado oportunista sobre o § l dos estatutos; segundo, na coligação com os camaradas Akímov e Líber, a qual se
desenvolveu rapidamente na segunda metade do congresso; terceiro, na faculdade de rebaixar a questão da eleição
dos funcionários para o OC a um nível filistino, a palavras mesquinhas e até à penetração na consciência alheia. E
depois do congresso tão belas qualidades amadureceram, e os botões deram flores e frutos. (Nota do Autor)</ref> Falar a propósito disto de «luta pela influência»
com uma espécie de horror no olhar e queixar-se do «estado de sítio» era apenas fraseologia
pretensiosa, apenas palavras terríveis.
O camarada Mártov não está de acordo com isto? Porque não tenta demonstrar-nos se houve no
mundo um congresso de partido, se é concebível em geral um congresso de partido em que a
maioria não consolidou a influência conquistada: 1) estabelecendo a mesma maioria nos centros; 2)
dando-lhe poder para neutralizar a hesitação, a instabilidade e a imprecisão?
Antes das eleições, o nosso congresso tinha de resolver a questão: era à maioria ou à minoria do
partido que se devia reservar um terço dos votos no OC e no CC? O grupo de seis e a lista do
camarada Mártov significavam que o terço nos cabia a nós e os dois terços aos seus partidários. O
grupo de três no OC e a nossa lista significavam que dois terços eram para nós, e um terço para os
partidários do camarada Mártov. O camarada Mártov recusou-se a chegar a um acordo connosco ou
a ceder, e provocou-nos para o combate, por escrito, diante do congresso; mas depois de ter sofrido
a derrota perante o congresso, pôs-se a chorar e começou a queixar-se do «estado de sítio»! Ora não
será isto uma querela mesquinha? Não será isto uma nova manifestação de tibieza própria de
intelectuais?
Não podemos deixar de recordar a propósito a brilhante definição sociopsicológica desta última
qualidade dada recentemente por K. Kautsky. Os partidos sociais-democratas de diferentes países
estão actualmente sujeitos muitas vezes a doenças do mesmo género, e ser-nos-á muito, muito útil
aprender com camaradas mais experientes o diagnóstico justo e o tratamento acertado. Por isso, a
definição de alguns intelectuais dada por Kautsky só na aparência nos afastará do nosso tema.
...«No momento actual, de novo nos interessamos vivamente pela questão do antagonismo entre os
intelectuais<ref group = "13">Traduzo pelas palavras intelectual, intelectualidade, os termos alemães Literat, Literatentum, que englobam não só
os literatos, mas todos os homens instruídos, das profissões liberais em geral, os trabalhadores intelectuais ( brain
worker, como dizem os ingleses), ao contrário dos trabalhadores manuais. (Nota do Autor)</ref> e o proletariado. Os meus colegas» (Kautsky é também um intelectual, literato e
redactor) «em muitos casos indignar-se-ão ao ver que eu admito este antagonismo. Mas o facto é
que ele existe, e a táctica mais inadequada seria (neste como noutros casos) tentar desembaraçarmo-
nos dele negando o facto. Este antagonismo é um antagonismo social que se manifesta nas classes e
não em indivíduos isolados. Tal como um capitalista, um intelectual pode, individualmente,
entregar-se por inteiro à luta de classe do proletariado. Em tais casos, quando isto tem lugar, o
intelectual muda também de carácter. No que vou dizer a seguir, não tratarei principalmente dos
intelectuais deste tipo, que ainda hoje são excepção no seio da sua classe. A seguir, quando não
houver qualquer reserva especial, entendo por intelectual apenas um intelectual comum que se
situa no terreno da sociedade burguesa, e que é um representante característico da
intelectualidade como classe. Esta classe mantém-se num certo antagonismo com o proletariado.
«Este antagonismo é de um género diferente do antagonismo entre o trabalho e o capital. O
intelectual não é um capitalista. É verdade que o seu nível de vida é burguês e que ele é obrigado a
manter este nível a menos que se transforme num vagabundo, mas ao mesmo tempo vê-se obrigado
a vender o produto do seu trabalho e por vezes mesmo a sua força de trabalho e sofre com
frequência a exploração dos capitalistas e certa humilhação social. Assim, não existe nenhum
antagonismo económico entre o intelectual e o proletariado. Mas a sua situação na vida, as suas
condições de trabalho, não são proletárias; daí um certo antagonismo nos sentimentos e nas ideias.
«O proletário não é nada enquanto permanecer um indivíduo isolado. Toda a sua força, todas as
suas capacidades de progresso, todas as suas esperanças, as suas aspirações, tira-as da organização,
da sua actuação sistemática em comum com os seus camaradas. Sente-se grande e forte quando faz
parte de um grande e forte organismo. Este organismo é tudo para ele, enquanto um indivíduo
isolado, em comparação com ele, significa muito pouco. O proletário luta com a maior abnegação
como uma parcela da massa anónima, sem pretender vantagens pessoais, glória pessoal; ele cumpre
o seu dever em qualquer cargo onde seja colocado, submetendo-se voluntariamente à disciplina, que penetra todos os seus sentimentos, todo o seu pensamento.
« O que sucede com o intelectual é muito diferente. Ele não luta empregando, de um modo ou de
outro, a força, mas servindo-se de argumentos. As suas armas são os seus conhecimentos pessoais,
as suas capacidades pessoais, as suas convicções pessoais. Só se pode fazer valer pelas suas
qualidades pessoais. A inteira liberdade de manifestar a sua personalidade apresenta-se-lhe pois
como a primeira condição de êxito no seu trabalho. Só muito dificilmente se submete a um todo,
como parte auxiliar desse todo, e submete-se-lhe por necessidade e não por inclinação pessoal. A
necessidade de uma disciplina, reconhece-a apenas para a massa e não para os espíritos de elite. Ele
próprio, é evidente, considera-se entre os espíritos de elite...
... «A filosofia de Nietzsche, com o seu culto do super-homem, para quem tudo se reduz a conseguir
o pleno desenvolvimento da sua própria personalidade, para quem qualquer submissão da sua
pessoa a qualquer grande objectivo social se apresenta vil e desprezível, esta filosofia é a verdadeira
concepção do mundo do intelectual, ela torna-o absolutamente incapaz de participar na luta de
classe do proletariado.
«Ao lado de Nietzsche, Ibsen é um representante destacado da concepção do mundo da
intelectualidade, concepção que coincide com a sua maneira de sentir. O seu doutor Stockmann (no
drama Um Inimigo do Povo) não é um socialista, como muitos supunham, mas o tipo de intelectual
que deve necessariamente entrar em conflito com o movimento proletário e, em geral, com qualquer
movimento popular, desde que tente actuar nele. Isto porque a base do movimento proletário, como
a de qualquer movimento democrático,<ref group = "13">É muito característico do confusionismo que os nossos martovistas provocaram em todos os problemas de
organização o facto de que, depois de terem feito uma viragem para Akímov e para uma democracia deslocada,
estão ao mesmo tempo irritados pela eleição democrática da redacção, eleição feita no congresso e de antemão
prevista por todos. Será este também o vosso princípio, senhores? (Nota do Autor)</ref> é o respeito pela maioria dos camaradas. O intelectual
típico à la Stockmann vê na «compacta maioria» um monstro que deve ser derrubado.
... «O modelo ideal do intelectual que se deixou penetrar inteiramente pelo espírito proletário, que,
sendo um brilhante escritor, perdeu os traços psicológicos próprios da intelectualidade, que se
integrava nas fileiras sem murmurar, trabalhava em qualquer cargo que lhe confiassem, se tinha
consagrado inteiramente à nossa grande causa e desprezava os chorosos queixumes (weichlickes
Gewinsel) sobre o esmagamento da sua personalidade, que tantas vezes ouvimos por parte dos
intelectuais formados no espírito de Ibsen e Nietzsche quando lhes acontecia ficar em minoria, o
modelo ideal deste intelectual, como daqueles de que o movimento socialista necessita, era
Liebknecht. Poder-se-ia igualmente citar aqui Marx, que nunca se pôs em primeiro plano e se
submetia de maneira exemplar à disciplina do partido no seio da Internacional, onde mais de uma
vez ficou em minoria.»<ref group = "13">Karl Kautsky, «Franz Mehring», Neue Zeit, XXII, I, S. 99-101, 1903, n° 4.</ref>
Precisamente chorosos queixumes de intelectual que ficou em minoria, e nada mais, foi a renúncia
de Mártov e dos seus colegas ao cargo apenas por não ter sido confirmado o antigo círculo, as
lamentações sobre o estado de sítio e as leis de excepção «contra determinados grupos» que não
eram caros a Mártov quando da dissolução do Iújni Rabótchi e da Rabótcheie Dielo, mas que se lhe
tornaram caros quando da dissolução do seu organismo colectivo.
Precisamente chorosos queixumes de intelectuais em minoria foram afinal todas as queixas,
censuras, alusões, lamentações, mexericos e insinuações sobre a «compacta maioria», de que
correram rios no nosso congresso do partido<ref group = "13">Ver pp. 337, 338, 340, 352, etc., das actas do congresso.</ref> (e ainda mais depois do congresso), por obra e graça
do camarada Mártov.
A minoria queixava-se amargamente de que a compacta maioria tinha as suas reuniões privadas: na
verdade, a minoria de algum modo tinha que encobrir o facto, para ela desagradável, de que os
delegados que convidava para as suas reuniões privadas se recusavam a lá ir, e aqueles que de bom
grado o teriam feito (os Egórov, os Mákhov, os Brúker) não podiam ser convidados pela minoria
depois de toda a luta travada entre uns e outros no congresso.
Lamentaram-se amargamente da «falsa acusação de oportunismo»: na verdade, de algum modo se
tinha que encobrir o facto desagradável de que precisamente os oportunistas, que apoiavam com
muito mais frequência os anti-iskristas, e em parte os próprios anti-iskiristas, formavam a compacta
minoria, agarrando-se com ambas as mãos à manutenção do espírito de círculo nos organismos, do
oportunismo nos raciocínios, do filistinismo nos assuntos de partido, da instabilidade e tibieza
própria de intelectuais.
Mostraremos no capítulo seguinte em que consiste a explicação do facto político altamente
interessante de no fim do congresso se ter formado uma «compacta maioria», e por que razão a
minoria, apesar de todas as solicitações, evita com o maior cuidado a questão das causas e a
história da sua formação. Mas terminemos primeiro a análise dos debates no congresso.
Durante as eleições para o CC, o camarada Mártov propôs uma resolução extremanente
característica (p. 336), cujos três aspectos principais são o que eu qualificava por vezes de «xeque-
mate em três lances». São estes os traços: 1) votam-se as listas de candidatos para o CC, e não
candidatos individuais; 2) depois da leitura das listas, deixa-se passar duas sessões (para os debates,
com certeza); 3) na ausência de uma maioria absoluta, reconhece-se a segunda votação como
definitiva. Esta resolução é de uma estratégia engenhosamente concebida (devemos fazer justiça,
mesmo ao adversário!), com a qual não está de acordo o camarada Egórov (p. 337), mas que
seguramente garantiria a vitória completa a Mártov, se o grupo de sete, formado pelos bundistas
e os partidários da «Rabótcheie Dielo», não tivesse abandonado o congresso. A estratégia
explica-se justamente porque a minoria iskrista não tinha nem podia ter um « acordo directo» (que
existia na maioria iskrista) não só com o Bund e Brúker, mas nem sequer com os camaradas
Egórov e Mákhov.
Lembrai-vos que o camarada Mártov se lamentou no congresso da Liga, pretendendo que a «falsa
acusação de oportunismo» implicava um acordo directo entre ele e o Bund. Repito, foi o medo que
inspirou a Mártov esta ideia, e justamente o desacordo do camarada Egórov com a votação das
listas (o camarada Egórov «ainda não tinha perdido os seus princípios», provavelmente os
princípios que o levaram a associar-se com Goldblat na apreciação da importância absoluta das
garantias democráticas) mostra visivelmente o facto de enorme importância de nem mesmo com
Egórov ter podido efectivar-se um «acordo.directo». Mas a coligação podia fazer-se e fez-se
tanto com Egórov como com Brúker, coligação no sentido de que o seu apoio era assegurado aos
martovistas todas as vezes que os martovistas entrassem em sério conflito connosco, e que Akímov
e os seus amigos tivessem que optar pelo mal menor. Não havia nem há sombra de dúvida de que, a
título do mal menor, como aquilo que menos conduzia aos objectivos iskristas (ver o discurso de
Akímov sobre o § l e as suas «esperanças» postas em Mártov), os camaradas Akímov e Líber
teriam votado evidentemente pelo grupo de seis para o OC e pela lista de Mártov para o CC.
A votação por listas, o deixar passar as duas sessões e a nova votação visavam obter precisamente
este resultado com precisão quase mecânica, sem nenhum acordo directo.
Mas como a nossa compacta maioria continuava a ser uma maioria compacta, o movimento de
flanco que o camarada Mártov propunha era apenas uma manobra dilatória, e não podíamos deixar
de rejeitá-la. A minoria (numa declaração, p. 341) por escrito deu rédea solta às suas queixas a este
respeito, recusando, a exemplo de Martínov e Akímov, participar na votação e nas eleições para
o CC «dadas as condições nas quais estas se efectuavam». Depois do congresso, estas queixas
contra as condições anormais das eleições (ver Estado de Sítio, p. 31) foram espalhadas a torto e a
direito perante centenas de comadres do partido. Mas em que consistia esta anormalidade? Na
votação secreta que tinha sido prevista antecipadamente pelo regulamento do congresso (§ 6, p. 11
das actas), e na qual seria ridículo ver «hipocrisia» ou «injustiça»? Na formação de uma compacta
maioria, essa «coisa monstruosa» para os intelectuais dados às lamúrias? Ou no desejo anormal
destes respeitáveis intelectuais de faltar à palavra que tinham dado, antes do congresso, de
reconhecer a validade de todas as suas eleições (p. 380, § 18, do regulamento do congresso)?
O camarada Popov fez uma subtil alusão a este desejo quando, no dia das eleições, perguntou
directamente no congresso: «O bureau tem a certeza de que a decisão do congresso é válida e
legítima quando metade dos participantes nele se recusaram a votar?»<ref group = "13">P. 342. Trata-se da eleição do quinto membro do Conselho. Foram entregues 24 boletins (44 votos ao todo), dos
quais havia dois em branco. (Nota do Autor)</ref> O bureau respondeu
naturalmente que tinha a certeza e recordou o incidente com os camaradas Akímov e Martínov. O
camarada Mártov juntou-se ao bureau e declarou terminantemente que o camarada Popov se
enganava e que «as decisões do congresso são legítimas» (p. 343). Que o leitor julgue por si
próprio da coerência política, pelos vistos altamente normal, a qual se manifesta quando se compara
esta declaração perante o partido com a conduta depois do congresso e com a frase do Estado de
Sítio sobre «a insurreição desencadeada já no congresso por metade do partido» (p. 20). As
esperanças que o camarada Akímov depositava no camarada Mártov foram mais fortes que as
efémeras boas intenções do próprio camarada Mártov.
«Venceste», camarada Akímov!
<div style='text-align: center;'>* * *</div>
Para mostrar a que ponto era uma «palavra terrível» a famigerada frase relativa ao «estado de sítio»,
frase que adquiriu já para sempre um sentido tragicómico, pode-se citar alguns pormenores,
insignificantes na aparência, mas no fundo muito importantes, do fim do congresso, fim esse que
teve lugar depois das eleições. O camarada Mártov está agora obcecado por esse «estado de sítio»
tragicómico, afirmando muito a sério a si próprio e ao leitor que o espantalho por ele inventado
significava uma perseguição anormal, um acossar, um atropelo da «minoria» pela «maioria». Vamos
mostrar em seguida como as coisas se passaram depois do congresso. Mas basta mesmo prestar
atenção ao fim do congresso para ver que, depois das eleições, a «compacta maioria» não só não
persegue os pobres martovistas, atropelados, ofendidos e levados ao patíbulo como, pelo contrário,
lhes oferece ela própria (pela boca de Liádov) dois lugares, de três, na comissão das actas (p.
354). Pegai nas resoluções sobre os problemas tácticos e sobre outros pontos (p. 355 e segs.) e
vereis que se tratou dos problemas a fundo de um ponto de vista puramente prático, em que as
assinaturas dos camaradas que apresentaram resoluções incluem frequentemente misturados tanto
representantes da monstruosa e compacta «maioria» como partidários da «humilhada e ofendida»
«minoria» (pp. 355,357, 363,365, 367 das actas). Verdadeiramente, acaso se assemelha isto a um
«afastamento do trabalho» e a todos os outros «atropelos»?
A única discussão de fundo interessante, mas infelizmente demasiado curta, travou-se a propósito
da resolução de Starover sobre os liberais. A julgar pelas assinaturas que a subscrevem (pp. 357 e
358), esta foi adoptada pelo congresso porque três partidários da «maioria» (Braun, Orlov e
Óssipov) votaram em bloco tanto por ela como pela resolução de Plekhánov, por não verem a
contradição irredutível que existia entre ambas. À primeira vista, não há contradição irredutível
entre elas, visto que a de Plekhánov estabelece um princípio geral, exprime uma certa atitude do
ponto de vista de princípios e da táctica para com o liberalismo burguês na Rússia, e a de Starover
tenta determinar as condições concretas nas quais são admissíveis «acordos temporários» com
«tendências liberais ou democrático-liberais». Os temas destas duas resoluções são diferentes. Mas a de Starover sofre precisamente de imprecisão política, sendo por isso fútil e mesquinha. Ela não
define o conteúdo de classe do liberalismo russo, não indica as tendências políticas definidas que
o reflectem; não elucida o proletariado sobre as tarefas fundamentais de propaganda e agitação
relativamente a essas tendências definidas; confunde (em virtude da sua imprecisão) coisas
diferentes como o movimento estudantil e a Osvobojdénie,<ref group = "13>Osvobojdénie (Libertação): revista quinzenal, que se publicou no estrangeiro de 18 de Junho (l de Julho) de 1902 a
5 (18) de Outubro de 1905 sob a direcção de P. B. Struve. A revista era um órgão da burguesia monárquico-liberal
rusfa. Em 1903, em volta da revista formou-se (e em Janeiro de 1904 formalizou-se) a «União de Libertação», que
existiu até Outubro de 1905. Os «osvobojdenistas» constituíram mais tarde o núcleo do Partido Democrata-
Constitucionalista, que se formou em Outubro de 1905.</ref> prescreve de modo mesquinho e
casuístico três condições concretas nas quais são admissíveis «acordos temporários». Neste caso
como em muitos outros, a imprecisão política conduz à casuística. A ausência de um princípio geral
e o desejo de enumerar as «condições» levam a uma enumeração mesquinha e, rigorosamente
falando, inexacta, dessas condições. Com efeito, examinai estas três condições de Starover: 1) «as
tendências liberais ou democrático-liberais» devem «afirmar claramente e sem equívoco que, na sua
luta contra o governo autocrático, se colocam resolutamente ao lado da social-democracia russa».
Que diferença há entre as tendências liberais e as tendências democrático-liberais? A resolução não
fornece dados para responder a esta questão. Não consistirá a diferença em que as tendências
liberais exprimem a posição das camadas politicamente menos progressistas da burguesia, enquanto
as tendências democrático-liberais exprimem a posição das camadas mais progressistas da
burguesia e da pequena burguesia? Se assim é, como pode o camarada Starover admitir que as
camadas burguesas menos progressistas (mas progressistas apesar de tudo, senão não se poderia
falar de liberalismo) «se colocarão resolutamente ao lado da social-democracia»?? Isto é um
absurdo, e ainda que os representantes dessa tendência «o afirmassem claramente e sem
equívoco» (hipótese totalmente impossível), nós, partido do proletariado, teríamos o dever de não
acreditar nas suas declarações. Ser liberal e colocar-se resolutamente ao lado da social-democracia,
eis duas coisas que se excluem mutuamente.
Prossigamos. Admitamos o caso seguinte: «as tendências liberais ou democrático-liberais»
declararão claramente e sem equívoco que, na sua luta contra a autocracia, se colocam
resolutamente ao lado dos socialistas-revolucionários. Hipótese bem menos inverosímil
(considerando a essência democrático-burguesa da tendência dos socialistas-revolucionários) que a
do camarada Starover. A resolução deste, em virtude do seu carácter impreciso e casuístico, implica
que neste caso acordos temporários com liberais deste género são inadmissíveis. E no entanto,
esta conclusão, que decorre necessariamente da resolução do camarada Starover, conduz a uma tese
francamente falsa. Os acordos temporários são também admissíveis com os socialistas-
revolucionários (vede a propósito disto a resolução do congresso) e, por consequência, com os
liberais que se colocarem ao lado dos socialistas-revolucionários.
Segunda condição: se essas tendências «não inscreverem nos seus programas reivindicações
contrárias aos interesses da classe operária e da democracia em geral, ou que obscurecem a sua
consciência». Aqui temos o mesmo erro: não existiram nunca, nem podem existir, tendências
democrático-liberais que não inscrevam nos seus programas reivindicações contrárias aos interesses
da classe operária e que não obscureçam a sua (do proletariado) consciência. Mesmo uma das
fracções mais democráticas da nossa tendência democrático-liberal, a dos socialistas-
revolucionários, formula no seu programa, confuso como todos os programas liberais,
reivindicações contrárias aos interesses da classe operária e obscurecedoras da sua consciência.
Desse facto deve-se tirar a conclusão de que é imprescindível «desmascarar a estreiteza e a
insuficiência do movimento de emancipação da burguesia», mas de modo algum que sejam
inadmissíveis acordos temporários.
Enfim, a terceira «condição» do camarada Starover (exigindo que os democratas-liberais façam do
sufrágio universal, igual, directo e secreto palavra de ordem da sua luta) também é falsa na formulação geral em que nos é dada: não seria razoável declarar que os acordos temporários e
particulares são, em qualquer caso, inadmissíveis com as tendências democrático-liberais que
defendem a palavra de ordem de uma constituição censitária, uma constituição «cerceada» em
geral. No fundo, poderíamos classificar aqui a «tendência» dos senhores da Osvobojdénie; mas atar-
se as mãos, proibindo antecipadamente os «acordos temporários», ainda que com os liberais mais
timoratos, seria uma miopia política incompatível com os princípios do marxismo.
Balanço: a resolução do camarada Starover, assinada igualmente pelos camaradas Mártov e
Axelrod, é errada; e o terceiro congresso fará bem se a anular. Padece de imprecisão política na
sua posição teórica e táctica, de casuística nas «condições» práticas que estipula. Confunde duas
questões diferentes: 1) o desmascaramento dos traços «anti-revolucionários e anti-proletários» de
qualquer tendência democrático-liberal e a obrigatoriedade da luta contra estes traços e 2) as
condições em que são possíveis acordos temporários e particulares com qualquer destas tendências.
Esta resolução não apresenta o que é necessário (análise do conteúdo de classe do liberalismo) e
apresenta o que não é necessário (prescrição de «condições»). De maneira geral, num congresso do
partido, é absurdo querer elaborar as «condições» concretas de acordos temporários quando ainda
não se apresentou nenhum contratante determinado, sujeito desses possíveis acordos. E ainda que
tal «sujeito» existisse, seria cem vezes mais racional deixar o cuidado de precisar as «condições» do
acordo temporário aos organismos centrais do partido, como aliás fez o congresso com a
«tendência» dos senhores socialistas-revolucionários (ver a modificação introduzida por Plekhánov
no final da resolução do camarada Axelrod, pp. 362 e 15 das actas).
Quanto às objecções apresentadas pela «minoria» à resolução de Plekhánov, eis o único argumento
que o camarada Mártov invocou: a resolução de Plekhánov «termina com uma conclusão
mesquinha: é preciso desmascarar um literato. Não será “armar-se com um malho para abater uma
mosca” ?» (p. 358). Este argumento, em que a ausência de ideias é dissimulada por uma expressão
mordaz - «conclusão mesquinha» - dá-nos uma nova amostra da fraseologia pretensiosa. Primeiro, a
resolução de Plekhánov fala em «desmascarar perante o proletariado a estreiteza e a insuficiência do
movimento de emancipação da burguesia, sempre que essa estreiteza e insuficiência se
manifestem». Por isso é a mais pura futilidade a afirmação do camarada Mártov (no congresso da
Liga, p. 88 das actas) de que «toda a atenção se deve concentrar unicamente em Struve, num só
liberal». Em segundo lugar, comparar o senhor Struve a uma «mosca», quando se trata da
possibilidade de acordos temporários com os liberais russos, é sacrificar à mordacidade a mais
elementar evidência política. Não, o senhor Struve não é uma mosca, é uma grandeza política; e se
o é, não será porque pessoalmente seja uma figura muito destacada. A sua qualidade de grandeza
política advém-lhe da sua posição, a sua posição de único representante do liberalismo russo, do
liberalismo com certa organização e capacidade de actuar no mundo da clandestinidade. Por isso,
falar dos liberais russos e da atitude do nosso partido para com eles sem ter em conta precisamente
o senhor Struve, e precisamente a Osvobojdénie - é falar para não dizer nada. Ou tentará talvez o
camarada Mártov indicar-nos mesmo que seja só uma «tendência liberal ou democrático-liberal»
na Rússia que possa, no momento actual, mesmo de longe, comparar-se à tendência da
Osvobojdénie? Seria curioso ver semelhante tentativa!<ref group = "13>No congresso da Liga, o camarada Mártov aduziu ainda este argumento contra a resolução do camarada Plekhánov:
«A principal objecção contra esta resolução, o principal defeito desta resolução, é que ela desconhece inteiramente o
facto de que temos o dever de não nos furtarmos, na luta contra a autocracia, a uma aliança com os elementos
democrático-liberais. O camarada Lénine teria chamado a tal tendência uma tendência martinoviana. Esta tendência
manifesta-se já no novo Iskra» (p. 88).
Esta passagem é uma colecção de «pérolas» duma rara riqueza. 1) As palavras sobre a aliança com os liberais são
uma completa embrulhada. Ninguém falou sequer de uma aliança, camarada Mártov, mas apenas de acordos
provisórios ou particulares. São coisas muito diferentes. 2) Se na sua resolução Plekhánov não fala de uma «aliança»
inacreditável e só fala, em geral, de «apoio», isso não é um defeito, mas um mérito da sua resolução. 3) O camarada
Mártov não seria capaz de se dar ao trabalho de nos explicar o que caracteriza, em geral, as «tendências
martinovianas»? Não vai dizer-nos qual é a relação destas tendências com o oportunismo? Não quererá ver a relação
dessas tendências com o parágrafo primeiro dos estatutos? 4) Na verdade, estou a arder de impaciência para ouvir o camarada Mártov dizer como se manifestaram as «tendências martinovianas» no «novo» Iskra. Peco-lhe, camarada
Mártov, livre-me o mais rapidamente possível dos tormentos da espera! (Nota do Autor)</ref>
«O nome de Struve nada significa para os operários», declarou o camarada Kostrov em apoio do
camarada Mártov. Este é já, sem ofensa para os camaradas Kostrov e Mártov, um argumento à
Akímov. Este é já um argumento como o do proletariado no genitivo.<ref group = "13">V. I. Lénine tem em vista a intervenção no II Congresso do POSDR do «economista» V. P. Akímov, que, ao criticar o
projecto do programa do partido proposto pelo Iskra, protestou contra o facto de a palavra «proletariado» figurar no
programa não como sujeito, mas como complemento. Deste modo, na opinião de Akímov, se manifestaria a
tendência de separar o partido dos interesses do proletariado</ref>
Quais são os operários para quem «o nome de Struve não significa nada» (do mesmo modo que o da
Osvobojdénie mencionado na resolução de Plekhánov ao lado do nome do senhor Struve)? São os
operários que conhecem muitíssimo pouco ou não conhecem absolutamente nada das «tendências
liberais e democrático-liberais» na Rússia. Perguntamos qual deve ser a atitude do congresso do
nosso partido para com esses operários: deverá encarregar os membros do partido de dar a conhecer
a esses operários a única tendência liberal definida existente na Rússia? ou deve calar um nome
pouco conhecido dos operários precisamente em virtude da insuficiência dos seus conhecimentos
políticos? Se o camarada Kostrov, depois de ter dado o primeiro passo na esteira do camarada
Akímov, não quer dar o segundo passo, resolverá seguramente esta questão no primeiro sentido. E
tendo-a resolvido no primeiro sentido, verá como o seu argumento era inconsistente. Em todo o
caso, as palavras «Struve» e Osvobojdénie, na resolução de Plekhánov, podem dar aos operários
muito mais do que as palavras «tendência liberal e democrático-liberal», na resolução de Starover.
No momento actual, o operário russo não pode tomar conhecimento na prática das tendências
políticas mais ou menos francamente expressas do nosso liberalismo a não ser através da
Osvobojdénie. A literatura liberal legal não serve neste caso porque é demasiado nebulosa. E nós
devemos com o maior zelo (e perante massas operárias o mais vastas possíveis) dirigir a arma da
nossa crítica contra os elementos da Osvobojdénie para que no momento da revolução futura o
proletariado russo possa, com a verdadeira crítica das armas, paralisar as inevitáveis tentativas dos
senhores da Osvobojdénie de cercear o carácter democrático da revolução.
<div style='text-align:center;'>_________</div>
À parte a «perplexidade», de que falei anteriormente, do camarada Egórov sobre o nosso «apoio»
ao movimento de oposição e revolucionário, os debates sobre as resoluções não forneceram material
interessante, e de resto quase não houve debates.
<div style='text-align:center;'>_________</div>
O congresso terminou com breves palavras do presidente recordando o carácter imperativo das
decisões do congresso para todos os membros do partido.
===Notas===
<references group = "13"/>
==o) Quadro Geral da Luta no Congresso. A Ala Revolucionária e a Ala Oportunista do Partido==
Agora que terminámos a análise dos debates e das votações do congresso, precisamos de fazer o
balanço para podermos, baseando-nos em todos os materiais do congresso, responder à pergunta
seguinte: que elementos, grupos e matizes acabaram por formar a maioria e a minoria que vimos
nas eleições e que estavam destinadas a constituir durante um certo tempo a divisão fundamental do
nosso partido? É necessário fazer o balanço de todo o material sobre matizes de princípio, em
matéria de teoria e táctica, que as actas do congresso nos oferecem com tanta abundância. Sem um «resumo» geral, sem um quadro geral de todo o congresso e de todos os principais agrupamentos
nas votações, estes materiais ficam demasiado fragmentados, dispersos, de maneira que à primeira
vista os diversos agrupamentos parecem acidentais, sobretudo a quem não se der ao cuidado de
estudar, de modo independente e em todos os seus aspectos, as actas do congresso (e entre os
leitores haverá muitos que se tenham dado a esse cuidado?).
Nos relatórios parlamentares ingleses encontra-se frequentemente a característica palavra division -
divisão. A câmara «dividiu-se» em determinada maioria e minoria, diz-se, numa votação. A
«divisão» da nossa câmara social-democrata na discussão de diversas questões no congresso, dá-nos
um quadro único no seu género, insubstituível pela sua plenitude e exactidão, da luta interna do
partido, dos seus matizes de opinião e dos seus grupos. Para tornar mais nítido este quadro, para
obter um verdadeiro quadro, e não um amontoado de factos e factozinhos desligados, fragmentados
e isolados, para pôr fim às discussões intermináveis e sem sentido, sobre as diversas votações
(quem votou por quem e quem apoiou quem?), decidi tentar representar, sob a forma de diagrama,
todos os tipos fundamentais de «divisões» no nosso congresso. Este processo parecerá seguramente
estranho a muita gente, mas duvido que se possa encontrar outro método que verdadeiramente
permita sintetizar e resumir os resultados de maneira tão completa e tão precisa. No caso de votação
nominal, pode-se determinar com absoluta precisão se tal ou tal delegado votou a favor ou contra
uma proposta; quanto a certas votações importantes não nominais pode-se, com base nas actas,
determiná-lo com um elevado grau de probabilidade, com um grau suficiente de aproximação da
verdade. E se se tomar em consideração todas as votações nominais, assim como todas as votações
não nominais sobre questões de certa importância (a julgar, por exemplo, pelo pormenor e a paixão
dos debates), obteremos um quadro da luta interna do nosso partido, um quadro que terá a máxima
objectividade que é possível alcançar com os materiais de que dispomos. Ao fazê-lo, em vez de dar
uma imagem fotográfica, ou seja, uma imagem de cada votação tomada separadamente, tentaremos
elaborar um quadro, isto é, apresentar os principais tipos de votações, ignorando as excepções e
variações relativamente pouco importantes e que apenas complicariam as coisas. Em todo o caso
cada qual poderá, baseando-se nas actas, verificar cada pormenor do nosso quadro, completá-lo com
qualquer votação particular, numa palavra, criticá-lo não só com argumentos, dúvidas ou referências
a casos isolados, mas traçando um quadro diferente com base nos mesmos materiais.
Inscrevendo no diagrama cada um dos delegados que tomaram parte nas votações, indicaremos com
sombreado diferente os quatro grupos fundamentais que seguimos pormenorizadamente ao longo de
todos os debates no congresso, a saber: 1) iskristas da maioria; 2) iskristas da minoria; 3) «centro» e
4) anti-iskristas. Vimos as diferenças de matizes de princípios entre estes grupos numa imensidade
de exemplos, e se há alguém a quem os nomes desses grupos desagradam, porque lembram
demasiadamente aos amadores de ziguezagues a organização do Iskra e a tendência do Iskra, dir-
lhe-emos que não é o nome que importa. Agora que seguimos já os matizes através de todos os
debates do congresso, podem ser facilmente substituídos os nomes já estabelecidos e familiares no
partido (mas que ferem os ouvidos de alguns), pela caracterização do que constitui a essência dos
matizes entre os grupos. Com tal substituição teríamos para esses mesmos quatro grupos as
designações seguintes: 1) sociais-democratas revolucionários consequentes; 2) pequenos
oportunistas; 3) oportunistas médios e 4) grandes oportunistas (grandes à nossa escala russa).
Esperemos que estas designações choquem menos os que há algum tempo começaram a assegurar a
si próprios e aos outros de que «iskristas» é um nome que apenas designa um «círculo», e não uma
tendência.
Passemos à descrição detalhada dos tipos de votações «fotografadas» no diagrama junto.
[[Arquivo:UPFDPA.png|700px|thumb|center|QUADRO GERAL DA LUTA NO CONGRESSO]]
<sub>(Os números com + e - representam o número total de votos emitidos a favor e contra determinadas questões. Os
números situados debaixo das barras representam o número de votos de cada um dos quatro grupos. O carácter das
votações englobadas por cada um dos tipos A-E é explicado no texto.)</sub>
O primeiro tipo de votação (A) engloba os casos em que o «centro» se uniu aos iskristas contra os
anti-iskristas ou contra uma parte deles. Inclui a votação do programa no conjunto (só Akímov se
absteve, os outros votaram a favor), a votação da resolução de princípio condenando a federação
(todos votaram a favor à excepção de cinco bundistas), a votação do § 2 dos estatutos do Bund (os
cinco bundistas votaram contra nós e houve cinco abstenções: Martínov, Akímov, Brúker e Mákhov,
com dois votos, os outros connosco); esta é a votação que é representada no diagrama A. Em
seguida, as três votações sobre a questão da confirmação do Iskra como Órgão Central do partido
foram também do mesmo tipo; a redacção (cinco votos) absteve-se, nas três votações dois votaram
contra (Akímov e Brúker) e além disso, na votação dos motivos da confirmação do Iskra
abstiveram-se os cinco bundistas e o camarada Martínov.<ref group = "13">Porque se escolheu precisamente para o diagrama a votação do § 2 dos estatutos do Bund? Porque as votações sobre
a confirmação do Iskra são menos completas e porque as votações sobre o programa e a federação referem-se a
decisões políticas menos definidas e concretas. Dum modo geral, escolher uma ou outra de uma série de votações do
mesmo tipo não alterará em nada os traços essenciais do quadro, como poderá facilmente dar-se conta quem quer
que faça as alterações correspondentes. (Nota do Autor)</ref>
O tipo de votação que acabamos de examinar responde a uma questão de grande interesse e
importância: quando é que o «centro» do congresso votou com os iskristas? Quando, com raras
excepções, os anti-iskristas também estavam connosco (aprovação do programa, confirmação do
Iskra independentemente dos motivos), ou quando se tratava de declarações que ainda não
obrigavam directamente a uma atitude política precisa (reconhecer o trabalho de organização do
Iskra não obriga ainda a aplicar de facto a sua política de organização em relação aos grupos particulares; rejeitar a federação não impede ainda uma abstenção quando se trata de um projecto,
concreto de federação, como vimos no exemplo do camarada Mákhov). Já vimos anteriormente, a
propósito do significado dos agrupamentos no congresso em geral, quão inexactamente esta questão
é apresentada na exposição oficial do Iskra oficial que (pela boca do camarada Mártov) apaga e
escamoteia a diferença entre os iskristas e o «centro», entre os sociais-democratas revolucionários
consequentes e os oportunistas, citando os casos em que os anti-iskristas também votaram
connosco! Mesmo os mais «direitistas» dos oportunistas alemães e franceses nos partidos sociais-
democratas não votam contra quando se trata de questões como a adopção do programa no seu
conjunto.
O segundo tipo de votação (B) compreende os casos em que os iskristas, consequentes e
inconsequentes, se uniram contra todos os anti-iskristas e todo o «centro». Eram sobretudo os casos
em que se tratava de aplicar os planos concretos e definidos da política iskrista, em que se tratava
do reconhecimento do «Iskra» de facto, e não só em palavras. Incluem o incidente do CO,<ref group = "13">É esta votação que é representada no diagrama B: os iskristas obtiveram 32 votos e a resolução do bundista 16. De
notar que entre as votações deste tipo não houve uma só votação nominal. O modo como os delegados
individualmente votaram só pode ser estabelecido - com um altíssimo grau de probabilidade - por duas espécies de
dados: l) nos debates os oradores dos dois grupos de iskristas pronunciam-se a favor e os oradores dos anti-iskristas
e do centro contra. 2) o número de votos «a favor» é sempre muito próximo de 33. É preciso também não esquecer
que ao analisar os debates do congresso nós fizemos notar, além das votações, toda uma série de casos em que o
«centro» se uniu aos anti-iskristas (aos oportunistas) contra nós, como aconteceu quando se tratou da questão
relativa ao valor absoluto das reivindicações democráticas, ao apoio a favor dos elementos de oposição, à restrição
do centralismo, etc. (Nota do Autor)</ref> a
colocação em primeiro lugar da questão relativa à situação do Bund no partido, a dissolução do
grupo Iújni Rabótchi, as duas votações sobre o programa agrário e, por fim, em sexto lugar, a
votação contra a União dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro (Rabótcheie Dielo), ou seja
o reconhecimento da Liga como a única organização do partido no estrangeiro. O velho espírito de
círculo, anterior à formação do partido, os interesses de organizações ou grupinhos oportunistas,
uma concepção estreita do marxismo, lutavam aqui contra a política consequente e de princípios da
social-democracia revolucionária; os iskristas da minoria ainda estiveram ao nosso lado várias vezes
numa série de casos, numa série de votações extremamente importantes (do ponto de vista do CO,
do Iújni Rabótchi, da Rabótcheie Dielo)... enquanto não se tratou do seu próprio espírito de
círculo, da sua própria inconsequência. As «divisões» deste tipo mostram claramente que, numa
série de questões relativas à aplicação dos nossos princípios, o centro estava ao lado dos anti-
iskristas, estava muito mais perto deles que de nós, muito mais inclinado na prática para a ala
oportunista que para a ala revolucionária da social-democracia. Os «iskristas» de nome, que
sentiam vergonha por serem iskristas, mostraram a sua verdadeira natureza, e a luta inevitável
provocou não pouca irritação, que escondia aos olhos dos elementos menos reflectidos e mais
impressionáveis o significado dos matizes de princípio que se revelavam nesta luta. Mas agora que
o ardor da luta se acalmou um pouco, e que as actas ficaram como um extracto desapaixonado duma
série de lutas encarniçadas, agora só os que fecham propositadamente os olhos podem deixar de ver
que a união dos Mákhov e dos Egórov com os Akímov e os Líber não era nem podia ser um
fenómeno casual. Só resta a Mártov e a Axelrod evitar uma análise completa e minuciosa das actas
ou tentar modificar retrospectivamente a sua conduta no congresso com toda a espécie de
expressões de pesar. Como se se pudesse, com o pesar, suprimir a diferença de pontos de vista e a
diferença de política! Como se a actual aliança de Mártov e Axelrod com Akímov, Brúker e
Martínov pudesse fazer o nosso partido, reconstituído no segundo congresso, esquecer a luta que os
iskristas travaram contra os anti-iskristas durante quase todo o congresso!
O que caracteriza o terceiro tipo de votação no congresso, representado pelas três últimas das cinco
partes do diagrama, a saber: (C, D e E), é o facto de uma pequena parte dos iskristas se desligar e
passar para o lado dos anti-iskristas que, por esta razão, vencem (enquanto continuam no
congresso). Para seguir com exactidão absoluta o desenvolvimento desta célebre coligação da minoria iskrista com os anti-iskristas, coligação cuja simples menção provocava em Mártov
mensagens histéricas ao congresso, citamos todos os três tipos essenciais de votações nominais
deste género. C - votação sobre a igualdade de direitos das línguas (tomamos a última das três
votações nominais desta questão por ser a mais completa). Todos os anti-iskristas e todo o centro se
levantam contra nós como um só homem, enquanto uma parte da maioria e uma parte da minoria se
separam dos iskristas. Não se vê ainda quais os iskristas capazes de formar uma coligação
definitiva e sólida com a «direita» oportunista do congresso. Depois vem o tipo D - votação
sobre o parágrafo primeiro dos estatutos (das duas votações tomámos a mais precisa, isto é, em que
não houve nenhuma abstenção). A coligação adquire contornos de maior relevo e torna-se mais
sólida:<ref group = "13">A julgar por tudo, do mesmo tipo foram outras quatro votações sobre os estatutos: p.278 - 27 a favor de Fomine
e 21 a nosso favor; p. 279 - 26 a favor de Mártov e 24 a nosso favor; p. 280 - 27 contra mim e 22 a favor; e, na
mesma página, 24 a favor de Mártov e 23 a nosso favor. São as votações sobre cooptação para os centros, das quais
já falei antes. Não há votações nominais (houve uma, mas perderam-se os dados). Os bundistas (todos ou em parte)
salvam, pelos vistos, Mártov. Corrigimos mais acima as afirmações erradas de Mártov (na Liga) sobre as votações
deste tipo. (Nota do Autor)</ref> os iskristas da minoria estão já todos do lado de Akímov e Líber; dos iskristas da maioria
estão muito poucos, o que compensa os três delegados do «centro» e um anti-iskrista que passaram
para o nosso lado. Basta um simples olhar para o diagrama para ver quais os elementos que, por
acaso e temporariamente, passavam ora por um lado, ora para outro, e quais os que caminhavam
irresistivelmente para uma sólida coligação com os Akímov. Na última votação (E - eleições
para o OC, o CC e o Conselho do partido), que representa justamente a divisão definitiva em
maioria e minoria, percebe-se claramente a fusão total da minoria iskrista com todo o «centro» e
com os restos dos anti-iskristas. Dos oito anti-iskristas, só o camarada Brúker permanecia então no
congresso (Akímov já lhe tinha explicado o seu erro e ele tinha tomado o lugar que lhe pertencia
por direito nas fileiras dos martovistas). A retirada dos sete oportunistas mais «direitistas»
decidiu a sorte das eleições contra Mártov.<ref group = "13">Os sete oportunistas que se retiraram do 2.° congresso foram os cinco bundistas (o Bund separou-se do partido no
segundo congresso, depois da rejeição do princípio federativo) e dois partidários da Rabótcheie Dielo, o camarada
Martínov e o camarada Akímov. Estes dois últimos abandonaram o congresso depois de a Liga iskrista ser
reconhecida como a única organização do partido no estrangeiro, isto é, depois da dissolução da «União dos
Sociais-Democratas Russos» no estrangeiro afecta à Rabótcheie Dielo. (Nota de Lénine à edição de 1907.-N. Ed.)</ref>
E agora, apoiando-nos em dados objectivos sobre as votações de todos os tipos, façamos o balanço
do congresso.
Muito se falou do carácter «casual» da maioria no nosso congresso. Era com este único argumento
que se consolava o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. O diagrama mostra
claramente que num sentido, mas só num, se pode qualificar a maioria de casual: no sentido de a
retirada dos sete delegados mais oportunistas da «direita» ter sido pretensamente casual. Na
medida em que esta retirada foi casual (mas apenas nessa medida) a nossa maioria foi também
casual. Um simples olhar ao diagrama mostrará melhor do que longas dissertações de que lado
estaria, deveria ter estado, esse grupo de sete.<ref group = "13">Mais adiante veremos que, depois do congresso, tanto o camarada Akímov como o comité de Vorónej, o mais
próximo do camarada Akímov, expressaram abertamente as suas simpatias pela «minoria». (Nota do Autor)</ref> Mas cabe perguntar até que ponto podemos
verdadeiramente considerar casual a retirada deste grupo de sete? Esta é uma questão que não
gostam de pôr-se as pessoas que gostam de falar do carácter «casual» da maioria. É uma questão
desagradável para eles. Será por acaso que foram os representantes mais acérrimos da ala direita do
nosso partido que se retiraram, e não os da ala esquerda? Será por acaso que foram os oportunistas
que se retiraram, e não os sociais-democratas revolucionários consequentes? Esta retirada
«casual» não terá qualquer relação com a luta contra a ala oportunista, que se travou durante todo o
congresso, e que aparece com tão grande evidência no nosso diagrama?
Basta fazer estas perguntas, tão desagradáveis para a minoria, para compreender que facto encobre
este falatório sobre o carácter casual da maioria. É o facto indubitável e indiscutível de que a minoria era composta pelos membros do nosso partido mais inclinados para o oportunismo. A
minoria era composta pelos elementos do partido menos estáveis no plano teórico, menos
consequentes no campo dos princípios. A minoria foi formada precisamente pela ala direita do
partido. À divisão em maioria e minoria é a continuação directa e inevitável da divisão da social-
democracia em revolucionária e oportunista, em Montanha e Gironda, divisão que não data de
ontem, que não existe só no partido operário russo, e que certamente não desaparecerá amanhã.
Este facto é de capital importância para explicar as causas e as peripécias das nossas divergências.
Tentar eludir este facto, negando ou encobrindo a luta no congresso e os matizes de princípios que
nela se manifestaram, é passar a si próprio um atestado de completa indigência intelectual e política.
E para refutar esse facto seria necessário, em primeiro lugar, demonstrar que o quadro geral das
votações e das «divisões» no nosso congresso do partido é diferente daquele que esbocei; seria
necessário, em segundo lugar, demonstrar que em todas as questões nas quais o congresso se
«dividiu», os sociais-democratas revolucionários mais consequentes, que na Rússia têm o nome de
iskristas,<ref group = "13">Nota para o camarada Mártov. Se o camarada Mártov esqueceu agora que iskrita quer dizer partidário de uma
tendência e não membro de um círculo recomendamos-lhe que leia nas actas do congresso a explicação desta
questão dada pelo camarada Trótski ao camarada Akímov. Círculos iskristas no congresso (em relação ao partido)
eram três: o grupo «Emancipação do Trabalho», a redacção do Iskra e a organização do Iskra. Dois destes três
círculos foram tão razoáveis que se dissolveram a si próprios, o terceiro não teve suficiente espírito de partido para o
fazer e foi dissolvido pelo congresso. O círculo iskrista mais amplo, a organização do Iskra (que compreendia a
redacção e o grupo «Emancipação do Trabalho») tinha no congresso apenas 16 membros, dos quais apenas onze
tinham voto. Iskristas por tendência sem pertencerem a nenhum «círculo» iskrista, estavam no congresso, segundo
os meus cálculos, 27 com 33 votos. Portanto, entre os iskristas, menos de metade pertenciam aos círculos iskristas.
(Nota do Autor)</ref> estavam em erro quanto ao fundo. Tentai demonstrá-lo, senhores!
O facto de a minoria ser composta pelos elementos do partido mais oportunistas, menos estáveis e
menos consequentes dá-nos, entre outras, a resposta às numerosas dúvidas e objecções dirigidas à
maioria por pessoas que conhecem mal a questão ou não pensaram suficientemente nela. Não será
mesquinho, dizem-nos, querer explicar a divergência por um pequeno erro do camarada Mártov e
do camarada Axelrod? Sim, senhores, o erro do camarada Mártov foi pequeno (eu próprio declarei
isso no congresso, no ardor da luta); mas este pequeno erro podia causar (e causou) um grande
dano, em virtude do facto de o camarada Mártov se ter deixado atrair por delegados que tinham
cometido toda uma série de erros e que, a propósito duma série de questões, tinham evidenciado a
sua inclinação para o oportunismo e a sua inconsequência no terreno dos princípios. Que os
camaradas Mártov e Axelrod tenham revelado falta de firmeza é um facto individual e sem
importância; mas não foi um facto individual, antes de partido e não de todo sem importância, a
formação de uma minoria muito considerável de todos os elementos menos estáveis, de todos
aqueles que não reconheciam em absoluto a tendência do Iskra e a combatiam abertamente, ou que
reconhecendo-a verbalmente de facto se colocavam repetidamente ao lado dos anti-iskristas.
Não será ridículo querer explicar as divergências pelo predomínio do espírito de círculo endurecido
e pelo filistinismo revolucionário no pequeno círculo da antiga redacção do Iskra? Não, não é
ridículo, porque em apoio desse espírito individual de círculo se levantou tudo aquilo que no
nosso partido, durante todo o congresso, tinha lutado pelo espírito de círculo em todas as suas
formas, tudo aquilo que em geral não pudera elevar-se acima do filistinismo revolucionário, tudo
aquilo que invocava o carácter «histórico» do mal do espírito de círculo e do filistinismo para
justificar e manter esse mal. Ainda se poderia talvez considerar casual o facto de estreitos interesses
de círculo se terem sobreposto ao espírito de partido no pequeno círculo da redacção do Iskra. Mas
não é por acaso que, para defender esse espírito de círculo, se tenham levantado como um só os
camaradas Akímov e Brúker, aos quais não era menos cara (talvez mais) a «continuidade histórica»
do célebre comité de Vorónej e da famosa «Organização Operária» de Petersburgo,<ref group = "13">O Comité de Vorónej e a «Organização Operária» de Petersburgo estavam nas mãos dos «economistas» e tinham
uma posição hostil em relação ao Iskra leninista e ao seu plano de organização, que visava a edificação do partido marxista.</ref> os camaradas Egórov que choravam o «assassínio» da Rabótcheie Dielo tão amargamente (talvez mais) como o
«assassínio» da velha redacção, os camaradas Mákhov, etc., etc. Diz-me com quem andas, dir-te-ei
quem és, diz a sabedoria popular. Diz-me quem é o teu aliado político, quem vota por ti, dir-te-ei
qual a tua fisionomia política.
Egórov que choravam o «assassínio» da Rabótcheie Dielo tão amargamente (talvez mais) como o
«assassínio» da velha redacção, os camaradas Mákhov, etc., etc. Diz-me com quem andas, dir-te-ei
quem és, diz a sabedoria popular. Diz-me quem é o teu aliado político, quem vota por ti, dir-te-ei
qual a tua fisionomia política.
O pequeno erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod permanecia e podia permanecer
pequeno enquanto não servisse de ponto de partida para uma aliança sólida entre eles e toda a ala
oportunista do nosso partido, enquanto não conduzisse, em virtude desta aliança, a uma
reincidência do oportunismo, à desforra de todos os que o Iskra tinha combatido, e que com
imenso gozo agarravam a ocasião de poder descarregar a sua cólera sobre os partidários
consequentes da social-democracia revolucionária. Os acontecimentos posteriores ao congresso
conduziram precisamente a que, no novo Iskra, víssemos justamente uma reincidência do
oportunismo, a desforra dos Akímov e dos Brúker (ver a folha publicada pelo comité de Vorónej),<ref group = "13">Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tmos, Tomo I, pp. 364-365. (N. Ed.)</ref>
o júbilo dos Martínov, aos quais foi enfim permitido (enfim!) escoicear, no odiado Iskra, o odiado
«inimigo» por todos os velhos agravos, quaisquer que fossem. Isto mostra-nos com particular
clareza quanto era essencial «o restabelecimento da antiga redacção do Iskra» (citado do ultimato
do camarada Starover datado de 3 de Novembro de 1903) para salvaguardar «a continuidade»
iskrista...
Tomado em si mesmo, não havia nada de terrível, nem de crítico, nem sequer absolutamente nada
de anormal, no facto de o congresso (e o partido) se terem dividido numa ala esquerda e numa
direita, numa revolucionária e numa oportunista. Pelo contrário, estes últimos dez anos da história
da social-democracia russa (e não só da russa) conduziram necessariamente, inelutavelmente, a esta
divisão. Que uma série de erros bem pequenos cometidos pela ala direita, de divergências sem
grande importância (relativamente) tenham provocado a divisão, é uma circunstância que
(parecendo chocante a um observador superficial e a um espírito filistino) foi um grande passo em
frente para todo o nosso partido no seu conjunto. Antes divergíamos sobre grandes questões que,
por vezes, podiam até justificar uma cisão; hoje chegámos a acordo sobre todos os pontos grandes e
importantes; o que nos separa agora são simplesmente certos matizes que se podem e devem
discutir, mas pelos quais seria absurdo e pueril separarmo-nos (como justamente disse o camarada
Plekhánov no interessante artigo intitulado O Que Se não Deve Fazer, ao qual ainda voltaremos).
Agora que a conduta anarquista da minoria, depois do congresso, quase conduziu o partido à
cisão, é frequente encontrar sabichões que dizem: acaso teria valido a pena em geral lutar no
congresso por ninharias como o incidente do CO, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi ou da
Rabótcheie Dielo, o §1, a dissolução da antiga redacção, etc.? Quem assim raciocina<ref group = "13">Não posso deixar de relembrar, a propósito, uma conversa que tive no congresso com um dos delegados do
«centro». «Como está carregada a atmosfera do nosso congresso!» - dizia-me, em tom de queixa. «Essa luta
encarniçada, essa agitação de um contra outro, essa polémica tão dura, essa atitude imprópria de camaradas!...»
«Que coisa maravilhosa é o nosso congresso!» - respondi-lhe. «Luta franca, livre. Manifestaram-se as opiniões.
Revelaram-se matizes. Tomaram forma grupos. Levantaram-se as mãos. Adoptou-se uma decisão. Ficou para trás
uma etapa. Avante! É assim que eu vejo as coisas. Isso é a vida. Já não são mais as intermináveis e aborrecidas
discussões próprias de intelectuais e que terminam não porque se tenha resolvido um problema, mas simplesmente
porque a gente se cansou de falar...»
O camarada do «centro» olhava-me com olhos espantados e encolhia os ombros. Falávamos linguagens diferentes.
(Nota do Autor)</ref introduz de
facto o ponto de vista de círculo nos assuntos do partido: a luta de matizes no partido é inevitável e
necessária enquanto não conduz à anarquia e à cisão, enquanto se desenvolve dentro dos limites
aprovados, de comum acordo, por todos os camaradas e membros do partido. E a nossa luta no
congresso contra a ala direita do partido, contra Akímov e Axelrod, contra Martínov e Mártov, em
nada ultrapassou esses limites. Basta lembrar dois factos que o testemunham da maneira mais
incontestável: 1) quando os camaradas Martínov e Akímov estavam para se retirar do congresso,
estávamos todos prontos a afastar por todos os meios a ideia de uma «ofensa», todos adoptámos (por 32 votos) a resolução do camarada Trótski convidando esses camaradas a dar-se por satisfeitos
com as explicações, e a retirarem a sua declaração; 2) quando chegámos à eleição dos centros,
demos à minoria (ou ala oportunista) do congresso a minoria nos dois centros: Mártov no OC,
Popov no CC. Não podíamos agir de outro modo, do ponto de vista de partido, visto que tínhamos
decidido já antes do congresso eleger dois grupos de três. Se a diferença de matizes que se tinham
manifestado no congresso não era grande, a conclusão prática que tirámos da luta desses matizes
também não era grande: esta conclusão reduzia-se exclusivamente ao facto de dois terços dos
dois grupos de três deverem ser atribuídos à maioria do congresso do partido.
Apenas a recusa da minoria do congresso do partido de ser minoria nos centros levou, primeiro,
aos «chorosos queixumes» de intelectuais vencidos e, depois, à frase anarquista e a actos
anarquistas.
Para concluir, lancemos um novo olhar ao diagrama do ponto de vista da composição dos centros. É
perfeitamente natural que, além da questão dos matizes, se pusesse também aos delegados, durante
as eleições, a questão da adequação, da capacidade de trabalho, etc., desta ou daquela pessoa.
Agora a minoria confunde de bom grado esses problemas. Mas é evidente que são questões
diferentes, como o demonstra, por exemplo, o simples facto de a eleição de um grupo de três inicial
para o OC ter sido projectada ainda antes do congresso, quando ninguém podia prever a aliança de
Mártov e Axelrod com Martínov e Akímov. Para perguntas diferentes deve obter-se a resposta por
processos diferentes: relativamente aos matizes, deve-se procurar a resposta nas actas do
congresso, nos debates públicos e na votação de todos e cada um dos pontos. A questão da
adequação das pessoas, toda a gente tinha decidido no congresso que devia ser resolvida em
votações secretas. Porque é que todo o congresso aprovou unanimemente tal decisão? A questão é
de tal modo elementar que seria estranho que nos detivéssemos nela. No entanto, a minoria
começou a esquecer (depois da sua derrota nas eleições) mesmo o á-bê-cê. Ouvimos torrentes de
discursos ardentes, apaixonados, exaltados até à irresponsabilidade para defender a antiga redacção,
mas não ouvimos absolutamente nada sobre os matizes que no congresso estavam relacionados
com a luta pelo grupo de seis e pelo grupo de três. Ouvimos falar e discursar por toda a parte sobre
a incapacidade para o trabalho, a inépcia, as más intenções, etc., das pessoas eleitas para o CC, mas
não ouvimos absolutamente nada sobre os matizes no congresso que se bateram pelo predomínio
no CC. Parece-me que fora do congresso é indigno e indecoroso falar e discursar sobre as
capacidades e actos das pessoas (porque estes actos em 99 casos em 100 constituem um segredo de
organização, que só deve ser revelado à instância superior do partido). Lutar fora do congresso
através de tais falatórios equivale na minha opinião a actuar por meio de mexericos. E a única
resposta que eu poderia trazer a público sobre esses falatórios seria lembrar a luta no congresso:
dizeis que o CC foi eleito por uma pequena maioria. Está certo. Mas esta pequena maioria era
composta por todos aqueles que da maneira mais consequente, não em palavras mas na prática,
lutaram pela concretização dos planos do Iskra. A autoridade moral desta maioria deve pois ser
ainda infinitamente superior à sua autoridade formal - superior para todos aqueles que sobrepõem a
continuidade da tendência do Iskra à continuidade deste ou daquele círculo do Iskra. Quem eram
os mais competentes para julgar da capacidade desta ou daquela pessoa para levar à prática a
política do Iskra? Aqueles que tinham aplicado esta política no congresso ou os que, em toda uma
série de casos, combateram esta política e defenderam todo o tipo de atraso, todo o tipo de
velharias, todo o tipo de espírito de círculo?
===Notas===
<references group = "13"/>
==p) Depois do Congresso. Dois Métodos de Luta==
A análise dos debates e votações do congresso que acabamos de traçar explica propriamente in nuce
(em embrião) tudo o que se passou depois do congresso, e podemos ser breves ao assinalar as
etapas seguintes na crise do nosso partido.
A recusa por Mártov e Popov das eleições criou logo uma atmosfera de querela mesquinha na luta
dos matizes de partido no seio do partido. O camarada Glébov, considerando inverosímil que
redactores não eleitos tivessem decidido seriamente voltar-se para Akímov e Martínov, e
explicando o facto apenas por irritação, propôs-nos, a Plekhánov e a mim, no dia a seguir ao fim do
congresso, acabar com isso amigavelmente, «cooptando» todos os quatro na condição de se
assegurar uma representação da redacção no Conselho (ou seja, que, de dois representantes, um
pertencesse necessariamente à maioria do partido). Esta condição pareceu-nos razoável, a
Plekhánov e a mim, porque a sua aceitação equivalia ao reconhecimento tácito do erro cometido
no congresso, significava o desejo de paz e não de guerra, o desejo de estar mais perto de
Plekhánov e de mim do que de Akímov e Martínov, Egórov e Mákhov. A cedência em matéria de
«cooptação» revestia-se assim de um carácter pessoal, e não valia a pena recusar uma cedência
pessoal que devia acalmar a irritação e restabelecer a paz. Assim, Plekhánov e eu demos o nosso
assentimento. A maioria da redacção recusou esta condição. Glébov partiu. Nós esperámos as
consequências: conservar-se-ia Mártov no terreno leal em que se tinha colocado (contra o
representante do centro, o camarada Popov) no congresso, ou os elementos instáveis e propensos à
cisão que ele seguiu levariam a melhor?
Estávamos perante o dilema seguinte: desejaria o camarada Mártov considerar a sua «coligação» no
congresso como um facto político isolado (tal como a coligação de Bebel com Vollmar em 1895 - si
licet parva componere magnis),<ref group = "14">Se acaso é permitido comparar o pequeno com o grande. (N. Ed.)</ref> ou desejaria consolidar essa coligação e empregaria todos os
esforços a demonstrar o erro cometido por mim e por Plekhánov no congresso tornando-se então
um verdadeiro chefe da ala oportunista do nosso partido? Por outras palavras, este dilema
formulava-se assim: querela mesquinha ou luta política de partido? De nós os três, que éramos no
dia a seguir ao congresso os únicos membros presentes dos organismos centrais, Glébov inclinava-
se mais para a primeira solução e dedicou-se ao máximo a reconciliar os meninos zangados. O
camarada Plekhánov inclinava-se antes para a segunda solução, mostrava-se por assim dizer
inabordável. Quanto a mim, desta vez, representava papel de «centro» ou de «pântano» e tentava
usar de persuasão. Tentar hoje reproduzir os argumentos verbais seria empresa desesperada e
intrincada, e não seguirei o mau exemplo do camarada Mártov nem do camarada Plekhánov. No
entanto, faço questão de reproduzir aqui certas passagens de uma tentativa de persuasão escrita
dirigida a um dos iskristas da «minoria».
... «A recusa de Mártov de fazer parte da redacção, a sua recusa, assim como a de outros literatos do
partido, a colaborar, a recusa de várias outras pessoas a trabalhar para o CC, a propaganda da ideia
de boicote ou de resistência passiva, tudo isso conduzirá inevitavelmente, mesmo contra a vontade
de Mártov e dos seus amigos, a uma cisão no partido. Ainda que Mártov se mantenha no plano da
lealdade (no qual se colocou tão decididamente no congresso), os outros não se manterão nele, e o
fim que indiquei será inevitável...
«E assim pergunto-me agora: por que razão, ao certo, temos de separarmos? ... Revejo todos os
acontecimentos e todas as impressões do congresso e reconheço que muitas vezes agi e me
comportei dominado por uma extrema irritação, “freneticamente”; de boa vontade estou pronto a
reconhecer o meu erro perante quem quer que seja, se erro se pode chamar ao que foi naturalmente
suscitado pela atmosfera, a reacção, a réplica, a luta, etc. Mas, encarando hoje sem nenhum frenesi
os resultados obtidos, o que se realizou nessa luta frenética, decididamente não posso ver nesses
resultados nada, absolutamente nada, de prejudicial ao partido, nem absolutamente nenhuma afronta
ou ofensa à minoria.
«Claro, o que não podia deixar de causar-me pena era o facto de ficar em minoria, mas protesto
categoricamente contra a ideia de que teríamos “manchado a honra” de quem quer que seja,
teríamos querido ofender ou humilhar quem quer que seja. Nada disso. E não se pode tolerar que uma divergência política leve a interpretar os factos acusando a outra parte de má fé, vilania,
intrigas e outras coisas simpáticas de que cada vez mais se ouve falar numa atmosfera de cisão que
se avizinha. Não se pode tolerar isto, porque isso seria, pelo menos, o nec plus ultra<ref group = "14">O máximo (N. Ed.)</ref da
irracionalidade.
«Estou em desacordo com Mártov no terreno político (e no da organização) como já o tinha estado
antes dezenas de vezes. Batido na questão do § l dos estatutos, eu não podia deixar de procurar com
o máximo empenho uma desforra nos problemas que restavam para mim (e também para o
congresso). Não podia impedir-me de aspirar, por um lado, a um CC rigorosamente iskrista, e, por
outro, a um grupo de três na redacção... Considero este grupo de três o único capaz de ser um
organismo de funcionários e não um organismo de direcção baseado no espírito de família e de
negligência, o único centro autêntico onde cada um pode levar e defender sempre o seu ponto de
vista de partido, nada mais, e irrespective<ref group = "14">Independentemente. (N. Ed.)</ref> de tudo o que seja pessoal, de qualquer ideia de ofensa,
de retirada, etc.
«Este grupo de três, depois dos acontecimentos no congresso, legitimava indubitavelmente uma
linha política e de organização em certo sentido dirigida contra Mártov. Isto sem qualquer dúvida.
Provocar uma ruptura por isso? Cindir o partido por isso?? Mas não estiveram contra mim Mártov e
Plekhánov na questão das manifestações? Não estivemos, Mártov e eu, contra Plekhánov na questão
do programa? Não volta qualquer grupo de três sempre um dos lados contra um dos seus membros?
Se a maioria dos iskristas tanto na organização do Iskra como no congresso julgou errado este matiz
particular da linha de Mártov, no terreno político e de organização, não serão de facto loucas as
tentativas de querer explicar isso por “maquinações” e “incitamentos”, etc.? Não seria louco furtar-
se a este facto insultando a maioria da “gentalha”?
«Repito: tal como a maioria dos iskristas no congresso, tenho a convicção profunda de que Mártov
seguiu uma linha falsa e que era necessário corrigi-lo. Considerar-se ofendido com esta correcção,
deduzir dela um insulto, etc., é insensato. Nós em nada “manchámos a honra?”, não “manchamos a
honra” de ninguém, e não afastamos ninguém do trabalho. Mas provocar uma cisão porque se é
afastado de um centro seria uma loucura, para mim incompreensível.»<ref group = "14">Esta carta foi escrita ainda em Setembro (do novo calendário). (Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo,
t. 46, pp. 297-300. - N. Ed.) Omiti nela o que me parecia não vir ao caso. Se o destinatário acha que o que se omitiu
é precisamente o importante, pode completá-la sem dificuldade. A propósito. Aproveito a ocasião para autorizar os
meus contraditores, de uma vez por todas, a publicar todas as minhas cartas particulares, se o considerarem útil à
causa.</ref>
Considerei necessário reproduzir agora estas declarações minhas, feitas por escrito, porque mostram
exactamente a vontade da maioria de traçar de uma vez uma linha divisória precisa entre, por um
lado, as possíveis (e inevitáveis numa luta acalorada) ofensas pessoais, a irritação pessoal devida à
violência e ao «frenesi» dos ataques, etc., e, por outro, determinado erro político, determinada linha
política (a coligação com a ala direita).
Estas declarações mostram que a resistência passiva da minoria tinha começado imediatamente a
seguir ao congresso e provocou logo da nossa parte a advertência de que isso era um passo para a
cisão do partido, que isso contradizia manifestamente as declarações de lealdade feitas no
congresso e que dela resultaria uma cisão devida unicamente à exclusão de alguém dos
organismos centrais (isto é, em consequência de uma não eleição), porque nunca ninguém pensou
sequer em afastar do trabalho nenhum membro do partido; que a divergência política entre nós
(inevitável, enquanto não estiver esclarecida e resolvida a questão de qual foi no congresso a linha
errada: a de Mártov ou a nossa) cada vez mais começa a degenerar em querela mesquinha, com
injúrias, suspeitas, etc., etc.
As advertências não serviram de nada. A conduta da minoria mostrava que os seus elementos menos
estáveis e que menos estimam o partido se impunham nela. Isso obrigou-nos, a Plekhánov e a
mim, a retirar o nosso assentimento à proposta de Glébov: com efeito, se pelos seus actos a minoria
dava provas de instabilidade política, não só no domínio dos princípios mas também no da mais
elementar lealdade ao partido, que importância podiam ter as palavras sobre a famosa
«continuidade»? Ninguém como Plekhánov ridicularizou com tanto espírito todo o absurdo de
exigir a «cooptação» para a redacção do órgão do partido de uma maioria de pessoas que
proclamavam abertamente as suas novas e crescentes divergências! Em que parte do mundo já se
viu a maioria de um partido nos organismos centrais transformar-se ela mesma em minoria, antes
de ter esclarecido na imprensa, perante o partido, as novas divergências? Que se exponham antes
as divergências, que o partido examine a sua profundidade e significado, que o partido corrija ele
próprio o erro que cometeu no segundo congresso, se se demonstra que houve algum erro! O
simples facto de formular este pedido em nome de divergências ainda desconhecidas revelava a
total instabilidade dos que o faziam, o total esmagamento das divergências políticas pelo peso das
querelas mesquinhas, o total desrespeito para com todo o partido e as suas próprias convicções. Não
houve ainda, nem haverá nunca no mundo, pessoas de convicções de princípios que renunciem a
convencer antes de obter (por via privada) a maioria no organismo que se propõem convencer.
Enfim, a 4 de Outubro o camarada Plekhánov declara querer fazer uma última tentativa para acabar
com este absurdo. Reúnem-se os seis membros da antiga redacção na presença de um novo membro
do CC.<ref group = "14">Além disso, este membro do CC organizou especialmente uma série de encontros particulares e colectivos com a
minoria, desmentindo os mexericos absurdos e exortando-os a cumprir o dever de membros do partido. (Nota do
Autor)</ref> Durante três horas inteiras, o camarada Plekhánov empenha-se em demonstrar o absurdo
de querer exigir a «cooptação» de quatro da «minoria» por dois da «maioria». Ele propõe a
cooptação de dois, para afastar, por um lado, qualquer receio de que queiramos «atropelar»,
esmagar, rejeitar, executar e enterrar alguém e, por outro lado, para proteger os direitos e a posição
da «maioria» do partido. A cooptação de dois é igualmente rejeitada.
A 6 de Outubro Plekhánov e eu escrevemos uma carta oficial a todos os antigos redactores do Iskra
e ao colaborador, camarada Trótski, nestes termos:
«Estimados camaradas! A redacção do OC considera-se no dever de exprimir oficialmente quanto
lamenta o vosso afastamento da colaboração no Iskra e na Zariá. Apesar dos repetidos convites a
colaborar que fizemos logo depois do segundo congresso do partido e que repetimos mais de uma
vez posteriormente, não recebemos nenhum trabalho vosso. A redacção do OC declara julgar não ter
feito nada que tenha provocado a vossa recusa de colaboração. Nenhuma irritação pessoal deve,
naturalmente, ser obstáculo ao trabalho no Órgão Central do partido. Mas se o vosso afastamento
foi provocado por esta ou aquela divergência de pontos de vista entre vós e nós, julgaríamos de
extraordinária utilidade para o partido que essas divergências fossem expostas
circunstanciadamente. Mais ainda: consideraríamos desejável que o carácter e a profundidade
dessas divergências fossem elucidados o mais rapidamente possível perante todo o partido nas
páginas das publicações que editamos.»<ref group = "14">Na carta ao camarada Mártov havia ainda uma passagem em que se perguntava por uma brochura, e a frase
seguinte: « Por último, no interesse da causa, comunicamos uma vez mais que estamos ainda prontos a cooptá-lo a si
para a redacção do OC, para lhe oferecer todas as possibilidades de exprimir e defender oficialmente todos os seus
pontos de vista num organismo superior do partido.» (Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 46, p.
306. - N. Ed.) (Nota do autor)</ref>
Como o leitor vê, ainda não nos apercebíamos claramente se era uma irritação pessoal que
predominava nos actos da « minoria», ou se era o desejo de dar ao órgão (e ao partido) um rumo novo, qual e em que sentido. Penso que se mesmo agora se encarregasse 70 exegetas de proceder à
clarificação deste problema, com base na literatura e testemunhos que se quiser, também eles não
conseguiriam nunca desembaraçar-se nesta confusão. Muito poucas vezes se pode esclarecer uma
querela mesquinha: deve-se cortá-la pelo são ou afastar-se.<ref group = "14">O camarada Plekhánov, provavelmente, teria acrescentado aqui: ou dar satisfação a toda e cada uma das
pretensões dos iniciadores da querela mesquinha. Já veremos por que era impossível fazê-lo. (Nota do Autor)</ref>
À carta de 6 de Outubro, Axelrod, Zassúlitch, Starover, Trótski e Koltsov responderam-nos em
breves linhas dizendo que os abaixo assinados não participavam no Iskra desde que ele tinha
passado para as mãos da nova redacção. O camarada Mártov foi mais explícito e honrou-nos com a
seguinte resposta:
«À redacção do OC do POSDR. Estimados camaradas! Em resposta à vossa carta de 6 de Outubro,
declaro o seguinte: Considero que todas as nossas explicações sobre trabalho em comum num
mesmo órgão terminaram depois da reunião realizada a 4 de Outubro, na presença de um membro
do CC, na qual vos recusastes a responder à pergunta sobre as razões por que retirastes a proposta
que havíeis feito no sentido de que Axelrod, Zassúlitch, Starover e eu entrássemos para a redacção,
com a condição de nos comprometermos a eleger o camarada Lénine nosso “representante” no
Conselho. Depois de na referida reunião terdes fugido repetidas vezes a formular as vossas próprias
declarações, que tínheis feito na presença de testemunhas, não acho necessário explicar numa carta
dirigida a vós os motivos da minha recusa de trabalhar no Iskra nas actuais condições. Se for
necessário, pronunciar-me-ei sobre isso pormenorizadamente perante todo o partido, que já saberá
pelas actas do segundo congresso a razão por que rejeitei a proposta, que hoje renovais, de ocupar
um lugar na redacção e no Conselho...<ref group = "14">Omito a resposta sobre a brochura de Mártov, que estava então a ser reeditada.</ref> L. Mártov»
Esta carta, juntamente com os documentos anteriores, explica irrefutavelmente a questão do
boicote, da desorganização, da anarquia e dos preparativos da cisão, questão que o camarada
Mártov evita com tanto zelo (com pontos de exclamação e reticências) no seu Estado de Sítio:
questão sobre os meios de luta leais e desleais.
Oferece-se ao camarada Mártov e aos outros que exponham as divergências, pede-se-lhes que
digam francamente do que se trata e quais as suas intenções, exortam-se a acabar os seus caprichos
e a analisar tranquilamente o erro relativo ao § l (erro indissoluvelmente ligado à viragem para a
direita), e o camarada Mártov e Cª recusam-se a falar e gritam: cercam-nos, atropelam-nos! O
sarcasmo de que foi objecto a «palavra terrível» não arrefeceu o ardor destas cómicas lamentações.
Como se pode cercar quem se recusa a trabalhar em comum? perguntámos ao camarada Mártov.
Como se pode ofender, «atropelar» e oprimir uma minoria que se recusa a ser minoria?? Porque
estar em minoria implica necessária e inevitavelmente certas desvantagens para quem fica em
minoria. Estas desvantagens consistem ou na necessidade de fazer parte de um organismo de
direcção no qual a maioria se imporá em certas questões, ou na de permanecer fora do organismo,
atacando-o e, por conseguinte, expondo-se ao fogo de baterias bem fortificadas.
Nos seus gritos sobre o «estado de sítio», o camarada Mártov queria dizer que se lutava de modo
injusto e desleal contra os que ficaram em minoria, ou que eram dirigidos por nós de modo injusto e
desleal? Só uma tese semelhante podia ter (aos olhos de Mártov) um mínimo de razão, porque,
repito, estar em minoria implica necessária e inevitavelmente certas desvantagens. Mas o cómico
está precisamente em que não se podia de maneira nenhuma lutar contra o camarada Mártov
enquanto ele se recusasse a falar! Não se podia de maneira nenhuma dirigir a minoria enquanto
ela se recusasse a ser minoria!
O camarada Mártov não pôde citar um único caso de excesso ou de abuso de poder da parte da
redacção do OC quando Plekhánov e eu dela fazíamos parte. Os militantes práticos da minoria
também não puderam citar um único caso deste género da parte do Comité Central. Por mais voltas
que dê agora o camarada Mártov no seu Estado de Sítio, é inteiramente incontroverso que não
havia absolutamente nada, a não ser «chorosos queixumes», nas lamentações sobre o estado
de sítio.
A total carência de argumentos razoáveis por parte do camarada Mártov e Cª contra a redacção
designada pelo congresso é ilustrada melhor que por qualquer outra coisa pela palavrinha: «nós não
somos servos!» (Estado de Sítio, p. 34). A psicologia do intelectual burguês que se considera entre
os «espíritos de elite», colocados acima da organização de massas e da disciplina de massas, surge
aqui com notável clareza. Explicar a recusa de trabalhar no partido dizendo «nós não somos
servos» é descobrir-se inteiramente, é reconhecer uma completa carência de argumentos, uma
incapacidade absoluta para dar explicações, uma ausência total de motivos justificados de
descontentamento. Plekhánov e eu declarámos considerar que da nossa parte nada provocou a
recusa, pedimos para expor as divergências, e respondem-nos: «nós não somos servos»
(acrescentando: ainda não chegámos a um acordo quanto à cooptação).
Toda a organização e disciplina proletárias parecem servidão ao individualismo próprio de
intelectuais, que já se tinha manifestado nas discussões do §1, mostrando a sua inclinação para os
raciocínios oportunistas e a fraseologia anarquista. O público leitor em breve saberá que também o
novo congresso do partido parece a estes «membros do partido» e a estes «funcionários» do
partido uma instituição feudal, terrível e intolerável para os «espíritos de elite» ... De facto, esta
«instituição» é terrível para os que querem aproveitar-se do título de membros do partido, mas que
se dão conta de que este título não corresponde aos interesses do partido e à vontade do partido.
As resoluções dos comités, que enumerei na minha carta à redacção do novo Iskra, e que o
camarada Mártov reproduziu no seu Estado de Sítio, demonstram de facto que a conduta da minoria
foi uma insubmissão constante às decisões do congresso, uma desorganização do trabalho prático
positivo. A minoria, formada pelos oportunistas e pessoas que odiavam o Iskra, destroçava o
partido, arruinava e desorganizava o trabalho, no seu desejo de se vingar da derrota no congresso,
tendo-se apercebido de que por meios honestos e leais (explicando as coisas na imprensa ou
perante o congresso) não conseguiria nunca refutar a acusação de oportunismo e de inconsequência
própria de intelectuais que lhe fora lançada no segundo congresso. Conscientes da sua impotência
para convencer o partido, agiam desorganizando o partido e entravando todo o trabalho. Foram
censurados por terem provocado (embrulhando as coisas no congresso) uma fenda no nosso vaso;
eles replicavam a esta censura procurando com todas as suas forças quebrar completamente o vaso
rachado.
As ideias baralharam-se de tal modo que o boicote e a recusa de trabalhar eram proclamados «meios
honestos<ref group = "14">Resolução Mineira (Estado de Sítio, p. 38).</ref> de luta. Agora o camarada Mártov não cessa de andar à volta deste ponto delicado. O
camarada Mártov é de tal modo um «homem de princípios» que defende o boicote... quando este é
praticado pela minoria, e condena o boicote quando ele ameaça o próprio Mártov, quando acontece
que ele se encontra na maioria!
Penso que se pode deixar sem exame a questão de saber se se trata aqui de uma querela mesquinha
ou de uma «divergência de princípio» sobre os meios de luta honestos no partido operário social-
democrata.
<div style = 'text-align:center;'>_________</div>
Depois das tentativas goradas (de 4 e 6 de Outubro) para obter uma explicação dos camaradas que
tinham levantado problemas sobre a «cooptação», só restava aos organismos centrais ver qual seria
na prática a luta leal que eles tinham prometido em palavras. A 10 de Outubro, o CC envia uma
circular à Liga (ver as actas da Liga, pp. 3-5) informando que está a elaborar os estatutos e
convidando os membros da Liga a prestarem a sua colaboração. O congresso da Liga foi então
rejeitado pela administração desta (dois votos contra um, cf. ibid., p. 20). As respostas dadas a esta
circular pelos partidários da minoria mostraram logo que a famosa lealdade e reconhecimento das
decisões do congresso eram apenas frases, que na realidade a minoria tinha decidido
terminantemente não se submeter aos organismos centrais do partido, respondendo aos seus apelos
para o trabalho em comum com evasivas cheias de sofismas e frases anarquistas. À famosa carta
aberta de Deutsch, um dos membros da administração (p. 10.), nós respondemos, Plekhánov e eu,
assim como os outros partidários da maioria, com um enérgico «protesto contra as grosseiras
infracções da disciplina de partido, pelas quais um funcionário da Liga toma a liberdade de entravar
o trabalho de organização de um organismo do partido e convida outros camaradas a infracções
semelhantes à disciplina e aos estatutos. Frases como “não me julgo no direito de participar em tal
trabalho a pedido do CC” ou “camaradas, nós não devemos de modo nenhum confiar-lhe (ao CC) a
tarefa da elaboração de novos estatutos para a Liga”, etc., são métodos de agitação que apenas
podem suscitar a indignação de qualquer pessoa que compreenda minimamente as noções de
partido, de organização, de disciplina de partido. Métodos deste género são tanto mais revoltantes
quanto são usados para com um organismo do partido que acaba de ser criado e constituem,
portanto, uma tentativa indubitável para o privar da confiança dos camaradas do partido; além disso,
são postos em circulação sob o nome de um membro da administração da Liga e nas costas do CC»
(p. 17).
O congresso da Liga, nestas condições, prometia não ser mais do que um escândalo.
O camarada Mártov prosseguiu desde o princípio a táctica que tinha aplicado no congresso de
«introduzir-se na consciência alheia», desta vez na do camarada Plekhánov, desvirtuando conversas
privadas. O camarada Plekhánov protestou, e o camarada Mártov viu-se obrigado a retirar (pp. 39 e
134 das actas da Liga) as palavras de censura pronunciadas levianamente ou por irritação.
Chega o momento do relatório. Era eu que tinha sido o delegado da Liga ao congresso do partido.
Um simples olhar ao resumo do meu relatório (pp. 43 e seguintes)<ref group = "14">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. cm russo, t. 8, pp. 41-52. (N. Ed.)</ref> mostrará ao leitor que
apresentei um esboço da mesma análise das votações no congresso, análise que, de forma
pormenorizada, constitui o conteúdo também da presente brochura. O centro de gravidade deste
relatório era a demonstração de como Mártov e Cª, em consequência dos erros que tinham
cometido, acabaram por ficar na ala oportunista do nosso partido. Embora o relatório tenha sido
feito perante uma maioria dos mais furiosos adversários, eles nada puderam descobrir nele que se
afastasse dos processos leais de luta e polémica de partido.
O relatório de Mártov, pelo contrário, à parte pequenas «emendas» de pormenor à minha exposição
(mostrámos anteriormente a inexactidão dessas emendas), era... como que um produto de nervos
doentes.
Não é de espantar que a maioria se recusasse a continuar a luta em tal atmosfera. O camarada
Plekhánov protestou contra a cena (p. 68) - era de facto uma verdadeira «cena»! - e retirou-se do
congresso, não querendo expor as objecções que já tinha preparado quanto ao conteúdo do relatório.
Quase todos os outros partidários da maioria se retiraram também do congresso depois de terem
apresentado um protesto escrito contra a «conduta indigna» do camarada Mártov (p. 75 das actas da
Liga).
Os métodos de luta da minoria manifestaram-se aos olhos de todos com inteira evidência. Nós
acusávamos a minoria de ter cometido um erro político no congresso, de ter efectuado uma viragem
para o oportunismo, de se ter coligado com os bundistas, os Akímov, os Brúker, os Egórov e os
Mákhov. A minoria tinha sofrido uma derrota no congresso e «elaborou» então dois métodos de luta
que englobavam toda uma variedade infinita de sortidas, ataques, agressões, etc.
Primeiro método: desorganizar todo o trabalho do partido, estragá-lo, procurar entravar tudo «sem
explicar as razões».
Segundo método: fazer «cenas», etc., etc.<ref group = "14">Já assinalei que não seria razoável reduzir a motivos sórdidos as mais baixas formas de manifestação de semelhantes
querelas mesquinhas, habituais na atmosfera da emigração e do exílio. Trata-se de uma espécie de doença que se
propaga epidemicamente em determinadas condições anormais de vida, em determinados estados de desequilíbrio
nervoso, etc. Vi-me forçado a precisar aqui o verdadeiro carácter deste sistema de luta porque o camarada Mártov o
repetiu inteiramente no seu «Estado de Sítio». (Nota do Autor)</ref>
Este «segundo método de luta» aparece também nas famosas resoluções «de princípio» da Liga, na
análise das quais a «maioria», claro está, não participou. Vejamos mais de perto essas resoluções
que o camarada Mártov reproduziu agora no seu Estado de Sítio.
A primeira resolução, assinada pelos camaradas Trótski, Fomine, Deutsch e outros, contém duas
teses dirigidas contra a «maioria» do congresso do partido: 1) «A Liga exprime o seu profundo
pesar pelo facto de que, em consequência das tendências que se manifestaram no congresso e que
no fundo são contrárias à política anterior do Iskra, se não tenha prestado uma atenção devida, ao
elaborar os estatutos do partido, à criação das garantias suficientes para assegurar a independência e
autoridade do CC» (p. 83 das actas da Liga).
Esta tese «de princípio» reduz-se, segundo já vimos, a uma frase akimovista, cujo carácter
oportunista foi denunciado no congresso do partido até pelo camarada Popov! No fundo, as
afirmações de que a «maioria» não pensava em salvaguardar a independência e a autoridade do CC
nunca foram mais do que mexericos. Basta dizer que, quando Plekhánov e eu fazíamos parte da
redacção, o OC não tinha no Conselho predomínio sobre o CC, ao passo que quando os martovistas
entraram para a redacção surgiu no Conselho um predomínio do OC sobre o CC! Quando nós
estávamos na redacção os militantes práticos que trabalhavam na Rússia predominavam no
Conselho sobre os literatos residentes no estrangeiro; com os martovistas aconteceu o contrário.
Quando nós estávamos na redacção o Conselho não tentou uma única vez intervir em nenhuma
questão prática, depois da cooptação por unanimidade esta intervenção começou, como o leitor
poderá ver em pormenor dentro em pouco.
Tese seguinte da resolução que estamos a examinar: «...o congresso, ao constituir os centros oficiais
do partido, não teve em conta a necessidade de manter a continuidade com os centros já formados
de facto...»
Esta tese reduz-se inteiramente à questão da composição pessoal dos centros. A «minoria» preferiu
eludir o facto de que os velhos centros tinham mostrado no congresso a sua incapacidade e
cometido numerosos erros. Mas o mais cómico é a referência à «continuidade» relativamente ao
Comité de Organização. No congresso, como vimos, ninguém disse uma só palavra acerca da
confirmação de todos os membros do CO. Mártov, num acesso de exaltação, proferiu até exaltados
gritos no congresso sobre a vergonha que para ele representava figurar numa lista com três
membros do CO. No congresso a «minoria» apresentou a sua última lista com um membro do CO
(Popov, Glébov ou Fomine e Trótski), enquanto a «maioria» fez triunfar uma lista com dois
membros do CO em três (Travínski, Vassíliev e Glébov). Cabe perguntar: será que esta referência à
«continuidade» pode ser considerada uma «divergência de princípio»?
Passemos à outra resolução assinada por quatro membros da velha redacção, com o camarada
Axelrod à cabeça. Encontramos nela todas as principais acusações contra a «maioria», depois
repetidas mais de uma vez na imprensa. A melhor maneira de as analisar é justamente na
formulação que lhe deram os membros do círculo redactorial. As acusações são dirigidas contra o
«sistema de direcção autocrático-burocrático do partido», contra o «centralismo burocrático» que,
ao contrário do «centralismo verdadeiramente social-democrata», se define do seguinte modo: «põe
em primeiro plano não a unidade interna, mas a unidade externa, formal, realizada e defendida por
meios puramente mecânicos, esmagando sistematicamente a iniciativa individual e a actividade
social independente»; deste modo «pela sua própria essência, é incapaz de unificar organicamente
os elementos constitutivos da sociedade».
De que «sociedade» falam aqui o camarada Axelrod e Cª, só Alá o sabe. Pelos vistos o próprio
camarada Axelrod não sabia muito bem se redigia uma mensagem de um zemstvo sobre as reformas
desejáveis na administração ou se expunha as lamentações da «minoria». Que pode significar isso
da «autocracia» no partido, sobre a qual gritam os «redactores» descontentes? A autocracia é o
poder supremo, incontrolado, irresponsável e não electivo de uma única pessoa. Pelas publicações
da «minoria» sabe-se perfeitamente que sou eu que sou considerado o autocrata, e mais ninguém.
Quando se redigiu e adoptou a resolução que estamos a examinar eu estava no OC juntamente com
Plekhánov. Por conseguinte, o camarada Axelrod e Cª exprimem a sua convicção de que Plekhánov
e todos os membros do CC «dirigiam o partido», não segundo os seus pontos de vista sobre o bem
da causa, mas segundo a vontade do autocrata Lénine. A acusação de direcção autocrática leva
necessária e inevitavelmente a considerar todos os outros membros da direcção, excepto o
autocrata, como simples instrumentos em mãos alheias, como piões, executores da vontade de
outrem. E nós perguntamos mais e mais uma vez: será esta de facto a «divergência de princípio» do
respeitabilíssimo camarada Axelrod?
Prossigamos. De que unidade externa, formal, falam aqui os nossos «membros do partido» que
acabavam de chegar do congresso do partido, cujas decisões reconheceram solenemente como
legítimas? Conhecerão algum outro meio de conseguir a unidade num partido organizado em bases
mais ou menos sólidas a não ser o congresso? Se sim, porque não têm a coragem de dizer
claramente que já não consideram o segundo congresso um congresso legítimo? Porque não tentam
expor-nos as suas novas ideias e os novos meios de conseguir a unidade num pretenso partido,
pretensamente organizado?
Prossigamos. De que «esmagamento da iniciativa individual» falam os nossos intelectuais-
individualistas, que o OC do partido acabava de exortar a expor as suas divergências e que, em vez
disso, se puseram a regatear sobre a «cooptação»? E como, em geral, podíamos, Plekhánov e eu, ou
o CC, esmagar a iniciativa e actividade independente de pessoas que se recusavam a qualquer
«actividade» connosco? Como se pode «esmagar» alguém numa instituição ou organismo, no qual o
esmagado se recusou a participar? Como é que os redactores não eleitos podem queixar-se do
«sistema de direcção», quando se recusaram a «ser dirigidos»? Não pudemos cometer nenhum
erro ao dirigir os nossos camaradas, pela simples razão de que estes camaradas não trabalharam em
absoluto sob a nossa direcção.
Parece evidente que os gritos a propósito do famoso burocratismo são apenas um meio de
dissimular o descontentamento com a composição pessoal dos centros; são apenas uma parra
destinada a ocultar a infracção à palavra solenemente dada no congresso. És um burocrata, porque
foste designado pelo congresso não de acordo com a minha vontade, mas contra ela; és um
formalista, porque te apoias nas decisões formais do congresso e não no meu consentimento; ages
de modo grosseiramente mecânico, porque invocas a maioria «mecânica» do congresso do partido,
e não tens em conta o meu desejo de ser cooptado; és um autocrata, porque não queres pôr o poder
nas mãos da velha panelinha, que defende a sua «continuidade» de espírito de círculo com tanta
mais energia quanto lhes desagrada a desaprovação directa desse mesmo espírito de círculo pelo
congresso.
Estes gritos sobre o burocratismo não têm nem nunca tiveram nenhum conteúdo real senão aquele
que acabamos de indicar.<ref group = "14">Basta lembrar que o camarada Plekhánov deixou, aos olhos da minoria, de ser um partidário do «centralismo
burocrático» depois de ter efectuado a benfazeja cooptação. (Nota do Autor)</ref> E precisamente este método de luta demonstra uma vez mais a
instabilidade própria de intelectuais da minoria. Ela queria convencer o partido de que os centros
tinham sido mal escolhidos. Convencer, mas como? Criticando o Iskra, que eu e Plekhánov
tínhamos dirigido? Não, não tinham a força para o fazer. Queriam convencer pela recusa de um
sector do partido de trabalhar sob a direcção dos odiados centros. Mas nenhum organismo central de
nenhum partido do mundo poderá demonstrar a sua capacidade de dirigir pessoas que se recusam a
submeter-se à sua direcção. A recusa de submeter-se à direcção dos centros equivale à recusa de
continuar no partido, equivale à destruição do partido, não é uma medida de persuasão, mas uma
medida de destruição. E precisamente esta substituição da persuasão pela destruição demonstra
falta de firmeza de princípios, falta de fé nas ideias próprias.
Fala-se de burocratismo. O burocratismo pode traduzir-se em russo pela palavra «localismo». O
burocratismo significa a submissão dos interesses da causa aos interesses da carreira, significa
prestar uma atenção constante aos cargos e ignorar o trabalho; bater-se pela cooptação em vez de
lutar pelas ideias. Tal burocratismo, de facto, é sem dúvida indesejável e prejudicial ao partido, e
tranquilamente deixo ao leitor o cuidado de julgar qual dos dois lados actualmente em luta no nosso
partido enferma desse burocratismo... Fala-se de processos de conseguir a unidade grosseiramente
mecânicos. Sem dúvida, os processos grosseiramente mecânicos são prejudiciais, mas torno a
deixar ao leitor o cuidado de julgar se se pode imaginar um processo mais grosseiro e mecânico de
luta entre a nova tendência e a velha que a introdução de pessoas nos organismos do partido antes
de se ter convencido o partido da justeza das novas concepções, antes de se ter exposto ao partido
essas concepções.
Mas talvez as palavrinhas preferidas da minoria tenham um certo significado de princípio,
exprimam certo grupo especial de ideias, independentemente do motivo insignificante e particular
que indubitavelmente serviu neste caso de ponto de partida para a «viragem»? Talvez, abstraindo da
briga pela «cooptação», essas palavrinhas sejam contudo reflexo de um sistema de concepções
diferente?
Examinemos a questão sob este aspecto. Antes de mais, deveremos observar que o primeiro a tentar
este exame foi o camarada Plekhánov, que na Liga assinalou a viragem operada na minoria para o
anarquismo e o oportunismo, e que precisamente o camarada Mártov (que se mostra agora muito
ofendido porque nem todos querem reconhecer que a sua posição é uma posição de princípio)<ref group= "14">Nada mais cómico que este ressentimento do novo Iskra, pretendendo que Lénine não quer ver as divergências de
princípio ou as contesta. Quanto mais a vossa atitude perante a causa correspondesse aos princípios, tanto mais cedo
deveríeis ter examinado as minhas repetidas indicações sobre a viragem para o oportunismo. Quanto mais a vossa
posição correspondesse aos princípios, tanto menos poderíeis ter rebaixado a luta ideológica a uma luta pelos cargos.
Culpai-vos a vós próprios se fizestes tudo para impedir que vos considerem como homens de princípios. Assim, o
camarada Mártov, por exemplo, ao falar no seu Estado de Sítio do congresso da Liga, passa em silêncio o debate
com Plekhánov sobre o anarquismo; mas, pelo contrário, conta que Lénine é um supercentro, que basta que Lénine
faça um gesto para que o centro adopte uma medida, que o CC entrou na Liga montado num cavalo branco, etc.
Estou longe de duvidar que é justamente pela escolha deste tema que o camarada Mártov demonstrou o seu
profundo apego às ideias e aos princípios. (Nota do Autor)</ref>
preferiu ignorar totalmente este incidente no seu Estado de Sítio.
No congresso da Liga levantou-se a questão geral de saber se seriam válidos ou não os estatutos que
a Liga ou um comité elaborem para si próprios sem a confirmação do CC ou contra a sua
confirmação. Nada mais evidente, poderia parecer: os estatutos são uma expressão formal de
organização, e o direito de organizar comités é expressamente reservado ao CC pelo § seis dos
estatutos do nosso partido; os estatutos fixam os limites da autonomia do comité, e o voto decisivo
na fixação desses limites pertence ao organismo central e não ao organismo local do partido. Isto é
o á-bê-cê, e é pura infantilidade afirmar com ar sábio que «organizar» nem sempre implica a ideia
de «confirmar estatutos» (como se a própria Liga não tivesse exprimido com toda a independência o
seu desejo de ser organizada com base em estatutos formais). Mas o camarada Mártov até esqueceu
(temporariamente, esperemos) o á-bê-cê da social-democracia. Na sua opinião, exigir a confirmação
dos estatutos significa apenas «substituir o anterior centralismo revolucionário iskrista pelo
centralismo burocrático» (p. 95 das actas da Liga); e o camarada Mártov declara no mesmo discurso
que é precisamente nisto que ele vê o «aspecto de princípio» das coisas (p. 96), aspecto de princípio
que preferiu contornar no seu Estado de Sítio!
O camarada Plekhánov responde imediatamente a Mártov, pedindo-lhe que se abstenha de
expressões «atentatórias da dignidade do congresso», expressões como burocratismo,
pompadurismo, etc. (p. 96). Segue-se uma troca de observações com o camarada Mártov, para quem
essas expressões encerram «uma caracterização de princípio de determinada tendência». O
camarada Plekhánov, como de resto todos os partidários da maioria, considerava então essas
expressões no seu significado concreto, percebendo claramente o seu sentido não de princípio, mas
exclusivamente «cooptacionista», se se me permite usar esta expressão. No entanto, cede à
insistência dos Mártov e dos Deutsch (pp. 96-97) e passa a analisar do ponto de vista dos
princípios pretensas concepções de princípio. «Se assim fosse - diz (isto é, se os comités tivessem
autonomia para criar a sua própria organização, para elaborar os seus estatutos) -, seriam autónomos
relativamente ao todo, relativamente ao partido. Isto já não é um ponto de vista bundista, mas
simplesmente anarquista. Com efeito, os anarquistas raciocinam assim: os direitos do indivíduo são
ilimitados; podem entrar em conflito; cada indivíduo define ele próprio os limites dos seus direitos.
Os limites da autonomia devem ser fixados não pelo próprio grupo, mas pelo todo de que esse
grupo faz parte. O Bund oferece um exemplo flagrante da violação deste princípio. Por
consequência, os limites da autonomia são fixados ou pelo congresso ou pelo organismo superior
que o congresso tenha criado. O poder do organismo central deve assentar na sua autoridade moral
e intelectual. Com este ponto estou de acordo, bem entendido. Qualquer representante de uma
organização deve velar para que ela tenha autoridade moral. Mas não se deduza disto que, se a
autoridade é necessária, o poder não o seja... Opor a autoridade do poder à autoridade das ideias é
uma frase anarquista que não deve ter lugar aqui» (98). Estas teses são o mais elementares possível,
são verdadeiros axiomas que até seria estranho pôr à votação (p. 102) e que só foram postos em
dúvida porque «no momento actual as noções se baralharam» (ibid.) Mas o individualismo próprio
de intelectuais conduziu inevitavelmente a minoria ao desejo de fazer fracassar o congresso, a não
se submeter à maioria; era impossível justificar este desejo, a não ser com frases anarquistas. É
sumamente curioso que a minoria não pudesse replicar nada a Plekhánov, a não ser lamentações
por ele usar expressões demasiado fortes como oportunismo, anarquismo, etc. Plekhánov, muito
justamente, pôs a ridículo estas lamentações, perguntando porque é que «não é conveniente
empregar jauressismo e anarquismo, enquanto o emprego de lèse-majesté (lesa-majestade) e de
pompadurismo é conveniente». Não houve resposta a estas perguntas. Este qui pro quo<ref group = "14">Mal-entendido. (N. Ed.)</ref> original
acontece constantemente com os camaradas Mártov, Axelrod e Cª: as suas novas palavrinhas têm
uma marca evidente de ressentimento; ofendem-se quando se lhes aponta isto - somos pessoas de
princípios; mas se por princípio recusais a submissão da parte ao todo, sois anarquistas, diz-se-
lhes. Nova ofensa com uma expressão forte! Por outras palavras: querem bater-se com Plekhánov,
mas com a condição de este não os atacar a sério!
Quantas vezes o camarada Mártov e vários outros «mencheviques» de toda a espécie se
empenharam, de maneira não menos pueril, em imputar-me a «contradição» seguinte. Extraem uma
citação de Que Fazer? ou da Carta a Um Camarada, em que se fala da acção ideológica, luta pela
influência, etc., e opõem-lhe o método «burocrático» da acção por meio dos estatutos, a tendência
«autocrática» para se apoiar no poder, etc. Gente ingénua! Já esqueceram que antes o nosso partido
não era um todo formalmente organizado, mas apenas uma soma de grupos particulares, pelo que
entre esses grupos não podia haver outras ligações senão a acção ideológica. Agora somos um
partido organizado; e isto implica a criação de um poder, a transformação da autoridade das ideias
em autoridade do poder, a subordinação das instâncias inferiores às instâncias superiores do partido.
Verdadeiramente, chega a ser desagradável repisar a velhos camaradas o á-bê-cê, sobretudo quando
nos damos conta de que tudo se reduz simplesmente à recusa da minoria a submeter-se à maioria
quanto às eleições! Mas do ponto de vista de princípios, todas estas intermináveis tentativas para
me imputar contradições se reduzem inteiramente a frases anarquistas. Ao novo Iskra não
desagrada beneficiar do título e dos direitos de organismo do partido, mas não quer submeter-se à
maioria do partido.
Se as frases sobre o burocratismo contêm algum princípio, se não são uma negação anarquista do
dever da parte de se submeter ao todo, estamos em presença do princípio do oportunismo que
pretende diminuir a responsabilidade de certos intelectuais perante o partido do proletariado,
enfraquecer a influência dos organismos centrais, reforçar a autonomia dos elementos menos firmes
do partido, reduzir as relações de organização ao seu reconhecimento meramente platónico, em
palavras. Vimo-lo no congresso do partido, em que os Akímov e os Líber pronunciavam sobre o
«monstruoso» centralismo exactamente os mesmos discursos que os que saíram em torrentes da
boca de Mártov e Cª no congresso da Liga. Que o oportunismo, não por acaso mas pela sua própria
natureza, e não só na Rússia como no mundo inteiro, conduz ao «ponto de vista» martovista e
axelrodista no terreno da organização, vê-lo-emos a seguir, ao examinar o artigo do camarada
Axelrod no novo Iskra.
===Notas===
<references group = "14"/>
==q) Pequenas Contrariedades Não Devem Prejudicar um Grande Prazer==
A rejeição pela Liga da resolução sobre a necessidade da confirmação dos seus estatutos pelo CC
(p. 105 das actas da Liga) era, como toda a maioria do congresso observou imediatamente, «uma
violação gritante dos estatutos do partido». Tal violação, se a considerarmos um acto cometido
por homens de princípios, era puro anarquismo; mas na atmosfera da luta que se travou depois do
congresso, ela dava inevitavelmente a impressão de um «ajuste de contas» da minoria do partido
com a maioria do partido (p. 112 das actas da Liga); ela significava a recusa de submissão ao
partido e de permanecer no partido. A recusa da Liga de adoptar uma resolução relativa à declaração
do CC sobre a necessidade de modificar os estatutos (pp. 124-125) teve como consequência
inevitável que se declarasse ilegítima uma reunião que queria ser considerada como reunião de
uma organização do partido, embora recusasse submeter-se ao organismo central do partido. Os
adeptos da maioria abandonaram imediatamente esta pretensa reunião de partido para não tomar
parte numa comédia indigna.
O individualismo próprio de intelectuais, com o seu reconhecimento platónico das relações de
organização, que se tinha já revelado nas hesitações sobre a questão do §1 dos estatutos, chegava
deste modo na prática ao fim lógico, que eu previra já em Setembro, ou seja, com mês e meio de
antecipação: a destruição da organização do partido. E naquele momento, na noite do mesmo dia
em que terminou o congresso da Liga, o camarada Plekhánov declarou aos seus colegas dos dois
organismos centrais do partido que não tinha coragem de «disparar contra os seus», que «era
preferível dar um tiro na cabeça do que ir para a cisão», que era necessário, para evitar um mal
maior, fazer o máximo de cedências pessoais, à volta das quais, propriamente falando (bem mais
que à volta dos princípios que se tinham manifestado na falsa posição sobre o §1), prossegue esta
luta encarniçada. Para caracterizar com maior exactidão esta viragem efectuada pelo camarada
Plekhánov, e que teve uma certa projecção em todo o partido, considero mais conveniente apoiar-
me, não em conversas privadas ou cartas privadas (este recurso deve usar-se apenas em última
instância), mas na própria exposição do assunto que faz o próprio Plekhánov a todo o partido no seu
artigo O Que não Se Deve Fazer do n° 52 do Iskra, escrito precisamente depois do congresso da
Liga, depois da minha retirada da redacção do OC (l de Novembro de 1903) e antes da cooptação
dos martovistas (26 de Novembro de 1903).
A ideia fundamental do artigo O Que não Se Deve Fazer é que, em política, não se deve ser
rectilíneo, inoportunamente áspero e inoportunamente intransigente, que por vezes, para evitar a
cisão, é indispensável fazer cedências tanto aos revisionistas (dos que se aproximam de nós ou dos
inconsequentes) como aos individualistas anarquistas. É perfeitamente natural que estas teses
abstractas, de ordem geral, tenham provocado a perplexidade geral entre os leitores do Iskra. Não se
pode ler sem riso as magníficas e altivas declarações do camarada Plekhánov (em artigos
posteriores) de que não o compreenderam em virtude da novidade das suas ideias, por não se
conhecer a dialéctica. De facto, apenas puderam compreender o artigo O Que não Se Deve Fazer,
quando este foi redigido, umas dez pessoas de dois arrabaldes de Genebra, cujos nomes começam
pelas mesmas letras.<ref group = "15">Trata-se provavelmente de dois subúrbios de Genebra, Carouge e Cluse, onde viviam os partidários da maioria e da
minoria.</ref> A infelicidade do camarada Plekhánov foi ter lançado em circulação perante
uns dez mil leitores uma série de alusões, censuras, sinais algébricos e enigmas dirigidos apenas a
estas dez pessoas que tinham participado, depois do congresso, em todas as peripécias da luta contra
a minoria. O camarada Plekhánov incorreu nessa infelicidade por ter infringido o princípio
fundamental da dialéctica, que com tão pouca felicidade invocara: não há verdades abstractas, a
verdade é sempre concreta. Por isso mesmo, era deslocado apresentar sob uma forma abstracta a
ideia muito concreta de fazer uma cedência aos martovistas depois do congresso da Liga.
A cedência, que o camarada Plekhánov apresentou como um novo lema de combate, é legítima e
imprescindível em dois casos: ou quando aquele que cede está convencido da razão dos que querem
obter essa cedência (os políticos honestos, neste caso, reconhecem franca e abertamente o seu erro),
ou quando a cedência a uma exigência insensata ou prejudicial para a causa é feita para evitar um
mal maior. Ressalta com toda a clareza do artigo que examinamos que o autor pensa no segundo
caso: fala abertamente de fazer uma cedência a revisionistas e a individualistas anarquistas (ou seja,
aos martovistas, como o sabem agora todos os membros do partido pelas actas da Liga), cedência
imprescindível para evitar a cisão. Como vedes, a ideia pretensamente nova do camarada Plekhánov
resume-se inteiramente a uma sabedoria da vida nada nova: as pequenas contrariedades não devem
prejudicar um grande prazer, uma pequena tolice oportunista e uma pequena frase anarquista são
preferíveis a uma grande cisão no partido. O camarada Plekhánov, ao escrever este artigo, percebia
claramente que a minoria representa a ala oportunista do nosso partido, que ela combate com
métodos anarquistas. O camarada Plekhánov formulou um projecto: lutar contra esta minoria
através de cedências pessoais, algo semelhante (mais uma vez, si licet parva componere magnis) à
luta da social-democracia alemã contra Bernstein. Bebel declarava publicamente nos congressos do
seu partido que não conhecia homem mais sensível à influência do ambiente que o camarada
Bernstein (não o senhor Bernstein, como gostava de dizer antigamente o camarada Plekhánov, mas
o camarada Bernstein): acolhê-lo-emos entre nós, faremos dele um delegado ao Reischstag,
combateremos o revisionismo, mas não combateremos o revisionista com inoportuna aspereza (à la
Sobakévitch<ref group = "15">Sobakévitch: personagem da obra de N. V. Gógol Almas Mortas; um latifundiário explorador, que se isolou na sua
quinta e que falava grosseira e rudemente de todas as pessoas conhecidas do seu círculo.</ref> - Parvus), antes o «mataremos com delicadezas» (kill with kindness), como o
caracterizava, se bem me lembro, o camarada M. Beer numa reunião social-democrata inglesa ao
defender o espírito de cedência dos alemães, o seu espírito pacífico, delicado, flexível e prudente, contra os ataques do Sobakévitch-Hyndman inglês. De igual modo, o camarada Plekhánov queria
«matar com delicadezas» o pequeno anarquismo e o pequeno oportunismo dos camaradas Axelrod e
Mártov. A verdade é que, juntamente com alusões bem claras aos «anarquistas individualistas», o
camarada Plekhánov se expressou em termos deliberadamente pouco claros relativamente aos
revisionistas, de modo a fazer crer que tinha em vista os partidários da Rabótcheie Dielo que
passavam do oportunismo para a ortodoxia, e não Axelrod e Mártov, que começavam a passar da
ortodoxia para o revisionismo. Mas isto foi apenas um ardil militar<ref group = "15">Quanto às cedências aos camaradas Mártov, Akímov e Brúker, nem sequer se falou disso depois do congresso do
partido. Não ouvi dizer que eles também tivessem exigido a «cooptação». Duvido mesmo que o camarada Starover
ou o camarada Mártov tivessem pedido a opinião do camarada Brúker quando nos enviaram os seus papéis e
«notas» em nome de «metade do partido»... No congresso da Liga, o camarada Mártov, com a mais profunda
indignação dum lutador político intransigente, rejeitava até a ideia de «unidade com Riazánov ou Martínov», a
possibilidade de um «acordo» com eles ou até de uma acção comum (na qualidade de redactor) «ao serviço do
partido» (p. 53 das actas da Liga). O camarada Mártov condenou severamente no congresso da Liga as «tendências
martinovistas» (p. 88), e quando o camarada Ortodox aludiu delicadamente a que talvez Axelrod e Mártov
«reconhecessem também aos camaradas Akímov, Martínov e outros o direito de se reunirem para elaborar para seu
próprio uso uns estatutos e de aplicá-los como lhes aprouvesse» (p. 99), os martovistas puseram-se a renegar, como
Pedro renegou Cristo (p. 100: «os receios do camarada Ortodox» «em relação aos camaradas Akímov, Martínov,
etc.» «são destituídos de fundamento»). (Nota do Autor)</ref> inocente, uma má obra de
fortificação, incapaz de resistir ao fogo da artilharia da publicidade feita no partido.
Pois bem, quem se inteirar da conjuntura concreta do momento político que descrevemos, quem
penetrar na psicologia do camarada Plekhánov, compreenderá que eu não podia então proceder
senão como procedi. Digo-o para aqueles partidários da maioria que me censuraram por ter cedido a
redacção. Quando o camarada Plekhánov fez uma viragem depois do congresso da Liga, e de
partidário da maioria passou a partidário da reconciliação a qualquer preço, eu era obrigado a
interpretar essa viragem no melhor sentido. Talvez o camarada Plekhánov quisesse apresentar no
seu artigo um programa de boa e honesta paz? Qualquer programa deste tipo resume-se a um
reconhecimento sincero pelas duas partes dos erros cometidos. Qual o erro da maioria indicado pelo
camarada Plehkánov? - Uma aspereza deslocada, digna de Sobakévitch, para com os revisionistas.
Não sabemos a que se referia o camarada Plekhánov ao dizer isto: se à sua tirada humorística sobre
os burros, se àquela alusão, da maior imprudência na presença de Axelrod, ao anarquismo e ao
oportunismo; o camarada Plekhánov preferiu exprimir-se «abstractamente», aludindo, além disso, a
Fulano. É uma questão de gosto, bem entendido. Mas eu reconheci abertamente a minha própria
aspereza tanto na minha carta a um iskrista como no congresso da Liga. Como poderia eu deixar de
reconhecer tal «erro» na maioria? Quanto à minoria, o camarada Plekhánov indicava claramente o
erro dela: revisionismo (cf. as suas observações sobre o oportunismo no congresso do partido e
sobre o jauressismo no congresso da Liga) e anarquismo, que tinha conduzido à cisão. Podia eu
opor-me a que, através de cedências pessoais, e, em geral, de toda a espécie de «kindness»
(amabilidade, delicadeza, etc.), se conseguisse o reconhecimento desses erros e se desfizesse o mal
por eles causado? Podia eu impedir esta tentativa, quando o camarada Plekhánov, no seu artigo O
Que não Se Deve Fazer, procurava directamente convencer a «ter piedade dos adversários»
revisionistas, e que apenas eram revisionistas «em virtude de uma certa falta de espírito de
consequência»? E se não acreditava nesta tentativa, poderia eu agir de outro modo que não fosse
fazer uma cedência pessoal relativamente ao OC e passar para o CC para defender a posição da
maioria?<ref group = "15">O camarada Mártov, falando sobre esse ponto, disse com muita precisão que eu me tinha passado avec armes et
bagages (com armas e bagagens - N. Ed.). O camarada Mártov gosta de fazer comparações militares: expedição
contra a Liga, combate, feridas incuráveis, etc., etc. Tenho de reconhecer que também tenho um grande fraco pelas
comparações militares, sobretudo agora, quando se acompanha com tanto interesse as notícias do Pacífico. Mas, se
falamos em termos militares, camarada Mártov, as coisas aconteceram do seguinte modo. Nós conquistámos dois
fortins no congresso do partido. Vós atacaste-los no congresso da Liga. Já depois do primeiro ligeiro tiroteio, um
colega meu, chefe de uma das fortalezas, abre as portas ao inimigo. Eu, naturalmente, reúno a minha pequena
artilharia e retiro-me para outro forte, muito mal fortificado, para «entricheirar-me» contra um inimigo
numericamente muito superior. Chego até a propor a paz: como lutar contra duas potências? Porém, os novos aliados respondem à proposta de paz bombardeando o meu último reduto. Respondo ao fogo. E, naquele momento,
o meu antigo colega - o chefe da fortaleza - exclama com magnífica indignação: olhai, boa gente, quão pouco amor
à paz tem este Chamberlain! (Nota do Autor)</ref> Negar absolutamente a possibilidade de tais tentativas e tomar sobre mim só a responsabilidade da cisão iminente era coisa que não podia fazer, pelo simples facto de eu próprio
me ter inclinado, na minha carta de 6 de Outubro, a explicar a disputa «por uma irritação pessoal».
Quanto a defender a posição da maioria, considerava e continuo a considerar que é meu dever
político. Era difícil e arriscado confiar, a esse respeito, no camarada Plekhánov, porque tudo
indicava que o camarada Plekhánov estava disposto a interpretar dialecticamente a sua frase «um
dirigente do proletariado não tem o direito de ceder às suas inclinações combativas quando estas são
contrárias aos cálculos políticos», interpretá-la dialecticamente no sentido de que, já que era
necessário disparar, o mais vantajoso (de acordo com o estado da atmosfera de Genebra em
Novembro) era disparar contra a maioria... Era imprescindível defender a posição da maioria porque
o camarada Plekhánov - rindo-se da dialéctica, que exige um exame concreto e multilateral -, ao
tratar da boa(?) vontade do revolucionário, torneou modestamente a questão da confiança no
revolucionário, da fé no «dirigente do proletariado» que dirigia uma determinada ala do partido.
Ao falar do individualismo anarquista e recomendar que «de vez em quando» se fechassem os olhos
às infracções à disciplina, se cedesse «por vezes» ao relaxamento próprio de intelectuais, «que se
radica num sentimento que nada tem de comum com a fidelidade à ideia revolucionária», o
camarada Plekhánov esquecia sem dúvida que importava igualmente ter em conta a boa vontade da
maioria do partido, que é preciso deixar precisamente aos militantes práticos o cuidado de definir
a medida das cedências a fazer aos individualistas anarquistas. E tão fácil a luta literária contra os
pueris absurdos anarquistas como é difícil o trabalho prático com um individualista anarquista numa
mesma organização. Um literato que se encarregasse de estabelecer a medida em que é possível
ceder ao anarquismo na prática apenas daria provas duma desmedida fatuidade literária, duma
fatuidade realmente doutrinária. O camarada Plekhánov observava majestosamente (para se dar
importância, como dizia Bazárov)<ref group = "15">Bazárov: protagonista do romance de I. S. Turguéniev Pais e Filhos.</ref> que no caso de nova cisão os operários deixariam de nos
compreender e, ao mesmo tempo, ele próprio inaugurava uma interminável série de artigos no novo
Iskra, que, pelo seu significado actual e concreto, ficavam necessariamente incompreensíveis não só
para os operários, mas, em geral, para toda a gente. Não admira, pois, que um membro do CC<ref group = "15">Alude-se a F. Léngnik.</ref> que
tinha lido as provas do artigo O Que não Se Deve Fazer prevenisse o camarada Plekhánov de que o
seu plano prevendo uma redução até certo ponto da publicação de determinados documentos (actas
do congresso do partido e do congresso da Liga) ficava prejudicado justamente por este artigo, que
excitava a curiosidade e lançava para o julgamento da rua<ref group = "15">Discutimos com paixão, acaloradamente, em certo recinto fechado. De repente, um de nós salta, abre de par em par
uma janela que dá para a rua e começa a gritar contra os Sobakévitch, os individualistas anarquistas, os revisionistas,
etc. Naturalmente que na rua se reuniu uma multidão de curiosos folgazões e os nossos inimigos sentiram uma
maldosa alegria. Os outros participantes na discussão aproximaram-se também da janela, manifestando o desejo de
contar as coisas como se passaram, desde o princípio e sem aludir a coisas que ninguém sabe. Então, fecha-se a
janela de golpe: não vale a pena, dizem, falar de querelas mesquinhas (Iskra, n° 53, p. 8, segunda coluna, linha 24
a contar de baixo). A verdade, camarada Plekhánov, é que teria sido melhor não começar no «Iskra» a falar de
«querelas mesquinhas»! (Nota do Autor)
(No Iskra n.° 53, de 25 de Novembro de 1903, ao mesmo tempo que a Carta à Redacção do «Iskra» de V. I. Lénine,
foi publicada a resposta da redacção, redigida por Plekhánov. Na sua carta, Lénine propunha que se discutissem nas
páginas do jornal as divergências de princípio entre os bolcheviques e mencheviques. Mas Plekhánov recusou-se,
qualificando essas divergências de «querelas da vida de círculo».</ref> algo de excitante e, ao mesmo tempo,
inteiramente obscuro, provocando inevitavelmente perguntas perplexas: «Que se passou?» Não
admira que precisamente este artigo do camarada Plekhánov, em consequência do carácter abstracto
dos seus raciocínios e da falta de clareza das suas alusões, tenha provocado o regozijo nas fileiras
dos inimigos da social-democracia: um cancan nas páginas da Revolutsiónnaia Rossia<ref group = "15">Revolutsiónnaia Rossia (Rússia Revolucionária): jornal ilegal dos socialistas-revolucionários. Foi editado
desde os fins de 1900 na Rússia pela «União dos Socialistas-Revolucionários». De Janeiro de 1902 a Dezembro de
1905 publicou-se no estrangeiro (Genebra) como órgão oficial do partido dos socialistas-revolucionários.</ref> e também os louvores entusiastas dos consequentes revisionistas da Osvobojdénie. A fonte de todos estes
divertidos e tristes mal-entendidos, de que o camarada Plekhánov se desembaraçou mais tarde de
modo tão divertido e tão triste, foi precisamente a violação do princípio fundamental da dialéctica: é
preciso analisar as questões concretas da maneira mais concreta. O regozijo do senhor Struve, em
particular, era perfeitamente natural: pouco lhe importavam os «bons» objectivos (kill with
kindness) que o camarada Plekhánov visava (mas que podia não alcançar); o senhor Struve aplaudia
e não podia deixar de aplaudir a viragem para a ala oportunista do nosso partido, que começara
no novo Iskra, como toda a gente vê agora. Os democratas burgueses russos não são os únicos a
saudar cada viragem, por mais pequena e provisória que seja, para o oportunismo em todos os
partidos sociais-democratas. É muito raro que haja uma confusão absoluta na apreciação que vem
de um inimigo inteligente: diz-me quem te elogia, e dir-te-ei onde está o teu erro. O camarada
Plekhánov em vão conta com um leitor desatento, procurando apresentar as coisas como se a
maioria se tivesse oposto terminantemente à cedência pessoal relativamente à cooptação, e não à
passagem da ala esquerda para a ala direita do partido. A questão não consiste, de modo nenhum, no
facto de o camarada Plekhánov, para evitar a cisão, ter feito uma cedência pessoal (o que é muito de
elogiar), mas no facto de que tendo reconhecido inteiramente a necessidade de discutir com os
revisionistas inconsequentes e com os individualistas anarquistas, ele tenha preferido discutir com a
maioria, de quem divergia, quanto à medida das cedências práticas que era possível fazer ao
anarquismo. A questão não consiste de modo nenhum no facto de o camarada Plekhánov ter
alterado a composição pessoal da redacção, mas no facto de ter traído a sua posição de discutir com
o revisionismo e o anarquismo, no facto de ter deixado de defender esta posição no OC do partido.
No que diz respeito ao CC, que era então o único representante organizado da maioria, o camarada
Plekhánov divergiu naquele momento com ele exclusivamente quanto à medida das cedências
práticas que era possível fazer ao anarquismo. Passou-se cerca de um mês depois do dia l de
Novembro, quando a minha retirada deixou as mãos livres à política do kill with kindness. O
camarada Plekhánov tinha todas as possibilidades de verificar, por toda a espécie de contactos, o
que vale esta política. O camarada Plekhánov publicou nesta ocasião o seu artigo O Que não Se
Deve Fazer, que foi - e continua a ser - o único bilhete de entrada, por assim dizer, dos martovistas
na redacção. As palavras de ordem: revisionismo (com o qual se deve discutir poupando o
adversário) e individualismo anarquista (que se deve amimar matando-o com delicadezas), figuram
neste bilhete em itálico destacado. Fazei o favor de entrar, senhores, matar-vos-ei com delicadezas -
eis o que diz o camarada Plekhánov neste cartão de convite aos seus novos colegas de redacção.
Naturalmente, ao CC não restava senão dizer a sua última palavra (que é o que significa ultimato: a
última palavra sobre a possível paz) sobre a medida das cedências práticas admissíveis, do seu
ponto de vista, ao individualismo anarquista. Ou quereis a paz, e então eis um certo número de
lugares para vós que testemunham a nossa delicadeza, o nosso espírito de paz, o nosso espírito de
cedência, etc. (e mais não podemos dar, se queremos garantir a paz no partido, paz no sentido não
de não haver discussões, mas no sentido de o partido não ser destruído pelo individualismo
anarquista), tomai estes lugares e iniciai novamente pouco a pouco a viragem das posições de
Akímov para as de Plekhánov. Ou quereis manter e desenvolver o vosso ponto de vista, virar
definitivamente (mesmo que seja apenas no domínio das questões de organização) para Akímov,
convencer o partido de que vós é que tendes razão e não Plekhánov, e então formai o vosso próprio
grupo literário, obtende uma representação no congresso e começai, através de uma luta honesta, de
uma polémica aberta, a conquistar a maioria. Esta alternativa, claramente exposta aos martovistas
no ultimato do Comité Central de 25 de Novembro de 1903 (ver Estado de Sítio e Comentário às
Actas da Liga),<ref group = "15">Deixo por esclarecer, naturalmente, a confusão que fez Mártov, no seu Estado de Sítio, em torno desse ultimato do
CC, referindo-se a conversas particulares, etc. Este é o «segundo método de luta», que defini no parágrafo anterior e
que só um especialista em neuropatologia poderia analisar com esperanças de êxito. Basta dizer que nele o camarada
Mártov insiste no acordo com o CC para que não sejam publicadas as negociações, acordo que, apesar de todas as
pesquisas, ainda não foi encontrado. O camarada Travínski, que conduzia as negociações em nome do CC,
comunicou-me por escrito que me considerava autorizado a publicar fora do Iskra a minha carta à redacção. Uma só expressão do camarada Mártov me agradou especialmente: «bonapartismo da pior espécie». Na minha
opinião, o camarada Mártov pôs em circulação esta categoria com muita oportunidade. Vamos ver serenamente o
que significa esse conceito. No meu modo de ver, significa a tomada do poder por meios formalmente legais, mas,
na realidade, contra a vontade do povo (ou do partido). Não é assim, camarada Mártov? E se é assim, deixo
tranquilamente à opinião pública que decida de que lado estava esse «bonapartismo da pior espécie», se do lado de
Lénine e Igrek, que podiam aproveitar-se do seu direito formal de não deixar entrar os martovistas, apoiando-se,
além disso, na vontade do II congresso, mas que não fizeram uso desse direito; ou se do lado dos que ocuparam a
redacção de modo formalmente correcto («cooptação unânime»), mas sabendo que esse acto não correspondia,
na realidade, à vontade do II congresso e temendo a comprovação dessa vontade pelo III congresso. (Nota do
Autor)</ref> está plenamente de acordo com a carta, minha e de Plekhánov, datada de 6 de Outubro de 1903, dirigida aos antigos redactores: ou irritação pessoal (e então podia-se, no pior dos
casos, «cooptar»), ou divergências de princípio (e então era preciso começar por convencer o
partido e só depois falar de alterações na composição pessoal dos centros). O CC podia deixar aos
próprios martovistas o cuidado de solucionar este dilema delicado, tanto mais que precisamente
naquela altura o camarada Mártov escrevia na sua profession de foi<ref group = "15">Profissão de fé. (N. Ed.)</ref> (Uma Vez Mais em Minoria)
as linhas seguintes:
«A minoria aspira a uma só honra: dar o primeiro exemplo da história do nosso partido de que é
possível ser “vencido” e não constituir um novo partido. Esta posição da minoria decorre de todas
as suas opiniões sobre o desenvolvimento do partido no domínio da organização; decorre da
consciência dos fortes laços que a unem ao anterior trabalho do partido. A minoria não acredita na
força mística das “revoluções no papel” e vê na profundidade com que a vida justifica as suas
aspirações a garantia de que conseguirá, por uma propaganda puramente ideológica no seio do
partido, fazer triunfar os seus princípios de organização» (sublinhado por mim).
Que magníficas, que orgulhosas palavras! E como foi amargo convencermo-nos na prática de que
eram apenas palavras... Queira desculpar-me, camarada Mártov, mas agora, em nome da maioria,
declaro aspirar a essa «honra» que você não mereceu. Será de facto uma grande honra, pela qual
vale a pena bater-se, porque as tradições do espírito de círculo legaram-nos uma herança de cisões
extraordinariamente fáceis e uma aplicação extraordinariamente zelosa desta regra: ou um soco ou
um beijo na mão.
<div style = 'text-align:center;'>___________</div>
O grande prazer (de ter um único partido) devia pesar mais, e pesou mais, do que as pequenas
contrariedades (sob a forma de querelas mesquinhas acerca da cooptação). Retirei-me do OC, o
camarada Igrek (delegado por mim e por Plekhánov ao Conselho do partido, pela redacção do OC)
retirou-se do Conselho. Os martovistas responderam à última palavra do CC sobre a paz com uma
carta (cf. as publicações citadas) equivalente a uma declaração de guerra. Então, mas só então, eu
escrevi uma carta à redacção (n° 53 do Iskra) sobre a publicidade.<ref group = "15">Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, pp. 93-97. (N. Ed.)</ref> Se falamos de revisionismo, se
discutimos sobre a inconsequência e o individualismo anarquista, sobre o fracasso de diversos
dirigentes, então, senhores, contemos tudo sem nada esconder - era esse o conteúdo da minha carta
sobre a publicidade. A redacção respondeu-lhe com injúrias violentas e um magnífico sermão: não
te atrevas a vir com «minúcias e querelas mesquinhas próprias da vida de círculo» (n° 53 do
Iskra). Bom, digo para mim, com que então «minúcias e querelas mesquinhas próprias da vida de
círculo» ... es ist mir recht, senhores, nisso estou de acordo convosco. Porque isso quer dizer que
incluís directamente entre as querelas mesquinhas de círculos toda a história da «cooptação». E é
verdade. Mas que estranha dissonância quando no editorial do mesmo n° 53 a mesma redacção
(parece ser a mesma) começa a falar do burocratismo, de formalismo, etc.<ref group = "15">Como se verificou mais tarde, a «dissonância» explicava-se muito simplesmente por uma dissonância na
composição da redacção do OC. Sobre «querelas mesquinhas» escreveu Plekhánov (ver a sua confissão em Um
Triste Mal-Entendido, n° 57), enquanto o editorial O Nosso Congresso foi escrito por Mártov (Estado de Sítio, p. 84). Cada um puxa para o seu lado. (Nota do Autor)</ref> Não te atrevas a levantar a questão da luta pela cooptação para o OC, porque isso são querelas mesquinhas. Mas nós
levantaremos a questão da cooptação para o CC, e a isso não chamaremos querela mesquinha, mas
divergência de princípio quanto ao «formalismo». Não, digo para mim, caros camaradas, permiti-
nos não vo-lo permitir. Então quereis disparar contra a minha fortaleza, e exigis de mim que vos
entregue a minha artilharia! Brincalhões! E assim escrevo e publico, fora do Iskra, a minha Carta à
Redacção (Porque Me Retirei da Redacção do «Iskra»?121), relatando brevemente como se
passaram os factos e perguntando uma e outra vez se é possível a paz na base da divisão seguinte: o
Órgão Central para vós, o Comité Central para nós. Nenhuma das partes se sentirá «estranha» no
seu partido, e discutiremos a viragem para o oportunismo, discutiremos primeiro na literatura, e
depois talvez no terceiro congresso do partido.
Como resposta a esta menção de paz, todas as baterias do inimigo abriram fogo, incluindo o
Conselho. Choviam os projécteis. Autocrata, Schweitzer, burocrata, formalista, supercentro,
unilateral, rígido, obstinado, estreito, desconfiado, intratável... Muito bem, meus amigos!
Acabastes? Já não tendes mais nada de reserva? São bem más as vossas munições...
É a minha vez de falar. Vejamos o conteúdo dos novos pontos de vista do novo Iskra em matéria de
organização, e a relação destes pontos de vista com a divisão do nosso partido em «maioria» e
«minoria», cujo verdadeiro carácter já mostrámos ao analisar os debates e votações do segundo
congresso.
===Notas===
<references group = "15"/>

Edição atual tal como às 12h54min de 22 de setembro de 2023