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Prefácio: A economia soviética é socialista? (Ivan Potapenkov)

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Revisão de 01h26min de 9 de agosto de 2024 por Andassol (discussão | contribs) (Inclusão da capa)

Prefácio: A economia soviética é socialista?
AutorIvan Potapenkov
Publicado 1ª vez13 de julho de 2023
TipoEnsaio
Fontehttps://telegra.ph/Pref%C3%A1cio-A-economia-sovi%C3%A9tica-%C3%A9-socialista-Por-Ivan-Potapenkov-07-29

Esta publicação introduz a tradução de uma série de ensaios sobre a economia soviética escritos por Ivan Mikhailovich Potapenkov, um economista político que vem pesquisando o assunto há mais de 20 anos.

Os textos originais desses ensaios foram publicados em russo, mas sua importância teórica para todo o movimento comunista internacional é determinada pelo fato de que eles apresentam, pela primeira vez, as leis gerais de movimento do modo de produção soviético planejado por meio de mercadorias.

Esses ensaios revelam as contradições objetivas da economia soviética, fornecendo uma explicação materialista de todas as suas crises e paradoxos e mostrando a base que levou à Perestroika e à restauração do capitalismo.

Diversos livros foram escritos sobre o passado soviético, e os motivos do fim da sociedade soviética ainda são motivo de preocupação para as pessoas, pois o próprio fim dessa sociedade foi inesperado, até mesmo para os sovietólogos ocidentais.

Ao procurar as causas para a queda da União Soviética, a maioria das pessoas se concentra em encontrar a resposta para a pergunta: sob qual Secretário Geral houve um afastamento do marxismo? Essa abordagem é facilitada pelo fato de que as atividades iniciais de cada Secretário Geral começaram com novas reformas. Com cada novo Secretário Geral, um novo “socialismo” era construído. Assim, toda a história soviética se transformou na história dos Secretários Gerais.

Mas, quanto a mim, não estou preocupado com o Secretário Geral de qualquer período histórico específico, embora eu mencione seus nomes em meus escritos. Não estou interessado em quem disse e fez o quê. Estou interessado apenas em POR QUE exatamente um determinado representante político disse e fez aquilo.

Minha pesquisa sobre a economia soviética me levou às seguintes conclusões. Como se sabe, as relações de produção comunistas não podem surgir nas profundezas do capitalismo, pois sua formação exige uma organização sistemática da produção em escala de sociedade, o que é dificultado pela propriedade privada. Portanto, a formação do modo de produção comunista começa com a conquista do domínio político pelo proletariado, a fim de usar o poder do Estado para eliminar a propriedade privada e unir todos os meios de produção em uma única propriedade estatal.

Tendo eliminado a propriedade privada, a sociedade prosseguirá com a formação consciente de relações de produção comunistas, o que implica um papel cada vez maior do fator subjetivo. É bastante claro que a história é feita por pessoas, mas isso não significa que elas a façam com base em seus desejos e fantasias. Por um lado, as pessoas criam a história, mas, por outro lado, elas precisam criá-la em determinadas condições históricas herdadas das gerações anteriores e de suas próprias atividades anteriores. O tipo de relações de produção que será formado deve ser determinado não pelo que as pessoas querem alcançar, mas pelo nível existente de desenvolvimento das forças produtivas e pela estrutura de classes no momento de sua formação.

O nível insuficiente de desenvolvimento das forças produtivas foi a razão para a estrutura desfavorável das classes, o que levou à necessidade de preservar certas formas do modo de produção burguês anterior. Nesse caso, o proletariado, sob a liderança de sua vanguarda, o Partido, com base nas leis gerais do desenvolvimento social, começou a formar relações de produção comunistas, para as quais as condições ainda não estavam totalmente formadas. A criação de novas relações de produção no modo de produção comunista também cria as formas pelas quais elas são colocadas em prática. Mas devido ao fato de que as formas inerentes às antigas relações de produção ainda permaneciam, as novas formas emergentes eram afetadas por elas. Como resultado, havia uma forma que combinava tanto o novo quanto o antigo. Essa forma, por si só, possuía opostos, que mais tarde se transformaram em contradições.

As relações de produção que surgiram deram origem a uma nova estrutura social da sociedade, na qual diferentes classes desempenhavam diferentes papéis na produção social. As novas classes estavam unidas em seu desejo de construir uma sociedade socialista. Mas como a forma (na qual as relações entre as classes se manifestam) possuía opostos, esses opostos encontraram sua expressão na contradição dos interesses das diferentes classes sob uma falsa unidade externa. Era inevitável, então, que surgisse uma classe que estivesse interessada em preservar as relações de produção estabelecidas e a forma de sua manifestação.

Por fim, essas contradições se transformaram em conflito. Os participantes da produção social perceberam que era impossível continuar a se desenvolver nessa direção e que as relações de produção existentes estavam impedindo o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade.

A própria vida exige a compreensão das contradições existentes e das leis objetivas do desenvolvimento da produção social. Assim, no início da década de 1980, após a morte de Leonid Brezhnev, admitiu-se abertamente o fato de que não conhecemos a sociedade em que vivemos. E sem entender as relações de causa e efeito inerentes à economia soviética, é impossível prever em que direção seguir. Nesse cenário, a busca pela resolução das contradições baseava-se na maneira como elas eram resolvidas no mundo burguês. A tentativa de resolver as contradições existentes usando métodos de mercado levou à restauração do capitalismo.

A União Soviética está morta, mas os defensores do socialismo hoje em dia preferem se ater a um antigo ditado russo: “Dos mortos só se pode dizer coisas boas”. No entanto, para o benefício das gerações futuras, que enfrentarão o desafio de serem os novos construtores da sociedade comunista, o passado soviético deve ser dissecado da maneira mais implacável possível, todos os pontos críticos da economia soviética devem ser abertos, e tais revelações geralmente não são positivas. Pois se somos comunistas, temos apenas um dever - devemos dizer a verdade, por mais dura que ela seja; não faz sentido ter medo do que o meio liberal vai pensar de nós. Deixe que digam o que quiserem, nós seguiremos nosso próprio caminho.

Os ensaios propostos não retratam a economia soviética com sob uma ótica de um mundo colorido e perfeito. Portanto, eu gostaria de evitar alguns mal-entendidos de antemão. Não tenho nada contra nenhum líder soviético em particular, seja ele um membro do Comitê Central do Partido ou do Politburo, um ministro, um representante do Comitê de Planejamento do Estado ou um simples gerente de fábrica. Para mim, eles são apenas rostos nos quais as categorias econômicas são personificadas. Em minha opinião, o desenvolvimento da sociedade soviética é um processo histórico-natural, portanto, nenhuma pessoa pode ser responsabilizada por tudo o que ocorreu na sociedade soviética. As pessoas agiam de acordo com as condições que lhes eram impostas.

Depois das minhas palestras sobre a economia soviética, as pessoas fazem muitas perguntas, mas entre elas as mais comuns são:

1) Como, sob um sistema econômico tão falho, conseguimos realizar tanto, transformando a Rússia atrasada em uma União Soviética industrialmente desenvolvida?

2) Os problemas econômicos foram causados por atos de sabotagem?

A resposta à primeira pergunta é simples. Ninguém menospreza as conquistas da União Soviética, e tenho orgulho de ter vivido e trabalhado naquele país. Apesar de todas as falhas, realmente conquistamos muito, mas, como bem observou o projetista de aeronaves e economista Oleg Antonov na década de 60, quantos patamares mais poderíamos alcançar, se não fossem as insuficiências existentes na prática econômica. Hoje podemos acrescentar: não apenas teríamos alcançado novos patamares, como também não nos encontraríamos hoje em uma crise, tentando resolver o problema de como começar a construir o socialismo novamente.

A resposta à segunda pergunta não é tão simples; cada classe da sociedade soviética tinha sua própria lógica e, se começamos a acusar alguém de ser uma parasita, temos de acusar todo mundo. Nos ensaios, tentei mostrar em virtude de quais circunstâncias objetivas certas ações dos indivíduos foram realizadas. Ao mesmo tempo, peço que levem em consideração que a economia soviética é cheia de absurdos e paradoxos, que às vezes parecem irracionais e contrários ao senso comum.

Em nossa sociedade, estamos todos procurando uma resposta para a pergunta de Alexandr Herzen: “quem é o culpado?”. Não é necessário procurar quem é o traidor do marxismo, e não há necessidade de procurar o que se afastou da teoria de Marx na causa da construção do socialismo. A pergunta “de quem e do que é a culpa?” é retórica. Todo o curso da história soviética está de acordo com as leis da teoria de Marx. O marxismo é a teoria das leis gerais do desenvolvimento da sociedade. Mas também inclui uma teoria específica do desenvolvimento da sociedade capitalista e a criação de uma sociedade futura como forma de resolver as contradições do capitalismo. Tudo o que foi feito na história soviética foi feito de acordo com a teoria geral do desenvolvimento da sociedade. E o que não foi feito com relação à teoria das leis objetivas do desenvolvimento da sociedade comunista, simplesmente não havia condições para isso. No início, tudo foi determinado pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas, depois pelas relações de produção estabelecidas. Liberais de todos os tipos afirmam que o fim da sociedade soviética provou o caráter utópico do marxismo. Na verdade, ao contrário, a história soviética provou que o marxismo estava certo.

Nos debates das décadas de 50 e 60, Evald Ilyenkov escreveu uma carta a economistas na qual expressava um pensamento interessante. Ele argumentou que muitos economistas sabiam O Capital de Marx quase de cor, mas nenhum deles tinha sido capaz de estudar a própria economia soviética com base em seu conhecimento d’O Capital. Todo o infortúnio da ciência soviética foi o fato de os economistas tentarem aplicar O Capital simplesmente citando fragmentos individuais do texto. Normalmente, as citações eram e ainda são usadas para provar um determinado ponto de vista. Alguns provam sua opinião com base em algumas citações, seus oponentes usam outras citações para refutar os primeiros e provar uma visão diferente da questão. Todos brandindo citações dos clássicos como se fossem espadas. Deduzir a realidade soviética a partir das citações de Marx sem um conhecimento real da prática soviética é rejeitar uma compreensão materialista dos processos históricos.

Tentei usar o seguinte método apresentado n’O Capital. Inicialmente, é derivada a forma mais simples do planejamento, que, assim como a mercadoria para a economia capitalista, é uma célula da economia soviética. A fórmula mais simples para um planejamento é expressa pela seguinte equação:

X rublos = Y da mercadoria A

(Sendo X a quantidade de rublos, ou de qualquer moeda, e Y a quantidade real de uma certa mercadoria de qualidade A).

Essa é uma comparação da meta planificada em termos monetários com o valor criado da mercadoria produzida. Nessa mesma célula estão todas as contradições da economia soviética. Minhas explicações posteriores vão mostrar a progressão das contradições embutidas no planejamento. Citações também serão utilizadas, embora não como argumentos de prova, mas sim como ilustrações do que está sendo dito.

Esta pesquisa tem como objetivo fornecer uma visão diferente e distinta das causas do fracasso do socialismo na URSS, com base nas contradições internas do planificação soviética. Esse trabalho terá a forma de pequenos ensaios apresentados em uma determinada sequência lógica. Os ensaios serão publicados à medida que forem escritos. E mais uma observação rápida. Nesses resumos publicados on-line, não cito a literatura utilizada. Mas esses ensaios serão a base para a edição impressa, na qual serão feitas todas as referências e terão todas as fontes necessárias.