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Um passo em frente, dois passos atrás: a crise no nosso Partido

Da ProleWiki, a enciclopédia proletária
Revisão de 11h59min de 5 de setembro de 2024 por Forte (discussão | contribs)

Um passo em frente, dois passos atrás: a crise no nosso Partido
Publicado 1ª vez1904
TipoLivro
FonteEditorial Avante; Marxists Internet Archive

V. I. Lénine trabalhou durante vários meses no seu livro Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás (A Crise no Nosso Partido), estudando cuidadosamente as actas das sessões e as resoluções do II Congresso do POSDR, as intervenções de cada um dos delegados, os agrupamentos políticos que se formaram no congresso, bem como os documentos do Comité Central e do Conselho do partido, materiais esses que foram publicados em Janeiro de 1904. Em Maio de 1904 o livro de Lénine foi publicado. Nesta obra V. I. Lénine desferiu um golpe demolidor no oportunismo dos mencheviques quanto às questões de organização. O enorme significado histórico do livro consiste, sobretudo, no facto de Lénine, desenvolvendo a doutrina marxista sobre o partido, ter elaborado os princípios de organização do partido revolucionário proletário, e de, pela primeira vez na história do marxismo, ter feito uma crítica completa do oportunismo em matéria de organização, tendo mostrado o perigo particular que comporta a subestimação do significado da organização no movimento operário. O livro provocou ataques ferozes dos mencheviques. Plekhánov exigiu que o Comité Central se dessolidarizasse do livro de Lénine, enquanto os conciliadores no Comité Central procuraram retardar a sua impressão e difusão. Apesar de todos os esforços dos oportunistas, a obra de Lénine Um Passo em frente, Dois Passos Atrás conseguiu uma ampla difusão entre os operários avançados da Rússia.

Prefácio

Quando se trava uma luta prolongada, tenaz e apaixonada começam a delinear-se, geralmente ao fim de certo tempo, os pontos de divergência centrais, essenciais, de cuja solução depende o resultado definitivo da campanha, e em comparação com os quais os episódios menores e insignificantes da luta passam cada vez mais para segundo plano.

E o que se passa também com o combate que se trava no seio do nosso partido e que, há já meio ano, chama a atenção de todos os membros do partido. E precisamente porque foi necessário, no esboço de toda a luta que ofereço ao leitor, aludir a uma série de pormenores de interesse mínimo e a inúmeras querelas que não oferecem no fundo qualquer interesse, eu queria, desde o início, chamar a atenção do leitor para duas questões verdadeiramente centrais, essenciais, de enorme interesse e de projecção histórica incontestável, que constituem as questões políticas mais urgentes na ordem do dia do nosso partido.

A primeira diz respeito ao significado político da divisão do nosso partido em «maioria» e «minoria», divisão que tomou forma no segundo congresso do partido[1 1] e que deixou muito para trás todas as anteriores divisões dos sociais-democratas russos.

A segunda questão diz respeito ao significado de princípio da posição do novo Iskra em matéria de organização, tanto quanto se trata de uma posição efectivamente de princípio.

A primeira questão é a do ponto de partida da luta no nosso partido, a questão da sua origem, das suas causas, do seu carácter político fundamental. A segunda questão é a do resultado final da luta, do seu desenlace, do balanço que, no terreno dos princípios, se obtém somando tudo o que se refere aos princípios e subtraindo tudo o que se refere a querelas mesquinhas. A primeira questão resolve- se analisando a luta no congresso do partido; a segunda analisando o novo conteúdo de princípios do novo Iskra. Uma e outra destas análises, que constituem nove décimos desta brochura, levam à conclusão de que a «maioria» é a ala revolucionária do nosso partido, e que a «minoria» é a sua ala oportunista; as divergências que separam actualmente estas duas alas dizem respeito sobretudo a questões de organização, e não a questões de programa ou de táctica; o novo sistema de concepções que se desenha no novo Iskra com tanto mais clareza quanto mais ele procura aprofundar a sua posição, quanto mais esta posição se vai libertando de todas as querelas sobre a cooptação, é oportunismo em matéria de organização.

O principal defeito da literatura de que dispomos sobre a crise do nosso partido é, no que diz respeito ao estudo e esclarecimento dos factos, a ausência quase total duma análise das actas do congresso do partido, e no que respeita ao esclarecimento dos princípios fundamentais do problema de organização, é a falta de uma análise da ligação que inegavelmente existe entre o erro cometido pelo camarada Mártov e pelo camarada Axelrod na formulação do parágrafo primeiro dos estatutos e a defesa desta formulação, por um lado, e todo o «sistema» (tanto quanto se pode falar aqui de um sistema) dos princípios actuais do Iskra em matéria de organização, por outro lado. Pelos vistos a actual redacção do Iskra não nota sequer esta ligação, embora a importância da discussão do parágrafo primeiro tenha sido já muitas vezes assinalada nas publicações da «maioria». Hoje, os camaradas Axelrod e Mártov em essência não fazem mais do que desenvolver e alargar o seu erro inicial sobre o parágrafo primeiro. Em essência, toda a posição dos oportunistas em matéria de organização começou a revelar-se já na discussão do parágrafo primeiro: na sua defesa de uma organização do partido difusa e não fortemente cimentada; na sua hostilidade à ideia (à ideia «burocrática») da edificação do partido de cima para baixo, a partir do congresso do partido e dos organismos por ele criados; na sua tendência para actuar de baixo para cima, permitindo a qualquer professor, a qualquer estudante do liceu e a «qualquer grevista» declarar-se membro do partido; na sua hostilidade ao «formalismo», que exige a um membro do partido que pertença a uma organização reconhecida pelo partido; na sua tendência para uma mentalidade de intelectual burguês, pronto apenas a «reconhecer platonicamente as relações de organização»; na sua inclinação para essa subtileza de espírito oportunista e as frases anarquistas; na sua tendência para o autonomismo contra o centralismo; numa palavra, em tudo o que hoje floresce tão exuberantemente no novo Iskra, e que contribui para o esclarecimento cada vez mais profundo e evidente do erro inicial.

Quanto às actas do congresso do partido, a falta de atenção verdadeiramente imerecida de que são objecto só pode explicãr-se pelas querelas que envenenam as nossas discussões e possivelmente, além disso, pelo excesso de verdades demasiado amargas que essas actas contêm. As actas do congresso apresentam o quadro da verdadeira situação do nosso partido, quadro único no seu género, insubstituível pela sua exactidão, plenitude, diversidade, riqueza e autenticidade; um quadro das concepções, do estado de espírito e dos planos traçados pelos próprios participantes do movimento, um quadro dos matizes políticos existentes no nosso partido e que mostra a sua força relativa, as suas relações mútuas e a sua luta. As actas do congresso do partido, e só elas, mostram- nos em que medida nós conseguimos verdadeiramente varrer tudo o que restava das velhas relações puramente de círculos e conseguimos substituí-las por uma única grande ligação, a de partido. Todo o membro do partido desejoso de participar conscientemente nos assuntos do seu partido deve estudar com cuidado o nosso congresso do partido, precisamente: estudar, porque a simples leitura do amontoado de materiais brutos que as actas contém é insuficiente para dar um quadro do congresso. Só com um estudo minucioso e independente se pode conseguir (e deve-se procurar fazê-lo) fundir num todo os resumos sucintos dos discursos, os excertos secos dos debates, as pequenas controvérsias sobre questões secundárias (secundárias na aparência), para que ante os membros do partido surja o rosto vivo de cada orador destacado, se revele com precisão a fisionomia política de cada um dos grupos de delegados ao congresso do partido. O autor destas linhas considerará que o seu trabalho não terá sido em vão se conseguir pelo menos dar um impulso ao estudo, amplo e individual, das actas do congresso do partido.

Ainda uma palavra a respeito dos adversários da social-democracia. Eles seguem com caretas de alegria maligna as nossas discussões; evidentemente procurarão utilizar para os seus fins algumas passagens isoladas desta brochura dedicada aos defeitos e lacunas do nosso partido. Os sociais- democratas russos estão já suficientemente temperados nas batalhas para não se deixarem perturbar por essas alfinetadas, e para prosseguir, apesar delas, o seu trabalho de autocrítica, continuando a revelar implacavelmente as suas próprias lacunas, que serão corrigidas, necessária e seguramente, pelo crescimento do movimento operário. E que os senhores adversários tentem apresentar-nos da situação verdadeira dos seus próprios «partidos» um quadro que se pareça, mesmo de longe, com o que apresentam as actas do nosso segundo congresso!

Maio de 1904. N. Lénine

Notas

  1. O II Congresso do POSDR realizou-se de 17 (30) de Julho a 10 (23) de Agosto de 1903. As primeiras 13 sessões do congresso efectuaram-se em Bruxelas. Depois, devido às perseguições por parte da polícia, as sessões do congresso foram transferidas para Londres. As mais importantes questões do congresso eram a aprovação do programa e dos estatutos do partido, e as eleições dos seus centros dirigentes. Lénine e os seus partidários travaram no congresso uma luta decidida contra os oportunistas. O congresso aprovou por unanimidade (com uma abstenção) o programa do partido, em que foram formuladas tanto as tarefas imediatas do proletariado e da próxima revolução democrático-burguesa (programa mínimo), como as tarefas que visavam a vitória da revolução socialista e o estabelecimento da ditadura do proletariado (programa máximo). No decurso das discussões sobre os estatutos do partido travou-se uma luta aguda quanto à questão dos princípios organizativos da edificação do partido. Lénine e os seus partidários lutavam pela criação de um partido revolucionário combativo da classe operária e consideravam necessário que se adoptassem estatutos que dificultassem a adesão ao partido de todos os elementos instáveis e vacilantes. A formulação de Mártov, que tornava mais fácil a adesão ao partido de todos os elementos instáveis, foi apoiada no congresso não só pelos anti-iskristas e pelo «pântano» («centro»), como também pelos iskristas brandos, e foi aprovada pelo congresso por uma insignificante maioria de votos. Mas, no fundamental, o congresso aprovou os estatutos elaborados por Lénine. O congresso aprovou também uma série de resoluções sobre as questões de táctica. No congresso deu-se a cisão entre os partidários consequentes da orientação iskrista, leninistas, e os iskristas brandos partidários de Mártov. Os partidários da orientação leninista obtiveram a maioria dos votos durante as eleições dos organismos centrais do partido e passaram a ser denominados bolcheviques (da palavra russa bolchinstvó, que quer dizer maioria), enquanto os oportunistas, que obtiveram a minoria, receberam a denominação de mencheviques (da palavra russa menchinstvó, que quer dizer minoria). O congresso teve um enorme significado para o desenvolvimento do movimento operário na Rússia. Ele acabou com o trabalho artesanal e com o espírito de círculo no movimento social-democrata e deu início a um partido marxista revolucionário na Rússia, o partido dos bolcheviques.

a) A Preparação do Congresso

Há uma máxima segundo a qual cada pessoa tem o direito, durante vinte e quatro horas, de maldizer os seus juízes. O congresso do nosso partido, como qualquer congresso de qualquer partido, foi igualmente juiz de várias pessoas que aspiravam ao posto de dirigentes e sofreram um fracasso. Agora, esses representantes da «minoria», com uma ingenuidade enternecedora, «maldizem os seus juízes» e procuram, por todos os meios, lançar o descrédito sobre o congresso e minimizar a sua importância e autoridade. Esta tendência exprimiu-se talvez com o maior relevo no artigo de Praktik que, no n° 57 do Iskra, se indigna com a ideia da «divindade» soberana do congresso. Eis um traço tão característico do novo Iskra, que não poderíamos deixar de referir. A redacção, que é composta na sua maior parte por pessoas rejeitadas pelo congresso, continua, por um lado, a intitular-se redacção «do partido» e, por outro lado, abre os braços a indivíduos que afirmam que o congresso não é uma divindade. Muito bonito, não é verdade? Sim, senhores, o congresso não é certamente uma divindade, mas que pensar dos que começam a «denegrir» o congresso depois de aí terem sofrido uma derrota?

Lembremos, com efeito, os principais factos da história da preparação do congresso. Desde o princípio, no seu anúncio datado de 1900[2 1], que precedeu a publicação do jornal, o Iskra declarava que antes de nos unificarmos era necessário que nos demarcássemos. O Iskra procurou fazer da Conferência de 1902[2 2] uma reunião privada, e não um congresso do partido.[2 3] O Iskra agiu com extraordinária circunspecção no Verão e Outono de 1902, ao renovar o Comité de Organização eleito nessa conferência. Finalmente, o trabalho de demarcação terminou, terminou como todos nós o reconhecemos. O Comité de Organização foi constituído mesmo nos finais de 1902. O Iskra saúda a sua consolidação e declara - no seu editorial do n° 32 - que a convocação de um congresso do partido era a necessidade mais urgente e imediata[2 4]. Assim, o que menos nos podem censurar é o ter precipitado a convocação do segundo congresso. Nós aplicámos esta regra: olhar duas vezes antes de decidir; tínhamos o pleno direito moral de esperar que os camaradas, uma vez decidido, se não lembrassem de choramingar e olhar de novo.

O Comité de Organização elaborou o regulamento do segundo congresso, regulamento extremamente minucioso (formalista e burocrático, diriam os que agora encobrem com estes vocábulos a sua falta de carácter em matéria política); fê-lo aprovar por todos os comités e aprovou- o enfim, estabelecendo, entre outras coisas, no § 18: «Todas as resoluções do congresso e todas as eleições por ele feitas constituem uma decisão do partido, obrigatória para todas as suas organizações. Elas não podem, sob pretexto algum, ser contestadas por ninguém, e só podem ser revogadas ou modificadas pelo congresso seguinte do partido.»[2 5] Na verdade, que inocentes em si mesmas são estas palavras, então tacitamente aceites como algo que se subentende, e como soam hoje estranhamente, como se fossem um veredicto contra a «minoria»! Com que fim foi redigido este parágrafo? Unicamente pelo respeito das formalidades? Não, evidentemente. Esta decisão parecia necessária, e era-o efectivamente, porque o partido era composto por uma série de grupos fragmentados e autónomos, dos quais se podia esperar a recusa de reconhecer o congresso. Ela exprimia precisamente a boa vontade de todos os revolucionários (de que tanto e tão pouco a propósito se fala hoje, caracterizando por eufemismo com o termo boa o que merece antes o epíteto de caprichosa). Esta disposição equivalia à palavra de honra recíproca de todos os sociais- democratas russos. Ela devia garantir que o imenso trabalho, os perigos, as despesas exigidas pelo congresso, não seriam vãos; que o congresso se não transformaria numa comédia. Ela qualificava antecipadamente qualquer não-reconhecimento das decisões e eleições do congresso como uma quebra de confiança.

De quem troça então o novo Iskra, que fez a nova descoberta de que o congresso não é uma divindade e que as suas decisões não são sacrossantas? Conterá a sua descoberta «novas concepções em matéria de organização» ou apenas novas tentativas de apagar velhas pistas?

Notas

  1. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 4, pp. 354-360. (N. Ed.)
  2. A Conferência de 1902, conferência dos representantes dos comités e organizações do POSDR, realizou-se de 23 a 28 de Março (de 5 a 10 de Abril) de 1902 em Belostok. Os «economistas» e os bundistas, que os apoiavam, tentaram transformar a conferência no II Congresso do POSDR, esperando consolidar deste modo a sua situação nas fileiras da social-democracia russa e paralisar a crescente influência do Iskra. Esta tentativa, no entanto, fracassou. A conferência elegeu o Comité de Organização para preparar o II Congresso do partido. Em breve, após a conferência, a maioria dos seus delegados, entre eles dois membros do Comité da Organização, foram presos pela polícia. O novo Comité de Organização para a preparação do II Congresso do POSDR foi formado em Novembro de 1902 na cidade de Pskov, na reunião dos representantes do Comité de Petersburgo do POSDR, da organização do Iskra na Rússia e do grupo Iújni Rabótchi.
  3. Ver as actas do II Congresso, p.20.
  4. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 91-93. (N. Ed.)
  5. Ver as actas do II Congresso, pp. 22-23, 380.

b) O Significado dos Agrupamentos no Congresso

Assim, o congresso reuniu-se depois de preparativos extremamente minuciosos, na base da mais completa representação. O reconhecimento geral da composição regular do congresso e do carácter absolutamente obrigatório das suas resoluções encontrou também a sua expressão na declaração feita pelo presidente (p. 54 das actas) depois da constituição do congresso.

Qual era portanto a tarefa principal do congresso? Criar um verdadeiro partido sobre as bases de princípios e de organização que tinham sido propostas e elaboradas pelo Iskra. Que o congresso devia trabalhar precisamente neste sentido era facto antecipadamente determinado por três anos de actividade do Iskra, aprovada pela maioria dos comités. O programa e orientação do Iskra deviam tornar-se o programa e orientação do partido; os planos do Iskra em matéria de organização deviam ser consagrados nos estatutos da organização do partido. Mas é evidente que tal resultado não se podia obter sem luta: a representação integral no congresso assegurou também a presença nele de organizações que tinham combatido decididamente o Iskra (o Bund e a Rabótcheie Dielo), assim como a de organizações que, embora reconhecendo verbalmente o Iskra como órgão dirigente, prosseguiam de facto os seus próprios planos, e se distinguiam pela sua falta de firmeza no terreno dos princípios (o grupo Iújni Rabótchi e os delegados de certos comités a ele ligados). Nestas condições, o congresso não podia deixar de tornar-se um campo de luta pela vitória da orientação do «Iskra». Que o congresso foi efectivamente um campo de batalha, é um facto que aparecerá claramente para quem quer que leia com um pouco de atenção as actas. E a nossa tarefa consiste agora em estudar detalhadamente os principais agrupamentos que se revelaram no congresso a propósito de diversas questões, e reconstruir, com base nos dados precisos das actas, a fisionomia política de cada um dos grupos fundamentais do congresso. O que eram realmente esses grupos, tendências e matizes que, no congresso, sob a direcção do Iskra, deviam fundir-se num único partido? É isto que devemos mostrar com uma análise dos debates e votações. Esclarecer este ponto é de capital importância para estudar o que são na realidade os nossos sociais-democratas, assim como para compreender as causas das divergências. E por isso que, no meu discurso no congresso da Liga e na minha carta à redacção do novo Iskra, pus precisamente em primeiro plano a análise dos diferentes agrupamentos.[3 1] Os meus adversários, entre os representantes da «minoria» (com Mártov à cabeça), não compreenderam em absoluto o fundo da questão. No congresso da Liga, limitaram-se a fazer emendas de pormenor, «justificando-se» da acusação que lhes faziam de terem virado para o oportunismo, sem mesmo procurarem traçar, para me contradizerem, qualquer outro quadro dos agrupamentos no congresso. Agora, no Iskra (n.° 56), Mártov tenta apresentar todas as tentativas para delimitar com exactidão os diversos grupos políticos no congresso, como simples «politiquice de círculo». São palavras muito fortes, camarada Mártov! Mas as palavras fortes do novo Iskra têm uma propriedade original: basta reproduzir exactamente todas as peripécias da divergência a partir do congresso, para que todas essas palavras fortes se voltem inteiramente e em primeiro lugar contra a actual redacção. Olhai-vos a vós próprios senhores que vos dizeis redactores do partido, vós que levantais a questão da politiquice de círculo!

Os factos da nossa luta no congresso aborrecem agora tanto Mártov que ele tenta apagá-los completamente. «O iskrista - diz ele - é aquele que no congresso do partido e antes dele declarou que se solidariza plenamente com o Iskra, defendeu o seu programa e o seu ponto de vista em matéria de organização e apoiou a sua política neste terreno. Havia no congresso mais de quarenta destes iskristas, tantos quantos o número de votos favoráveis ao programa do Iskra e à resolução que reconhecia o Iskra como órgão central do partido.» Folheai as actas do congresso e vereis que todos (p. 233) aceitaram o programa, excepto Akímov, que se absteve. Com essas palavras, o camarada Mártov quer assegurar-nos que tanto os bundistas como Brúker e Martínov demonstraram a sua «plena solidariedade» com o Iskra e defenderam os seus pontos de vista em matéria de organização! Isto é ridículo. A transformação, depois do congresso, de todos os seus participantes em membros do partido com iguais direitos (de resto, nem todos, já que os bundistas se retiraram) confunde-se nessas palavras com a divisão em agrupamentos que provocou a luta no congresso. Em vez de estudar os elementos que depois do congresso formaram a «maioria» e a «minoria», faz-se uma frase oficial: aceitaram o programa!

Reparai na votação do reconhecimento do Iskra como Órgão Central. Vereis que Martínov, a quem agora o camarada Mártov, com audácia digna duma melhor causa, atribui a defesa das concepções e da política do Iskra em matéria de organização, é quem precisamente insiste na separação das duas partes da resolução: o reconhecimento puro e simples do Iskra como Órgão Central e o reconhecimento dos seus méritos. Quando da votação da primeira parte da resolução (reconhecimento dos méritos do Iskra, expressão de solidariedade com ele), obtiveram-se apenas 35 votos a favor, dois contra (Akímov e Brúker) e onze abstenções (Martínov, os cinco bundistas e cinco votos da redacção: os meus dois votos, os dois de Mártov e um de Plekhánov). Por consequência, o grupo dos anti-iskristas (cinco bundistas e três partidários da Rabótcheie Dielo) destaca-se com toda a clareza também aqui, neste exemplo, o mais vantajoso para o ponto de vista actual de Mártov, exemplo escolhido por ele próprio. Vede a votação da segunda parte da resolução: o reconhecimento do Iskra como Órgão Central sem se dar justificação alguma e sem exprimir solidariedade (p. 147 das actas). Houve 44 votos a favor, que o actual Mártov atribui aos iskristas.

Houve ao todo 51 votos; subtraindo as cinco abstenções dos redactores, ficam 46 votos; dois votaram contra (Akímov e Brúker); por consequência, fazem parte dos 44 restantes todos os cinco bundistas. Assim, no congresso, os bundistas «exprimiram a sua plena solidariedade com o Iskra» - eis como a história oficial é escrita pelo Iskra oficial! Antecipando-nos ao relato, expliquemos ao leitor os verdadeiros motivos desta verdade oficial: a actual redacção do Iskra poderia ser e seria de facto uma redacção do partido (e não quase-partido, como agora) se os bundistas e os partidários da «Rabótcheie Dielo» não tivessem abandonado o congresso. Por essa razão foi necessário converter em «iskristas» esses fiéis guardiões da actual redacção, que se diz do partido. Mas voltaremos a isto em pormenor um pouco mais adiante.

Põe-se em seguida a pergunta: se o congresso foi uma luta entre elementos iskristas e anti-iskristas, não haveria elementos intermédios, instáveis, que oscilassem entre uns e outros? Quem conheça um pouco o nosso partido e a fisionomia habitual de todos os congressos, inclinar-se-á a priori a responder a esta pergunta com uma afirmativa. O camarada Mártov não sente agora o mínimo desejo de se recordar desses elementos instáveis, e apresenta o grupo do Iújni Rabótchi, com os delegados que gravitam à sua volta, como iskristas típicos, e as nossas divergências com eles como insignificantes e sem importância. Felizmente, temos agora sob os olhos o texto integral das actas, e podemos portanto resolver esta questão - a questão de facto, bem entendido - na base de dados documentais. O que dissemos acima em geral sobre os agrupamentos no congresso não pretende de modo nenhum resolver este problema, mas simplesmente colocá-lo de modo correcto.

Sem uma análise dos agrupamentos políticos, sem traçar um quadro do congresso como luta entre determinados matizes, é impossível compreender as nossas discordâncias. A tentativa de Mártov de escamotear a diferença de matizes, juntando mesmo os bundistas com os iskristas, é simplesmente furtar-se à questão. Mesmo a priori, na base da história da social-democracia russa antes do congresso, desenham-se (para a sua comprovação ulterior e pormenorizado estudo) três grupos principais: os iskristas, os anti-iskristas e os elementos instáveis, vacilantes e inconstantes.

Notas

  1. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, pp. 41-52, 98-104. (N. Ed.)

c) O Início do Congresso - O Incidente com o Comitê de Organização

O mais cómodo é fazer a análise dos debates e votações do congresso seguindo a ordem das sessões para anotar sucessivamente os matizes políticos que se desenham cada vez mais nitidamente. Só nos afastaremos da ordem cronológica em caso de absoluta necessidade, para examinar em conjunto certos problemas estritamente relacionados ou certos agrupamentos similares. Para maior imparcialidade, tentaremos anotar todas as votações principais deixando de lado, bem entendido, uma série de votações sobre questões de pormenor, que tomaram ao nosso congresso um tempo exorbitante (em parte devido à nossa inexperiência e à má distribuição dos documentos entre as reuniões de comissões e as sessões plenárias, e em parte em consequência de atrasos deliberados que raiavam a obstrução).

A primeira questão que suscitou debates que começaram a revelar os diferentes matizes foi sobre se devia ser dado o primeiro lugar (na «ordem do dia» do congresso) ao ponto seguinte: «posição do Bund no partido» (pp. 29-33 das actas). Segundo o ponto de vista dos iskristas, defendido por Plekhánov, Mártov, Trótski e por mim, não podia haver quaisquer dúvidas a este respeito. A saída do Bund mostrou de forma evidente a justeza das nossas considerações: se o Bund não queria caminhar connosco nem admitir os princípios de organização que a maioria do partido partilhava com o Iskra, era inútil e contrário ao bom senso «fingir» caminhar juntos e arrastar assim o congresso (como arrastavam os bundistas). A literatura já tinha esclarecido o problema, e era evidente para qualquer membro consciente do partido que só faltava pôr francamente a questão e escolher aberta e lealmente: autonomia (caminhamos juntos) ou federação (separamo-nos).

Evasivos em toda a sua política, também aqui os bundistas quiseram ser evasivos e adiar a questão. O camarada Akímov junta-se a eles e logo formula, provavelmente em nome de todos os partidários da Rabótcheie Dielo, as suas divergências com o Iskra no plano organizativo (p. 31 das actas). Ao lado do Bund e da Rabótcheie Dielo alinha o camarada Mákhov (dois votos do comité de Nikoláiev, que, pouco antes, se tinha declarado solidário com o Iskra!). Para o camarada Mákhov o problema não é nada claro, e para ele o «ponto nevrálgico» é também a «questão da estrutura democrática ou, pelo contrário (notai bem!), do centralismo», exactamente como para a maioria da nossa actual redacção «do partido», maioria que no congresso ainda se não tinha dado conta deste «ponto nevrálgico»!

Assim, contra os iskristas erguem-se o Bund, a Rabótcheie Dielo e o camarada Mákhov, reunindo todos juntos os dez votos que se registaram contra nós (p. 33). Houve 30 votos a favor, e, como veremos em seguida, é à volta deste número que muitas vezes oscilam os votos dos iskristas. Onze abstiveram-se, não se ligando de maneira definida, como se verifica, nem a um nem a outro dos «partidos» em luta. É interessante notar que na altura da votação sobre o § 2 dos estatutos do Bund (a rejeição do § 2 provocou a saída do Bund do partido) eram igualmente em número de dez os votos e as abstenções (p. 289 das actas); abstiveram-se precisamente os três partidários da Rabótcheie Dielo (Brúker, Martínov, Akímov) e o camarada Mákhov. É evidente que a votação sobre o lugar a reservar à questão do Bund deu origem a um agrupamento que não tinha nada de acidental. É evidente que todos estes camaradas discordavam do Iskra, não só em relação ao problema técnico da ordem da discussão, como também quanto ao fundo. No que se refere à Rabótcheie Dielo, a divergência de fundo é clara para todos, e o camarada Mákhov definiu de modo notável a sua atitude no seu discurso a propósito da saída do Bund (pp. 289-290 das actas). Vale a pena que nos detenhamos neste discurso. O camarada Mákhov diz que, depois da resolução que rejeitou a federação, «a situação do Bund no POSDR, de questão de princípio, tornou-se para ele uma questão de política real face à organização nacional historicamente constituída. Aqui - prossegue o orador - tive forçosamente que ter em conta todas as consequências que podiam advir da nossa votação e por isso teria votado a favor do § 2 na sua totalidade». O camarada Mákhov compreendeu perfeitamente o espírito da «política real»; em princípio já rejeitou a federação, e é por isso que, na prática, teria votado a favor de um ponto dos estatutos que estabelece essa mesma federação! E este camarada «prático» explica a sua estrita posição de princípio com as palavras seguintes: «Mas (o famoso «mas» de Chtchedrine!) como qualquer votação minha tinha apenas um carácter de princípio (!!) e não podia ter carácter prático, devido à votação quase unânime de todos os outros congressistas, preferi abster-me para, por princípio» ... (Deus nos livre de tal espírito de princípio!)... «fazer ressaltar a diferença da minha posição, neste caso, relativamente à posição defendida pelos delegados do Bund que votaram a favor desse ponto. Pelo contrário, teria votado a favor desse ponto se os delegados do Bund se abstivessem, assunto sobre o qual insistiram anteriormente.» Entenda quem puder! Eis um homem agarrado aos princípios que se abstém de declarar em voz alta: sim, porque isso é inútil na prática quando toda a gente diz: não.

Depois da votação sobre o lugar a reservar na ordem do dia à questão do Bund, pôs-se a questão do grupo «Borbá», que também determinou um agrupamento extremamente interessante e que estava estreitamente ligado à questão mais «delicada» do congresso: a composição pessoal dos centros. A comissão encarregada de determinar a composição do congresso pronuncia-se contra o convite do grupo «Borbá», de acordo com uma decisão do Comité de Organização repetida duas vezes (ver pp. 383 e 375 das actas) e também de acordo com o relatório dos seus representantes na comissão (p. 35).

O camarada Egórov, membro do CO, declara que «a questão do grupo «Borbá» (notai bem, do «Borbá» e não deste ou daquele dos seus membros) é nova para si», e pede a suspensão da sessão. É um mistério como é que uma questão duas vezes resolvida pelo CO podia ser nova para um dos seus membros. Durante a interrupção, o CO, com a composição que por acaso estava presente no congresso (vários membros seus, velhos membros da organização do Iskra, estavam ausentes do congresso), reúne em sessão (p. 40 das actas).[4 1] Iniciam-se os debates sobre o «Borbá»: os partidários da Rabótcheie Dielo pronunciam-se a favor (Martínov, Akímov e Brúker, pp. 36-38). Os iskristas (Pavlóvitch, Sorókine, Langue, Trótski, Mártov e outros) pronunciam-se contra. O congresso divide-se de novo, da maneira que já conhecemos. Trava-se em torno do «Borbá» uma luta obstinada, e o camarada Mártov faz um discurso particularmente circunstanciado (p. 38) e «combativo», no qual alude com razão à «desigualdade de representação» dos grupos da Rússia e dos grupos do estrangeiro, diz que não estaria muito «bem» conceder a um grupo do estrangeiro um «privilégio» (palavras de ouro, hoje particularmente instrutivas depois dos acontecimentos posteriores ao congresso!), que não se deve fomentar «no partido o caos em matéria de organização, caracterizado por uma fragmentação que não é justificada por nenhuma consideração de princípio» (em cheio... na «minoria» do congresso do nosso partido!). Além dos partidários da Rabótcheie Dielo, ninguém, até ao encerramento das inscrições de oradores, se pronunciou abertamente e com fundamento a favor do «Borbá» (p. 40). Devemos fazer justiça ao camarada Akímov e aos seus amigos, que pelo menos não tergiversaram e não se esconderam, mas prosseguiram abertamente a sua táctica e disseram abertamente o que queriam.

Depois do encerramento das inscrições de oradores, quando já ninguém se pode pronunciar sobre o fundo da questão, o camarada Egórov «pede insistentemente que se oiça a decisão que acaba de ser adoptada pelo CO». Não é de estranhar que os membros do congresso se indignem com tal 9 Quanto a esta sessão, ver a Carta de Pavlóvitch, membro do CO, que antes do congresso foi eleito por unanimidade representante autorizado da redacção, seu sétimo membro (actas da Liga, p. 44). (Nota do Autor) procedimento, e o camarada Plekhánov, na presidência, exprime «a sua perplexidade por o camarada Egórov insistir no seu pedido». Porque, segundo pareceria, das duas uma: ou se falava franca e claramente, perante todo o congresso, sobre o fundo da questão, ou então não se dizia absolutamente nada. Mas deixar encerrar as inscrições de oradores para, em seguida, a pretexto de «discurso de resumo», apresentar ao congresso uma nova resolução do CO, precisamente sobre a questão que se acaba de debater, é uma verdadeira punhalada nas costas!

A sessão recomeçou depois do almoço, e o bureau, que continua perplexo, decide renunciar ao «formalismo» e recorrer a um último recurso, de que os congressos se servem apenas em última instância: uma «explicação amigável». Popov, representante do CO, lê a decisão do CO adoptada por todos os seus membros, excepto um, Pavlóvitch (p. 43), propondo ao Congresso que convide Riazánov.

Pavlóvitch declara que negou e continua a negar a legitimidade da reunião do CO e que a nova decisão do CO «contradiz a sua decisão anterior». Esta declaração desencadeia uma verdadeira tempestade. O camarada Egórov, igualmente membro do CO e do grupo Iújni Rabótchi, evita responder sobre o fundo da questão e tenta transferir o centro de gravidade para a questão da disciplina. O camarada Pavlóvitch, diz, infringiu a disciplina do partido(!), visto que o CO, depois de ter examinado o seu protesto, tinha decidido «não dar conhecimento ao congresso da opinião pessoal de Pavlóvitch». Os debates desviam-se para a disciplina do partido. E Plekhánov, entre ruidosos aplausos do congresso, explica em forma didáctica ao camarada Egórov: «Nós não temos mandatos imperativos» (p. 42, cfr. p. 379, regulamento do congresso, § 7: «Os plenos poderes dos delegados não devem ser limitados por mandatos imperativos. No exercício dos seus plenos poderes são completamente livres e independentes»). «O congresso é a instância suprema do partido», e por isso infringe a disciplina do partido e o regulamento do congresso precisamente quem, de qualquer maneira, impede um delegado de se dirigir directamente ao congresso sobre todas as questões da vida do partido, sem qualquer excepção. A controvérsia reduz--se por consequência ao dilema: espírito de círculo ou espírito de partido? Limitação dos direitos dos delegados no congresso, em nome de direitos ou de regulamentos imaginários de quaisquer organismos e círculos, ou dissolução completa, não só em palavras, mas de facto, perante o congresso, de todas as instâncias inferiores e antigos pequenos grupos, até que se criem verdadeiros organismos oficiais do partido. O leitor já pode ver por aqui a imensa importância de princípio desta discussão no próprio início (terceira sessão) de um congresso que se propunha restaurar de facto o partido. Neste debate se concentrou, por assim dizer, o conflito entre os antigos círculos e pequenos grupos (no género do Iújni Rabótchi) e o partido que renascia. E os grupos anti-iskristas manifestam-se imediatamente: o bundista Abramson, o camarada Martínov, ardente aliado da actual redacção do Iskra e nosso velho conhecido, o camarada Mákhov, que também conhecemos, todos se manifestam a favor de Egórov e do grupo do Iújni Rabótchi e contra Pavlóvitch. O camarada Martínov, que hoje, à porfia com Mártov e Axelrod, faz gala de «democracia» em matéria de organização, evoca mesmo... o exército, onde só se pode apelar para uma instância superior por intermédio da inferior! O verdadeiro sentido desta «compacta» oposição anti-iskrista era evidente para todos os que assistiam ao congresso ou que tinham seguido com atenção a vida interna do nosso partido antes do congresso. O objectivo da oposição (objectivo de que nem todos os membros tinham talvez consciência e que por vezes defendiam por inércia) era defender a independência, o particularismo, os interesses de capelinha dos pequenos grupos para que não sejam tragados por um amplo partido, que vinha sendo estruturado na base dos princípios iskristas.

Foi também deste ponto de vista que o camarada Mártov, que então ainda não se tinha unido a Martínov, abordou a questão. O camarada Mártov ataca decididamente, e com razão, os que «na sua concepção de disciplina de partido não vão além das obrigações do revolucionário para com o grupo de ordem inferior de que é membro». «Nenhum agrupamento por imposição (o itálico é de Mártov) é admissível num partido unificado», explica Mártov aos defensores do espírito de círculo, sem prever que com estas palavras fustiga a sua própria actuação política nas últimas sessões do congresso e depois dele... O agrupamento por imposição é inadmissível para o CO, mas perfeitamente admissível para a redacção. O agrupamento por imposição é condenado por Mártov quando o vê do centro, mas é defendido por Mártov quando deixa de lhe satisfazer a composição deste centro…

É interessante notar que o camarada Mártov, no seu discurso, sublinhou expressamente, para além do «enorme erro» do camarada Egórov, a instabilidade política manifestada pelo CO. «Em nome do CO - indigna-se Mártov com razão - foi apresentada uma proposta que contradiz o relatório da comissão (baseado, acrescentamos nós, no relatório dos membros do CO: p. 43, palavras de Koltsov) e as propostas anteriores do CO» (sublinhado meu). Como vedes, Mártov compreendia então muito bem, antes de efectuar a sua «viragem», que a substituição do grupo «Borbá» por Riazánov em nada retira o carácter absolutamente contraditório e hesitante da actividade do CO (as actas do congresso da Liga, p. 57, podem informar os membros do partido do modo como as coisas se apresentavam a Mártov depois da sua viragem). Mártov não se limitou então a analisar a questão da disciplina; também perguntou claramente ao CO: «Que aconteceu de novo para ser necessária uma reformulação?» (sublinhado meu). Porque, de facto, o CO, ao fazer a sua proposta, nem sequer teve a coragem suficiente para defender abertamente a sua opinião, como fizeram Akímov e outros. Mártov refuta-o (actas da Liga, p. 56), mas quem ler as actas do congresso verá que ele se engana. Popov, que faz uma proposta em nome do CO, não diz uma só palavra dos motivos (p. 41 das actas do congresso do partido). Egórov desloca a questão para o ponto da disciplina, mas quanto à essência ele só afirma: «O CO podia ter tido novas razões»... (mas se surgiram e quais é o que se ignora)... «podia talvez ter-se esquecido de inscrever alguém, etc.» (Este «etc.» é a única salvação do orador, porque o CO não podia ter esquecido a questão do «Borbá», já discutida por ele duas vezes antes do congresso e uma vez na comissão.) «O CO tomou esta decisão não porque a sua atitude para com o grupo «Borba» tenha mudado, mas porque quer suprimir escolhos inúteis do caminho da futura organização central do partido desde os primeiros passos da sua actividade.» Isto não é apresentar uma razão, mas eludir uma razão. Todo o social-democrata sincero (e não pomos em causa a sinceridade de nenhum dos delegados ao congresso) tem o cuidado de suprimir tudo o que considera um escolho, e suprimi-lo com os meios que considera adequados. Apresentar razões é explicar e formular com precisão a sua opinião sobre as coisas em lugar de se esquivar por um truísmo. E teria sido impossível apresentar razões «sem mudar de atitude para com o «Borbá», porque as anteriores decisões contraditórias do CO tinham igualmente tido o cuidado de suprimir escolhos, mas viam esses «escolhos» precisamente na posição contrária. O camarada Mártov atacou então com grande violência e muita razão este argumento, que qualificou de «mesquinho» e devido ao desejo de «se esquivar», aconselhando o CO a «não temer o que os outros dirão». Com estas palavras o camarada Mártov caracterizou maravilhosamente o fundo e o significado do matiz político que, no congresso, desempenhou um importante papel e que se distingue justamente pela sua falta de independência e pela sua mesquinhez, pela ausência de uma linha própria e pelo receio do que dirão os outros, pelas eternas oscilações entre duas partes claramente determinadas, pelo medo de expor abertamente o seu credo, numa palavra, por todas as características do «pântano».[4 2] Esta falta de carácter em política do grupo instável levou, entre outras coisas, a que ninguém, excepto o bundista Iúdine (p. 53), fizesse uma proposta ao congresso para convidar um membro do grupo «Borbá». Houve 5 votos a favor da proposta de Iúdine, evidentemente todos bundistas: os elementos hesitantes mais uma vez viraram a casaca! Qual era, mais ou menos, o número de votantes do grupo do centro, mostram-no as votações das propostas de Koltsov e Iúdine sobre este ponto: a do iskrista obteve 32 votos (p. 47); a do bundista 16, ou seja, além dos oito votos anti- iskristas, os dois votos do camarada Mákhov (cfr. p. 46), os quatro votos do grupo Iújni Rabótchi e mais dois votos. Mostraremos em seguida que não poderíamos considerar acidental esta distribuição, mas primeiro exporemos sumariamente a opinião actual de Mártov sobre este incidente do CO. Mártov afirmou perante a Liga que «Pavlóvitch e os outros atiçaram as paixões». Basta consultar as actas do congresso para ver que os discursos mais circunstanciados, mais ardentes e mais duros contra o «Borbá» e o CO são os do próprio Mártov. Tentando empurrar o «erro» para Pavlóvitch, só dá provas de instabilidade: antes do congresso tinha precisamente escolhido Pavlóvitch como sétimo membro da redacção; no congresso juntou-se inteiramente a Pavlóvitch (p. 44) contra Egórov. Depois, quando se viu derrotado por Pavlóvitch, acusou-o de «atiçar as paixões». É simplesmente ridículo.

No Iskra (n° 56) Mártov faz ironia por se atribuir grande importância ao convite de X ou de Y. De novo esta ironia se volta contra Mártov, porque o incidente com o CO serviu precisamente de ponto de partida aos debates sobre uma questão tão «importante» como o convite de X ou de Y para fazer parte do CC e do OC. Não está certo empregar-se duas medidas diferentes segundo se trate do seu próprio «grupo de ordem inferior» (em relação ao partido) ou de qualquer outro. Isto é precisamente espírito filistino e espírito de círculo, e não uma atitude de partido. Um simples confronto entre o discurso de Mártov perante a Liga (p. 57) e o seu discurso no congresso (p. 44) prova-o inteiramente. «Não compreendo - dizia Mártov entre outras coisas na Liga - como as pessoas arranjam maneira de se dizerem a qualquer preço iskristas e ao mesmo tempo mostrarem-se envergonhadas de o ser.» Estranha incompreensão da diferença entre o «dizer-se» e o «ser», entre a palavra e a acção. No congresso, Mártov disse-se a si próprio adversário dos agrupamentos por imposição, mas foi partidário deles depois do congresso…

Notas

  1. Quanto a esta sessão, ver a Carta de Pavlóvitch, membro do CO, que antes do congresso foi eleito por unanimidade representante autorizado da redacção, seu sétimo membro (actas da Liga, p. 44). (Nota do Autor)
  2. Há actualmente pessoas no partido que, ao ouvir esta palavra, se horrorizam e se queixam que nesta polémica falta o espírito de camaradagem. É uma deturpação estranha da sensibilidade sob a influência do tom oficial... usado inoportunamente! Quase não há partido político com luta interna que dispense este termo, com o qual são designados os elementos hesitantes que oscilam entre os que lutam. E os alemães, que sabem manter a luta interna num quadro perfeitamente comedido, não se ofendem por motivo da palavra versumpft (enterrado no pântano - N. Ed.) e não se horrorizam, não manifestam uma cómica pruderie (pudor hipócrita - N. Ed.) oficial (Nota do Autor).

d) Dissolução do Grupo «Iújni Rabótchi»

A forma como se dividiram os delegados sobre a questão do CO poderá parecer fortuita. Mas tal opinião seria errada; para a dissipar, afastar-nos-emos da ordem cronológica e examinaremos imediatamente um incidente que, embora tenha acontecido no fim do congresso, está estreitamente ligado ao precedente. Este incidente é a dissolução do grupo Iújni Rabótchi. Contra as tendências iskristas em matéria de organização - coesão absoluta das forças do partido e supressão do caos que as fracciona - levantaram-se aqui os interesses de um dos grupos, que, enquanto não havia um verdadeiro partido, tinha feito um trabalho útil, mas que se tornou supérfluo depois de se ter organizado o trabalho de modo centralizado. Em nome dos interesses de círculo, o grupo Iújni Rabótchi tinha tanto direito de conservar a sua «continuidade» e inviolabilidade como a antiga redacção do Iskra. Em nome dos interesses do partido, este grupo devia submeter-se à transferência das suas forças «para as organizações correspondentes do partido» (p. 313, final da resolução adoptada pelo congresso). Do ponto de vista dos interesses de círculo, do ponto de vista «filistino», não podia deixar de parecer «coisa delicada» (expressão dos camaradas Rússov e Deutsch) a dissolução de um grupo útil, que tinha tão pouca vontade de se deixar dissolver como a antiga redacção do Iskra. Do ponto de vista dos interesses do partido, era indispensável esta dissolução, esta «absorção» (expressão de Gússev) pelo partido. O grupo Iújni Rabótchi declarou abertamente que «não considerava necessário» proclamar-se dissolvido e exigia que «o congresso se pronunciasse categoricamente» e «imediatamente: sim ou não». O grupo Iújni Rabótchi invocou a mesma «continuidade» para a qual apelara a velha redacção do Iskra... depois da sua dissolução! «Ainda que todos nós, individualmente considerados, constituamos um único partido - disse o camarada Egórov -, nem por isso esse partido deixa de ser composto por toda uma série de organizações, as quais se deve ter em conta como grandezas históricas... Se tal organização não é prejudicial ao partido, não há por que dissolvê-la.»

Assim se pôs de forma perfeitamente definida uma importante questão de princípio, e todos os iskristas - enquanto os interesses do seu próprio círculo não vieram para primeiro plano - se pronunciaram categoricamente contra os elementos instáveis (nesse momento, os bundistas e dois dos partidários da Rabótcheie Dielo já não estavam no congresso; seguramente que teriam defendido com a máxima energia a necessidade de «ter em conta as grandezas históricas»). Os resultados da votação foram 31 a favor, cinco contra e cinco abstenções (os quatro votos dos membros do grupo Iújni Rabótchi, e mais um voto, provavelmente o de Belov, a julgar pelas suas anteriores declarações, p. 308). Um grupo de dez votos, francamente hostil ao plano de organização consequente do Iskra e defendendo o espírito de círculo contra o espírito de partido, desenha-se muito claramente. Durante os debates, os iskristas põem esta questão justamente no plano dos princípios (ver o discurso de Langue, p. 315), pronunciam-se contra o trabalho artesanal e a dispersão, recusam-se a ter em conta as «simpatias» desta ou aquela organização, e declaram abertamente: «Se há um ou dois anos ainda os camaradas do Iújni Rabótchi se tivessem identificado mais estritamente com os princípios, a unidade do partido e o triunfo dos princípios do programa que aqui sancionámos teriam sido conseguidos mais cedo.» Dentro do mesmo espírito pronunciam- se Orlov, Gússev, Liádov, Muraviov, Rússov, Pavlóvitch, Glébov e Górine. Os iskristas da «minoria» não só se não manifestam contra estas advertências precisas várias vezes apresentadas no congresso contra a falta de firmeza de princípios da política e da «linha» do Iújni Rabótchi, de Mákhov e outros; não só não fazem a mínima reserva acerca deste assunto, como pelo contrário, pela boca de Deutsch decididamente se lhe associam, condenando o «caos» e aplaudindo «a franqueza com que a questão tinha sido posta» (p. 315) pelo próprio camarada Rússov, que naquela mesma sessão teve a audácia - que horror! - de também «pôr francamente» a questão da antiga redacção puramente numa base de partido (p. 325).

A questão da dissolução do Iújni Rabótchi provocou neste grupo uma terrível indignação, da qual se encontram marcas nas actas (não devemos esquecer que as actas dão apenas uma pálida imagem dos debates, porque em vez de discursos completos, apresentam apenas breves resumos ou excertos). O camarada Egórov chegou mesmo a qualificar de «mentira» a simples menção do grupo Rabótchaia Misl ao lado do Iújni Rabótchi, exemplo característico da atitude que predominava no congresso para com o economismo consequente. E mesmo muito mais tarde, na 37ª sessão, Egórov fala da dissolução do Iújni Rabótchi com a mais viva irritação (p. 356), pedindo que se escreva nas actas que, durante os debates sobre o Iújni Rabótchi, os membros deste grupo não foram consultados, nem sobre os meios a destinar às suas publicações, nem sobre o controlo do OC e do CC. O camarada Popov, durante os debates a propósito do Iújni Rabótchi, faz alusão à maioria compacta que teria decidido antecipadamente do destino deste grupo. «Agora - diz ele (p. 316) -, depois dos discursos dos camaradas Gússev e Orlov, tudo está claro.» É evidente o sentido destas palavras: agora que os iskristas se pronunciaram e apresentaram uma resolução, tudo está claro, isto é, está claro que o Iújni Rabótchi será dissolvido contra sua vontade. O próprio delegado do Iújni Rabótchi separa aqui os iskristas (e, além disso, iskristas como Gússev e Orlov) dos seus partidários, como sendo representantes de «linhas» diferentes de política de organização. E quando o actual Iskra apresenta o grupo Iújni Rabótchi (e também, provavelmente, Mákhov?) como «iskristas típicos», isso só nos mostra com precisão o esquecimento dos acontecimentos mais importantes (do ponto de vista desse grupo) do congresso, e o desejo da nova redacção de apagar os indícios que assinalam os elementos que serviram de origem à chamada «minoria».

Infelizmente, a questão de um órgão popular não foi levantada no congresso. Todos os iskristas debateram esta questão com extraordinária animação antes e durante o congresso, fora das sessões, concordando que, no momento actual da vida no nosso partido, lançar ombros à publicação de um tal órgão, ou dar este carácter a um dos já existentes, seria empresa extremamente irracional. Os anti-iskristas pronunciaram-se no congresso em sentido contrário, o grupo Iújni Rabótchi fez o mesmo no seu relatório. E não se pode explicar, a não ser por obra do acaso ou pela recusa em levantar uma questão «sem esperança», que não se tenha apresentado uma resolução adequada subscrita por dez pessoas.

e) O Incidente da Igualdade de Direitos das Línguas

Retomemos a ordem das sessões do congresso.

Pudemos convencer-nos agora que antes mesmo do exame a fundo das questões se revelou claramente no congresso, não só um grupo perfeitamente definido de anti-iskristas (8 votos), mas também um grupo de elementos intermédios, instáveis, prontos a apoiar esses oito e a aumentar o seu número para cerca de 16-18 votos.

A questão do lugar do Bund no partido, debatida no congresso com extremo, com excessivo pormenor, reduziu-se à discussão de uma tese de princípio, adiando-se a resolução prática até à discussão das relações de organização. Visto que já antes do congresso se tinha consagrado bastante espaço na literatura ao estudo dos temas referentes a este ponto, a discussão no congresso trouxe relativamente pouco de novo. Todavia, não podemos deixar de assinalar que os partidários da Rabótcheie Dielo (Martínov, Akímov e Brúker), embora concordando com a resolução de Mártov, puseram a reserva de que a consideravam insuficiente, e que não estavam de acordo com as conclusões dela decorrentes (pp. 69, 73, 83, 86).

Depois de discutir a questão do lugar do Bund, o congresso passou à questão do programa. Aqui, os debates desenvolveram-se principalmente à volta de emendas de pormenor sem grande interesse. No que respeita aos princípios, a oposição dos anti-iskristas só se manifestou na cruzada do camarada Martínov contra a famosa apresentação da questão da espontaneidade e da consciência. Naturalmente, os bundistas e os partidários da Rabótcheie Dielo declararam-se inteiramente a favor de Martínov. A inconsistência das suas objecções foi demonstrada, entre outros, por Mártov e Plekhánov. A título de curiosidade, indicaremos que, hoje, a redacção do Iskra (aparentemente depois de reflectir) passou para o lado de Martínov e diz o contrário do que dizia no congresso![6 1] Provavelmente isto está de acordo com o famoso princípio da «continuidade» ... Só nos resta esperar que a redacção acabe por orientar-se e nos explique em que medida precisamente está de acordo com Martínov, exactamente em quê e desde quando. Entretanto, limitar-nos-emos a perguntar se já alguma vez se viu um órgão de partido cuja redacção, depois de um congresso, se tenha posto a dizer o contrário do que dizia no congresso?

Deixando de lado os debates sobre o reconhecimento do Iskra como Órgão Central (já falámos disso mais atrás) e o início dos debates sobre os estatutos (de que será mais conveniente tratar quando do exame de conjunto dos estatutos), passemos aos matizes de princípio surgidos na discussão do programa. Em primeiro lugar sublinhemos um pormenor extraordinariamente característico: os debates sobre a representação proporcional. O camarada Egórov, do Iújni Rabótchi, propunha a sua introdução no programa e defendeu o seu ponto de vista de tal maneira que deu azo à justa observação de Possadóvski (iskrista da minoria) sobre a existência de um «sério desacordo». «É indubitável - declarou o camarada Possadóvski - que não estamos de acordo sobre a seguinte questão fundamental: dever-se-á subordinar a nossa política futura a certos princípios democráticos fundamentais atribuindo-lhes um valor absoluto, ou deverão todos os princípios democráticos subordinar-se exclusivamente aos interesses do nosso partido? Pronuncio-me decididamente a favor desta última opinião.» Plekhánov «solidariza-se inteiramente» com Possadóvski, exprimindo-se em termos ainda mais precisos e enérgicos contra «o valor absoluto dos princípios democráticos» e contra a sua interpretação «abstracta». «É concebível em hipótese um caso - diz - em que nós, sociais-democratas, nos pronunciemos contra o sufrágio universal. Houve tempo em que a burguesia das repúblicas italianas privava os indivíduos pertencentes à nobreza dos seus direitos políticos. O proletariado revolucionário poderia limitar os direitos políticos das classes superiores, tal como estas antes limitaram os seus direitos políticos.» O discurso de Plekhánov é recebido com aplausos e vaias, e quando Plekhánov protesta contra o Zwischenruf[6 2]: «Não deveis vaiar», e pede aos camaradas que não se coíbam, o camarada Egórov levanta-se e diz: «Quando tais discursos são aplaudidos, sou obrigado a vaiá-los.» Juntamente com o camarada Goldblat (delegado do Bund), o camarada Egórov pronuncia-se contra as opiniões de Possadóvski e de Plekhánov. Infelizmente o debate foi encerrado e a questão levantada durante ele não voltou a ser tratada. Mas em vão o camarada Mártov se esforça agora por minimizar e até anular o seu significado, dizendo no congresso da Liga: «Estas palavras (de Plekhánov) provocaram a indignação duma parte dos delegados, indignação que facilmente se poderia ter evitado se o camarada Plekhánov tivesse acrescentado que, evidentemente, não se pode imaginar uma situação tão trágica em que o proletariado, para consolidar a sua vitória, tenha de espezinhar direitos políticos como a liberdade de imprensa... (Plekhánov: «merci»)» (p. 58 das actas da Liga). Esta interpretação contradiz frontalmente a declaração absolutamente categórica do camarada Possadóvski no congresso acerca do «sério desacordo» e da divergência sobre uma «questão fundamental». Sobre esta questão fundamental, todos os iskristas se pronunciaram no congresso contra os representantes da «direita» anti-iskrista (Goldblat) e do «centro» do congresso (Egórov). Isto é um facto, e podemos garantir sem hesitações que, se o «centro» (espero que esta palavra choque menos que qualquer outra os partidários «oficiais» da suavidade...), se o «centro» tivesse que (através do camarada Egórov ou Mákhov) pronunciar-se «sem constrangimento» sobre esta questão ou questões análogas, um sério desacordo teria surgido imediatamente.

As divergências manifestaram-se, ainda mais nitidamente acerca da questão da «igualdade de direitos das línguas» (p. 171 e seguintes das actas). Sobre este ponto os debates são menos eloquentes que as votações: feitas as contas, temos um inacreditável número de dezasseis! E isto para quê? Para saber se bastava assinalar no programa a igualdade de todos os cidadãos, independentemente do sexo, etc., e da língua, ou se era preciso dizer: «liberdade de língua» ou «igualdade de direitos das línguas». No congresso da Liga, o camarada Mártov caracterizou bastante acertadamente este episódio, quando disse que «uma discussão insignificante sobre a redacção de um ponto do programa adquiriu um significado de princípio porque metade do congresso estava pronta a derrubar a comissão do programa». Exactamente.[6 3] O motivo do conflito era realmente insignificante; não obstante, este tomou um verdadeiro carácter de princípio e consequentemente formas terrivelmente encarniçadas, até à tentativa de «derrubar» a comissão do programa, até à suspeita de se querer «prejudicar o congresso» (Egórov suspeitava isto de Mártov!) e até a trocar observações pessoais do carácter mais... injurioso (p. 178). Até o camarada Popov «lamentou que, a propósito de ninharias, se criasse uma tal atmosfera» (sublinhado por mim, p. 182), que reinou durante três sessões (16ª, 17ª e 18ª).

Todas estas expressões demonstram, da forma mais precisa e categórica, o facto importantíssimo de que a atmosfera de «suspeita» e das formas mais encarniçadas de luta («derrubar») - cuja origem, mais tarde, no congresso da Liga, foi imputada à maioria dos iskristas! - existia na realidade muito antes de nos termos cindido em maioria e minoria. Repito que é um facto de enorme importância, um facto essencial, cuja incompreensão leva muita e muita gente, do modo mais leviano, a julgar artificial o carácter da maioria no fim do congresso. Do actual ponto de vista do camarada Mártov, que afirma que havia no congresso 9/10 de iskristas, é absolutamente inexplicável e absurdo que, por «ninharias», por uma causa «insignificante», tenha surgido um conflito que tomou um «carácter de princípio» e que quase levou ao derrubamento da comissão do congresso. Seria ridículo desembaraçar-se deste facto com queixas e lamentações a propósito de piadas «prejudiciais». O conflito não podia tomar um significado de princípio pela violência de qualquer piada, esse significado só podia advir do carácter dos agrupamentos políticos no congresso. Não foram as asperezas nem as piadas que provocaram o conflito - elas foram apenas um sintoma do facto de existirem «contradições» no seio do agrupamento político do congresso, de nele existirem todos os germes de um conflito, uma heterogeneidade interna que, com uma força imanente, surgia ao menor pretexto, mesmo insignificante.

Pelo contrário, do ponto de vista de que encaro o congresso, e que considero meu dever defender como uma determinada interpretação política dos acontecimentos, ainda que tal interpretação possa parecer chocante a alguns, desse ponto de vista é perfeitamente explicável e inevitável o conflito extremamente violento com carácter de princípio surgido por um motivo «insignificante». Visto que durante o congresso a luta entre iskristas e anti-iskristas foi constante, visto que entre ambos se encontravam elementos instáveis e estes, juntamente com os anti-iskristas, representavam um terço dos votos (8+10=18, em 51, segundo o meu cálculo, evidentemente aproximado), é inteiramente compreensível e natural que qualquer separação dos iskristas, ainda que duma fraca minoria, podia dar a vitória à tendência anti-iskrista, e suscitava por consequência uma luta «furiosa». Isto não resulta de interpelações e ataques desmesuradamente violentos, mas é o resultado duma certa combinação política. Não foram as interpelações ásperas que provocaram o conflito político, foi a existência dum conflito político no próprio agrupamento do congresso que provocou as interpelações ásperas e os ataques; é nesta oposição que reside a nossa fundamental divergência de princípio com Mártov quanto à apreciação da importância política do congresso e dos seus resultados.

O congresso registou três exemplos particularmente salientes de separação dum número insignificante de iskristas da sua maioria - a igualdade de direitos das línguas, o §1 dos estatutos e as eleições - e em cada um dos três casos se travou uma luta encarniçada que, finalmente, levou à grave crise actual do partido. Para compreender o sentido político desta crise e desta luta não nos podemos limitar a frases sobre piadas inadmissíveis, temos de examinar os agrupamentos políticos dos matizes que se defrontaram no congresso. O incidente sobre a «igualdade de direitos das línguas» oferece, por consequência, um duplo interesse, na medida em que explica as razões da divergência, porque aqui Mártov ainda era (ainda era!) um iskrista e combatia, talvez mais do que ninguém, os anti-iskristas e o «centro».

A guerra começou com uma discussão entre o camarada Mártov e o líder dos bundistas, o camarada Líber (pp. 171-172). Mártov demonstra que a reivindicação da «igualdade de direitos dos cidadãos» é suficiente. A «liberdade das línguas» é rejeitada, mas a «igualdade de direitos das línguas» é imediatamente proposta, e o camarada Egórov lança-se ao combate na companhia de Líber. Mártov declara que se trata de feiticismo «quando os oradores insistem na igualdade de direitos das nacionalidades e transferem a desigualdade para o domínio da língua. Mas a questão deve ser analisada de um ângulo oposto: existe uma desigualdade de direitos entre as nacionalidades, a qual se exprime, entre outras coisas, pelo facto de as pessoas duma certa nacionalidade serem privadas do direito de usar a sua língua materna» (p. 172). Mártov tinha então inteira razão. Era com efeito uma espécie de feiticismo a tentativa absolutamente inconsistente de Líber e Egórov de defender a justeza da sua fórmula e considerar que nós não queríamos ou não sabíamos aplicar o princípio da igualdade de direitos das nacionalidades. Na realidade, como «feiticistas» defendiam precisamente uma palavra e não um princípio; agiam não por medo de qualquer erro de princípio, mas por medo do que dissessem os outros. É esta psicologia da instabilidade (e se «os outros» nos acusassem disto?) - assinalada por nós durante o incidente do Comité de Organização - que manifestou claramente neste caso todo o nosso «centro». Outro dos seus representantes, Lvov, delegado da região mineira, próximo do grupo Iújni Rabótchi, «considera que a questão relativa à opressão das línguas, apresentada pelas regiões periféricas, é muito séria. É importante que, incluindo no nosso programa um ponto referente à língua, nós afastemos qualquer suspeita de russificação, que poderia recair sobre os sociais-democratas». Eis uma notável fundamentação da «seriedade» da questão. A questão é muito séria porque é preciso afastar as eventuais suspeitas das regiões periféricas! O orador não diz absolutamente nada quanto ao fundo da questão, não responde às acusações de feiticismo, mas confirma-as inteiramente, dando provas duma total falta de argumentos, limitando- se a falar do que poderiam dizer as regiões periféricas. Tudo o que possam dizer é falso, replicam- lhe. Mas em vez de procurar saber se é ou não verdade, responde: «Poderiam suspeitar.» Uma tal maneira de pôr o problema, atribuindo-lhe um carácter sério e importante, toma realmente um significado de princípio, mas de modo nenhum o que queriam descobrir nele os Líber, os Egórov e os Lvov. O que assume um carácter de princípio é saber se devemos deixar as organizações e membros do partido aplicar os princípios gerais e essenciais do programa, tendo em conta as condições concretas e desenvolvendo-os no sentido dessa aplicação, ou se devemos, por simples medo das suspeitas, encher o programa de pormenores insignificantes, de indicações particulares, de repetições, de casuística. O que tem carácter de princípio é saber como podem sociais-democratas, na luta com a casuística, discernir («suspeitar») tentativas de restrição dos direitos e liberdades democráticas elementares. Quando renunciaremos enfim a esse culto feiticista da casuística? - esta a ideia que nos surgiu quando da luta sobre as «línguas».

O agrupamento dos delegados nesta luta é especialmente claro graças à abundância de votações nominais. Houve três. Contra o núcleo iskrista erguem-se unânime e constantemente os anti- iskristas (8 votos) e, com muito ligeiras flutuações, todo o centro (Mákhov, Lvov, Egórov, Popov, Medvédev, Ivanov, Tsariov, Belov; só os dois últimos hesitaram a princípio, ora abstendo-se, ora votando connosco, e só à terceira votação tomaram uma posição definitiva). Uma parte dos iskristas separa-se, sobretudo os caucasianos (três, com seis votos), e devido a isto a tendência «feiticista» ganha finalmente o predomínio. Na terceira votação, quando os partidários de ambas as tendências tinham definido bem as suas posições, três caucasianos com seis votos separaram-se dos iskristas da maioria para se juntarem ao campo oposto; dois com dois votos, Possadóvski e Kóstitch, abandonam os iskristas da minoria. Nas duas primeiras votações tinham passado para o campo contrário ou tinham-se abstido: Lénski, Stepánov e Górski da maioria iskrista, e Deutsch da minoria. A separação de oito votos iskristas (num total de 33) deu a superioridade à coligação dos anti-iskristas e elementos instáveis. É este precisamente o facto essencial quanto aos agrupamentos no congresso, facto que se repetiu (mas só com a separação de outros iskristas) na votação do §1 dos estatutos e nas eleições. Não é de admirar que aqueles que foram derrotados nas eleições fechem agora cuidadosamente os olhos às razões políticas desta derrota, aos pontos de partida da luta de matizes, que cada vez mais revelava e desmascarava cada vez mais implacavelmente perante o partido os elementos instáveis e politicamente pouco firmes. O incidente da igualdade de direitos das línguas mostra-nos esta luta com tanto mais relevo quanto então o camarada Mártov não tinha ainda merecido os louvores e a aprovação de Akímov e Mákhov.

Notas

  1. A redacção do Iskra menchevique inseriu no suplemento do n° 57 do Iskra, de 15 de Janeiro de 1904, o artigo do ex-«economista» A. Martínov, no qual o autor se pronuciava contra os princípios dos bolcheviques no campo da organização e fazia ataques a V. I. Lénine. Numa nota ao artigo de Martínov, a redacção do Iskra, tendo declarado formalmente não estar de acordo com algumas ideias do autor, em geral aprovou este artigo e concordou com as teses principais de Martínov.
  2. Àparte durante o discurso de um orador. (N. Ed.)
  3. Mártov acrescenta: «Neste caso Plekhánov causou-nos um grande dano com a sua piada sobre os burros» (quando se tratava da liberdade da língua, um bundista, parece-me, mencionou no número das instituições as coudelarias, e Plekhánov disse em aparte «os cavalos não falam, mas os burros às vezes fazem-no»). Evidentemente não posso ver nesta piada uma especial suavidade, espírito conciliador, prudência, flexibilidade. No entanto, acho estranho que Mártov, embora reconhecendo o significado de princípio do debate, não se detenha de modo nenhum no exame daquilo em que reside o espírito de princípio e que matizes encontraram aqui expressão; limita-se a assinalar o «dano» das piadas. Este é, de facto, um ponto de vista burocrático e formalista! As piadas mordazes, com efeito, «causaram um grande dano no congresso», não só as que visavam os bundistas, mas também as relativas às pessoas que os bundistas tinham por vezes apoiado ou até salvado da derrota. Mas, uma vez reconhecido o significado de princípio deste incidente, não nos podemos limitar a frases sobre a «inadmissibilidade» (p. 58 das actas da Liga) de certas piadas. (Nota do Autor)

f) O Programa Agrário

A inconsequência no campo dos princípios dos anti-iskristas e do «centro» manifestou-se também claramente nos debates sobre o programa agrário, que tomaram muito tempo ao congresso (ver pp. 190-226 das actas) e levantaram numerosas questões extremamente interessantes. Como era de esperar, a campanha contra o programa é iniciada pelo camarada Martínov (depois de observações de pormenor dos camaradas Líber e Egórov). Utiliza o velho argumento segundo o qual corrigindo «precisamente esta injustiça histórica» «consagramos» indirectamente, pretende ele, «outras injustiças históricas», etc. Ao seu lado coloca-se o camarada Egórov, que inclusive «não vê claramente qual é o significado deste programa. É um programa para nós, isto é, fixa as reivindicações que formulamos, ou queremos torná-lo popular?» (!?!?). O camarada Líber «queria fazer as mesmas observações que o camarada Egórov». O camarada Mákhov intervém com a sua habitual energia e declara que «a maioria (?) dos oradores não compreende absolutamente nada do que é o programa proposto e dos fins que visa». O programa proposto, estão a ver, «dificilmente poderia ser considerado um programa agrário social-democrata»; ele... «soa, de certo modo, a brincar à correcção das injustiças históricas»; e tem «um matiz de demagogia e aventureirismo». A confirmação teórica destas elucubrações é, como de costume, o exagero e a simplificação do marxismo vulgar: pretende-se que os iskristas querem «tratar os camponeses como um todo homogéneo; mas como o campesinato já há muito (?) está dividido em classes, a apresentação dum programa único tem como consequência inevitável converter esse programa no seu conjunto em demagógico, e torná-lo aventureirista quando posto em prática» (202). O camarada Mákhov «revela sem querer» a verdadeira causa da atitude negativa para com o nosso programa agrário observada por muitos sociais-democratas prontos a «reconhecerem» o Iskra (como fez o próprio Mákhov), mas que não reflectiram absolutamente nada sobre a sua orientação, sobre a sua posição teórica e prática. De facto, é precisamente a vulgarização do marxismo aplicada a um fenómeno tão complexo e polifacético como o sistema actual da economia camponesa russa, que esteve e ainda está na base da incompreensão deste programa, e não divergências de pormenor. E sobre este ponto de vista de um marxismo vulgar puseram-se rapidamente de acordo os líderes dos elementos anti-- iskristas (Líber e Martínov) e do «centro» (Egórov e Mákhov). O camarada Egórov exprimiu também francamente um dos traços característicos do Iújni Rabótchi e dos grupos e círculos que tendem para ele, a saber: a incompreensão da importância do movimento camponês, a incompreensão de que o ponto fraco dos nossos sociais-democratas, aquando das primeiras famosas insurreições camponesas, foi não a sobrestimação mas antes a subestimação do papel deste movimento (e a falta de força para o utilizar). «Estou longe de partilhar o entusiasmo da redacção pelo movimento camponês - disse o camarada Egórov -, entusiasmo que se apoderou de muitos sociais-democratas depois das revoltas camponesas.» Infelizmente o camarada Egórov não se deu ao trabalho de explicar ao congresso com o mínimo de precisão em que consistiu esse entusiasmo da redacção, como também não se deu ao trabalho de dar indicações concretas sobre o material literário que o Iskra forneceu. Além disso esqueceu que todos os pontos fundamentais do nosso programa agrário foram desenvolvidos pelo Iskra já no seu terceiro número[7 1], ou seja, muito antes das revoltas camponesas. Os que «reconheceram» o Iskra não só em palavras não fariam mal se dessem um pouco mais de atenção aos seus princípios teóricos e tácticos!

«Não, no campesinato não podemos fazer muito!» - exclama o camarada Egórov, e depois explica esta exclamação não como protesto contra qualquer «entusiasmo» particular, mas como negação de toda a nossa posição: «Isto significa pois que a nossa palavra de ordem não pode competir com uma palavra de ordem aventureira.» Fórmula muito característica da ausência de princípios que tudo reduz a uma «concorrência» entre palavras de ordem de diferentes partidos! E isto é dito depois de o orador se ter declarado «satisfeito» com as explicações teóricas que indicavam que visamos um êxito duradouro na agitação, sem nos deixarmos perturbar por insucessos temporários, e que um êxito duradouro (apesar da ruidosa gritaria dos «concorrentes» ... dum minuto) é impossível sem que o programa assente em firmes bases teóricas (p. 196). Que confusão se revela nesta afirmação de que se sente «satisfeito», seguida imediatamente da repetição das teses herdadas do velho economismo para o qual «a concorrência entre palavras de ordem» decidia todas as questões não só do programa agrário, mas de todo o programa e de toda a táctica da luta económica e política. «Vós não obrigareis o operário agrícola - dizia o camarada Egórov - a lutar lado a lado com o camponês rico pelos otrézki[7 2], que em grande parte já estão nas mãos desse camponês rico.» Encontramo-nos de novo perante a mesma simplificação indubitavelmente aparentada com o nosso economismo oportunista, que afirmava que é impossível «obrigar» o proletário a lutar pelo que em grande parte está nas mãos da burguesia, e que no futuro, em proporção ainda mais considerável, lhe cairá nas mãos. Uma vez mais a mesma vulgarização que esquece as peculiaridades russas das relações capitalistas gerais entre o operário agrícola e o camponês rico. Hoje os otrézki de facto oprimem também o operário agrícola, e não é preciso «obrigá-lo» a lutar para se libertar da sua servidão. Quem é preciso «obrigar» são certos intelectuais; é preciso obrigá-los a encarar as suas tarefas com maior largueza de vistas, obrigá-los a renunciar às fórmulas estereotipadas no exame de questões concretas, obrigá-los a ter em conta a conjuntura histórica, que complica e modifica os nossos objectivos. Só o preconceito de que o mujique é estúpido, preconceito que, como observa com razão o camarada Mártov (p. 202), transparece nos discursos do camarada Mákhov e doutros adversários do programa agrário - só tal preconceito explica o esquecimento por estes adversários das reais condições de vida do nosso operário agrícola.

Depois de ter simplificado a questão reduzindo-a à mera contraposição: operário e capitalista, os representantes do nosso «centro», como de costume, esforçaram-se por lançar a sua estreiteza mental sobre o mujique. O camarada Mákhov dizia: «É precisamente porque considero o mujique inteligente, na medida do seu estreito ponto de vista de classe, que creio que ele apoiará o ideal pequeno-burguês da apropriação e da partilha.» Visivelmente, confundem-se aqui duas coisas: a definição do ponto de vista de classe do mujique, considerado corno um pequeno burguês, e a restrição deste ponto de vista, a sua redução a uma «medida estreita». É nesta redução que consiste o erro dos Egórov e dos Mákhov (tal como o erro dos Martínov e dos Akímov consistia em reduzir a uma «medida estreita» o ponto de vista do proletário). E, no entanto, a lógica e a história ensinam- nos que o ponto de vista de classe pequeno-burguês pode ser mais ou menos estreito, mais ou menos progressivo, precisamente devido à dupla posição do pequeno burguês. E a nossa tarefa não é de modo nenhum deixar cair os braços de desânimo perante a estreiteza («estupidez») do mujique ou perante a sua submissão a «preconceitos», mas, pelo contrário, alargar constantemente o seu ponto de vista, ajudar a sua razão a vencer os preconceitos. O ponto de vista do «marxismo» vulgar sobre a questão agrária na Rússia teve a sua expressão culminante nas últimas palavras do discurso do camarada Mákhov no qual este fiel defensor da velha redacção do Iskra expôs os seus princípios. Por alguma razão as suas palavras foram recebidas com aplausos... irónicos, é verdade. «Não sei verdadeiramente ao que se possa chamar uma desgraça» - disse o camarada Mákhov, indignado com a observação de Plekhánov de que o movimento a favor da partilha negra[7 3] não nos assustava de modo nenhum, e que não seríamos nós a entravar esse movimento progressivo (progressivo burguês). «Mas esta revolução, prossegue o camarada Mákhov, se assim a podemos chamar, não será revolucionária. Diria mais: já não será revolução, mas reacção (risos), uma revolução parecida com um motim... Tal revolução far-nos-á recuar e levará certo tempo a voltar ao ponto em que estamos hoje. Presentemente temos muito mais do que nos tempos da Revolução Francesa (aplausos irónicos); temos um partido social- democrata (risos)...» Sim, um partido social-democrata que raciocinasse como Mákhov, ou com instituições centrais apoiadas nos Mákhov, não merecia de facto mais do que riso...

Assim, vemos que mesmo a propósito de questões puramente de princípio levantadas pelo programa agrário, o agrupamento que já conhecemos manifestou-se imediatamente. Os anti-iskristas (8 votos) lançam-se numa cruzada em nome do marxismo vulgar; os chefes do «centro», os Egórov e os Mákhov, seguem-nos, desorientando-se e desviando-se constantemente para o mesmo ponto de vista estreito. É por isso que é natural que em certos pontos do programa agrário a votação apresente resultados de 30 a 35 votos a favor (pp. 225 e 226), ou seja, exactamente o número aproximado que já observámos quando da discussão do lugar a atribuir à questão do Bund, quando do incidente do CO e quando se tratou do encerramento do Iújni Rabótchi. Basta que se levante uma questão um pouco fora dos esquemas habituais e já estabelecidos e exigindo que a teoria de Marx se aplique com um mínimo de independência a relações económico-sociais particulares e novas (novas para os alemães) para que logo os iskristas capazes de se manterem à altura da situação se reduzam a 3/5 dos votos e todo o «centro» se coloque imediatamente ao lado dos Líber e dos Martínov. E o camarada Mártov ainda tenta encobrir este facto evidente, omitindo receosamente as votações em que os matizes se revelaram claramente!

Os debates sobre o programa agrário mostram claramente a luta travada pelos iskristas contra dois quintos bem contados do congresso. Os delegados caucasianos assumiram nesta questão uma posição perfeitamente correcta, em grande parte, sem dúvida, graças ao seu conhecimento profundo das formas locais de inúmeras sobrevivências feudais, o que os preservou das meras contraposições abstractas e escolares com que se contentavam os Mákhov. Contra Martínov e Líber, contra Mákhov e Egórov, levantaram-se tanto Plekhánov como Gússev (que confirmou que «bastantes vezes lhe tinha acontecido encontrar entre os camaradas que actuavam na Rússia concepções tão pessimistas» ... como as do camarada Egórov... «sobre o nosso trabalho no campo») como ainda Kostrov, Kárski e Trótski. Este assinala com razão que os «bem intencionados conselhos» dos críticos do programa agrário «cheiram demasiado a filistinismo». Apenas é preciso notar, no respeitante ao estudo dos agrupamentos políticos no congresso, que nesta passagem do seu discurso (p. 208) talvez não tenha tido razão ao colocar o camarada Langue ao lado de Egórov e Mákhov. Quem ler atentamente as actas verá que a posição de Langue e Górine difere totalmente da de Egórov e Mákhov. A formulação do ponto referente aos otrézki desagrada a Langue e Górine: eles compreendem plenamente a ideia do nosso programa agrário, mas tentam aplicá-lo de outro modo; trabalham positivamente para encontrar uma fórmula mais impecável, do seu ponto de vista, e apresentam projectos de resoluções para convencer os autores do programa, ou para se porem ao seu lado contra todos os não-iskristas. Basta comparar, por exemplo, as propostas de Mákhov sobre a rejeição de todo o programa agrário (p. 212, nove a favor, 38 contra) e os seus diferentes pontos (p. 216, etc.) com a posição de Langue, que propõe uma redacção própria do ponto sobre os otrézki (p. 225), para nos convencermos da diferença radical entre eles.[7 4]

Falando em seguida dos argumentos que cheiram a «filistinismo», o camarada Trótski assinalava que, «no período revolucionário que se aproxima, devemos ligar-nos ao campesinato» ... «Perante esta tarefa, o cepticismo e “perspicácia” política de Mákhov e Egórov são mais prejudiciais do que qualquer miopia.» O camarada Kóstitch, outro iskrista da minoria, assinalou muito justamente «a falta de segurança em si mesmo e na sua firmeza no plano dos princípios » do camarada Mákhov - caracterização que se ajusta perfeitamente ao nosso «centro». «No seu pessimismo, o camarada Mákhov coincide com o camarada Egórov, embora haja matizes entre ambos - prossegue o camarada Kóstitch. - Ele esquece que os sociais-democratas já trabalham entre o campesinato, que onde é possível dirigem já o seu movimento. E com o seu pessimismo restringem a envergadura do nosso trabalho» (p. 210).

Para terminarmos com os debates surgidos no congresso sobre o programa, assinalemos ainda as curtas discussões sobre o apoio a conceder às tendências de oposição. No nosso programa diz-se explicitamente que o partido social-democrata apoia «todo o movimento de oposição e revolucionário dirigido contra o regime social e político existente na Rússia». Pareceria que esta última reserva mostra com bastante clareza quais são precisamente as tendências de oposição que apoiamos. No entanto, também aqui os diferentes matizes há muito definidos no nosso partido imediatamente se manifestaram, apesar de ser difícil supor que sobre uma questão tão repisada pudessem ainda subsistir «dúvidas e mal-entendidos»! Evidentemente, tratava-se não de mal- entendidos mas de matizes. Mákhov, Líber e Martínov imediatamente deram o alarme e encontraram-se novamente em minoria tão «compacta» que, também aqui, o camarada Mártov deveria talvez ter explicado isto por uma intriga, maquinações, pela diplomacia e outras coisas encantadoras (ver o seu discurso no congresso da Liga), às quais recorrem as pessoas incapazes de compreender as razões políticas da formação de grupos «compactos», quer da minoria, quer da maioria.

Ainda desta vez, Mákhov começa por uma simplificação vulgar do marxismo. «A nossa única classe revolucionária é o proletariado - declara; mas desta premissa correcta tira imediatamente uma conclusão falsa - o resto, não conta, são penduras (riso geral)... Sim, penduras, e a única coisa que querem é aproveitar-se. Sou contra que os apoiemos» (p. 226). A formulação inimitável que o camarada Mákhov deu à sua posição confundiu muitos (dos seus partidários), mas, na realidade, tanto Líber como Martínov estiveram de acordo com ele quando propuseram suprimir a palavra «de oposição», ou limitá-la, acrescentando «de oposição democrática». Contra esta emenda de Martínov insurgiu-se com razão Plekhánov. «Devemos criticar os liberais - disse - desmascarar a sua posição ambígua. Isso é verdade... Mas, ao desmascarar a estreiteza e limitação de todos os movimentos que não o movimento social-democrata, temos o dever de explicar ao proletariado que, em comparação com o absolutismo, mesmo uma constituição que não concedesse o sufrágio universal seria um passo em frente e que, por consequência, o proletariado não deve preferir o actual regime a uma constituição desse tipo.» Os camaradas Martínov, Líber e Mákhov não estão de acordo com isto e persistem na sua posição, contra a qual dirigem os seus ataques Axelrod, Starover, Trótski e novamente Plekhánov. Aqui o camarada Mákhov bateu-se a si próprio mais uma vez. Primeiro, declarou que as outras classes (excepto o proletariado) «não contam» e que «é contra que as apoiemos». Em seguida, suavizou-se e admitiu que, «mesmo sendo no fundo reaccionária, a burguesia é muitas vezes revolucionária, quando se trata, por exemplo, de combater o feudalismo e os seus vestígios». «Mas há grupos - continuou, rectificando sem rectificar nada - que são sempre (?) reaccionários, como os artesãos, por exemplo.» Estas as pérolas em matéria de princípios a que chegaram estes líderes do nosso «centro», os mesmos que, mais tarde, com espuma na boca, defenderam a velha redacção! Foram exactamente os artesãos, mesmo na Europa ocidental, onde a organização corporativa era tão forte, que demonstraram, como aliás outros pequenos burgueses das cidades, um extraordinário espírito revolucionário na época da queda do absolutismo. Precisamente para um social-democrata russo, é especialmente absurdo repetir sem reflexão o que os camaradas do Ocidente dizem dos actuais artesãos um século ou meio século depois da queda do absolutismo. Afirmar na Rússia que no aspecto político os artesãos são reaccionários comparados com a burguesia é simplesmente retomar uma frase feita, aprendida de cor.

É lamentável que as actas não tenham conservado nenhuma indicação quanto ao número de votos obtidos pelas emendas rejeitadas de Martínov, Mákhov e Líber sobre este ponto. Só podemos dizer que os líderes dos elementos anti-iskristas e um dos líderes do «centro»[7 5] se coligaram ainda desta vez contra os iskristas, no agrupamento que já conhecemos. Ao fazer o balanço de todos os debates do programa, não podemos deixar de concluir que nem uma só vez vimos um debate animado e de interesse geral que não tenha assinalado a diferença de matizes, escamoteada hoje pelo camarada Mártov e pela nova redacção do Iskra.

Notas

  1. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 4, pp. 429-437. (N. Ed.)
  2. Otrézki (terras cortadas): terras tiradas aos camponeses pelos latifundiários quando da abolição da servidão na Rússia em 1861. Os camponeses foram obrigados a tomar essas terras em arrendamento aos latifundiários em condições escravizantes.
  3. Partilha negra: uma das palavras de ordem populares no seio do campesinato da Rússia tsarista, que exprimia a aspiração dos camponeses à partilha total da terra.
  4. Cf. o discurso de Górine, p. 213.
  5. O outro líder deste mesmo grupo, do «centro», o camarada Egórov, exprimiu noutro lugar a sua opinião, quando se tratava da resolução de Axelrod sobre os socialistas-revolucionários (p. 359), sobre o apoio às tendências de oposição. O camarada Egórov viu uma «contradição» entre a exigência de apoiar todo o movimento de oposição e revolucionário, que figura no programa, e a atitude negativa perante os socialistas-revolucionários e os liberais. Abordando a questão doutra forma, e de um ponto de vista um pouco diferente, o camarada Egórov deu aqui provas da mesma concepção estreita do marxismo e da mesma atitude hesitante, meio hostil, para com a posição (por ele «reconhecida») do Iskra, como o fizeram os camaradas Mákhov, Eíber e Martínov. (Nota do Autor) Socialistas-revolucionários: partido pequeno-burguês que surgiu na Rússia nos fins de 1901 e princípios de 1902, em resultado da fusão de vários grupos e círculos populistas. O partido dos bolchevique desmascarava as tentativas dos socialistas-revolucionários de se fazerem passar por socialistas, travava uma luta tenaz com os socialistas-revolucionários pela influência sobre o campesinato, mostrava o prejuízo que a sua táctica do terror individual acarretava para o movimento operário. Ao mesmo tempo, os bolcheviques aceitavam, em certas condições, acordos temporários com os socialistas-revolucionários na luta contra o tsarismo. Nos anos da primeira revolução russa (1905-1907) separou-se do partido dos socialistas-revolucionários a ala direita, que formou o Partido Socialista Popular do Trabalho, partido legal que, pelas suas concepções, estava próximo dos democratas-constitucionalistas, e a ala esquerda, que formou a união semianarquista dos maximalistas. Durante o período da reacção de Stolípine (1907-1910), o partido dos socialistas-revolucionários atingiu uma desagregação completa no campo da ideologia e da organização. Nos anos da primeira guerra mundial a maioria dos socialistas-revolucionários ocuparam as posições do social-chauvinismo. Depois da vitória da revolução democrática burguesa de Fevereiro de 1917, os socialistas-revolucionários, em conjunto com os mencheviques e os democratas-constitucionalistas, foram o apoio principal do governo provisório contra-revolucionário da burguesia e dos latifundiários, e os seus dirigentes (Kérenski, Avéntiev, Tchernov) faziam parte dele. O partido dos socialistas-revolucionários negou-se a apoiar as exigências do campesinato de liquidação da propriedade latifundiária da terra, pronunciando-se a favor da sua conservação. Os ministros socialistas- revolucionários do governo provisório mandavam destacamentos punitivos contra os camponeses que se apoderavam das terras dos latifundiários. Durante os anos da intervenção militar estrangeira e da guerra civil os socialistas-revolucionários apoiaram activamente os intervencionistas e os guardas brancos, participaram nas conspirações contra-revolucionárias, organizaram actos terroristas contra personalidades do Estado soviético e do Partido Comunista.

g) Os Estatutos do Partido. Projecto do Camarada Mártov

Depois do programa, o congresso passou aos estatutos do partido (deixamos de lado a questão acima mencionada do OC, assim como os relatórios dos delegados, a maior parte dos quais os não puderam apresentar, infelizmente, duma maneira satisfatória). É inútil dizer que a questão dos estatutos tinha para todos nós uma importância imensa. Com efeito, desde o princípio, o Iskra tinha agido não só como órgão literário, mas também como célula de organização. No editorial do n° 4 (Por onde Começar?), o Iskra tinha proposto todo um plano de organização[8 1], e aplicou esse plano invariavelmente e de modo sistemático durante três anos. Quando o segundo congresso do partido reconheceu o Iskra como Órgão Central, dos três pontos de considerandos da resolução (p. 147) dois eram consagrados precisamente a este plano de organização e às ideias do «Iskra» em matéria de organização: ao seu papel na direcção do trabalho prático do partido e ao seu papel dirigente no trabalho de unificação. É pois perfeitamente natural que o trabalho do Iskra e toda a obra de organização do partido, toda a obra de restabelecimento efectivo do partido, não pudessem ser considerados acabados antes que todo o partido reconhecesse e fixasse formalmente certas ideias em matéria de organização. Esta função devia ser cumprida pelos estatutos de organização do partido.

As ideias fundamentais que o Iskra pretendia pôr na base da organização do partido resumiam-se, no fundo, às duas seguintes. A primeira, a ideia do centralismo, definia em princípio o modo de resolver todos os numerosos problemas de organização particulares e de pormenor. A segunda, respeitante à função particular de um órgão ideológico dirigente, de um jornal, tinha em conta as necessidades temporárias e específicas precisamente do movimento operário social-democrata russo, nas condições de um regime de escravidão política, com a condição de criar no estrangeiro uma base inicial de operações para o assalto revolucionário. A primeira ideia, como a única ideia de princípios, devia penetrar todos os estatutos; a segunda, como ideia particular, originada por circunstâncias temporárias de lugar e modo de acção, traduzia-se num afastamento aparente do centralismo, na criação de dois centros, o OC e o CC. Estas duas ideias fundamentais do Iskra acerca da organização do partido foram por mim desenvolvidas no editorial do Iskra (n° 4) Por onde Começar?[8 2] e em Que Fazer?[8 3], e, finalmente, explicadas pormenorizadamente, quase sob forma de estatutos, na Carta a Um Camarada[8 4]. Na realidade, já só restava o trabalho de redacção para formular os parágrafos dos estatutos que deviam dar corpo precisamente a estas ideias, se o reconhecimento do Iskra não era para ficar no papel, se não era meramente uma frase convencional. No prefácio à nova edição da Carta a Um Camarada apontei já que basta uma simples comparação entre os estatutos do partido e essa brochura para estabelecer a completa identidade das ideias de organização em ambos.[8 5] A propósito do trabalho de redacção para formular as ideias iskristas de organização nos estatutos tenho de aludir a um incidente mencionado pelo camarada Mártov. «...Uma referência aos factos mostrar-vos-á - dizia Mártov no congresso da Liga (p. 58) - como foi inesperado para Lénine o meu desvio para o oportunismo quanto a este parágrafo (isto é, o primeiro). Mês e meio ou dois meses antes do congresso, tinha mostrado a Lénine o meu projecto, em que o §1 estava redigido exactamente como o propus no congresso. Lénine pronunciou-se contra o meu projecto por ser excessivamente pormenorizado, e disse-me que só lhe agradava a ideia do §1 - a definição de filiação -, que incluiria nos seus estatutos com modificações, pois achava pouco feliz a minha formulação. Assim, Lénine conhecia há muito a minha formulação, conhecia a minha opinião sobre este assunto. Como vedes, fui para o congresso de viseira levantada, sem esconder as minhas opiniões. Preveni que combateria a cooptação recíproca, o princípio da unanimidade na cooptação para o Comité Central, para o Órgão Central, etc.»

No que diz respeito ao aviso relativo à luta contra a cooptação recíproca, veremos no lugar próprio como se apresentavam as coisas. Detenhamo-nos agora nesta «viseira levantada» dos estatutos de Mártov. Ao expor à Liga, de memória, o episódio do seu projecto pouco feliz (que o próprio Mártov retirou do congresso como pouco feliz, mas que, depois do congresso, com a sua consequência habitual, voltou a trazer à luz do dia), Mártov, como acontece muitas vezes, esqueceu muitas coisas e por isso mais uma vez voltou a emaranhá-las. Parece que já havia factos bastantes para evitar as referências a conversas privadas e à sua memória (as pessoas involuntariamente só se lembram do que lhes convém!), e, não obstante, o camarada Mártov, à falta de outros materiais, usa dados de péssima qualidade. Agora mesmo o camarada Plekhánov começa a imitá-lo - pelos vistos os maus exemplos são contagiosos.

A «ideia» do parágrafo um do projecto de Mártov não podia «agradar-me», porque não havia nesse projecto nenhuma ideia que tenha surgido no congresso. Falhou-lhe a memória. Tive a sorte de encontrar entre os meus papéis o projecto de Mártov, em que «o parágrafo um não está redigido do modo que ele propôs no congresso»! Aqui está a «viseira levantada»! §1. do projecto de Mártov: «Considera-se como pertencente ao Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que, aceitando o seu programa, trabalha activamente para levar à prática os seus objectivos sob o controlo e a direcção dos órgãos (sic!) do partido.» §1. do meu projecto: «Considera-se membro do partido todo aquele que aceita o programa e apoia o partido tanto materialmente como pela sua participação pessoal numa das organizações do partido.» §1. da fórmula proposta por Mártov no congresso e adoptada pelo congresso: «Considera-se membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que aceita o seu programa, apoia materialmente o partido e lhe dá o seu apoio pessoal regular sob a direcção de uma das suas organizações.»

Desta comparação ressalta claramente que o projecto de Mártov não contém nenhuma ideia, mas apenas uma frase oca. Que os membros do partido trabalham sob o controlo e a direcção dos órgãos do partido, isso é evidente, isso não pode ser doutro modo, e só fala disso quem gosta de falar para não dizer nada, quem gosta de encher os «estatutos» de uma torrente de palavreado e fórmulas burocráticas (isto é, desnecessárias para o trabalho e pretensamente necessárias para o aparato). A ideia do parágrafo um só aparece quando se põe a questão: podem os órgãos do partido dirigir de facto membros do partido que não pertencem a nenhuma organização do partido? Não há vestígio sequer desta ideia no projecto do camarada Mártov. Portanto, eu não podia conhecer a «opinião» do camarada Martóv «sobre este ponto», porque no projecto do camarada Mártov não há nenhuma opinião sobre este assunto. A referência aos factos do camarada Mártov revela-se apenas um emaranhado.

Pelo contrário, justamente do camarada Mártov há que dizer que ele, pelo meu projecto, «conhecia a minha opinião sobre este assunto» e não protestou contra ela, não a rejeitou, nem no colégio de redacção, se bem que o meu projecto tenha sido mostrado a todos duas ou três semanas antes do congresso, nem perante os delegados, que tomaram conhecimento unicamente do meu projecto. Mais ainda. Mesmo no congresso, quando apresentei o meu projecto de estatutos[8 6] e o defendi antes da eleição da comissão dos estatutos, o camarada Mártov declarou claramente: «Apoio as conclusões do camarada Lénine. Só não estou de acordo com ele em duas questões» (sublinhado por mim): no modo de constituição do Conselho e na cooptação por unanimidade (p. 157). Quanto a um desacordo sobre o § l ainda não se diz nem uma palavra.

Na sua brochura sobre o estado de sítio, o camarada Mártov considerou necessário recordar uma vez mais, e em grande pormenor, os seus estatutos. Assegura aí que os seus estatutos, os quais ainda agora (Fevereiro de 1904 - não sabemos o que acontecerá daqui a três meses) está pronto a subscrever, com excepção de algumas particularidades secundárias, «exprimiam com bastante clareza a sua atitude negativa em relação à hipertrofia do centralismo» (p. IV). O facto de não ter apresentado esse projecto ao congresso é agora explicado pelo camarada Mártov, em primeiro lugar, pelo facto de «a educação iskrista lhe ter inspirado uma atitude de desprezo pelos estatutos» (quando agrada ao camarada Mártov, a palavra iskrista não significa para ele estreito espírito de círculo, mas a mais consequente das tendências! Só é pena que três anos de educação iskrista não tenham inspirado ao camarada Mártov uma atitude de desprezo pela fraseologia anarquista, com a qual a instabilidade de um intelectual é capaz de justificar a violação de estatutos adoptados de comum acordo). Em segundo lugar, vede bem, ele, o camarada Mártov, quis evitar «introduzir a mínima dissonância na táctica desse núcleo organizativo fundamental que era o Iskra». Isto é de uma maravilhosa consequência! Na questão de princípio sobre a formulação oportunista do §1 ou da hipertrofia do centralismo, o camarada Mártov receou de tal modo a dissonância (que só é terrível do mais estreito ponto de vista do círculo) que não apresentou as suas divergências mesmo perante um núcleo como a redacção! Na questão prática da composição dos centros, o camarada Mártov pediu a ajuda do Bund e dos partidários da Rabótcheie Dielo contra o voto da maioria dos membros da organização do Iskra (verdadeiro núcleo organizativo fundamental). O camarada Mártov não se dá conta da «dissonância» das suas próprias frases quando se vale de processos próprios dos círculos em defesa da quase-redacção para renegar o «espírito de círculo» na apreciação do problema pelos que são mais competentes. Para o castigar, citaremos integralmente o seu projecto de estatutos, marcando, por nosso lado, os pontos de vista e a hipertrofia que revela.[8 7]

«Projecto de estatutos do partido. - I. Filiação no partido. - 1) Considera-se como pertencente ao Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que, aceitando o seu programa, trabalha activamente para levar à prática os seus objectivos sob o controlo e a direcção dos órgãos do partido. - 2) A expulsão de um membro do partido por actos incompatíveis com os interesses do partido é decidida pelo Comité Central. [A sentença com os motivos de expulsão é conservada nos arquivos do partido e comunicada, se requerido, a cada comité do partido. Pode-se apelar para o congresso da decisão de expulsão tomada pelo CC desde que dois ou mais comités o requeiram]»... Indicarei com parêntesis rectos os preceitos do projecto de Mártov evidentemente vazios de sentido, que não só não contêm qualquer «ideia», mas nem sequer nenhuma condição ou exigência precisa, como é o caso inimitável de indicar nos «estatutos» onde precisamente se deverá conservar a sentença, ou então a referência ao facto de se poder apelar para o congresso das decisões do CC, relativas à expulsão (e não de todas as suas decisões em geral?). Eis precisamente uma hipertrofia de frase, ou um verdadeiro formalismo burocrático, no sentido da inclusão de pontos e parágrafos que são visivelmente supérfluos, inúteis ou dilatórios. «... II. Comités locais.-3) No seu trabalho local, o partido é representado pelos comités do partido...» (Que novo e que profundo!) «...4) [Consideram-se comités do partido os existentes ao realizar-se o segundo congresso e representados nele, com a composição que tenham neste momento.] - 5) Os novos comités do partido, além dos mencionados no § 4, são designados pelo Comité Central [que reconhece como comité a composição que no momento dado tenha a organização local, ou que constitui o comité local reformando esta última]. - 6) Os comités completam o número dos seus membros por meio da cooptação. - 7) O CC tem o direito de completar o número de membros de um comité local com outros camaradas (que conheça), de modo que o seu número não ultrapasse um terço do número total de membros...» Modelo de burocracia: porque não mais do que um terço? Qual é o objectivo disto? Qual o sentido desta restrição que não restringe nada, visto que este modo de completar pode ser repetido muitas vezes? «... 8) [No caso de um comité local se ter desagregado ou ter sido desfeito» (quer isto dizer que nem todos os seus membros foram presos?) «pela repressão, o CC restabelece-o»]... (agora sem ter em conta o § 7.? O camarada Mártov não acha que o § 8. se parece com as leis russas sobre a moral pública, que mandam trabalhar nos dias de semana e descansar nos dias feriados?) «...9. [O congresso ordinário do partido pode encarregar o CC de reformar a composição de qualquer comité local cuja actividade seja considerada incompatível com os interesses do partido. Neste último caso, declara-se dissolvido o dito comité e consideram-se os camaradas do local em que funciona desligados de qualquer subordinação[8 8] a ele»]... A regra contida neste parágrafo é tão altamente útil como o artigo que ainda hoje figura nas leis russas e que diz: O alcoolismo é proibido a todos e a cada um. «... 10. [Os comités locais do partido dirigem todo o trabalho de propaganda, agitação e organização do partido na localidade e dão o seu concurso, segundo as suas possibilidades, ao CC e ao OC do partido na execução das tarefas gerais do partido de que foram incumbidos»] ... Uf! Mas para que serve isto, em nome de 25 Devo assinalar que, infelizmente, não consegui encontrar a primeira variante do projecto de Mártov, que consistia em qualquer coisa como 48 parágrafos e sofria ainda mais duma «hipertrofia» de formalismo inútil. (Nota do Autor) 26 Chamamos a atenção do camarada Axelrod para esta palavrinha. Vejam só que horror! Eis onde estão as raízes do «jacobinismo» que vai ao ponto de... modificar a composição da redacção... (Nota do Autor) todos os santos?... 11). [«Ó regulamento interno de uma organização local, as relações recíprocas entre o comité e os grupos que lhe estão subordinados» (está a ouvir, está a ouvir, camarada Axelrod?) «e os limites de competência e autonomia» (e os limites de competência não serão o mesmo que os limites de autonomia?) «destes grupos são estabelecidos pelo próprio comité e levados ao conhecimento do CC e da redacção do OC»]... (Uma lacuna: não se diz onde são guardadas essas comunicações) ...«12. [Todos os grupos e membros individuais do partido subordinados aos comités têm o direito de exigir que as suas opiniões e desejos sobre qualquer questão sejam comunicados ao CC do partido e aos seus Órgãos Centrais.] - 13. Cada comité local do partido tem o dever de descontar das suas receitas uma parte que corresponde à caixa do CC segundo distribuição a efectuar pelo CC. - III. Organizações destinadas à agitação em diversas línguas (para além do russo). -14. [Para a agitação numa das línguas não russas e para a organização dos operários entre os quais se faz esta agitação, podem constituir-se organizações à parte nos pontos onde for imprescindível especializar essa agitação e estabelecer tal organização separada.] - 15. O cuidado de resolver a questão de saber em que medida existe esta necessidade é deixado ao CC do partido, e em caso de contestação, ao congresso do partido» ... A primeira parte do parágrafo é supérflua, se tivermos em conta o estipulado a seguir nos estatutos, e a segunda parte sobre os casos de contestação é simplesmente ridícula... «16. [As organizações locais a que faz referência o § 14 são autónomas quanto aos seus objectivos especiais, mas actuam sob controlo do comité local e a ele estão subordinadas, e as formas deste controlo e as normas das relações de organização entre o comité e a organização especial, é o comité local que as estabelece»... (Graças a Deus! Vemos agora muito claramente como era inútil alinhar toda esta torrente de palavras ocas)... «No tocante aos assuntos gerais do partido, estas organizações actuam como parte da organização do comité.] - 17. [As organizações locais a que faz referência o § 14 podem formar uma união autónoma para realizar com êxito os seus objectivos especiais. Tal união pode ter os seus órgãos especiais administrativos e literários ficando ambos submetidos ao controlo directo do CC do partido. Os estatutos desta união são elaborados por ela própria, mas ratificados pelo CC do partido.] -18. [Podem igualmente fazer parte da união autónoma a que faz referência o § 17 os comités locais do partido se, atendendo às condições locais, se dedicarem principalmente à agitação na língua correspondente. Nota. Sendo parte constitutiva de uma união autónoma, tal comité não deixa de ser um comité do partido»]... (todo o parágrafo é extremamente útil e superiormente inteligente e a nota mais do que tudo o resto)... «19. [As organizações locais pertencentes à união autónoma, nas suas relações com os órgãos centrais da união, ficaram submetidas ao controlo dos comités locais.] -20. [Os órgãos centrais, literários e administrativos, das uniões autónomas estão nas mesmas relações com o CC que os comités locais do partido.) - IV. O Comité Central e os órgãos literários do partido. - 21. [Os representantes de todo o partido na sua totalidade são o CC e os órgãos literários, político e científico.] - 22. Cabe ao CC a direcção geral de toda a actividade prática do partido; o cuidado de utilizar e repartir judiciosamente todas as suas forças; o controlo da actividade de todos os sectores do partido; o fornecimento de literatura às organizações locais; a organização do aparelho técnico do partido; a convocação dos congressos do partido. - 23. Cabe aos órgãos literários do partido a direcção ideológica da vida do partido; a propaganda do programa do partido e a elaboração científica e publicística da concepção do mundo da social-democracia. - 24. Todos os comités locais do partido e as uniões autónomas estão em ligação directa tanto com o CC do partido, como com a redacção dos órgãos do partido, levando periodicamente ao seu conhecimento a marcha do movimento e do trabalho de organização na área local. - 25. A redacção dos órgãos literários do partido é designada pelo congresso do partido e está em funções até ao congresso seguinte. - 26. [A redacção é autónoma nos seus assuntos internos] e pode, no intervalo entre os congressos, completar ou modificar a sua composição, informando o CC em cada caso. - 27. Todos os comunicados emanados do CC ou por ele sancionados são publicados no órgão do partido, a pedido do CC. - 28. O CC, de acordo com a redacção dos órgãos do partido, cria grupos especiais de escritores para várias formas de trabalho literário. - 29. O CC é designado pelo congresso do partido e está em funções até ao congresso seguinte. O CC completa a sua composição por cooptação em número ilimitado, informando em cada caso a redacção dos órgãos centrais do partido. - V. A organização do partido no estrangeiro. - 30. A organização do partido no estrangeiro realiza a propaganda entre os russos residentes no estrangeiro, e a organização dos elementos socialistas existentes entre eles. À sua frente está uma administração eleita. - 31. As uniões autónomas que façam parte do partido podem ter as suas secções no estrangeiro para realizarem as tarefas especiais destas uniões. Estas secções, na qualidade de grupos autónomos, pertencem à organização geral no estrangeiro. - VI. Os congressos do partido. - 32. O congresso é a instância suprema do partido. - 33. [O congresso do partido estabelece o seu programa, os seus estatutos e os princípios orientadores da sua actividade; controla o trabalho de todos os órgãos do partido e resolve os conflitos entre eles.] - 34. Estão representados no congresso: a) todos os comités locais do partido; b) os órgãos administrativos centrais de todas as uniões autónomas que pertençam ao partido; c) o CC do partido e as redacções dos seus órgãos centrais; d) a organização do partido no estrangeiro. - 35. A transmissão de mandatos é autorizada, mas sob a condição de um delegado não representar mais de três mandatos efectivos. É permitido dividir um mandato entre dois representantes. Não são admitidos mandatos imperativos. - 36. O CC tem o direito de convidar para o congresso, com voto consultivo, os camaradas cuja presença possa ser útil. - 37. Para introduzir modificações no programa ou nos estatutos do partido é preciso que haja uma maioria de dois terços dos votos presentes; as outras questões são resolvidas por maioria simples. - 38. Considera-se válido um congresso se mais de metade de todos os comités do partido existentes à data do congresso nele estiverem representados. - 39. O congresso reúne-se, na medida do possível, uma vez de dois em dois anos. [No caso de surgirem dificuldades para reunir o congresso nesse prazo, independentes da vontade do CC, este pode adiá-lo sob a sua responsabilidade»].

O leitor que, excepcionalmente, teve a paciência de ler até ao fim estes pretensos estatutos, não nos exigirá certamente um exame especial das conclusões seguintes. Primeira conclusão: os estatutos sofrem de uma hidropisia dificilmente curável. Segunda conclusão: é impossível descobrir neles qualquer sombra de pontos de vista organizativos que demonstrem uma atitude negativa face à hipertrofia do centralismo. Terceira conclusão: o camarada Mártov procedeu muito razoavelmente, sonegando aos olhos das pessoas (e ao exame do congresso) mais de 38/39 dos seus estatutos. A única coisa que não deixa de ser original é que, a propósito desta sonegação, se fale de viseira levantada.

Notas

  1. No discurso pronunciado sobre o reconhecimento do Iskra como Órgão Central, o camarada Popov, entre outras coisas, disse o seguinte: «Recordo o artigo Por onde Começar?, publicado no número 3 ou 4 do Iskra. Muitos dos camaradas que naquela ocasião actuavam na Rússia acharam-no falho de tacto; a outros, o plano parecia fantástico, e a maioria (provavelmente a maioria das pessoas que rodeavam Popov) explicava-o apenas por ambição» (p. 140). Como o leitor pode ver, estou já acostumado a esta explicação das minhas opiniões políticas como ambição, explicação que agora repetem o camarada Axelrod e o camarada Mártov. (Nota do Autor)
  2. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 5, pp. 1-13. (N. Ed.)
  3. Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p.79. (N. Ed.)
  4. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 7-25. (N. Ed.)
  5. Veribidem, pp. 5-6. (N. Ed.)
  6. A propósito. A comissão de actas publicou no anexo XI o projecto de estatutos «apresentado ao congresso por Lénine» (p. 393). Também a comissão emaranhou um pouco as coisas neste ponto. Confundiu o meu projecto inicial (ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 256-258 -N. Ed.), que foi mostrado a todos os delegados (e a muitíssimos antes do Congresso), com o que apresentei no congresso, e publicou o primeiro como se fosse o segundo. Eu, naturalmente, não tenho nada contra a publicação dos meus projectos, mesmo em todos os graus da sua preparação, mas nem por isso se devia confundir as coisas. E, no entanto, causou-se confusão, porque Popov e Mártov (pp. 154 e 157) criticam, no projecto que apresentei realmente ao congresso, formulações que não existem no projecto publicado pela comissão de actas (cfr. p. 394, §§ 7 e 11). Com um pouco mais de atenção, bastava ter confrontado as páginas que eu indicava para notar o erro. (Nota do Autor)
  7. Devo assinalar que, infelizmente, não consegui encontrar a primeira variante do projecto de Mártov, que consistia em qualquer coisa como 48 parágrafos e sofria ainda mais duma «hipertrofia» de formalismo inútil. (Nota do Autor)
  8. Chamamos a atenção do camarada Axelrod para esta palavrinha. Vejam só que horror! Eis onde estão as raízes do «jacobinismo» que vai ao ponto de... modificar a composição da redacção... (Nota do Autor)

h) Discussão Sobre o Centralismo Antes da Cisão Entre os Iskristas

Antes de passar à questão, verdadeiramente interessante, da formulação do § 1 dos estatutos, questão que indubitavelmente revela diversos matizes de opinião, deter-nos-emos ainda um pouco na curta discussão geral relativa aos estatutos, que ocupou a 14ª sessão do congresso e parte da 15ª Esta discussão tem uma certa importância porque precedeu o completo desacordo na organização do Iskra a propósito da composição dos centros. Ao contrário, as discussões posteriores sobre os estatutos em geral e a cooptação em particular tiveram lugar depois do nosso desacordo na organização do Iskra. É natural que antes do desacordo pudéssemos exprimir os nossos pontos de vista mais imparcialmente, no sentido de uma maior independência dos nossos pontos de vista em relação ao problema da composição pessoal do CC, que a todos agitou. O camarada Mártov, como já assinalei, aderiu (p. 157) ao meu ponto de vista em matéria de organização, com a reserva de discordar em dois pontos de pormenor. Pelo contrário, tanto os anti-iskristas, como o «centro» entraram imediatamente na liça contra as duas ideias fundamentais de todo o plano de organização do Iskra (e, em consequência, dos estatutos na sua totalidade): contra o centralismo e contra os «dois centros». O camarada Líber referiu-se aos meus estatutos como «desconfiança organizada» e viu (tal como os camaradas Popov e Egórov) descentralismo nos dois centros. O camarada Akímov exprimiu o desejo de alargar a esfera de competência dos comités locais, concedendo-lhes em particular a eles próprios «o direito de modificar a sua composição». «É preciso dar-lhes maior liberdade de acção... Os comités locais devem ser eleitos pelos militantes activos da localidade, tal como o CC é eleito pelos representantes de todas as organizações activas da Rússia. Mas se mesmo isto não pode ser concedido, que se limite então o número de membros que o CC pode designar para trabalhar nos comités locais...» (158). Como vedes, o camarada Akímov sugere aqui um argumento contra a «hipertrofia do centralismo», mas o camarada Mártov continua surdo a estas autorizadas indicações, enquanto a sua derrota, quanto à composição dos centros, o não leva a seguir Akímov. Continua surdo mesmo quando o camarada Akímov lhe sugere a «ideia» dos seus próprios estatutos (§7: restrição dos direitos do CC de introduzir membros nos comités)! Neste momento, o camarada Mártov não queria ainda «dissonância» connosco, e é por isso que tolerava a dissonância com o camarada Akímov tal como consigo próprio... Neste momento, o «monstruoso centralismo» só era atacado por aqueles a quem não convinha evidentemente o centralismo do Iskra: era atacado por Akímov, Líber, Goldblat, seguidos com prudência e precaução (de maneira a poder voltar atrás em qualquer momento) por Egórov (ver pp. 156 e 276), etc. Neste momento, a imensa maioria do partido dava-se ainda conta com toda a clareza de que eram os interesses de capelinha, os interesses de círculo do Bund, do Iújni Rabótchi, etc., que provocavam o protesto contra o centralismo. De resto, mesmo agora, é claro para a maioria do partido que são precisamente os interesses de círculo da velha redacção do Iskra que provocam o seu protesto contra o centralismo...

Vede, por exemplo, o discurso do camarada Goldblat (160-161). Ele argumenta contra o meu centralismo «monstruoso» que, segundo ele, conduz ao «aniquilamento» das organizações inferiores e «está imbuído da tendência de conceder ao centro um poder ilimitado, o direito ilimitado de intervir em tudo», que só deixaria às organizações «um único direito, submeter-se sem um único protesto às ordens vindas de cima», etc. «O centro previsto pelo projecto encontrar-se-á num espaço vazio, não haverá à sua volta nenhuma periferia, mas simplesmente uma massa amorfa onde se moverão os seus agentes executores.» Isto é, palavra por palavra, a mesma fraseologia falsa com que os Mártov e os Axelrod começaram a obsequiar-nos depois da sua derrota no congresso. O Bund mereceu o riso no congresso quando, lutando contra o nosso centralismo, concede ao seu próprio centro direitos ilimitados ainda mais claramente especificados (por exemplo, o direito de introduzir e expulsar membros, e mesmo o de rejeitar delegados aos congressos). Risos merecerão também, uma vez elucidada a questão, as lamentações da minoria que clama contra o centralismo e contra os estatutos quando está em minoria, e que mal se converte em maioria logo se apoia nos estatutos.

Sobre a questão dos dois centros, o agrupamento foi também claramente evidente: contra todos os iskristas erguem-se também ao mesmo tempo Líber, Akímov (que foi o primeiro a entoar a cantiga dos Axelrod-Mártov, hoje em moda, sobre o predomínio do OC sobre o CC no Conselho), Popov e Egórov. O plano dos dois centros decorria naturalmente das ideias que o antigo Iskra sempre tinha desenvolvido sobre a organização (e que, em palavras, tinham sido aprovadas pelos Popov e Egórov!). A política do antigo Iskra opunha-se diametralmente aos planos do Iújni Rabótchi, planos visando a criação de um órgão popular paralelo e a sua transformação num órgão de facto predominante. Eis aqui a raiz da contradição, tão estranha à primeira vista, de todos os anti-iskristas e todo o pântano serem a favor de um centro único, isto é, a favor de um centralismo aparentemente maior. É claro que também houve delegados (sobretudo no pântano) que quase não compreendiam a que levariam e tinham que levar, pela própria natureza das coisas, os planos de organização do Iújni Rabótchi. Mas eram impelidos a seguir os anti-iskristas pela sua própria natureza indecisa e pouco segura de si.

Entre os discursos dos iskristas durante estes debates (que precederam a cisão entre os iskristas) sobre os estatutos, são particularmente importantes os dos camaradas Mártov («adesão» às minhas ideias sobre organização) e Trótski. Este último respondeu aos camaradas Akímov e Líber de tal forma que cada palavra da sua resposta desmascara o que há de falso no comportamento que seguiu a «minoria» depois do congresso e nas teorias que adoptou depois do congresso. «Os estatutos - diz ele (o camarada Akímov) - não definem com suficiente precisão a esfera de competência do CC. Não posso estar de acordo com ele. Pelo contrário, a definição é precisa e significa: na medida em que o partido é um todo, é preciso assegurar-lhe o controlo dos comités locais. O camarada Líber disse que os estatutos são, para empregar uma expressão minha, a «desconfiança organizada». É verdade. Só que eu tinha empregado esta expressão ao falar dos estatutos propostos pelos representantes do Bund, que eram a desconfiança organizada da parte de um sector do partido face a todo o partido. Em contrapartida os nossos estatutos» (neste momento, estes estatutos eram «nossos», até à derrota na questão da composição do centro!) «constituem a desconfiança organizada do partido face a todos os seus sectores, isto é, o controlo de todas as organizações locais, regionais, nacionais e outras» (158). Sim, os nossos estatutos foram aqui caracterizados com precisão, e nós aconselhamos a lembrarem-se mais vezes desta caracterização aqueles que, de consciência tranquila, afirmam agora que foi a astuta maioria que concebeu a ideia e estabeleceu o sistema da «desconfiança organizada», ou o que vem a dar no mesmo, do «estado de sítio». Basta comparar o discurso citado com os discursos do congresso da Liga no Estrangeiro, para obter um modelo de falta de carácter em política, um exemplo de como mudaram as concepções de Mártov e Cª, segundo se tratava do seu próprio organismo colectivo ou do organismo colectivo de outrem, de ordem inferior.

i) O Parágrafo de um dos Estatutos

Citámos já as diferentes fórmulas à volta das quais se desenrolaram interessantes debates no congresso. Estes debates ocuparam cerca de duas sessões e terminaram com duas votações nominais (durante todo o congresso houve somente, se não me engano, oito votações nominais apenas em casos de particular importância, devido à enorme perda de tempo que acarretam). A questão aqui abordada era sem dúvida uma questão de princípio. O interesse do congresso pelos debates era imenso. Participaram na votação todos os delegados, facto raro no nosso congresso (como em qualquer grande congresso) e que assim testemunha do interesse dos participantes na discussão.

Qual era, pois, a essência da questão em disputa? Já disse no congresso, e repeti-o depois mais de uma vez, que «não considero de modo nenhum a nossa divergência (sobre o §1) tão essencial que dela dependa a vida ou a morte do partido. Se houver um mau artigo nos estatutos, não vamos, de modo algum, morrer por isso!» (p. 250).[10 1] Esta diferença em si mesma, ainda que revelando matizes de princípio, não pôde de modo nenhum provocar a divergência (na realidade, para falar sem rodeios, a cisão) que se declarou depois do congresso. Mas qualquer pequena divergência pode tornar-se grande se insistirmos nela, se a colocarmos em primeiro plano, se nos pusermos a investigar todas as suas raízes e ramificações. Qualquer pequena divergência pode tomar uma enorme importância, se servir de ponto de partida para uma viragem para certas concepções erradas e se a estas concepções vierem juntar-se, em virtude de novas divergências complementares, actos anárquicos que levam o partido à cisão.

Esta era precisamente a situação no caso que examinamos. Uma divergência relativamente pouco importante sobre o §1 tomou agora uma importância enorme, porque foi precisamente o que serviu de ponto de viragem para subtilezas oportunistas e para a fraseologia anarquista da minoria (sobretudo no congresso da Liga, e depois também nas colunas do novo Iskra). Esta divergência marcou o início da coligação da minoria iskrista com os anti-iskristas e com o pântano, que adquiriu precisamente formas acabadas no momento das eleições, e sem a compreensão da qual é impossível compreender a divergência essencial, fundamental, a da questão relativa à composição dos centros. O pequeno erro de Mártov e Axelrod a propósito do § um, constituía uma ligeira fenda no nosso vaso (como eu disse no congresso da Liga). Teria sido possível amarrar o vaso mais solidamente, com um nó duplo (e não com um nó corrediço, como tinha julgado ouvir Mártov que, no congresso da Liga, se encontrava num estado próximo da histeria). Poder-se-ia orientar todos os esforços para aumentar a fenda, para quebrar o vaso. Foi o que aconteceu, em consequência do boicote e de todas as outras idênticas medidas anárquicas dos zelosos partidários de Mártov. A divergência sobre o § l teve um papel considerável na questão da eleição dos centros, e a derrota de Mártov neste ponto levou-o à «luta no terreno dos princípios» por meios grosseiramente mecânicos e até escandalosos (os discursos do congresso da Liga da Social-Democracia Revolucionária Russa no Estrangeiro).

Hoje, depois de todos esses acontecimentos, a questão do § um tomou assim uma enorme importância, e devemos compreender com exactidão, tanto o carácter dos agrupamentos no congresso ao ser votado este §, como - o que é incomparavelmente mais importante - o verdadeiro carácter dos matizes de opinião que se revelaram ou tinham começado a revelar-se com o § um. Hoje, em consequência dos acontecimentos conhecidos pelo leitor, a questão apresenta-se como se segue: ter-se-á reflectido na fórmula de Mártov, defendida por Axelrod, a sua (ou a deles) instabilidade, vacilação e a sua falta de carácter em política, como disse no congresso do partido (333) o seu (ou o deles) desvio para o jauressismo e o anarquismo, como supunha Plekhánov no congresso da Liga (p. 102 e outras das actas da Liga)? Ou será que a minha fórmula, defendida por Plekhánov, reflectia uma concepção falsa, burocrática, formalista, em estilo pompadur[10 2] e não social-democrática do centralismo? Oportunismo e anarquismo ou burocracia e formalismo?: assim está colocada a questão agora, quando a pequena divergência se tornou grande. E examinando o fundo dos argumentos a favor e contra a minha fórmula, devemos ter presente precisamente esta maneira de colocar o problema - eu diria historicamente determinada se não receasse expressões demasiado pomposas - que os acontecimentos nos impuseram a todos.

Comecemos o exame destes argumentos por uma análise dos debates no congresso. O primeiro discurso, o do camarada Egórov, só nos interessa pelo facto de a sua atitude (non liquet, isto ainda não é claro para mim, não sei ainda onde está a verdade) ser muito característica de bom número de delegados, a quem não era fácil orientar-se numa questão efectivamente nova, bastante complexa e minuciosa. O discurso seguinte, o do camarada Axelrod, põe imediatamente a questão no terreno dos princípios. É o primeiro discurso com este carácter, ou melhor, é em geral o primeiro discurso do camarada Axelrod no congresso, e é difícil considerar particularmente feliz a sua estreia com o famoso «professor». «Creio - dizia o camarada Axelrod - que devemos delimitar os conceitos de partido e organização. Ora estas duas noções são aqui confundidas. Esta confusão é perigosa.» Tal é o primeiro argumento contra a minha formulação. Mas examinai-o mais de perto. Quando digo que o partido deve ser uma soma (não uma simples soma aritmética, mas um complexo) de organizações,[10 3] quer isto dizer que eu «confundo» dois conceitos, partido e organização? É evidente que não. Exprimo assim, de maneira absolutamente clara e precisa, o meu desejo, a minha exigência de que o partido, como destacamento de vanguarda da classe, seja algo o mais organizado possível, que o partido só aceite nas suas fileiras aqueles elementos que admitam, pelo menos, um mínimo de organização. Pelo contrário, o meu contraditor confunde no partido os elementos organizados e os não organizados, aqueles a quem se pode dirigir e os que se não pode, os elementos avançados e os que são incorrigivelmente atrasados, porque os atrasados corrigíveis podem entrar na organização. É esta confusão que é verdadeiramente perigosa. O camarada Axelrod invoca em seguida as «organizações estritamente conspirativas e centralistas do passado» («Terra e Liberdade» e «A Vontade do Povo»): à volta destas organizações «agrupava-se uma quantidade de pessoas que não pertenciam à organização, mas que a ajudavam de uma forma ou de outra e eram consideradas membros do partido... Este princípio deve ser aplicado ainda mais estritamente na organização social-democrata». Cá chegamos a um dos pontos-chave da questão: «este princípio» que permite que se intitulem membros do partido pessoas que não pertencem a nenhuma das suas organizações e que somente «o ajudam de uma maneira ou de outra» será efectivamente um princípio social-democrata? E Plekhánov deu a esta pergunta a única resposta possível: «Axelrod não tinha razão quando aludia à década de 70. Havia então um centro bem organizado e admiravelmente disciplinado; este centro tinha à sua volta organizações de diferentes níveis, criadas por ele próprio, e o que estava fora dessas organizações era caos e anarquia. Os elementos que constituíam este caos auto-intitulavam-se membros do partido, mas a causa, longe de ganhar com isso, só perdia. Não devemos imitar a anarquia da década de 70, mas evitá-la.» Assim, «este princípio», que o camarada Axelrod queria fazer passar por social-democrata, é de facto um princípio anárquico. Para refutar isto, é preciso demonstrar a possibilidade do controlo, da direcção e da disciplina à margem da organização, é preciso demonstrar a necessidade de atribuir aos «elementos do caos» o título de membros do partido. Os defensores da fórmula do camarada Mártov não demonstraram, e não podiam demonstrar, nem uma coisa nem outra. O camarada Axelrod citou, a título de exemplo, «um professor que se considera social-democrata e o declara». Para levar até ao fim o pensamento ilustrado por este exemplo, o camarada Axelrod deveria perguntar em seguida: os próprios sociais-democratas organizados consideram tal professor um social-democrata? Como não levantou esta segunda questão, Axelrod deixou a sua argumentação a meio. De facto, das duas uma. Ou os sociais-democratas organizados reconhecem o professor em questão como um social-democrata, e então porque não haviam de incluí-lo nesta ou naquela organização social-democrata? Só na condição de tal integração as «declarações» do professor estarão em conformidade com os seus actos e não serão apenas frases ocas (ao que de resto se reduzem com demasiada frequência as declarações professorais). Ou os sociais-democratas organizados não reconhecem o professor como um social-democrata, e neste caso carece de sentido e é absurdo, insensato e prejudicial conferir-lhe o direito de usar o título honroso e cheio de responsabilidade de membro do partido. Trata-se pois de aplicar consequentemente o princípio de organização, ou consagrar a dispersão e a anarquia. Estamos a construir o partido tomando como base um núcleo já formado e consolidado de sociais-democratas, núcleo que, por exemplo, organizou o congresso do partido, e que deve ampliar e multiplicar todo o tipo de organizações do partido, ou contentamo-nos com a frase tranquilizadora de que todos os que nos ajudam são membros do partido? «Se adoptamos a fórmula de Lénine - prosseguiu o camarada Axelrod - deitaremos pela borda fora uma parte dos que, embora não possam ser admitidos directamente na organização, são, no entanto, membros do partido.» A confusão de conceitos de que queria acusar- me o camarada Axelrod, aparece agora com plena clareza nas suas próprias palavras: considera já como um facto que todos os que nos ajudam são membros do partido, enquanto é exactamente este o ponto contestado, e os contraditores devem primeiro, provar a necessidade e a utilidade de tal interpretação. Qual o significado desta frase à primeira vista tão terrível: deitar pela borda fora? Se considerarmos membros do partido apenas os aderentes às organizações que reconhecemos como organizações do partido, então as pessoas que não possam entrar «directamente» em nenhuma organização do partido podem, no entanto, militar numa organização que não seja do partido, mas que esteja em contacto com ele. Por consequência, não se trata de modo algum de deitar pela borda fora ninguém, isto é, afastar do trabalho, da participação no movimento. Pelo contrário, quanto mais fortes forem as nossas organizações do partido, englobando verdadeiros sociais-democratas, quanto menos hesitação e instabilidade houver no interior do partido, mais larga, mais variada, mais rica e mais fecunda será a influência do partido sobre os elementos das massas operárias que o rodeiam e por ele são dirigidos. Com efeito, não se pode confundir o partido, como destacamento de vanguarda da classe operária, com toda a classe. Ora, é justamente nesta confusão (característica do nosso economismo oportunista em geral) que cai o camarada Axelrod quando diz: «Naturalmente, estamos a criar, antes de tudo, uma organização dos elementos mais activos do partido, uma organização de revolucionários; mas como somos um partido de classe, devemos fazer as coisas de modo a não deixar fora do partido os que, conscientemente, ainda que talvez sem se mostrarem absolutamente activos, tenham uma ligação com esse partido.» Primeiro, no número dos elementos activos do partido operário social-democrata, de modo algum figurarão apenas as organizações de revolucionários, mas toda uma série de organizações operárias, reconhecidas como organizações do partido. Segundo, por que razão ou em virtude de que lógica se poderia deduzir do facto de sermos um partido de classe a consequência de não ser preciso estabelecer uma distinção entre os que pertencem ao partido e os que têm uma ligação com o partido? Muito pelo contrário: precisamente devido à existência dos diferentes graus de consciência e actividade, é necessário estabelecer uma diferença no grau de proximidade do partido. Nós somos um partido de classe, e é por isso que quase toda a classe (e em tempo de guerra, num período de guerra civil, absolutamente toda a classe) deve agir sob a direcção do nosso partido, deve ter com o nosso partido a ligação mais estreita possível. Mas seria manilovismo[10 4] e «seguidismo» pensar que sob o capitalismo quase toda a classe, ou mesmo toda a classe, estará um dia em condições de se elevar ao ponto de alcançar o grau de consciência e de actividade do seu destacamento de vanguarda, do seu partido social-democrata. Nunca nenhum social-democrata de bom senso duvidou de que sob o capitalismo, mesmo a organização sindical (mais rudimentar, mais acessível ao grau de consciência das camadas não desenvolvidas) não está à altura de englobar quase toda ou toda a classe operária. Seria unicamente enganar-se a si próprio, fechar os olhos sobre a imensidade das nossas tarefas, restringir essas tarefas, esquecer a diferença entre o destacamento de vanguarda e toda a massa que pende para ele, esquecer a obrigação constante do destacamento de vanguarda de elevar camadas cada vez mais amplas ao seu nível avançado. E é precisamente esse fechar dos olhos e esse esquecimento que se comete quando se apaga a diferença que existe entre os que têm ligação e os que entram, entre os conscientes e os activos, por um lado, e os que ajudam, por outro.

Alegar que somos um partido de classe para justificar a dispersão orgânica, para justificar a confusão entre organização e desorganização, é repetir o erro de Nadéjdine, que confundia «a questão filosófica e histórico-social das “profundas raízes” do movimento com uma questão técnica de organização». (Que Fazer?, p. 91).[10 5] É esta confusão, cujo feliz iniciador foi o camarada Axelrod, que dezenas de vezes repetiram os oradores que defendiam a fórmula do camarada Mártov. «Quanto mais se difundir o título de membro do partido, tanto melhor» diz Mártov, sem no entanto explicar qual a utilidade da ampla difusão de um título que não corresponda ao seu conteúdo. Pode negar-se que o controlo dos membros não pertencentes à organização do partido seja uma ficção? Uma larga difusão de uma ficção não é útil, antes prejudicial. «Só temos que nos congratular se cada grevista, cada manifestante, tomando a responsabilidade dos seus actos, puder declarar-se membro do partido» (p. 239). Será verdade? Qualquer grevista deverá ter o direito de declarar-se membro do partido? Com esta tese, o camarada Mártov leva de uma assentada o seu erro até ao absurdo, rebaixando a social-democracia ao grevismo, repetindo as desventuras dos Akímov. Só temos que nos alegrar se a social-democracia conseguir dirigir cada greve, porque é seu dever directo e absoluto dirigir todas as manifestações da luta de classe do proletariado, e a greve é uma das manifestações mais profundas e vigorosas desta luta. Mas seremos seguidistas se admitirmos que se identifique esta forma elementar de luta, que ipso facto não é mais que uma forma trade-unionista, com a luta social-democrata, multilateral e consciente. Oportunisticamente, legitimaremos uma manifesta falsidade, se dermos a cada grevista o direito de «se declarar membro do partido», porque tal «declaração», num grande número de casos, será uma declaração falsa. Estaremos a embalar-nos com sonhos manilovianos se tentarmos persuadir-nos a nós próprios e persuadir os outros que cada grevista pode ser social-democrata e membro do partido social- democrata, dada a infinita fragmentação, opressão e embrutecimento que, sob o capitalismo, inevitavelmente continuarão a pesar sobre sectores muito amplos de operários «não instruídos», não qualificados. Justamente o exemplo do «grevista» mostra com particular clareza a diferença entre a aspiração revolucionária de dirigir cada greve de uma maneira social-democrata, e a fraseologia oportunista, que declara cada grevista membro do partido. Nós somos um partido de classe, na medida em que dirijamos efectivamente de um modo social-democrata quase toda ou mesmo toda a classe do proletariado, mas só os Akímov é que podem deduzir disso que devemos identificar em palavras o partido e a classe.

«Não receio uma organização de conspiradores», disse no mesmo discurso o camarada Mártov; mas, acrescentava, «a organização de conspiradores, para mim, só tem sentido se envolvida por um amplo partido operário social-democrata» (p. 239). Para ser exacto deveria ter dito: se envolvida por um amplo movimento operário social-democrata. Sob esta forma, a tese do camarada Mártov não só é indiscutível, como é também um verdadeiro truísmo. Se me detenho neste ponto, é unicamente porque do truísmo do camarada Mártov os oradores seguintes deduziram o argumento muito corrente e muito vulgar, de que Lénine queria «reduzir todo o conjunto de membros do partido a um conjunto de conspiradores». Esta conclusão, que só nos pode fazer sorrir, foi tirada tanto pelo camarada Possadóvski, como pelo camarada Popov, e quando Martínov e Akímov a retomaram, o seu verdadeiro carácter, ou seja, o carácter de frase oportunista, tornou-se manifesto. Actualmente, este mesmo argumento é desenvolvido no novo Iskra pelo camarada Axelrod, para dar a conhecer aos leitores os novos pontos de vista da nova redacção sobre organização. Já no congresso, na primeira sessão em que se examinou o § l, dei-me conta de que os contraditres se queriam servir desta arma barata, e é por isso que no meu discurso fiz este aviso (p. 240): «Não devemos pensar que as organizações do partido devam ter apenas revolucionários profissionais. Nós precisamos das mais diversas organizações, de todas as espécies, de todos os níveis e de todos os matizes, desde as organizações extremamente restritas e conspirativas, até às extremamente amplas e livres, lose Organisationen.»[10 6] É uma verdade tão patente e evidente que considerei supérfluo deter-me nela. Mas nos tempos que correm, quando já nos arrastaram para trás em muitas e muitas coisas, somos forçados, também aqui, a «repisar o que já foi dito». Por isso, reproduzirei algumas passagens de Que Fazer? e da Carta a Um Camarada: ... «Para um círculo de corifeus como Alexéiev e Míchkine, Khaltúrine e Jeliábov, são acessíveis as tarefas políticas no sentido mais real, mais prático do termo, precisamente porque, e no grau em que, a sua propaganda ardente encontra eco na massa, que desperta espontaneamente, porque a sua fervente energia é secundada e apoiada pela energia da classe revolucionária.»[10 7] Para ser um partido social-democrata é preciso conquistar o apoio precisamente da classe. Não é o partido que deve envolver a organização de conspiradores, como pensava o camarada Mártov; é a classe revolucionária, o proletariado que deve envolver o partido, que tanto abrangerá as organizações de conspiradores como as organizações não conspiradoras.

... «As organizações operárias para a luta económica devem ser organizações sindicais. Todo o operário social-democrata deve, dentro do possível, apoiar estas organizações e nelas trabalhar activamente... Mas é absolutamente contrário aos nossos interesses exigir que só os sociais- democratas possam ser membros das uniões profissionais já que isso reduziria a nossa influência sobre a massa. Que participe na união profissional todo o operário que compreenda a necessidade da união para a luta contra os patrões e o governo. O próprio objectivo das uniões profissionais seria inexequível se não agrupassem todos os operários capazes de compreender, ainda que mais não fosse, esta noção elementar, se estas uniões profissionais não fossem organizações muito amplas. E quanto mais amplas forem estas organizações, tanto mais ampla será a nossa influência nelas, influência exercida não somente pelo desenvolvimento “espontâneo” da luta económica, mas também pela acção consciente e directa dos membros socialistas das uniões sobre os seus camaradas» (p. 86).[10 8] Diremos de passagem que o exemplo dos sindicatos é particularmente característico para emitir um juízo sobre o problema em discussão respeitante ao §1. Que os sindicatos devam trabalhar «sob controlo e direcção» das organizações sociais-democratas, a este respeito não pode haver duas opiniões entre os sociais-democratas. Mas partir desta base para dar a todos os membros destes sindicatos o direito de «se declararem» membros do partido social- democrata seria um absurdo evidente e representaria a ameaça de um duplo dano: por um lado, reduzir as dimensões do movimento sindical e enfraquecer a solidariedade operária neste domínio. Por outro lado, abrir as portas do partido social-democrata à confusão e à vacilação. A social- democracia alemã teve que resolver um problema semelhante em circunstâncias concretas aquando do famoso incidente dos pedreiros de Hamburgo que trabalhavam à tarefa.[10 9] A social-democracia não hesitou um momento em reconhecer que o a acção dos fura-greves era indigna do ponto de vista de um social-democrata, ou seja, em reconhecer a direcção das greves, o apoio às mesmas como coisa sua própria; mas ao mesmo tempo rejeitou com não menos decisão a exigência de identificar os interesse do partido com os interesses das uniões profissionais, de fazer o partido responsável dos diversos passos dos diferentes sindicatos. O partido deve aplicar-se, e aplicar-se-á, a impregnar do seu espírito, a submeter à sua influência as uniões profissionais, mas precisamente no interesse desta influência deve distinguir nestas uniões os elementos plenamente sociais- democratas (que pertencem ao partido social-democrata) dos que não são inteiramente conscientes nem inteiramente activos sob o ponto de vista político, e não deve confundir uns e outros, como quer o camarada Axelrod.

...«A centralização das funções mais clandestinas pela organização dos revolucionários não debilitará, antes reforçará, a amplitude e o conteúdo da actividade de uma grande quantidade de outras organizações destinadas ao grande público e, por consequência, o menos regulamentadas e o menos clandestinas possível: sindicatos operários, círculos operários de auto-didactas e de leitura de literatura ilegal, círculos socialistas, círculos democráticos para todos os outros sectores da população, etc., etc. Estes círculos, sindicatos e organizações são necessários por toda a parte, é preciso que sejam o mais numerosos e as suas funções as mais variadas possível, mas é absurdo e prejudicial confundir estas organizações com a dos revolucionários, apagar as fronteiras que existem entre elas» ... (p. 96).[10 10] Esta passagem mostra quão despropositadamente o camarada Mártov me recordou que amplas organizações operárias devem envolver a organização de revolucionários. Eu já tinha assinalado isso em Que Fazer? e desenvolvi esta ideia de forma mais concreta na Carta a Um Camarada. Os círculos de fábricas, escrevia eu na referida carta, «são particularmente importantes para nós; com efeito, a principal força do movimento reside no grau de organização dos operários das grandes fábricas, visto que as grandes empresas (e fábricas) englobam a parte predominante da classe operária, não só pelo seu número mas mais ainda pela sua influência, pelo seu desenvolvimento, pela sua capacidade de luta. Cada fábrica deve ser uma fortaleza nossa... O subcomité de fábrica deve esforçar-se por englobar toda a fábrica, o maior número possível de operários, numa rede de todo o tipo de círculos (ou agentes)... Todos os grupos, círculos, subcomités, etc., devem ter o estatuto de organismos dependentes do comité ou de filiais do mesmo. Alguns deles declararão francamente o seu desejo de entrar no Partido Operário Social- Democrata da Rússia, e passarão a fazer parte do partido no caso de serem aprovados pelo comité; assumirão (por indicação do comité ou de acordo com ele) certas funções, comprometer-se-ão a submeter-se às disposições dos organismos do partido, receberão os direitos de todos os membros do partido, serão considerados os candidatos mais próximos a membros do comité, etc. Outros não entrarão para o POSDR, continuarão na situação de círculos, organizados por membros do partido, ou pessoas ligadas a este ou aquele grupo do partido, etc.» (pp. 17-18).[10 11] Das palavras que sublinhei ressalta com particular clareza que a ideia da minha formulação do § l está já integralmente expressa na Carta a Um Camarada. As condições de admissão no partido são aqui claramente indicadas, a saber: 1. um certo grau de organização e 2. confirmação por um comité do partido. Uma página mais abaixo, indico aproximadamente os grupos e organizações que devem (ou não devem) ser admitidos no partido e por que razões: «Os grupos de distribuidores devem pertencer ao POSDR e conhecer um determinado número dos seus membros e dos seus funcionários. Os grupos que estudam as condições profissionais do trabalho e elaboram projectos de reivindicações profissionais não têm necessariamente que pertencer ao POSDR. Os grupos de estudantes, de oficiais do exército, de empregados que fazem a sua auto-educação com a colaboração de um ou dois membros do partido, por vezes não devem sequer saber que estes pertencem ao partido, etc.» (pp.18-19).[10 12]

E aqui tendes novos materiais sobre a questão da «viseira levantada»! Ao passo que a fórmula do Projecto do camarada Mártov nem sequer toca nas relações entre o partido e as organizações, eu indicava já acerca de um ano do congresso que certas organizações deviam entrar no partido e outras não. Na Carta a Um Camarada destaca-se já claramente a ideia que defendi no congresso. A questão poderia apresentar-se graficamente da seguinte forma. Segundo o grau de organização em geral, e do grau de clandestinidade da organização em particular, podemos aproximadamente distinguir as categorias seguintes: 1. organizações de revolucionários; 2. organizações de operários, tão amplas e variadas quanto possível (limito-me à classe operária, supondo como coisa que se subentende por si própria o facto de que certos elementos de outras classes delas façam igualmente parte em certas condições). Estas duas categorias formam o partido. A seguir, 3. organizações operárias ligadas ao partido; 4. organizações operárias não ligadas ao partido, mas de facto submetidas ao seu controlo e direcção; 5. elementos não organizados da classe operária que em parte se submetem igualmente, pelo menos durante as grandes manifestações da luta de classes, à direcção da social-democracia. Eis como aproximadamente se apresentam as coisas do meu ponto de vista. Pelo contrário, do ponto de vista do camarada Mártov as fronteiras do partido ficam absolutamente indeterminadas, porque «qualquer grevista» pode «declarar-se membro do partido». Qual é o proveito de tal imprecisão? A ampla difusão do «título». O seu prejuízo consiste em provocar a ideia desorganizadora da confusão da classe com o partido.

Para ilustrar os princípios gerais que expusemos, lançaremos ainda uma breve vista de olhos à posterior discussão no congresso acerca do §1. O camarada Brúker (para alegria do camarada Mártov) pronunciou-se a favor da minha fórmula, mas verificou-se que a sua aliança comigo, contrariamente à aliança do camarada Akímov com Mártov, baseava-se num mal-entendido. O camarada Brúker «não está de acordo com os estatutos no seu conjunto nem com todo o seu espírito» (p. 239), e defende a minha fórmula como base da democracia que desejavam os partidários da Rabótcheie Dielo. O camarada Brúker ainda não se elevou ao ponto de vista de que na luta política, por vezes, é preciso escolher o mal menor; o camarada Brúker não se apercebeu de que era inútil defender a democracia num congresso como o nosso. O camarada Akímov mostrou-se mais perspicaz. Colocou a questão de modo absolutamente exacto quando reconheceu que «os camaradas Mártov e Lénine discutem a questão de saber qual (das fórmulas) atinge melhor o seu objectivo comum» (p. 252). «Brúker e eu - continua - queremos escolher a que menos atinja o objectivo. Eu, neste sentido, escolho a fórmula de Mártov.» E o camarada Akímov explicou com franqueza que «o próprio objectivo deles» (de Plekhánov, Mártov e meu; isto é, a criação de uma organização dirigente de revolucionários) o considera «irrealizável e prejudicial»; tal como o camarada Martínov[10 13] defende a ideia dos economistas de que não é necessária «a organização de revolucionários». Ele «tem uma profunda fé em que a vida acabará por impor-se na nossa organização de partido, independentemente de lhe fechardes o caminho com a fórmula de Mártov ou com a fórmula de Lénine». Não valeria a pena que nos detivéssemos nesta concepção «seguidista» da «vida» se não tropeçássemos com ela também nos discursos do camarada Mártov. O segundo discurso do camarada Mártov (p. 245) é, em geral, tão interessante que vale a pena examiná-lo em pormenor.

Primeiro argumento do camarada Mártov: o controlo das organizações do partido sobre os membros do partido não pertencentes a essas organizações «é realizável porquanto o comité ao atribuir a qualquer pessoa uma função determinada pode controlar o seu cumprimento» (p. 245). Esta tese é altamente característica, pois «denuncia», se é que nos podemos permitir esta expressão, a quem é necessária e a quem servirá na realidade a fórmula de Mártov: a intelectuais isolados ou a grupos operários e às massas operárias? Porque da fórmula de Mártov são possíveis duas interpretações: 1) tem o direito de «se declarar» (palavras do próprio camarada Mártov) membro do partido todo aquele que lhe preste uma colaboração pessoal regular sob a direcção de uma das suas organizações; 2) qualquer organização do partido tem o direito de reconhecer como membro do partido todo aquele que lhe preste uma colaboração pessoal regular sob a sua direcção. Só a primeira interpretação permite, com efeito, a «qualquer grevista» dizer-se membro do partido, e, por isso mesmo, só esta interpretação conquistou imediatamente os corações dos Líber, dos Akímov e dos Martínov. Mas esta interpretação é manifestamente uma frase, porque pode englobar toda a classe operária, e a diferença entre o partido e a classe é apagada; só «simbolicamente» se pode falar em controlo e direcção de «qualquer grevista». Eis porque o camarada Mártov, no seu segundo discurso, se desviou logo para a segunda interpretação (ainda que, diga-se entre parêntesis, ela tenha sido explicitamente rejeitada pelo congresso, que não aprovou a resolução de Kóstitch,[10 14] p. 255): o comité atribuirá funções e controlará o seu cumprimento. Naturalmente, tais missões especiais nunca existirão em relação à massa dos operários, aos milhares de proletários (de que falam o camarada Axelrod e o camarada Martínov); mas, muitas vezes elas serão confiadas precisamente aos professores mencionados por Axelrod, aos estudantes de liceu com quem se preocupavam o camarada Líber e o camarada Popov (p. 241), à juventude revolucionária de que falava o camarada Axelrod no seu segundo discurso (p. 242). Numa palavra: ou a fórmula do camarada Mártov ficará reduzida a letra morta, a frase oca, ou então servirá principalmente e quase exclusivamente «a intelectuais completamente imbuídos de individualismo burguês» e que não querem entrar numa organização. Em palavras, a fórmula de Mártov parece defender os interesses das largas camadas do proletariado. Mas, de facto, esta fórmula servirá os interesses da intelectualidade burguesa, que receia a disciplina e organização proletárias. Ninguém ousará negar que o que caracteriza, de um modo geral, a intelectualidade como uma camada especial nas sociedades capitalistas contemporâneas é justamente o seu individualismo e a sua incapacidade para se submeter à disciplina e à organização (ver, por exemplo, os conhecidos artigos de Kautsky sobre a intelectualidade); nisso é que reside, entre outras coisas, a diferença desvantajosa entre esta camada social e o proletariado; nisto reside uma das razões que explicam a fraqueza e instabilidade da intelectualidade, que o proletariado tantas vezes sentiu. E esta particularidade da intelectualidade está inseparavelmente ligada às suas condições habituais de vida, ao seu modo de ganhar a vida, que se aproximam em muitíssimos aspectos das condições de existência pequeno-burguesa (trabalho individual ou em colectivos muito pequenos, etc.). Enfim, também não é por acaso que justamente os defensores da fórmula do camarada Mártov tiveram que citar o exemplo de professores e estudantes de liceu! Nos debates sobre o §1 não foram os campeões de uma ampla luta proletária que se levantaram contra os campeões de uma organização radical conspirativa, como pensavam os camaradas Martínov e Axelrod, mas os partidários do individualismo intelectual burguês que se defrontaram com os partidários da organização e disciplina proletárias.

O camarada Popov disse: «Em toda a parte, em Petersburgo como em Nikoláiev ou em Odessa, há, segundo o testemunho dos representantes dessas cidades, dezenas de operários que difundem literatura, que fazem agitação oral e que não podem ser membros da organização. Podemos acrescentá-los à organização, mas não considerá-los membros» (p. 241). Porque não podem ser membros da organização? Só o camarada Popov conhece o segredo. Já citei atrás uma passagem da Carta a Um Camarada, que demonstra que justamente a admissão de todos estes operários (às centenas e não às dezenas) nas organizações é possível e necessária, e que grande número destas organizações podem e devem pertencer ao partido.

Segundo argumento do camarada Mártov: «Para Lénine, não há no partido outras organizações que as do partido» ... Absolutamente exacto!... «Na minha opinião, pelo contrário, tais organizações devem existir. A vida cria e multiplica organizações muito mais rapidamente do que nós conseguimos integrá-las na hierarquia da nossa organização combativa de revolucionários profissionais» ... Isto é falso em dois sentidos: 1) a «vida» cria muito menos organizações eficientes de revolucionários do que as que são necessárias ao movimento operário; 2) o nosso partido deve ser hierarquia, não só das organizações de revolucionários, mas também da massa das organizações operárias... «Lénine crê que o CC só concederá o título de organizações do partido às que forem absolutamente seguras no campo dos princípios. Mas o camarada Brúker compreende muito bem que a vida (sic!) se imporá, e que o CC, para não deixar numerosas organizações fora do partido, será obrigado a legalizá-las mesmo que não sejam completamente seguras. É precisamente por isso que o camarada Brúker se junta a Lénine» ... Esta é uma concepção realmente seguidista da «vida»! É evidente que, se o CC fosse obrigatoriamente composto por pessoas que se deixam guiar, não pela sua própria opinião, mas pelo que dizem os outros (ver o incidente do CO), nesse caso a «vida impor-se-ia» no sentido de os elementos mais atrasados do partido poderem predominar (como também aconteceu agora que se formou uma «minoria» no partido com os elementos atrasados). Mas é impossível invocar um único motivo racional que possa obrigar um CC inteligente a admitir no partido elementos «que não sejam seguros». É precisamente com esta alusão à «vida» que «cria» elementos não seguros que o camarada Mártov põe em evidência o carácter oportunista do seu plano de organização!... «Quanto a mim, pelo contrário - prossegue - penso que se uma organização deste tipo (que não é completamente segura) consente em aceitar o programa do partido e o controlo do partido, nós podemos admiti-la no partido, sem que, por isso, façamos dela uma organização do partido. Consideraria um grande triunfo do nosso partido se, por exemplo, qualquer união de «independentes» decidisse aceitar o ponto de vista da social- democracia e o seu programa, e entrar no partido, o que todavia não significaria que integrássemos essa união na organização do partido» ... Eis aqui a que confusão leva a fórmula de Mártov: organizações sem partido que pertencem ao partido! Imaginai só o seu esquema: o partido = 1) organizações de revolucionários, + 2) organizações operárias reconhecidas como organizações do partido, + 3) organizações operárias não reconhecidas como organizações do partido (principalmente formadas por «independentes»), + 4) indivíduos encarregados de diversas funções, professores, estudantes de liceu, etc., + 5) «qualquer grevista». Ao lado deste notável plano só podemos colocar as palavras do camarada Líber: «A nossa tarefa não é exclusivamente organizar uma organização (!!), mas podemos e devemos organizar o partido» (p. 241). Sim, com certeza, podemos e devemos fazê-lo, mas para isso são necessárias não as palavras vazias de sentido sobre «organizar organizações», mas sim exigir directamente aos membros do partido que realizem efectivamente um trabalho de organização. Falar de «organizar o partido» e defender que se encubra com a palavra partido toda a espécie de desorganização e dispersão é falar por falar.

«A nossa fórmula - diz o camarada Mártov - exprime a aspiração de que exista entre a organização de revolucionários e a massa uma série de organizações.» Não é isso, precisamente. Esta aspiração, verdadeiramente obrigatória, é justamente o que a fórmula de Mártov não exprime, pois não estimula a organizar-se, não contém a exigência de organizar-se, não separa o organizado do inorganizado. Não dá senão um título,[10 15] e a propósito disto não podemos deixar de lembrar as palavras do camarada Axelrod: «Não há decretos que possam proibi-los (aos círculos da juventude revolucionária, etc.), e a pessoas isoladas, de se dizerem sociais-democratas» (santa verdade!) «ou até de se considerarem parte integrante do partido»... Isto já é absolutamente falso! Proibir alguém de se dizer social-democrata é impossível e é inútil, porque esta palavra apenas exprime directamente um sistema de convicções, e não relações determinadas de organização. Proibir círculos e pessoas isoladas de «se considerarem parte integrante do partido» é possível e necessário, quando esses círculos e pessoas prejudicam a causa do partido, o corrompem ou o desorganizam. Seria ridículo falar de um partido, como de um todo, como de uma grandeza política, se ele não pudesse «proibir por decreto» a um círculo «considerar-se parte integrante» do todo! De que serviria então fixar um método e condições para a expulsão do partido? O camarada Axelrod levou com evidência ao absurdo o erro fundamental do camarada Mártov; erigiu mesmo este erro em teoria oportunista quando acrescentou: «Na fórmula de Lénine, o §1 está manifestamente em contradição de princípios com a própria essência (!!) e com as tarefas do partido social-democrata do proletariado» (p. 243). Isto significa, nem mais nem menos, o seguinte: o exigir mais do partido que da classe contradiz de princípio a própria essência das tarefas do proletariado. Não é de espantar que Akímov tenha defendido com todas as suas forças semelhante teoria!

A justiça exige que se diga que o camarada Axelrod, que agora quer converter esta fórmula errada, que manifestamente tende para o oportunismo, em gérmen de novas opiniões, no congresso, pelo contrário, mostrou-se disposto a «negociar» tendo dito: «Mas dou-me conta de que estou a arrombar uma porta aberta» ... (disto mesmo me dou eu conta no novo Iskra)... «porque o camarada Lénine, com os seus círculos da periferia, que se consideram partes integrantes da organização do partido, antecipa-se à minha exigência» ... (e não só com os círculos da periferia, mas também com toda a espécie de uniões operárias: cf. p. 242 das actas, o discurso do camarada Strákhov, e as passagens citadas anteriormente de Que Fazer? e da Carta a Um Camarada)... «Restam ainda as pessoas isoladas, mas também nisto poderíamos negociar.» Respondi ao camarada Axelrod que, falando em geral, não era contrário a negociar,[10 16] e tenho de esclarecer agora em que sentido o disse. É precisamente no respeitante às pessoas isoladas, todos esses professores, estudantes de liceu e outros, que eu teria feito menos concessões; mas se se tivesse tratado de uma dúvida acerca das organizações operárias, eu consentiria (apesar de tais dúvidas carecerem absolutamente de fundamento, como demonstrei mais atrás) em acrescentar ao meu § l uma nota aproximadamente do seguinte teor: «As organizações operárias que aceitarem o programa e os estatutos do Partido Operário Social-Democrata da Rússia devem ser no maior número possível incluídas nas organizações do partido.» É claro que, falando com rigor, o lugar de tal desejo não é nos estatutos, que devem limitar-se a definições jurídicas, mas em comentários de esclarecimento, em brochuras (e já referi que, muito antes dos estatutos, eu tinha dado explicações neste sentido em brochuras minhas; mas, pelo menos, tal nota não encerraria nem sombras dessas ideias falsas, que pudessem levar à desorganização, nem sombras de raciocínios oportunistas,[10 17] nem de «concepções anarquistas» que a fórmula do camarada Mártov contém indubitavelmente.

A última expressão, que citei entre aspas, pertence ao camarada Pavlóvitch que, com muita justeza, qualificou de anarquismo o facto de reconhecer como membros elementos «irresponsáveis e que se incluem a si próprios no partido». «Traduzida em linguagem corrente - dizia Pavlóvitch, explicando a minha fórmula ao camarada Líber - ela significa: “Se queres ser membro do partido, tens que reconhecer também as relações de organização, e não apenas de uma maneira platónica.”» Ainda que simples, esta «tradução» mostrou, no entanto, não ser supérflua (como o demonstraram os acontecimentos posteriores ao congresso), não só para os diversos professores e estudantes de liceu duvidosos, mas também para os mais autênticos membros do partido, para as pessoas de cima... O camarada Pavlóvitch assinalou com não menos razão a contradição entre a fórmula do camarada Mártov e o princípio indiscutível do socialismo científico, que com tanta infelicidade citou o camarada Mártov: «O nosso partido é o intérprete consciente de um processo inconsciente.» Exactamente. E é precisamente por isso que é errado querer que «qualquer grevista» possa intitular- se membro do partido, porque, se «qualquer greve» não fosse simplesmente a expressão espontânea de um poderoso instinto de classe e de luta de classes que conduz inevitavelmente à revolução social, mas fosse uma expressão consciente deste processo, então... então a greve geral não seria uma frase anarquista, então o nosso partido englobaria imediatamente, de uma só vez, toda a classe operária e, por consequência, acabaria também, de uma só vez, com toda a sociedade burguesa. Para ser verdadeiramente um intérprete consciente, o partido deve saber estabelecer relações de organização que assegurem um certo nível de consciência e elevem sistematicamente este nível. «Para seguir o caminho de Mártov - diz o camarada Pavlóvitch - é preciso primeiramente suprimir o ponto relativo ao reconhecimento do programa, porque, para aceitar um programa, é preciso assimilá-lo e compreendê-lo... Reconhecer o programa implica um nível bastante elevado de consciência política.» Jamais admitiremos que o apoio à social-democracia, que a participação na luta por ela dirigida sejam artificialmente limitados seja por que exigência for (assimilação, compreensão, etc.), porque essa mesma participação, pelo simples facto de se afirmar, eleva a consciência e os instintos de organização; mas já que nos agrupamos num partido para um trabalho metódico, devemos cuidar de assegurar este carácter metódico.

Que a advertência do camarada Pavlóvitch sobre o programa não foi supérflua, viu-se imediatamente nessa mesma sessão. Os camaradas Akímov e Líber, que haviam feito triunfar a fórmula do camarada Mártov,[10 18] imediatamente revelaram a sua verdadeira natureza ao exigir (pp. 254-255) que (para «ser membro» do partido) se reconhecesse também o programa apenas de um modo platónico, apenas nos «seus princípios fundamentais». «A proposta do camarada Akímov é perfeitamente lógica do ponto de vista do camarada Mártov», observou o camarada Pavlóvitch. Infelizmente, as actas não nos dizem quantos votos teve a proposta de Akímov - pelo menos sete, segundo todas as probabilidades (cinco bundistas, Akímov e Brúker). E a saída precisamente dos sete delegados do congresso transformou a «compacta maioria» (anti-iskristas, «centro» e partidários de Mártov), que se tinha começado a formar à volta do §1 dos estatutos, numa compacta minoria! A saída precisamente dos sete delegados provocou a derrota da proposta de confirmação da velha redacção, o que teria sido uma flagrante violação da «continuidade» na direcção do Iskra! E o original grupo dos sete era a única salvação e o único penhor da «continuidade» iskrista: este grupo era constituído pelos bundistas, Akímov e Brúker, ou seja, precisamente, pelos delegados que votaram contra os motivos de reconhecimento do Iskra como Órgão Central, aqueles cujo oportunismo dezenas de vezes tinha sido reconhecido pelo congresso, e designadamente por Mártov e Plekhánov, a propósito de suavizar o §1 respeitante ao programa. A «continuidade» do Iskra salvaguardada pelos anti-iskristas! - aproximamo-nos aqui do nó da tragicomédia posterior ao congresso.

O agrupamento de votos sobre o § um dos estatutos revelou um fenómeno exactamente do mesmo género que o incidente da igualdade de direitos das línguas: a separação de um quarto (aproximadamente) da maioria iskrista torna possível a vitória dos anti-iskristas seguidos pelo «centro». Também aqui, bem entendido, há votos isolados que alteram a perfeita harmonia do quadro: numa assembleia tão numerosa como o nosso congresso, encontram-se infalivelmente elementos «selvagens», que se inclinam por casualidade, ora para um lado, ora para outro, sobretudo a propósito de uma questão como o § um, em que o verdadeiro carácter de divergência apenas começava a desenhar-se e muitos na realidade não conseguiam ainda orientar-se (por se não ter tratado previamente do problema na literatura). Dos iskristas da maioria afastaram-se cinco votos (Rússov e Kárski, cada um com dois votos, e Lénski com um voto); em contrapartida, a ela se juntaram um anti-iskrista (Brúker) e três do centro (Medvédev, Egórov e Tsariov); daqui resultou um total de 23 votos (24 - 5+4), um voto menos que o agrupamento definitivo nas eleições. A maioria foi dada a Mártov pelos anti-iskristas, dos quais 7 eram a favor dele e um a meu favor (sete do «centro» eram também a favor de Mártov, três a meu favor). A coligação da minoria iskrista com os anti-iskristas e o «centro», que constituiu uma minoria compacta no fim do congresso e depois do congresso, começava a formar-se. O erro político de Mártov e Axelrod, que deram indubitávelmente um passo para o oportunismo e o individualismo anarquista na formulação do § um, e sobretudo na defesa dessa fórmula, logo se revelou com particular relevo graças à arena livre e aberta do congresso; revelou-se pelo facto de os elementos menos estáveis e menos firmes no campo dos princípios terem lançado imediatamente todas as suas forças para alargar a fenda, a brecha que se tinha aberto nas opiniões da social-democracia revolucionária. O trabalho conjunto no congresso por pessoas que prosseguiam abertamente, no domínio da organização, objectivos diferentes (ver o discurso de Akímov), levou imediatamente os adversários de princípio do nosso plano de organização e dos nossos estatutos a apoiarem o erro dos camaradas Mártov e Axelrod. Os iskristas, que também neste ponto se tinham mantido fiéis aos pontos de vista da social-democracia revolucionária, encontraram-se em minoria. Esta é uma circunstância de enorme importância, porque, sem a ter esclarecido, é absolutamente impossível compreender quer a luta por particularidades dos estatutos, quer a luta pela composição pessoal do Órgão Central e do Comité Central.

Notas

  1. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 287. (N. Ed.)
  2. Pompadurismo, pompadurs: imagem satírica generalizada, criada pelo escritor russo M. E. Saltikov-Chetchdrine na sua obra Pompadures e pompaduras, na qual o escritor satírico russo estigmatizou a mais alta administração tsarista, ministros e governadores
  3. A palavra «organização» costuma usar-se em dois sentidos, lato e restrito. Em sentido restrito, significa uma célula individual de uma colectividade humana, e que adquiriu um grau mínimo de estruturação. Em sentido lato, significa a soma dessas células reunidas num todo. Por exemplo, a marinha, o exército, o Estado são ao mesmo tempo uma soma de organizações (no sentido restrito da palavra) e uma variedade de organização social (no sentido lato da palavra). O departamento de instrução pública é uma organização (no sentido lato da palavra) e é composto por uma série de organizações (no sentido restrito da palavra). Do mesmo modo, o partido é também uma organização, deve ser uma organização (no sentido lato da palavra); mas ao mesmo tempo o partido deve ser composto por toda uma série de organizações diversas (no sentido restrito da palavra). Daí que o camarada Axelrod, ao falar da delimitação dos conceitos de partido e de organização, primeiro, não atendeu à diferença entre sentido lato e sentido restrito da palavra organização, em segundo lugar não reparou que ele próprio confundiu num mesmo monte os elementos organizados e os não organizados. (Nota do Autor)
  4. <Manilovismo: do nome do latifundiário Manílov, personagem da obra do escritor russo N. V. Gógol Almas Mortas; é sinónimo da afabilidade, do sentimentalismo melífluo e da fantasia infundada.
  5. Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p. 164. - (N. Ed.)
  6. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 287. (N. Ed.)
  7. Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p. 154. (N. Ed.)
  8. Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p. 159. (N. Ed.)
  9. Trata-se do incidente que teve lugar em Hamburgo em 1900, devido ao comportamento de um grupo de 122 pedreiros que, tendo formado a «União Livre dos Pedreiros», trabalhavam à tarefa durante a greve, apesar da proibição da organização central. A secção hamburguesa da organização dos pedreiros pôs a questão da conduta de fura-greves sociais-democratas, membros do grupo, perante as organizações locais do partido, as quais comunicaram esta questão para ser analisada pelo Comité Central da social-democracia alemã. O tribunal arbitrai do partido, designado pelo Comité Central, condenou a conduta dos sociais-democratas da «União Livre dos Pedreiros», mas rejeitou a proposta de os excluir do partido.
  10. Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, p. 168. (N. Ed.)
  11. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 15, 18-19. (N. Ed.)
  12. Ver Ibidem, p. 19. (N. Ed.)
  13. O camarada Martínov, de resto, quer distinguir-se do camarada Akímov, quer demonstrar que conspirativo não quer dizer clandestino, que a diferença existente entre estas duas palavras envolve uma diferença de conceitos. Mas nem o camarada Martínov nem o camarada Axelrod, que agora segue no seu trilho, explicaram afinal em que consiste essa diferença. O camarada Martínov «faz como se» eu, por exemplo, em Que Fazer? (do mesmo modo que em As Tarefas) [ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 2, pp. 433-470. - (N. Ed.)] não me tivesse declarado terminantemente contra «reduzir a luta política a uma conspiração». O camarada Martínov quer forçar os seus ouvintes a esquecer que aqueles contra quem eu lutava não viam a necessidade de uma organização de revolucionários, como tão-pouco não a vê agora o camarada Akímov.(Nota do Autor)
  14. Na resolução de S. Zboróvski (Kóstitch), que foi rejeitada pelo congresso, propunha-se a seguinte formulação do § l dos estatutos do partido: «Todo aquele que reconheça o programa do partido e preste ao partido apoio material e o seu concurso pessoal regular sob a direcção de uma das organizações do partido é considerado por esta última membro do partido.»
  15. No congresso da Liga, o camarada Mártov expôs ainda a favor da sua fórmula um outro argumento que provoca o riso. «Nós poderíamos indicar - diz - que a fórmula de Lénine, entendida à letra, elimina do partido os agentes do CC, visto que estes não constituem uma organização» (p. 59). Esse argumento foi igualmente acolhido com risos no congresso da Liga, como consta das actas. O camarada Mártov supõe que a «dificuldade» por ele assinalada só pode ser resolvida se os agentes do CC passarem a fazer parte de uma «organização do CC». Mas o problema não consiste nisto. Consiste em que, com o seu exemplo, o camarada Mártov mostrou claramente uma total incompreensão da ideia do §1, deu o exemplo de uma crítica puramente pedante que de facto merece o riso. Formalmente, bastaria constituir «uma organização de agentes do CC», redigir uma resolução sobre a sua inclusão no partido, e a «dificuldade», que causou tantos quebra-cabeças ao camarada Mártov, desapareceria imediatamente. Mas a ideia do § l na minha fórmula consiste no estímulo: «Organizai-vos!»; em assegurar um controlo e uma direcção reais. Quanto ao fundo da questão, é ridículo perguntar se os agentes do CC se incluirão no partido, porque o controlo real da sua actividade é plena e indubitavelmente assegurado pelo próprio facto de terem sido designados como agentes, pelo próprio facto de continuarem nesse cargo. Por conseguinte, não se pode aqui falar sequer de confusão entre o organizado e o inorganizado (base do erro da fórmula do camarada Mártov). A fórmula do camarada Mártov não serve porque todos e cada um podem declarar-se membros do partido, qualquer oportunista, qualquer charlatão, qualquer «professor» e qualquer «estudante de liceu». O camarada Mártov procura em vão escamotear este calcanhar de Aquiles da sua fórmula, com exemplos nos quais não está sequer em questão que alguém se inclua a si mesmo na categoria de membro, se declare membro. (Nota do Autor)
  16. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 287. (N. Ed.)
  17. Entre esses raciocínios, que surgem inevitavelmente quando se tenta fundamentar a fórmula de Mártov, conta-se em particular a frase do camarada Trótski (pp. 248 e 346) de que «o oportunismo se deve a causas mais complexas (ou: é determinado por causas mais profundas) que um ou outro ponto dos estatutos; deve-se ao nível relativo de desenvolvimento da democracia burguesa e do proletariado» ... Não se trata de que os pontos dos estatutos possam dar lugar ao oportunismo, mas sim de forjar com eles uma arma mais ou menos acerada contra o oportunismo. Quanto mais profundas forem as suas causas, mais acerada deve ser essa arma. Por isso justificar com as «causas profundas» do oportunismo uma fórmula que lhe abre as portas, é seguidismo da mais pura água. Quando o camarada Trótski era contra o camarada Líber, ele compreendia que os estatutos são a «desconfiança organizada» do todo para com a parte, do destacamento de vanguarda para com o atrasado! Mas quando o camarada Trótski se colocou ao lado do camarada Líber, esqueceu-se de tudo isso e chegou mesmo a justificar a fraqueza e inconstância da nossa organização desta desconfiança (desconfiança para com o oportunismo) com «causas complexas», com o «nível de desenvolvimento do proletariado», etc. Outro argumento do camarada Trótski: «Para a juventude intelectual, organizada de uma maneira ou de outra, é muito mais fácil incluir-se a si própria (o sublinhado é meu) nas listas do partido.» Justamente. Eis a razão por que a fórmula segundo a qual até os elementos inorganizados se declaram membros do partido peca pela sua imprecisão, própria de intelectuais, e não a minha, que suprime o direito de «se incluir a si próprio» nas listas. O camarada Trótski diz que se o CC «não reconhece» uma organização de oportunistas é exclusivamente em virtude do carácter das pessoas, e se essas pessoas forem conhecidas como individualidades políticas, não serão perigosas, podem ser afastadas por meio do boicote de todo o partido. Isto é verdade apenas para os casos em que é preciso afastar do partido (e mesmo assim é apenas meia verdade, porque um partido organizado afasta por votação e não por boicote). É completamente falso para os casos, muito mais frequentes, em que é absurdo afastar, em que é preciso simplesmente controlar. Com fins de controlo, o CC pode intencionalmente admitir no partido, sob certas condições, uma organização não totalmente segura mas apta para o trabalho, para assim a pôr à prova, para tentar levá-la para o bom caminho, para paralisar, dirigindo-a, os seus desvios parciais, etc. Uma admissão deste género não é perigosa se, de um modo geral, não for permitido «incluir-se a si próprio» nas listas do partido. Uma inclusão deste tipo será muitas vezes útil para que se exprimam (e se examinem) com franqueza e responsabilidade, sob controlo, os pontos de vista errados e a táctica errada. «Mas se as definições jurídicas devem corresponder às relações reais, tem que ser rejeitada a fórmula do camarada Lénine», diz o camarada Trótski, e mais uma vez o diz como um oportunista. As relações reais não são uma coisa morta, antes vivem e se desenvolvem. As definições jurídicas podem corresponder ao desenvolvimento progressivo dessas relações, mas podem também (se essas definições são más) «corresponder» a uma regressão ou a uma estagnação. Este último caso é justamente o «caso» do camarada Mártov. (Nota do Autor)
  18. Recolheu 28 votos a favor e 22 contra. Dos oito anti-iskristas, sete votaram por Mártov e um por mim. Sem o auxílio dos oportunistas, o camarada Mártov não teria podido fazer triunfar a sua fórmula oportunista. (No congresso da Liga, o camarada Mártov tinha tentado, sem sorte nenhuma, negar este facto indubitável, limitando-se, não se sabe porquê, aos votos dos bundistas e esquecendo o camarada Akímov e os seus amigos, ou mais exactamente, recordando-os somente quando tal podia testemunhar contra mim, ou seja, o acordo do camarada Brúker comigo.) (Nota do Autor)

j) Inocentes de uma Falsa Acusão de Oportunismo

Antes de passar à subsequente discussão sobre os estatutos é necessário, para explicar a nossa divergência na questão da composição pessoal dos órgãos centrais, tratar de passagem das reuniões privadas da organização do Iskra, que se realizaram durante o congresso. A última e a mais importante dessas quatro reuniões decorreu justamente depois da votação do § um dos estatutos, pelo que a cisão da organização do Iskra, que se verificou nessa reunião, foi cronológica e logicamente uma condição prévia da luta que se desenrolou a seguir.

As reuniões privadas da organização do Iskra[11 1] começaram pouco depois do incidente do CO, que forneceu um pretexto para o exame da questão das eventuais candidaturas ao CC. Subentende-se que, dado que se suprimiram os mandatos imperativos, tais reuniões tiveram um carácter meramente consultivo, que a ninguém obrigava, mas cuja importância foi no entanto enorme. A eleição do CC apresentava grandes dificuldades para os delegados, que não conheciam nem os nomes clandestinos nem o trabalho interno da organização do Iskra, organização que criou a unidade de facto do partido e exerceu a direcção do movimento prático, o que constituiu um dos motivos do reconhecimento oficial do Iskra. Dissemos já que os iskristas mantendo a sua unidade tinham plenamente assegurada no congresso uma grande maioria, cerca de 3/5, e todos os delegados o compreendiam na perfeição. Todos os iskristas esperavam precisamente que a organização do Iskra interviesse recomendando uma determinada composição pessoal do CC, e nenhum dos membros desta organização disse uma só palavra contra o exame prévio, no seu seio, da composição do CC, ninguém disse uma só palavra sobre a aprovação de toda a composição do CO, ou seja, da sua transformação em CC, nem uma palavra mesmo da realização de uma reunião, com todos os membros do CO, para tratar dos candidatos ao CC. Também esta circunstância é extraordinariamente característica, e importa sobremaneira tê-la em conta, porque agora os partidários de Mártov defendem zelosamente, com data atrasada, o CO, demonstrando assim pela centésima ou milésima vez a sua falta de carácter em política.[11 2] Enquanto a cisão pela composição dos centros não unira Mártov com os Akímov, toda a gente se dava conta no congresso de uma coisa de que qualquer pessoa imparcial poderá facilmente convencer-se pelas suas actas e por toda a história do Iskra, a saber: que o CO era principalmente uma comissão formada para convocar o congresso, e composta intencionalmente por representantes de diferentes matizes, incluindo o Bund; quanto ao verdadeiro trabalho para criar a unidade orgânica do partido, era a organização do Iskra que o tinha suportado inteiramente sobre os seus ombros (é preciso ter também em conta que alguns membros iskristas do CO estiveram ausentes do congresso absolutamente por acaso, quer em consequência de prisões, quer por outras circunstâncias «alheias à sua vontade»). A composição da organização do Iskra presente no congresso já tinha sido dada na brochura do camarada Pavlóvitch (ver a sua Carta sobre o II Congresso, p. 13 ).[11 3] O resultado definitivo dos acalorados debates na organização do Iskra foram duas votações de que já falei na Carta à Redacção. Primeira votação: «uma das candidaturas apoiadas por Mártov é rejeitada por nove votos contra quatro e três abstenções». Parece que nada pode haver de mais simples nem mais natural do que este facto: com o assentimento geral do total dos dezasseis membros da organização do Iskra presentes no congresso, é debatida a questão das possíveis candidaturas, e é rejeitada por maioria de votos uma das propostas pelo camarada Mártov (precisamente o do camarada Stein, coisa que atirou agora para a frente, não podendo resistir mais, o próprio camarada Mártov, p. 69 do Estado de Sítio). Porque nos tínhamos reunido em congresso do partido justamente para discutir e resolver, entre outras, a questão de saber a quem entregar «a batuta» do maestro, e o nosso dever geral de partido era dedicar a este ponto da ordem do dia a mais séria atenção, resolver esta questão do ponto de vista dos interesses da causa, e não do «sentimentalismo filistino», como justamente disse mais tarde o camarada Rússov. Claro que aquando da discussão no congresso da questão dos candidatos era impossível deixar de falar de certas qualidades pessoais, deixar de exprimir aprovação ou desaprovação,[11 4] sobretudo numa reunião não oficial e restrita. E eu já fiz no congresso da Liga a advertência de que era absurdo considerar a desaprovação duma candidatura uma coisa «difamante» (p. 49 das actas da Liga); que era absurdo fazer uma «cena» e ficar histérico em virtude daquilo que constitui o cumprimento do estrito dever de partido no que se refere a eleger de modo consciente e cuidadoso pessoas para os cargos. Ora, para a nossa minoria, foi a partir daqui que começou a dança: puseram-se a gritar, depois do congresso, que se «destruía uma reputação» (p. 70 das actas da Liga), e a assegurar em letra de forma ao grande público que o camarada Stein era a «principal figura» do antigo CO, e que o tinham acusado sem fundamento de «não se sabe que planos infernais» (p. 69 do Estado de Sítio). Não será histerismo gritar, por uma aprovação ou desaprovação de candidaturas, que se «destrói uma reputação»? Não será uma querela mesquinha, quando, tendo sofrido uma derrota tanto na reunião privada da organização do Iskra como na reunião oficial da instância suprema do partido, no congresso, as pessoas se lamentam em frente de toda a gente e recomendam ao respeitável público os candidatos rejeitados como «principais figuras»? quando em seguida as pessoas tentam impor ao partido os seus candidatos através da cisão e exigindo a cooptação? Entre nós, na atmosfera bafienta do estrangeiro, as noções políticas tornaram-se de tal modo confusas que o camarada Mártov já não sabe distinguir entre o dever de partido e o espírito de círculo e o compadrio! Pelos vistos é burocratismo e formalismo pensar que se deve discutir e resolver a questão das candidaturas unicamente nos congressos, em que os delegados se reúnem para tratar, antes de tudo, de importantes questões de princípios, onde se encontram os representantes do movimento capazes de encarar imparcialmente a questão das pessoas, e que são capazes (e devem) exigir e recolher todas as informações sobre os candidatos antes de uma votação decisiva; onde é natural e necessário que se dedique certo tempo às discussões sobre a batuta do maestro. Em vez deste ponto de vista burocrático e formalista, foram introduzidos agora entre nós outros costumes: depois dos congressos, falaremos a torto e a direito do enterro político de Ivan Ivánovitch, da destruição da reputação de Ivan Nikíforovitch.[11 5] Haverá escritores que recomendarão os candidatos em brochuras, afirmando farisaicamente, batendo no peito: não é um círculo, é o partido... O público leitor que aprecia escândalos irá saborear avidamente esta novidade sensacional: fulano foi a principal figura do CO, segundo garante o próprio Mártov.[11 6] Este público leitor é muito mais capaz de discutir e resolver a questão do que instituições formalistas no género dos congressos, com as suas decisões grosseiramente mecânicas, tomadas por maioria... Sim, os nossos verdadeiros militantes do partido ainda terão de limpar os grande estábulos de Augias de querelas mesquinhas no estrangeiro!

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Segunda votação da organização do Iskra: «É adoptada por dez votos contra dois com quatro abstenções uma lista de cinco (para o CC) em que figuram, por proposta minha, um líder dos elementos não iskristas e um líder da minoria iskrista.»[11 7] Esta votação é extraordinariamente importante, pois mostra clara e irrefutavelmente toda a falsidade das invenções surgidas depois, numa atmosfera de querelas mesquinhas, pretendendo que queríamos expulsar do partido ou afastar os não-iskristas, que o que a maioria fez foi escolher candidatos apenas de uma metade do congresso e elegê-los por essa metade, etc. Tudo isto é completamente falso. A votação de que acabo de falar prova que não afastámos os não-iskristas não só do partido, como nem sequer do CC, e que demos aos nossos opositores uma minoria muito considerável. A verdade é que queriam ter a maioria, e quando este modesto desejo se não realizou, desencadearam um escândalo e renunciaram completamente a fazer parte dos centros. Que foi exactamente isto o que aconteceu, a despeito das afirmações do camarada Mártov na Liga, é o que ressalta da carta seguinte, que nos foi endereçada, a nós, maioria iskrista (e maioria do congresso depois da saída dos sete), pela minoria da organização do Iskra, pouco depois da adopção do §1 dos estatutos no congresso (de notar que a reunião da organização do Iskra de que falei foi a última: depois dela, a organização dissolveu-se de facto, e cada uma das partes procurou convencer os outros delegados no congresso de que tinha razão).

Eis o texto da carta:

«Depois de ter ouvido as explicações dos delegados Sorókine e Sáblina sobre o desejo da maioria da redacção e do grupo “Emancipação do Trabalho” de participar na reunião (em tal data),[11 8] e depois de ter estabelecido com a ajuda desses delegados que durante a sessão anterior se tinha lido uma lista de candidatos ao CC, lista que pretensamente partia de nós, e que foi utilizada para caracterizar falsamente toda a nossa posição política; considerando que, em primeiro lugar, esta lista nos foi atribuída sem que se tenha feito qualquer tentativa para verificar a sua origem; que, em segundo lugar, esta circunstância está indubitavelmente ligada à acusação de oportunismo abertamente difundida contra a maioria da redacção do Iskra e do grupo “Emancipação do Trabalho”; e que, em terceiro lugar, a ligação desta acusação com um plano perfeitamente determinado para modificar a composição da redacção do “Iskra” nos surge agora com toda a clareza, consideramos insatisfatórias as razões invocadas para não nos admitirem na reunião, e o não terem querido deixar-nos assistir a ela mostra que não querem dar-nos a possibilidade de refutar as falsas acusações acima mencionadas.

« No que se refere a um possível acordo entre nós sobre uma lista comum de candidatos para o CC, declaramos que a única lista que podemos aceitar como base de acordo é esta: Popov, Trótski, Glébov, sublinhando que esta lista tem um carácter de compromisso, porque a inclusão nela do camarada Glébov não significa senão uma concessão aos desejos da maioria, já que, depois de termos esclarecido o papel desempenhado pelo camarada Glébov no congresso, não consideramos que o camarada Glébov corresponda àquilo que se deve exigir de um candidato ao CC. «Sublinhamos ao mesmo tempo que ao iniciar negociações sobre as candidaturas ao CC fazemo-lo sem que isso tenha alguma relação com a questão da composição da redacção do OC, porque não estamos dispostos a iniciar quaisquer negociações sobre esta questão (composição da redacção). Pelos camaradas, Mártov e Starover»

Esta carta, que reproduz fielmente as disposições de espírito das partes em disputa assim como o estado da discussão, introduz-nos imediatamente «no coração» da cisão que se iniciava e mostra as suas verdadeiras causas. A minoria da organização do Iskra, recusando o acordo com a maioria e preferindo a livre agitação no congresso (tendo evidentemente pleno direito a isso) tenta todavia obter dos «delegados» da maioria que a admitam numa sua reunião privada! Claro que esta divertida exigência apenas provocou na nossa reunião (é claro, a carta foi lida aí) sorrisos e encolher de ombros; quanto aos gritos próximos da histeria por causa das «falsas acusações de oportunismo», provocaram o riso aberto. Mas analisemos primeiro, ponto por ponto, as amargas queixas de Mártov e de Starover.

Atribui-se-lhes falsamente a lista; caracteriza-se falsamente a sua posição política. No entanto, segundo reconhece o próprio Mártov (p. 64 das actas da Liga), não me passou pela cabeça pôr em dúvida a sua afirmação de que não é o autor da lista. Em geral, a questão de saber quem é o autor dela não tem nada que ver com o caso, e que a lista tenha sido elaborada por um iskrista ou por um representante do «centro», etc., isso não tem qualquer importância. O importante é que esta lista, inteiramente composta por elementos da actual minoria, circulou no congresso, ainda que como simples conjectura ou hipótese. Por fim, o mais importante é que o camarada Mártov viu-se obrigado no congresso a renegar com todas as suas forças uma lista que agora teria de aceitar com entusiasmo. Não seria possível fazer ressaltar mais fortemente a instabilidade na apreciação dos homens e dos matizes do que neste salto efectuado em cerca de dois meses, dos gritos sobre os «boatos difamantes» à vontade de impor ao partido para o centro esses mesmos candidatos da lista que se dizia difamante![11 9]

Esta lista, dizia o camarada Mártov no congresso da Liga, «significava, do ponto de vista político, uma coligação entre nós e o Iújni Rabótchi, por um lado, e o Bund, por outro, coligação no sentido de um acordo directo» (p. 64). Isto é falso, porque, primeiro, o Bund não teria aceitado nunca um «acordo» sobre uma lista em que não figurava um único bundista; e segundo, não se tratava, nem podia tratar-se, de qualquer acordo directo (que parecia difamante a Mártov) não só com o Bund, mas até com o grupo Iújni Rabótchi. Justamente, tratava-se não de um acordo, mas de uma coligação; não do facto de o camarada Mártov fazer uma combinação, mas do facto de ele ter que ser inevitavelmente apoiado por esses mesmos elementos anti-iskristas e hesitantes, contra os quais tinha lutado durante a primeira metade do congresso e que se tinham agarrado ao seu erro sobre o §1 dos estatutos. A carta que citei mostra, da forma mais incontestável, que a raiz da «ofensa» reside justamente na acusação de oportunismo aberta e ainda por cima falsa. Estas «acusações», pelas quais começou toda a dança, e que o camarada Mártov tão cuidadosamente agora procura eludir, a despeito de eu as ter recordado na Carta à Redacção, eram de duas espécies: primeiro, durante os debates sobre o §1 dos estatutos, Plekhánov disse claramente que a questão do §1 visava «separar» de nós «toda a espécie de representantes do oportunismo», e que a favor do meu projecto, como garantia contra a invasão do partido por estes, «deviam votar, nem que fosse apenas por este facto, todos os inimigos do oportunismo» (p. 246 das actas do congresso). Estas palavras enérgicas, apesar de eu as ter suavizado um pouco (p. 250),[11 10] fizeram sensação, o que se expressou nitidamente nos discursos dos camaradas Rússov (p. 247), Trótski (p. 248) e Akímov (p. 253). Nos «corredores» do nosso «parlamento», a tese de Plekhánov foi vivamente comentada e apresentada de mil maneiras em controvérsias intermináveis relativas ao §1. E eis que, em vez de se defenderem quanto ao fundo, os nossos queridos camaradas pretenderam-se ridiculamente ofendidos e chegaram a queixar-se por escrito de uma «falsa acusação de oportunismo»!

Uma psicologia própria de círculos e uma assombrosa falta de maturidade de partido, que não pode suportar a aragem fresca de um debate público diante de todos, evidenciam-se aqui com toda a clareza. É essa psicologia tão conhecida do homem russo, que se exprime por um velho adágio: ou um soco ou um beijo na mão! As pessoas estão de tal modo habituadas à redoma de um estreito e amistoso compadrio, que desmaiam à primeira intervenção, sob sua própria responsabilidade, numa arena livre e aberta. Acusar de oportunismo, mas então quem? O grupo «Emancipação do Trabalho» e ainda por cima a sua maioria - imaginem este horror! Ou a cisão do partido por causa desta ofensa inapagável, ou abafar este «aborrecimento de família» restabelecendo «a continuidade» da redoma - este dilema transparece já com traços bastante determinados na carta que estamos a analisar. A psicologia do individualismo intelectual e do espírito de círculo chocou com a exigência de uma intervenção aberta perante o partido. Imaginem se é possível um absurdo semelhante, uma querela como a queixa contra uma «falsa acusação de oportunismo», no partido alemão! A organização e a disciplina proletárias há muito tempo que aí fizeram esquecer esta falta de firmeza própria de intelectuais. Ninguém sente senão profundo respeito por Liebknecht, por exemplo; mas como teriam rido aí da queixa de que o tinham «acusado abertamente de oportunismo» (juntamente com Bebel) no congresso de 1895,[11 11] quando a propósito da questão agrária se encontrou na má companhia do conhecido oportunista Vollmar e dos seus amigos. O nome de Liebknecht está indissoluvelmente ligado à história do movimento operário alemão, não, claro, porque Liebknecht se tenha desviado para o oportunismo numa questão relativamente secundária e particular, mas apesar disso. Do mesmo modo, apesar de todas as irritações da luta, o nome do camarada Axelrod, por exemplo, inspira e inspirará sempre respeito a todo o social-democrata russo, mas não porque o camarada Axelrod tenha defendido uma ideiazinha oportunista no segundo congresso do nosso partido, nem porque tenha exumado o velho lixo anarquista no segundo congresso da Liga, mas apesar disso. Só o espírito de círculo mais endurecido, com a sua lógica - ou um soco, ou um beijo na mão -, pôde desencadear este histerismo, estas querelas mesquinhas e uma cisão do partido por causa de uma «falsa acusação de oportunismo contra a maioria do grupo “Emancipação do Trabalho”».

O outro elemento desta terrível acusação está estreitamente ligado ao anterior [o camarada Mártov esforçou-se em vão, no congresso da Liga (p. 63), por contornar e dissimular um dos aspectos deste incidente]. Este argumento está relacionado com a coligação dos elementos anti-iskristas e hesitantes com o camarada Mártov, coligação que se esboçou a propósito da questão do § l dos estatutos. Não é preciso dizer que não se tratava, e nem podia tratar-se, de nenhum acordo directo ou indirecto entre o camarada Mártov e os anti-iskristas, e ninguém o suspeitava disso: apenas o medo o fez crer isto. Mas o seu erro revelou-se politicamente no facto de que as pessoas que indubitavelmente tendiam para o oportunismo começaram a constituir à sua volta uma maioria cada vez mais sólida e «compacta» (que agora se tornou minoria devido apenas à saída «acidental» de sete delegados). Chamámos a atenção para esta «coligação», claro está, também abertamente, logo após os debates sobre o §1, tanto no congresso (ver a observação acima transcrita do camarada Pavlóvitch, p. 255 das actas do congresso) como na organização do Iskra (foi sobretudo Plekhánov que assinalou isso, se não me engano). Literalmente, é a mesma indicação e a mesma troça que visavam Bebel e Liebknecht em 1895, quando Zetkin lhes disse: «Es tut mir in der Seele weh, dass ich dich in der Gesellschaft seh'» (Lamento ver-te - a Bebel - nessa companhia, ou seja, com Vollmar e Cª).[11 12] É verdadeiramente estranho que Bebel e Liebknecht não tenham então enviado a Kautsky e a Zetkin uma mensagem histérica sobre uma falsa acusação de oportunismo...

Quanto à lista dos candidatos ao CC, esta carta mostra o erro do camarada Mártov, que afirmou na Liga que a recusa de chegar a um acordo connosco não era ainda definitiva; isso prova, uma vez mais, como é pouco razoável na luta política querer reproduzir de memória conversas, em vez de consultar documentos. Na realidade, a «minoria» foi modesta a ponto de apresentar à «maioria» um ultimato: designar dois representantes da «minoria» e um da «maioria» (a título de compromisso e unicamente, na verdade, como concessão!). É monstruoso, mas é um facto. E este facto mostra claramente até que ponto é uma invenção tudo o que agora se diz de que o que a maioria fez foi escolher candidatos apenas de uma metade do congresso e elegê-los por essa metade. É justamente o contrário: os partidários de Mártov propunham-nos, apenas a título de concessão, um dos três, desejando, por conseguinte, no caso de não aceitarmos esta original «concessão», introduzir todos os seus! Na nossa reunião privada, rimo-nos da modéstia dos martovistas e elaborámos a nossa lista: Glébov - Travínski (mais tarde eleito para o CC) – Popov. Substituímos este último (também numa reunião privada dos 24) pelo camarada Vassíliev (eleito depois para o CC), unicamente porque o camarada Popov se recusou a figurar na nossa lista; recusou-se primeiro numa conversa privada, e depois abertamente no congresso (p. 338

Foi isto que se passou.

A modesta «minoria» desejava modestamente estar em maioria. Quando este modesto desejo não foi satisfeito, a «minoria» preferiu renunciar completamente e desencadear um escandalozinho. E há agora pessoas que falam com uma majestosa condescendência da «intransigência» da «maioria»!

A «minoria» apresentou divertidos ultimatos à «maioria» fazendo uma campanha pela livre agitação no congresso. Depois de ter sofrido uma derrota, os nossos heróis desataram a chorar e a gritar sobre o estado de sítio. Voilà tout.[11 13]

A terrível acusação segundo a qual nos propúnhamos modificar a composição da redacção, nós (reunião privada dos 24) acolhemo-la igualmente com um sorriso: toda a gente conhecia bem, desde o próprio início do congresso, e mesmo antes dele, que existia um plano de renovar a redacção pela eleição de um grupo de três inicial (falarei disto com mais pormenor quando tratar da eleição da redacção no congresso). Que a «minoria» se tenha assustado com este plano, depois de ter verificado que a coligação da «minoria» com os anti-iskristas era uma excelente confirmação da justeza desse plano - isso não nos espantou, era perfeitamente natural. Não podíamos, é claro, tomar a sério a proposta de nos transformarmos de livre vontade em minoria, antes da luta no congresso; nem podíamos tomar a sério toda a carta, cujos autores tinham atingido um grau de irritação inacreditável, a ponto de falarem de «falsas acusações de oportunismo». Tínhamos firme confiança de que o seu sentido do dever de partido bem depressa triunfaria do desejo natural de «descarregar a raiva».

Notas

  1. Já no congresso da Liga eu procurei expor, com a maior brevidade possível, o que sucedeu nas reuniões privadas, para evitar discussões sem solução. Os factos fundamentais ficam também expostos na minha Carta à Redacção do «Iskra» (p. 4). O camarada Mártov não protestou contra eles na sua Resposta. (Nota do Autor)
  2. Tentai imaginar este «quadro de costumes»: um delegado da organização do Iskra no congresso reúne-se sozinho com ela e não diz uma única palavra a propósito da reunião com o CO. Mas depois da sua derrota tanto nesta organização, como no congresso, põe-se a lamentar que não tenha sido confirmado o CO, a contar-lhe loas com data atrasada e a ignorar altivamente a organização que lhe tinha outorgado o mandato! Podemos garantir que não há facto análogo na história de nenhum partido verdadeiramente social-democrata e verdadeiramente operário. (Nota do Autor)
  3. Os membros da organização do Iskra no II Congresso do POSDR eram 16, dos quais 9 eram partidários da maioria, com Lénine à frente.
  4. O camarada Mártov queixou-se amargamente na Liga da dureza da minha desaprovação, sem notar que das suas queixas se extraía um argumento contra si próprio. Lénine comportou-se - para nos servirmos da sua expressão - freneticamente (p. 63 das actas da Liga). Exacto. Bateu com a porta. É verdade. Com a sua conduta indignou (na segunda ou terceira reunião da organização do Iskra) os membros que ficaram na reunião. Correcto. - Mas que se conclui daí? Unicamente que os meus argumentos sobre o fundo das questões em disputa eram convincentes e foram confirmados pelo desenrolar do congresso. Porque o certo é que se nove dos dezasseis membros da organização do Iskra, no fim de contas, se aliaram a mim, é claro que isso aconteceu apesar destas asperezas malignas, a despeito delas. Portanto, se não tivesse havido «asperezas», talvez mais de nove membros tivessem estado do meu lado. Portanto, tanto mais convincentes eram os argumentos e os factos se tão grande foi a «indignação» que tiveram de contrabalançar. (Nota do Autor)
  5. Ivan Ivánovitch e Ivan Nikíforovitch: personagens da obra de N. V. Gógol História de como brigaram Ivan Ivánovitch e Ivan Nikíforovitch.
  6. Também propus na organização do Iskra e, como Mártov, não consegui fazê-lo triunfar, um candidato para o CC, de cuja magnífica reputação, demonstrável por factos excepcionais, teria eu podido falar antes do congresso e no início do mesmo. Mas não está na minha ideia fazê-lo. Este camarada tem dignidade suficiente para não permitir a ninguém, depois do congresso, propor em letra de forma a sua candidatura ou queixar-se de enterros políticos, de destruição de reputação, etc. (Nota do Autor)
  7. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, p. 100. (N. Ed.)
  8. Segundo meus cálculos [Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, p. 481. (N. Ed.)], a data mencionada na carta corresponde a uma terça-feira. A reunião efectuou-se numa terça-feira à noite, ou seja, depois da 28ª sessão do congresso. Este dado cronológico é muito importante. Ele refuta documentalmente a opinião do camarada Mártov segundo a qual nós nos teríamos separado a propósito da questão da organização dos centros, e não da questão da sua composição pessoal. Ele mostra documentalmente a justeza da minha exposição no congresso da Liga e na Carta à Redacção. Depois da 28ª sessão do congresso os camaradas Mártov e Starover falam largamente de uma falsa acusação de oportunismo, e não dizem uma palavra do desacordo que se verificou sobre a composição do Conselho ou sobre a cooptação para os centros (o que discutimos nas 25ª, 26ª e 27ª sessões). (Nota do Autor)
  9. As linhas precedentes estavam já compostas quando recebemos notícias do incidente do camarada Gússev e do camarada Deutsch. Analisaremos este incidente separadamente, no anexo. (Nota do Autor)
  10. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 288. (N. Ed.)
  11. O congresso da social-democracia alemã de 1895 efectuou-se em Breslau (actualmente Wroclaw, cidade polaca) de 6 a 12 de Outubro. No centro da atenção do congresso estava a discussão do projecto do programa agrário proposto pela comissão agrária que foi criada por decisão do Congresso de Frankfurt de 1894. O projecto de programa agrário continha sérios erros, nomeadamente a tendência que nele se manifestava de transformar o partido proletário num partido «de todo o povo ». Este projecto era defendido, além dos oportunistas, também por A. Bebel e W. Liebknecht, pelo que foram criticados no congresso pelos camaradas do partido. O projecto do programa agrário foi submetido no congresso a uma crítica severa por K. Kautsky, C. Zetkin e por vários outros sociais-democratas. O congresso, por maioria de votos (158 contra 63), rejeitou o projecto de programa agrário apresentado pela comissão.
  12. C. Zetkin citou de memória, na sua intervenção no congresso da social-democracia alemã, as palavras de Margarida, do Fausto de Goethe (Margarida reprova Fausto pela sua amizade por Mefistófeles).
  13. Eis tudo. (N. Ed.)

l) Continuação dos Debates Sobre os Estatutos. Composição do Conselho

Os pontos seguintes dos estatutos suscitaram muito mais controvérsias sobre pormenores do que sobre princípios de organização. A 24ª sessão do congresso foi inteiramente consagrada à questão da representação nos congressos do partido, e mais uma vez foi travada uma decidida e firme batalha contra os planos comuns a todos os iskristas apenas pelos bundistas (Goldblat e Líber, pp. 258-259) e pelo camarada Akímov, que, com meritória franqueza, reconheceu o seu papel no congresso: «sempre que uso da palavra, tenho plena consciência de que com os meus argumentos não terei influência sobre os camaradas; pelo contrário, prejudicarei o ponto que defendo» (p. 261). Esta justa observação foi particularmente oportuna logo após a discussão do §1 dos estatutos; simplesmente, a expressão «pelo contrário» não está muito bem aqui, visto que o camarada Âkímov sabia não só prejudicar certos pontos, mas ao mesmo tempo, e por isso, «influenciar os camaradas»... entre os iskristas de espírito muito pouco consequente, inclinados à fraseologia oportunista.

No conjunto, o §3 dos estatutos, que fixa as condições de representação no congresso, foi aprovado por maioria, com 7 abstenções (p. 263), pertencentes sem dúvida ao número dos anti-iskristas. O debate sobre a composição do Conselho, que ocupou a maior parte da 25ª sessão do congresso, mostrou a extrema fragmentação dos argumentos em torno de um enorme número de projectos. Abramson e Tsariov rejeitaram totalmente o plano do Conselho. Pánine insistiu em querer fazer do Conselho exclusivamente um tribunal de arbitragem, e por isso, com perfeita consequência, propôs que se suprimisse a definição de que o Conselho é o organismo superior que pode ser convocado por dois dos seus membros.[12 1]

Herz e Rússov defenderam diferentes modos de constituição do Conselho, além dos três modos propostos pelos cinco membros da comissão dos estatutos.

As questões em discussão resumiam-se antes de mais à definição das funções do Conselho: tribunal de arbitragem ou organismo superior do partido? O camarada Pánine, como já disse, pronunciava-se consequentemente pela primeira. Mas estava sozinho. O camarada Mártov pronunciou-se vigorosamente contra: «Proponho a rejeição da proposta que pretende eliminar as palavras: “O Conselho é o organismo superior”; a nossa formulação (ou seja, a formulação das funções do Conselho, sobre a qual tínhamos chegado a acordo na comissão dos estatutos) deixa intencionalmente a possibilidade de o Conselho se transformar no organismo superior do partido. Para nós, o Conselho não é apenas um organismo de conciliação.» Mas a composição do Conselho, segundo o projecto do camarada Mártov, correspondia inteira e exclusivamente ao carácter de «organismo de conciliação» ou tribunal de arbitragem: dois membros de cada um dos dois centros e um quinto convidado por estes quatro. Não só tal composição do Conselho, mas também a adoptada pelo congresso, sob proposta dos camaradas Rússov e Herz (o quinto membro é designado pelo congresso), correspondem exclusivamente a objectivos de conciliação ou de mediação. Entre esta composição do Conselho e a sua missão de converter-se em organismo superior do partido há uma contradição irredutível. O organismo superior do partido deve ter uma composição constante, e não depender de mudanças fortuitas (por vezes devido a prisões) da composição dos centros. O organismo superior deve estar em relação directa com o congresso do partido, de quem receberá os seus poderes, e não de dois outros organismos do partido subordinados ao congresso. O organismo superior deve ser composto por pessoas conhecidas pelo congresso do partido. Por fim, o organismo superior não pode ser organizado de maneira que a sua própria existência dependa do acaso: se os dois organismos colectivos não chegam a acordo para escolher um quinto membro, o partido fica sem organismo superior! A isto objectou-se: 1) que se um dos cinco se abstém e os outros quatro se dividem em dois grupos, a situação pode igualmente não ter saída (Egórov). Esta objecção carece de fundamento, porque a impossibilidade de tomar uma decisão é por vezes inevitável para qualquer organismo colectivo, mas isso é totalmente diferente da impossibilidade de constituir um organismo colectivo. Segunda objecção: «Se um organismo como o Conselho não é capaz de escolher o seu quinto membro, isso quer dizer que ele é incapaz de actuar em geral» (Zassúlitch). Mas não se trata aqui de que o organismo superior não seja capaz de actuar, mas de que este não existe: sem um quinto membro, não haverá Conselho algum, não haverá «organismo» algum e nem se poderá falar da sua capacidade de actuar. Por fim, ainda seria um mal remediável se se pudesse dar o caso de não se constituir um organismo colectivo do partido acima do qual haja outro organismo colectivo superior, pois então este organismo colectivo superior poderia sempre, em casos extraordinários, preencher a lacuna, de um modo ou de outro. Mas acima do Conselho não existe organismo colectivo algum, a não ser o congresso, e, por consequência, deixar nos estatutos uma possibilidade de não se poder nem sequer constituir o Conselho seria uma evidente falta de lógica.

As minhas duas breves intervenções no congresso sobre esta questão foram consagradas unicamente à análise (pp. 267 e 269)[12 2] destas duas objecções erradas, com as quais o projecto de Mártov foi defendido por ele próprio e outros camaradas. Quanto ao predomínio do OC ou do CC no Conselho, nem sequer lhe toquei. Esta questão foi levantada, pela primeira vez, no sentido de chamar a atenção para o perigo de predomínio do OC, pelo camarada Akímov já na 14ª sessão do congresso (p. 157), e foi só Akímov que os camaradas Mártov, Axelrod e outros seguiram, depois do congresso, lançando a história absurda e demagógica segundo a qual a «maioria» queria transformar o CC num instrumento da redacção. Analisando esta questão no seu Estado de Sítio, o camarada Mártov, modestamente, omitiu o seu verdadeiro iniciador!

Quem quiser tomar conhecimento, com todos os pormenores, da forma como foi posto o problema do predomínio do OC sobre o CC no congresso do partido, em vez de se limitar às citações desligadas do contexto, dar-se-á facilmente conta de que o camarada Mártov deturpa as coisas. Já na 14ª sessão não foi outro senão o camarada Popov que começou por polemizar contra os pontos de vista do camarada Akímov que queria «defender na cúpula do partido “a mais estrita centralização”» para restringir a influência do OC (p. 154, sublinhado por mim), «que é no que realmente consiste o sentido deste sistema (de Akímov)». «Longe de defender tal centralização, acrescenta o camarada Popov, estou pronto a combatê-la de todas as maneiras, porque ela é a bandeira do oportunismo.» É esta a raiz da famosa questão do predomínio do OC sobre o CC, e não é de admirar que o camarada Mártov seja agora obrigado a silenciar a verdadeira origem deste problema. Até o camarada Popov não podia deixar de se aperceber do carácter oportunista das dissertações de Akímov sobre o predomínio do OC[12 3] e, para estabelecer uma distinção bem clara entre si e o camarada Akímov, o camarada Popov declarava categoricamente: «Pouco importa que este centro (o Conselho) seja composto por três membros da redacção e dois membros do CC. É uma questão secundária (sublinhado por mim), o importante é que a direcção, a direcção suprema do partido, emane de uma única fonte» (p. 155). O camarada Akímov objecta: «O projecto concede ao OC o predomínio no Conselho, quanto mais não seja porque a composição da redacção é permanente, enquanto a do CC é variável» (p. 157), argumento que se refere apenas ao «carácter permanente» da direcção no terreno dos princípios (facto normal e desejável), mas de modo nenhum ao «predomínio» no sentido de uma ingerência ou de um atentado à autonomia. E o camarada Popov, que então não pertencia ainda à «minoria», a qual cobre o seu descontentamento com a composição dos centros com mexericos sobre a falta de independência do CC, responde ao camarada Akímov de modo muito razoável: «Eu proponho considerá-lo (o Conselho) o centro directivo do partido, e então a questão de saber se o Conselho é composto por maior número de representantes do OC ou do CC não terá qualquer importância» (pp. 157-158. Sublinhado por mim).

Quando se voltou a tratar da composição do Conselho na 25ª sessão, o camarada Pavlóvitch, prosseguindo os velhos debates, declara-se pelo predomínio do OC sobre o CC «dada a estabilidade do primeiro» (p. 264), entendendo por isso a estabilidade no domínio dos princípios, como também o entendeu o camarada Mártov que, tomando a palavra imediatamente depois do camarada Pavlóvitch, considerou desnecessário «estabelecer o predomínio de um organismo sobre outro» e indicou a possibilidade de um dos membros do CC residir no estrangeiro: «o que conservará até certo ponto a estabilidade no CC no plano dos princípios» (264). Aqui não há ainda nem sombra de confusão demagógica da questão relativa à estabilidade dos princípios e à sua salvaguarda com a salvaguarda da autonomia e da independência do CC. Esta confusão, que se tornou depois do congresso o principal trunfo, ou quase, do camarada Mártov, só a defendeu com empenho no congresso o camarada Akímov, que já nesse momento falava «do espírito de Araktchéiev dos estatutos» (268), que «se no Conselho do partido houver três membros do OC, o CC tornar-se- á um simples instrumento da vontade da redacção (sublinhado por mim). Três pessoas residentes no estrangeiro receberão poderes ilimitados (!!) para dispor do trabalho de todo (!!) o partido. Ficam salvaguardados no sentido da sua segurança pessoal e por isso o seu poder é vitalício» (268). Foi contra estas frases absolutamente absurdas e demagógicas, que substituem uma direcção ideológica pela ingerência no trabalho de todo o partido (e que depois do congresso forneceram uma palavra de ordem barata ao camarada Axelrod para os seus discursos sobre a «teocracia»), foi contra isto que protestou novamente o camarada Pavlóvitch, sublinhando que era «a favor da estabilidade e da pureza dos princípios que o Iskra representa. Dando predomínio à redacção do Órgão Central fortaleço assim estes princípios» (268)

Eis como de facto se põe a questão do famoso predomínio do OC sobre o CC. Esta memorável «divergência de princípio» dos camaradas Axelrod e Mártov mais não é que a repetição das frases oportunistas e demagógicas do camarada Akímov, frases de cujo verdadeiro carácter até o camarada Popov se apercebera claramente, quando ainda não tinha sofrido a derrota no que se refere à composição dos centros!

* * *

Balanço da questão da composição do Conselho: a despeito das tentativas do camarada Mártov para provar no seu Estado de Sítio que a minha exposição na Carta à Redacção é contraditória e errada, as actas do congresso mostram claramente que, em comparação com o §1, esta questão, de facto, é apenas um pormenor e que era verdadeira deformação total da verdade a declaração feita no artigo O Nosso Congresso (n.° 53 do Iskra) de que tínhamos discutido «quase exclusivamente» a constituição dos organismos centrais do partido. Deformação tanto mais chocante quanto o autor do artigo ignorou completamente os debates sobre o §1. Além disso, as actas mostram ainda que não havia um agrupamento determinado dos iskristas sobre a questão da composição do Conselho: não há votações nominais, Mártov separa-se de Pánine, eu estou de acordo com Popov, Egórov e Gússev mantém-se à parte, etc. Enfim, a minha última afirmação (no congresso da «Liga da Social- Democracia Revolucionária Russa no Estrangeiro») de que se consolidava a coligação dos partidários de Mártov e dos anti-iskristas é igualmente confirmada pela viragem, hoje clara para todos, efectuada pelos camaradas Mártov e Axelrod a favor de Akímov também nesta questão.

Notas

  1. O camarada Starover inclinava-se também, pelos vistos, para o ponto de vista do camarada Pánine, com a única diferença de que este último sabia o que queria, e, com toda a consequência, propunha resoluções que convertiam o Conselho em organismo puramente arbitral, de conciliação, enquanto o camarada Starover não sabia o que queria ao dizer que, segundo o projecto, o Conselho devia reunir-se «apenas quando o desejassem as partes» (p. 266). Isto é francamente inexacto. (Nota do Autor)
  2. er V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed, em russo, t. 7, p. 292. (N. Ed.)
  3. Nem o camarada Popov, nem o camarada Mártov, se importavam de chamar oportunista ao camarada Akímov, e só começaram a zangar-se e a indignar-se no momento em que se aplicou esse nome a eles próprios, muito justamente de resto, a propósito da «igualdade de direitos das línguas» ou do § 1. O camarada Akímov, cujos passos o camarada Mártov seguiu, soube no entanto comportar-se no congresso do partido com mais dignidade e mais coragem do que o camarada Mártov e Cª no congresso da Liga. «Chamam-me aqui oportunista - dizia o camarada Akímov no congresso do partido -; quanto a mim, acho que é um termo insultuoso, uma injúria, e penso não o ter merecido de modo nenhum; contudo não protesto» (p. 296). Talvez os camaradas Mártov e Starover tenham convidado o camarada Akímov a subscrever o seu protesto contra a falsa acusação de oportunismo, e o camarada Akímov recusou? (Nota do Autor)

m) Conclusão dos Debates Sobre o Estatuto. Cooptação Para os Centros. Saída dos Delegados da «Rabótcheie Dielo»

Dos debates posteriores sobre os estatutos (26ª sessão do congresso), é digna de menção somente a questão relativa à limitação dos poderes do Comité Central, questão que lança luz sobre o carácter dos ataques actuais dos martovistas ao hipercentralismo. Os camaradas Egórov e Popov tendiam a limitar o centralismo com um pouco mais de convicção, independentemente da sua candidatura própria ou da que propunham. Já na comissão dos estatutos eles tinham proposto que se limitasse o direito do CC de dissolver os comités locais exigindo a concordância do Conselho, e, mais ainda, limitando-o a uma série de casos expressamente enumerados (p. 272, nota 1). Três membros da comissão dos estatutos (Glébov, Mártov e eu) declararam-se contra, e o camarada Mártov defendeu a nossa opinião no congresso (p. 273) respondendo a Egórov e Popov que «o CC não deixaria de discutir mesmo assim antes de tomar uma decisão tão grave como a dissolução de uma organização». Como vedes, naquele momento o camarada Mártov ainda estava surdo a todas as pretensões anticentralistas, e o congresso rejeitou a proposta de Egórov e Popov; infelizmente, as actas não nos dizem por quantos votos.

No congresso do partido, o camarada Mártov declarou-se igualmente «contra a substituição da palavra organiza (o CC organiza comités, etc., no § 6 dos estatutos do partido) pela palavra confirma. Também é preciso conferir o direito de organizar», dizia então o camarada Mártov, que ainda não tinha tido a maravilhosa ideia, que só descobriu no congresso da Liga, de que confirmar não cabe no conceito de «organizar».

À parte estes dois pontos, dificilmente se encontrará qualquer interesse no resto dos debates já totalmente dedicados a questões de pormenor relativas aos §§ 5-11 dos estatutos (pp. 273-276 das actas). O parágrafo 12 é relativo à cooptação em todos os organismos colectivos do partido em geral, e nos centros em particular. A comissão propõe que se aumente a maioria qualificada necessária à cooptação de 2/3 para 4/5. Ò relator (Glébov) propõe a cooptação por unanimidade para o CC. O camarada Egórov, considerando indesejáveis as fricções, declara-se a favor de uma simples maioria, na ausência de um veto fundamentado. O camarada Popov não está de acordo nem com a comissão nem com o camarada Egórov, e exige uma simples maioria (sem direito de veto) ou a unanimidade. O camarada Mártov não está de acordo com a comissão, nem com Glébov, nem com Egórov, nem com Popov; pronuncia-se contra a unanimidade, contra os 4/5 (a favor dos 2/3), contra a «cooptação recíproca», isto é, contra o direito da redacção do OC de protestar contra a cooptação no CC e vice-versa («o direito de controlo recíproco sobre a cooptação»).

Como o leitor vê, surge o agrupamento mais variado, e as divergências fragmentam-se quase ao ponto de chegar a particularidades «pessoais» no ponto de vista de cada delegado!

O camarada Mártov diz: «Reconheço a impossibilidade psicológica de trabalhar com pessoas desagradáveis. Mas a nós importa-nos igualmente que a nossa organização seja viva e tenha capacidade de actuar.... Em caso de cooptação, o direito de controlo recíproco do CC e da redacção do OC não é necessário. Se sou contra, não é porque pense que um possa ser incompetente na jurisdição do outro. Não! A redacção do OC, por exemplo, poderia dar ao CC um bom conselho: se convinha, por exemplo, admitir o senhor Nadéjdine no CC. Protesto porque não quero que se crie uma série de trâmites que produzam irritação recíproca.»

Eu objectei-lhe: «Temos aqui duas questões. A primeira é relativa à maioria qualificada, e sou contra a proposta de baixá-la de 4/5 para 2/3. Admitir um protesto fundamentado não é razoável, e sou contra. A segunda questão, relativa ao direito de controlo recíproco do CC e do OC sobre a cooptação é muitíssimo mais importante. O acordo recíproco dos dois centros é condição indispensável de harmonia. Trata-se aqui da ruptura entre os dois centros. Quem não quiser a cisão tem que velar para que haja harmonia. A vida do partido ensina-nos que houve pessoas que semearam a cisão. E uma questão de princípio, uma questão importante, de que pode depender todo o futuro do partido» (276-277).[12 1] Este é o texto integral do resumo feito no congresso do meu discurso, ao qual Mártov atribui uma importância particularmente séria. Infelizmente, embora atribuindo-lhe essa importância, ele não se deu ao trabalho de a ligar a todos os debates e a toda a situação política do congresso na ocasião em que foi pronunciado este discurso. Em primeiro lugar, cabe perguntar: porque é que no meu projecto inicial (ver p. 394, §11)[12 2] me limitei aos 2/3 e não exigia o controlo recíproco sobre a cooptação para os centros? O camarada Trótski, que falou depois de mim (p. 277), levantou imediatamente esta questão. O meu discurso no congresso da Liga e a carta do camarada Pavlóvitch sobre o II congresso respondem a esta pergunta. O §1 dos estatutos «quebrou o vaso», e havia que amarrá-lo com um «nó duplo», dizia eu no congresso da Liga. Isso significava em primeiro lugar que, a propósito de uma questão puramente teórica, Mártov se revelou oportunista, e que o seu erro tinha sido defendido por Líber e Akímov. Isso significava, em segundo lugar, que a coligação dos martovistas (ou seja, de uma insignificante minoria dos iskristas) com os anti-iskristas lhes dava a maioria no congresso na votação da composição pessoal dos centros. E eu falava então precisamente da composição pessoal dos centros, sublinhando a necessidade de harmonia e advertindo contra as «pessoas que semeavam a cisão». Esta advertência tomou com efeito uma grande importância de princípio, porque a organização do Iskra (mais competente, sem dúvida, quanto à composição pessoal dos centros, visto que conhece mais de perto todos os assuntos na prática e todos os candidatos), já tinha emitido o seu voto consultivo sobre esta questão e tinha tomado a decisão que conhecemos sobre as candidaturas que lhe provocavam receios. Tanto do ponto de vista moral como no que se refere à essência do assunto (ou seja, quanto à competência daquele que decide), a organização do Iskra devia desempenhar um papel decisivo nesta questão tão delicada. Mas formalmente o camarada Mártov tinha sem dúvida todo o direito de apelar para os Líber e os Akímov, contra a maioria da organização do Iskra. E no seu brilhante discurso sobre o §1, o camarada Akímov disse em termos notavelmente claros e inteligentes que, quando constata entre os iskristas um desacordo sobre os meios de atingir o seu objectivo comum, iskrista, vota conscientemente e de propósito a favor do pior meio, visto que os objectivos dele, Akímov, são diametralmente opostos aos dos iskristas. Era pois fora de dúvida que, mesmo independentemente da vontade e da consciência do camarada Mártov, seria precisamente a pior composição pessoal dos centros que obteria o apoio dos Líber e dos Akímov. Eles podem votar, eles devem votar (a julgar não pelas suas palavras, mas pelos seus actos, pelo seu voto sobre o §1), precisamente a favor da lista que pudesse prometer a presença de «pessoas que semeassem a cisão», votar precisamente para «semear a cisão». Será para admirar que, perante tal situação, eu tenha falado de uma importante questão de princípio (harmonia dos dois centros) de que podia depender todo o futuro do partido?

Nenhum social-democrata minimamente a par das ideias e dos planos iskristas e da história do movimento, que partilhasse com alguma sinceridade estas ideias, podia duvidar um só momento de que a solução, pelos Líber e pelos Akímov, do debate no seio da organização do Iskra sobre a composição pessoal dos centros era formalmente justa, mas assegurava os piores resultados possíveis. Era imperioso lutar contra estes piores resultados possíveis.

Põe-se a questão: como lutar? Não foi pela histeria nem pelos escandalozinhos, bem entendido, que nós lutámos, mas por meios perfeitamente leais e perfeitamente legítimos: compreendendo que estávamos em minoria (do mesmo modo que no § 1), pedimos ao Congresso que salvaguardasse os direitos da minoria. Quer se tratasse duma maior severidade quanto à qualificação na admissão dos membros (os 4/5 em vez dos 2/3), ou da unanimidade na cooptação, ou do controlo recíproco sobre a cooptação para os centros, defendemos tudo isto quando nos vimos em minoria na questão da composição pessoal dos centros. Este facto é constantemente ignorado pelos Joões e os Pedros, que gostam de falar e dar opiniões sobre o congresso irreflectidamente, depois de duas ou três conversas entre amigos, sem um estudo sério de todas as actas e de todos os «testemunhos» das pessoas interessadas. E quem quiser estudar com consciência estas actas e estes testemunhos chegará infalivelmente ao facto que indiquei: a raiz da discussão neste momento do congresso estava precisamente no problema da composição pessoal dos centros, e nós procurávamos conseguir condições mais rigorosas de controlo, justamente porque estávamos em minoria e queríamos «amarrar com nó duplo o vaso» quebrado por Mártov com alegria e com a alegre participação dos Líber e dos Akímov.

«Se assim não fosse - diz o camarada Pavlóvitch evocando esse momento do congresso - apenas restaria supor que, ao propor o ponto da unanimidade na cooptação, estaríamos a cuidar dos interesses dos nossos adversários, porque, para o partido dominante em qualquer organismo, a unanimidade é não só inútil, mas até desvantajosa» (p. 14 da Carta sobre o II Congresso). Mas actualmente esquece-se demasiadas vezes a cronologia dos factos, esquece-se que durante todo um período do congresso a actual minoria era maioria (graças à participação dos Líber e dos Akímov), que é precisamente a este período que corresponde o debate da cooptação para os centros, debate cuja razão subjacente era a divergência na organização do Iskra sobre a composição pessoal dos centros. Quem se der conta deste facto compreenderá também a paixão dos nossos debates e já não se admirará desta contradição aparente, em que pequenas divergências de pormenor fazem surgir questões verdadeiramente importantes, questões de princípio.

O camarada Deutsch, que usou da palavra na mesma sessão (p. 277) tinha bastante razão quando declarou: «Sem dúvida que esta proposta está calculada para o momento actual». De facto, só compreendendo o momento actual em toda a sua complexidade se pode compreender o verdadeiro sentido da discussão. E é de extraordinária importância não perder de vista que quando nós estávamos em minoria defendemos os direitos da minoria com processos que todo o social- democrata europeu reconhece serem legítimos e admissíveis: ou seja, pedindo ao congresso um controlo mais severo sobre a composição pessoal dos centros. Do mesmo modo, o camarada Egórov tinha bastante razão quando dizia também no congresso, mas noutra sessão: «Admira-me muito ouvir de novo nos debates referências aos princípios»... (Isto a propósito das eleições para o CC, na 31ª sessão do congresso, isto é, se não me engano, quinta-feira de manhã, enquanto a 26ª sessão, de que falamos agora, foi numa segunda-feira à noite)... «Parece-me claro para toda a gente que nestes últimos dias todos os debates giraram não à volta desta ou daquela maneira de colocar o assunto em princípio, mas exclusivamente à volta da forma de assegurar ou impedir o acesso aos organismos centrais desta ou daquela pessoa. Confessemos que os princípios desapareceram já há muito tempo deste congresso, e chamemos as coisas pelos seus verdadeiros nomes. (Hilaridade geral. Muraviov: “Peço que se faça constar na acta que o camarada Mártov sorriu”)» (p. 337). Não admira que o camarada Mártov, tal como todos nós, tenha rido às gargalhadas das lamentações, verdadeiramente risíveis, do camarada Egórov. Sim, «nos últimos dias» muitas coisas giraram à volta da questão da composição pessoal dos centros. Isso é verdade. Com efeito, a coisa era clara para toda a gente no congresso (e só agora a minoria tenta obscurecer este facto claro). Enfim, também é verdade que importa chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes. Mas, por amor de Deus, para que é aqui chamado o «perder os princípios»?? Reunimo-nos neste congresso (ver p. 10, ordem do dia do congresso) precisamente para nos primeiros dias falar do programa, da táctica, dos estatutos e resolver questões correspondentes, e falar nos últimos dias (pontos 18-19 da ordem do dia) da composição pessoal dos centros, e decidir sobre essas questões. É um fenómeno natural e inteiramente, inteiramente legítimo dedicar os últimos dias dos congressos à luta pela batuta de maestro. (Mas quando, para conquistar essa batuta, se batem depois do congresso, já só é uma querela mesquinha.) Se no congresso alguém sofreu uma derrota na questão da composição pessoal dos centros (como o camarada Egórov), é simplesmente ridículo falar, depois disso, de «perder os princípios». É natural, portanto, que toda a gente tenha rido do camarada Egórov. É compreensível também por que razão o camarada Muraviov pediu para fazer constar na acta a participação do camarada Mártov nesse riso: o camarada Mártov, ao rir-se do camarada Egórov, riu-se de si próprio...

Para completar a ironia do camarada Muraviov, talvez não seja supérfluo comunicar o seguinte facto. Depois do congresso, o camarada Mártov, como se sabe, afirmou a quem o quis ouvir que a razão principal da nossa divergência está precisamente na questão da cooptação para os centros, que «a maioria da antiga redacção» se manifestou terminantemente contra o controlo recíproco sobre a cooptação para os centros. Antes do congresso, ao aceitar o meu projecto de eleição de dois grupos de três, com uma cooptação recíproca de 2/3, o camarada Mártov escrevia-me a propósito disso: «Aceitando esta forma de cooptação recíproca, convém notar que depois do congresso cada organismo completará o número dos seus membros na base de princípios um pouco diferentes (eu recomendaria o seguinte método: cada organismo coopta novos membros dando a conhecer as suas intenções ao outro organismo; este último pode protestar, e então a controvérsia é resolvida pelo Conselho. Para que não haja trâmites morosos, este processo deveria aplicar-se a candidatos propostos antecipadamente pelo menos para o CC, candidatos entre os quais a cooptação se pode fazer mais depressa). Para sublinhar que no futuro a cooptação se fará segundo um processo que será previsto pelos estatutos do partido, é preciso acrescentar ao§22[12 3]:”... que confirmará as decisões adoptadas”» (sublinhado por mim).

Sem comentários.

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Depois de ter explicado o significado do momento em que teve lugar a discussão sobre a cooptação para os centros, precisamos de nos deter um pouco nas votações referentes a este ponto; é inútil alongarmo-nos sobre os debates, porque depois do discurso do camarada Mártov e do meu, que citei, só houve curtas réplicas, nas quais tomou parte um número insignificante de delegados (ver pp. 277-280 das actas). Quanto às votações, o camarada Mártov afirmou no congresso da Liga que na minha exposição eu fiz «a maior falsificação» (p. 60 das actas da Liga) «ao apresentar a luta à volta dos estatutos»... (o camarada Mártov enunciou sem querer uma grande verdade: depois do §1, justamente à volta dos estatutos, desenvolveram-se acalorados debates)... «como uma luta do Iskra contra os martovistas que tinham feito uma coligação com o Bund».

Vejamos de perto esta interessante questão relativa à «maior falsificação». O camarada Mártov junta as votações sobre a composição do Conselho às votações sobre a cooptação, e cita oito votações: 1) Eleição para o Conselho de dois membros pelo OC e de outros dois pelo CC: 27 a favor (M), 16 contra (L), 7 abstenções.[12 4] (Anotemos entre parêntesis que nas actas, p. 270, o número de abstenções se eleva a 8, mas isto é um pormenor.) 2) Eleição do quinto membro do Conselho pelo congresso: 23 a favor (L), 18 contra (M), 7 abstenções. 3) Substituição pelo próprio Conselho dos membros saídos do Conselho: 23 contra (M), 16 a favor (L), 12 abstenções. 4) Unanimidade no CC: 25 a favor (L), 19 contra (M), 7 abstenções. 5) Exigência de um protesto fundamentado para que um membro não seja admitido: 21 a favor (L), 19 contra (M), 11 abstenções. 6) Unanimidade na cooptação para o OC: 23 a favor (L), 21 contra (M), 7 abstenções. 7) Possibilidade de uma votação sobre o direito do Conselho de anular as decisões do OC e do CC sobre a não-admissão de um novo membro: 25 a favor (M), 19 contra (L), 7 abstenções. 8) A própria proposta respeitante ao ponto anterior: 24 a favor (M), 23 contra (L), 4 abstenções. «Neste caso é evidente - concluiu o camarada Mártov (p. 61 das actas da Liga) - que um delegado do Bund votou a favor da proposta e os outros se abstiveram.» (Sublinhado por mim.)

Cabe perguntar: porque considera o camarada Mártov evidente que um delegado do Bund tenha votado por ele, por Mártov, quando não houve votações nominais?

Porque se fixa no número de votantes, e, quando este número indica a participação do Bund na votação ele, o camarada Mártov, não duvida que esta participação tenha sido a seu favor, de Mártov.

Donde resulta aqui a «maior falsificação» minha?

Havia no total 51 votos; sem os bundistas, 46; sem os partidários da Rabótcheie Dielo, 43. Em sete votações das oito citadas pelo camarada Mártov, tomaram parte 43, 41, 39, 44, 40, 44 e 44 delegados; numa votação tomaram parte 47 delegados (ou melhor, houve 47 votos), e aqui o próprio camarada Mártov reconhece que foi apoiado por um bundista. Evidencia-se assim que o quadro traçado por Mártov (e traçado de maneira incompleta, vê-lo-emos daqui a pouco) vem apenas confirmar e reforçar a minha exposição da luta! Em muitos casos foi muito elevado o número de abstenções: isto mostra o interesse relativamente pequeno de todo o congresso por certos pormenores; mostra a ausência de um agrupamento perfeitamente definido de iskristas sobre estas questões. A afirmação de Mártov de que os bundistas «com a sua abstenção prestam um apoio evidente a Lénine» (p. 62 das actas da Liga) fala justamente contra Mártov: portanto, somente na ausência dos bundistas ou com a sua abstenção eu podia por vezes contar com a vitória. Mas sempre que os bundistas consideravam que valia a pena intervir na luta, eles apoiavam o camarada Mártov; e tal intervenção verificou-se não só no caso acima citado da participação dos 47 delegados. Quem quiser consultar as actas do congresso dar-se-á conta de que o quadro traçado pelo camarada Mártov é de modo muito estranho incompleto. O camarada Mártov omitiu simplesmente ainda outros três casos em que o Bund participou na votação, com o pormenor de que o camarada Mártov, bem entendido, saiu vitorioso em todos estes casos. Eis aqui estes casos: 1) Adopta-se a alteração proposta pelo camarada Fomine, que reduz a maioria qualificada de 4/5 para 2/3: 27 a favor, 21 contra (p. 278), participaram portanto 48 votos. 2) Adopta-se a proposta do camarada Mártov para a supressão da cooptação recíproca: 26 a favor, 24 contra (p. 279), participaram pois na votação 50 votos. Enfim, 3) É rejeitada a minha proposta de admitir a cooptação para o OC e o CC exclusivamente com o assentimento de todos os membros do Conselho (p. 280): 27 contra, 22 a favor (houve mesmo votação nominal, que infelizmente não está registada nas actas), portanto 49 votos.

Resultado: quanto à cooptação para os centros, os bundistas participaram somente em quatro votações (as três votações que acabo de citar, com 48, 50 e 49 votantes, e uma citada pelo camarada Mártov, com 47 votantes). Em todas estas votações o camarada Mártov saiu vitorioso. A minha exposição revelou-se exacta em todos os seus pontos, quando falo da coligação com o Bund, quando constato o carácter de somenos importância das questões (muitíssimos casos com um número considerável de abstenções), quando digo que não há agrupamento definido dos iskristas (não há votações nominais; muito poucos oradores nos debates).

A tentativa do camarada Mártov de encontrar uma contradição na minha exposição não passou de uma tentativa feita com meios inadequados, visto que o camarada Mártov destacou palavras isoladas sem se dar ao trabalho de restabelecer todo o quadro.

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O último parágrafo dos estatutos, dedicado à questão da organização no estrangeiro, mais uma vez provocou debates e votações particularmente característicos do ponto de vista dos agrupamentos no congresso. Tratava-se de reconhecer a Liga como organização do partido no estrangeiro. Claro, o camarada Akímov insurgiu-se imediatamente, recordando a União no estrangeiro aprovada pelo primeiro congresso e chamando a atenção para o significado de princípio da questão. «Devo esclarecer primeiramente - declarou - que não atribuo grande valor prático a esta ou àquela solução do problema. A luta ideológica que se tem desenvolvido até agora no nosso partido sem dúvida que ainda não terminou; mas ela prosseguirá noutros planos e com outro agrupamento de forças... No §13 dos estatutos mais uma vez ficou reflectida, e de modo muito marcado, a tendência para fazer do nosso congresso, em vez de um congresso do partido, um congresso fraccionário. Em vez de obrigar todos os sociais-democratas da Rússia a inclinarem-se perante as decisões do congresso do partido, em nome da unidade do partido, unindo todas as organizações do partido, propõe-se ao congresso que dissolva a organização da minoria, que obrigue esta a desaparecer» (281). Como o leitor vê, a «continuidade», que se tornou agora tão cara ao camarada Mártov depois da sua derrota na questão da composição dos centros, não era menos cara ao camarada Akímov. Mas, no congresso, os que têm bitolas diferentes para si e para os outros levantaram-se apaixonadamente contra o camarada Akímov. Apesar da adopção do programa, do reconhecimento do Iskra e da adopção quase integral dos estatutos, traz-se para a cena precisamente o «princípio» que separava «em princípio» a Liga da União. «Se o camarada Akímov pretende pôr a questão no plano dos princípios - exclama o camarada Mártov -, não temos nada contra isso; sobretudo porque o camarada Akímov falou das combinações possíveis na luta contra duas tendências. O triunfo de uma tendência deve sancionar-se (notem que isto foi dito na 27ª sessão do congresso!) não no sentido de se poder fazer uma nova reverência ao Iskra, mas no de abandonar definitivamente todas as combinações possíveis de que falou o camarada Akímov» (282, sublinhado por mim).

Quadro: o camarada Mártov, depois de encerradas todas as discussões sobre o programa no congresso, continua ainda a abandonar definitivamente todas as combinações possíveis... enquanto não sofreu ainda uma derrota na questão da composição dos centros! O camarada Mártov, no congresso, «abandona definitivamente» a possível «combinação» que com tanto êxito põe em prática imediatamente a seguir ao congresso. Mas o camarada Akímov já então se mostrou bem mais perspicaz do que o camarada Mártov; o camarada Akímov invocou os cinco anos de trabalho «da velha organização do partido que, por decisão do primeiro congresso, tinha o nome de comité», e acabou com uma ultravenenosa e providencial alfinetada: «Quanto à opinião do camarada Mártov de que são vãs as minhas esperanças de ver nascer uma tendência nova no nosso partido, devo dizer que mesmo ele próprio me dá esperanças» (p. 283. Sublinhado por mim)

Sim, temos de reconhecer que o camarada Mártov justificou brilhantemente as esperanças do camarada Akímov!

O camarada Mártov seguiu o camarada Akímov, convencido que este tinha razão, depois de ter sido rompida a «continuidade» do antigo organismo de direcção colectiva do partido, que se considerava a funcionar há três anos. A vitória do camarada Akímov não lhe ficou muito cara.

No congresso, no entanto, só os camaradas Martínov, Brúker e os bundistas (8 votos) se colocaram ao lado de Akímov, e de um modo consequente. O camarada Egórov, como verdadeiro chefe do «centro», prefere o áureo meio termo: está de acordo, vejam bem, com os iskristas, «simpatiza» com eles (p. 282) e prova esta simpatia propondo (p. 283) que se passe por alto toda a questão de princípios levantada, que não se fale nem da Liga nem da União. A proposta é rejeitada por 27 votos contra 15. É evidente que, além dos anti-iskristas (8), quase todo o «centro» (10) vota com o camarada Egórov (o total de votos é de 42, de modo que um importante número se absteve ou esteve ausente, como aconteceu muitas vezes com votações pouco interessantes ou cujo resultado era indubitável). Desde que se trate de levar à prática os princípios iskristas, logo se confirma que a «simpatia» do «centro» é puramente verbal, e que apenas nos seguem trinta votos ou pouco mais. A discussão e a votação da proposta de Rússov (reconhecer a Liga como a única organização no estrangeiro) provam-no ainda mais claramente. Os anti-iskristas e o «pântano» adoptam já francamente um ponto de vista de princípios, defendido além do mais pelos camaradas Líber e Egórov, que declaram que a proposta do camarada Rússov é ilegítima e não pode ser votada: «Com ela todas as outras organizações no estrangeiro são condenadas ao massacre» (Egórov). E o orador, que não quer participar no «massacre das organizações», não só recusa votar como até saí da sala. É preciso no entanto fazer justiça ao líder do «centro»: ele dá provas (nos seus princípios errados) de uma convicção e de uma coragem política dez vezes mais fortes do que o camarada Mártov e Cª, ele intercedeu a favor da organização «que se massacrava» não apenas quando se tratava do seu próprio círculo, que tinha sofrido uma derrota em luta aberta.

A proposta do camarada Rússov é considerada admissível à votação por 27 votos contra 15; é em seguida aprovada por 25 contra 17. Acrescentando a estes 17 o camarada Egórov, ausente, obtemos o conjunto completo (18) de anti-iskristas e do «centro».

Todo o §13 dos estatutos sobre a organização no estrangeiro é aprovado apenas por 31 votos contra 12 e seis abstenções. Este número, 31, que nos dá aproximadamente o número de iskristas no congresso, isto é, os que defendem com consequência e aplicam na prática as concepções do Iskra, encontramo-lo pelo menos já pela sexta vez na análise das votações do congresso (o lugar da questão do Bund, o incidente do CO, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi e duas votações sobre o programa agrário). E o camarada Mártov quer fazer-nos crer, a sério, que não há qualquer razão para apontar um grupo tão «reduzido» de iskristas!

Não se pode deixar de assinalar também que a aprovação do §13 dos estatutos suscitou debates extremamente característicos a propósito da declaração dos camaradas Akímov e Martínov sobre a «recusa de participar na votação» (p. 288). O bureau do congresso examinou esta declaração e reconheceu - com toda a justiça - que nem mesmo a dissolução directa da União daria qualquer direito aos delegados da União de se recusarem a participar nos trabalhos do congresso. A recusa de votar é sem dúvida um facto anormal e inadmissível, este o ponto de vista que com o bureau todo o congresso adoptou, incluindo os iskristas da minoria, que, na 28ª sessão, vivamente reprovaram o que eles próprios viriam a fazer na 31ª sessão! Quando o camarada Martínov se pôs a defender a sua declaração (p. 291), ergueram-se contra ele tanto Pavlóvitch como Trótski, Kárski e Mártov. O camarada Mártov compreendeu com peculiar clareza os deveres de uma minoria descontente (enquanto ele próprio não ficou em minoria!) e discorreu sobre eles num tom particularmente didáctico. «Ou sois membros do congresso - exclamava dirigindo-se aos camaradas Akímov e Martínov -, e então deveis participar em todos os seus trabalhos» (sublinhado por mim; neste momento o camarada Mártov não via ainda formalismo e burocratismo na submissão da minoria à maioria!), «ou não sois membros do congresso, e então não podeis continuar na sessão... Pela sua declaração, os delegados da União obrigam-me a fazer-lhes duas perguntas: são membros do partido, são membros do congresso?» (p. 292).

O camarada Mártov ensina ao camarada Akímov os deveres que incumbem aos membros do partido! Mas não foi em vão que o camarada Akímov disse que depositava certas esperanças no camarada Mártov... Estas esperanças viriam a converter-se em realidade, mas só depois da derrota do camarada Mártov nas eleições. Quando não se tratava de si próprio mas dos outros, o camarada Mártov permanecia surdo, mesmo à terrível expressão «lei de excepção» lançada pela primeira vez (se não me engano) pelo camarada Martínov. «As explicações que nos foram dadas - respondeu o camarada Martínov aos que procuraram convencê-lo a retirar a sua declaração - não puseram a claro se se tratava de uma decisão de princípio ou de uma medida de excepção contra a União. Neste caso, consideramos que se fez um ultraje à União. O camarada Egórov, como nós próprios, tem a impressão que se trata de uma lei de excepção (sublinhado por mim) contra a União, e por isso abandonou mesmo a sala» (295). Tanto o camarada Mártov como o camarada Trótski, com Plekhánov, erguem-se energicamente contra a ideia absurda, realmente absurda, de ver um ultraje na votação do congresso, e o camarada Trótski, defendendo a resolução adoptada por proposta sua pelo congresso (segundo a qual os camaradas Akímov e Martínov podem considerar-se perfeitamente satisfeitos), assegura que «a resolução se reveste de um carácter de princípio e não de um carácter filistino, e não nos importa que alguém se sinta ultrajado por ela» (p. 296). Todavia, bem depressa se revelou que a mentalidade de círculo e o espírito filistino eram ainda demasiado fortes no nosso partido, e as palavras orgulhosas que sublinhei revelaram-se uma frase oca altissonante.

Os camaradas Akímov e Martínov recusaram-se a retirar a sua declaração e deixaram o congresso no meio das exclamações gerais dos delegados: «Absolutamente injustificado!»

Notas

  1. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 293. (N. Ed.)
  2. Ver ibidem, p. 257. (N. Ed.)
  3. Trata-se do meu projecto inicial de Tagesordnung (ordem do dia - N. Ed.) do congresso e do comentário que o acompanhava, projecto conhecido por todos os delegados. O § 22 deste projecto previa justamente a eleição de dois grupos de três para o OC e o CC, a «cooptação recíproca» por estes seis por maioria de 2/3, a confirmação desta cooptação recíproca pelo congresso e a cooptação independente ulterior para o OC e o CC. (Nota do Autor)
  4. As letras M e L entre parêntesis mostram de que lado estava eu (L) e de que lado estava Mártov (M). (Nota do Autor)

n) As Eleições. O Encerramento do Congresso.

Depois da aprovação dos estatutos, o congresso adoptou uma resolução sobre as organizações regionais, várias resoluções relativas a diferentes organizações do partido, e depois de debates extremamente instrutivos sobre o grupo Iújni Rabótchi, cuja análise fiz anteriormente, o congresso passou à questão das eleições para os organismos centrais do partido.

Sabemos já que a organização do Iskra, de quem todo o congresso esperava uma recomendação autorizada, se tinha dividido neste ponto, querendo a minoria da organização tentar no congresso, através de uma luta livre e aberta, conquistar a maioria. Sabemos também que, muito antes do congresso, todos os delegados tinham tomado conhecimento do plano de renovação da redacção pela eleição de dois grupos de três para o OC e o CC. Detenhamo-nos neste plano mais pormenorizadamente para esclarecer os debates no congresso.

Eis aqui o texto exacto do meu comentário ao projecto de Tagesordnung do congresso, em que foi exposto este plano[13 1]: «O congresso elegerá três pessoas para a redacção do OC e outras três para o CC. Estas seis pessoas em conjunto, por maioria de 2/3 se necessário, completarão a redacção do OC e o CC por cooptação, e apresentam ao congresso o relatório correspondente. Depois da aprovação deste relatório pelo congresso, a cooptação posterior far-se-á separadamente pela redacção do OC e pelo CC.»

Deste texto o plano ressalta com uma precisão perfeita e sem o mínimo equívoco: ele significa a renovação da redacção com a participação dos mais influentes dirigentes do trabalho prático. Os dois aspectos que assinalei neste plano são imediatamente evidentes para quem se der ao trabalho de ler com alguma atenção o texto citado. Mas nos tempos que correm devemos determo-nos a explicar mesmo as coisas mais elementares. O plano significa justamente a renovação da redacção, e não necessariamente que se amplie ou se reduza o número dos seus membros, mas precisamente que se renove, ficando em aberto a questão de um possível alargamento ou redução; a cooptação é prevista apenas para os casos em que for necessária. Entre as hipóteses emitidas por diversas pessoas sobre a questão desta renovação havia também planos de redução ou aumento possível do número de membros da redacção para sete membros (pela minha parte considerei sempre que sete era muito mais conveniente que seis), e até o aumento deste número para onze membros (coisa que eu considerava possível no caso de uma união pacífica com todas as organizações sociais- democratas em geral, com o Bund e a social-democracia polaca em particular). Mas o mais importante que normalmente esquecem os que falam do «grupo de três», é que se exige que os membros do CC participem na solução da questão relativa à cooptação posterior para o OC. Nem um só camarada entre todos os membros da organização e delegados da «minoria» do congresso que conheciam este plano e o aprovaram (exprimindo o seu acordo ou de maneira explícita ou pelo seu silêncio) se deu ao trabalho de explicar o significado desta exigência. Primeiro: porque se tinha adoptado como ponto de partida da renovação da redacção precisamente um grupo de três e só um grupo de três? É evidente que isso careceria em absoluto de sentido se se visasse exclusivamente, ou pelo menos principalmente, ampliar esse organismo colectivo, se tal organismo colectivo fosse considerado verdadeiramente «harmonioso». Seria estranho que para ampliar um organismo colectivo «harmonioso» não se partisse do seu conjunto, mas apenas de uma parte dele. Sem dúvida que nem todos os membros desse organismo colectivo eram considerados inteiramente aptos para discutir e resolver o problema da renovação da sua composição pessoal, da transformação do velho círculo redactorial num organismo do partido. É evidente que mesmo quem pessoalmente desejasse a renovação sob a forma de ampliação reconhecia que a antiga composição não era harmoniosa, que não correspondia ao ideal de um organismo do partido, porque, de outro modo, não havia razão para começar por reduzir o grupo de seis a um grupo de três para o ampliar. Repito: isto é evidente por si só, e apenas um obscurecimento momentâneo da questão por questões «pessoais» o pôde fazer esquecer.

Em segundo lugar, do texto antes citado ressalta que mesmo o acordo dos três membros do OC ainda não bastaria para ampliar o grupo de três. Também isto é sempre esquecido. Para a cooptação são precisos 2/3 de seis, ou seja, quatro votos; por isso bastaria que os três membros eleitos para o CC opusessem o seu «veto» para tornar impossível qualquer ampliação do grupo de três. Pelo contrário, mesmo se dois dos três membros da redacção do OC fossem contra a cooptação posterior, esta poderia mesmo assim efectivar-se se os três membros do CC lhe tivessem dado o seu acordo. É evidente desta maneira que se pretendia, ao transformar o velho círculo em organismo do partido, dar voz decisiva aos dirigentes do trabalho prático eleitos pelo congresso. Quais eram, aproximadamente, os camaradas que tínhamos em mente, mostra-o o facto de a redacção, antes do congresso, ter eleito por unanimidade como sétimo membro o camarada Pavlóvitch, para o caso de ser necessário falar no congresso em nome do nosso organismo colectivo; além do camarada Pavlóvitch, propôs-se para o lugar do sétimo um velho membro da organização do Iskra e membro do CO, mais tarde eleito membro do CC.[13 2]

Assim, o plano de eleição de dois grupos de três visava manifestamente: 1) renovar a redacção, 2) eliminar nela certos aspectos do velho espírito de círculo, inadequado num organismo do partido (se não houvesse nada a eliminar, não teríamos tido que inventar o grupo de três inicial!), e por fim 3) eliminar os traços «teocráticos» de um organismo de literatos (eliminação a realizar fazendo com que destacados militantes práticos intervenham para resolver a questão da ampliação do grupo de três). Este plano, do qual todos os redactores tinham sido informados, assentava evidentemente na experiência de três anos de trabalho e correspondia completamente aos princípios que pusemos em prática consequentemente em matéria de organização revolucionária: na época de dispersão em que apareceu o Iskra, muitas vezes se constituíam grupos de modo fortuito e espontâneo, sofrendo inevitavelmente de certas manifestações nefastas do espírito de círculo. A criação do partido implicava e exigia a eliminação destes aspectos; a participação de destacados militantes práticos nesta eliminação era imprescindível, já que certos membros da redacção se tinham ocupado sempre de questões de organização, e não era apenas um organismo de literatos que devia entrar no sistema dos organismos do partido, mas sim um organismo de dirigentes políticos. O facto de ter deixado ao congresso a tarefa de eleger o grupo de três inicial, era igualmente natural do ponto de vista da política desde sempre defendida pelo Iskra: preparámos o congresso com extremo cuidado, esperando que fossem plenamente esclarecidas as questões de princípio controversas, do programa, da táctica e da organização; não duvidávamos que o congresso seria um congresso iskrista no sen- tido de que a imensa maioria se solidarizaria nestas questões fundamentais (o que em parte demons- travam também as resoluções sobre o reconhecimento do Iskra como órgão dirigente); tínhamos pois que deixar aos camaradas sobre cujos ombros tinha pesado todo o trabalho de difusão das idei- as do Iskra e de preparação da sua transformação em partido decidirem eles próprios quem eram os candidatos mais competentes para o novo organismo do partido. É unicamente pelo carácter natural do plano dos «dois grupos de três», unicamente pela sua plena conformidade com toda a política do Iskra e com tudo o que sabiam dela os que tivessem a mais pequena relação com o trabalho, que se pode explicar a aprovação geral deste plano e a ausência de qualquer outro plano concorrente.

E eis que no congresso o camarada Rússov propõe, antes de mais, que se elejam os dois grupos de três. Os partidários de Mártov, que nos tinha informado por escrito da relação deste plano com a falsa acusação de oportunismo, nem sequer pensaram, todavia, em reduzir a discussão sobre o grupo de seis e o grupo de três à questão de saber se esta acusação era fundada ou não. Nem um deles o mencionou sequer! Nem um deles ousou dizer uma só palavra sobre a diferença de princípio dos matizes ligados ao grupo de seis e ao grupo de três. Preferiram um meio mais corrente e mais barato: apelar para a piedade, falar de um possível ressentimento, fingir que o problema da redacção estava já resolvido com a designação do Iskra como Órgão Central. Este último argumento, utilizado pelo camarada Koltsov contra o camarada Rússov, é manifestamente falso.

Na ordem do dia do congresso figuravam - e não acidentalmente, é claro - dois pontos especiais (ver p. 10 das actas): p. 4- «O OC do partido» e p. 18 - «A eleição do CC e da redacção do OC». Isto, em primeiro lugar. Em segundo lugar, ao designar o OC, todos os delegados declararam categoricamente que com isso não se confirmava a redacção, mas apenas a orientação,[13 3] e nenhum protesto se levantou contra estas declarações.

Assim, a declaração de que depois de ter confirmado um órgão determinado o congresso tinha de facto confirmado desse modo a redacção - declaração muitas vezes repetida pelos partidários da minoria (Koltsov, p. 321, Possadóvski, ibid., Popov, p. 322, e muitos outros) -, era simplesmente de facto falsa. Era uma manobra evidente para todos, a qual mascarava o abandono da posição tomada quando todos ainda podiam de modo verdadeiramente imparcial encarar o problema da composição dos centros. Não era possível justificar o abandono, nem por razões de princípio (porque levantar no congresso a questão da «falsa acusação de oportunismo» seria demasiado desvantajoso para a minoria, a qual não disse uma só palavra a esse respeito), nem por uma referência a factos concretos sobre a verdadeira capacidade de trabalho do grupo de seis ou do grupo de três (porque a simples referência a estes factos teria fornecido uma montanha de provas contra a minoria). Tiveram que escapar-se, portanto, com frases sobre «o todo harmonioso», «colectividade harmoniosa», sobre «a harmonia e a integridade cristalina do todo», etc. Não é de espantar que imediatamente se tenham chamado tais argumentos pelo seu verdadeiro nome: «palavras mesquinhas» (p. 328). O próprio plano do grupo de três testemunhava claramente falta «de harmonia», e as impressões recolhidas pelos delegados no decorrer de mais de um mês de trabalho em comum forneceram sem dúvida aos delegados uma grande quantidade de dados para que pudessem julgar de modo independente. Quando o camarada Possadóvski fez alusão (de maneira imprudente e irreflectida do seu ponto de vista: ver pp. 321 e 325 sobre o emprego «condicional» que ele fez da palavra «fricções») a estes dados, o camarada Muraviov declarou francamente: «Na minha opinião, é agora completamente claro para a maioria do congresso que tais fricções[13 4] existem indubitavelmente» (p. 321). A minoria quis compreender a palavra «fricções» (lançada por Possadóvski e não por Muraviov) exclusivamente no sentido de algo pessoal, não ousando levantar a luva lançada pelo camarada Muraviov, não ousando formular um único argumento que na realidade servisse para a defesa do grupo de seis. Gerou-se uma discussão arquicómica pela sua esterilidade: a maioria (pela boca do camarada Muraviov), declara ver com toda a clareza o verdadeiro significado do grupo de seis e do grupo de três, enquanto a minoria persiste em não ouvir e afirma que «não temos a possibilidade de fazer essa análise». A maioria não só considera possível fazer essa análise, como já «a fez» e fala dos resultados para ela perfeitamente claros dessa análise, enquanto a minoria, pelos vistos, receia essa análise, escudando-se unicamente nas «palavras mesquinhas». A maioria recomenda «que se tenha em conta que o nosso OC não é apenas um grupo de literatos»; a maioria «quer que à cabeça do OC estejam pessoas perfeitamente determinadas, conhecidas do congresso, que preencham as exigências de que falei» (isto é, exigências não apenas literárias, p. 327, discurso do camarada Langue). Ainda desta vez, a minoria não ousa levantar a luva e não diz nem uma única palavra sobre quem, na sua opinião, pode fazer parte de um organismo colectivo que não seja apenas literário, nem diz quem é uma pessoa «perfeitamente determinada e conhecida do congresso». Á minoria continua a entricheirar-se por trás da famosa «harmonia». Mais ainda. A minoria serve-se mesmo de argumentos que são absolutamente falsos em princípio, e que por isso provocam, muito justamente, uma resposta violenta. «O congresso - vejam só - não tem o direito, nem moral nem político, de modificar a redacção» (Trótski, p. 326), «é uma questão demasiado delicada (sic!)» (ibid.) «como devem comportar-se os membros não eleitos da redacção perante o facto de o congresso não querer que eles façam mais parte da redacção?» (Tsariov, p. 324).[13 5]

Tais argumentos remetiam já a questão inteiramente para o campo da piedade e do ressentimento, sendo um reconhecimento manifesto da bancarrota no terreno dos argumentos verdadeiramente de princípio, verdadeiramente políticos. E a maioria definiu imediatamente esta maneira de pôr o problema pelo seu verdadeiro nome: filistinismo (camarada Rússov). «Na boca de revolucionários - disse justamente o camarada Rússov - ouvimos singulares discursos que estão em evidente desacordo com o conceito de trabalho de partido, de ética de partido. O argumento essencial que os adversários da eleição dos grupos de três formulam reduz-se a um ponto de vista puramente filistino sobre os assuntos do partido» (todos os sublinhados são meus)... «colocando-nos neste ponto de vista que não é de partido e sim filistino, em cada eleição iremos encontrar-nos perante a questão de saber se Petrov se não ofenderia vendo que em vez dele foi eleito Ivanov, se determinado membro do CO se não ofenderia vendo que em vez dele foi eleito outro para o CC. Camaradas, onde é que isto nos vai levar? Se nos reunimos aqui não para nos obsequiarmos mutuamente com agradáveis discursos ou trocarmos amabilidades filistinas, mas para criar um partido, não podemos de maneira nenhuma estar de acordo com esse ponto de vista. Trata-se de eleger funcionários e não pode colocar-se a questão de falta de confiança em nenhum dos não eleitos, mas apenas do bem da causa e de que a pessoa eleita seja adequada para o cargo para que é designada» (p. 325).

Aconselharíamos todos os que querem entender por si próprios as causas da cisão do partido e chegar às suas raízes no congresso que leiam e releiam o discurso do camarada Rússov, cujos argumentos a minoria não refutou, como nem sequer os pôs em dúvida. Aliás é impossível contestar verdades tão elementares e primárias, cujo esquecimento tão justamente explicou o próprio camarada Rússov só por «excitação nervosa». E para a minoria esta é efectivamente a explicação menos desagradável de como eles tinham podido abandonar o ponto de vista de partido para passar a um ponto de vista filistino e de círculo.[13 6]

Mas a minoria estava a tal ponto impossibilitada de encontrar argumentos razoáveis e sérios contra as eleições que, para além de introduzir espírito filistino nos assuntos do partido, chegou a métodos de carácter francamente escandaloso. De facto, como não chamar assim ao método utilizado pelo camarada Popov, que aconselhou o camarada Muraviov «a não aceitar encargos delicados» (p. 322)? Que é isto senão querer «introduzir-se na consciência alheia», segundo a justa expressão do camarada Sorókine (p. 328)? Que é isto senão especular sobre «questões pessoais» à falta de argumentos políticos? Ao afirmar que «sempre protestámos contra tais meios», o camarada Sorókine tinha ou não razão? «Será admissível a conduta do camarada Deutsch, que procurou de maneira ostensiva pôr no pelourinho os camaradas que não estavam de acordo com ele?»[13 7] (p. 328).

Façamos o balanço dos debates sobre a questão relativa à redacção. A minoria não refutou (nem tentou refutar) as numerosas indicações da maioria sobre o facto de que os delegados conheciam o projecto do grupo de três desde a abertura do congresso e antes do congresso e de que, por consequência, esse projecto se baseava em considerações e dados independentes dos acontecimentos e discussões do congresso. A minoria, ao assumir a defesa do grupo de seis, tomava uma posição inadmissível e errada quanto aos princípios baseada em considerações filistinas. A minoria mostrou ter esquecido completamente o ponto de vista de partido quanto à escolha dos funcionários, sem procurar sequer fazer uma apreciação de cada candidato para um cargo, da sua adequação ou não adequação às funções desse cargo. A minoria furtou-se ao exame da questão a fundo, invocando a famosa harmonia, «vertendo lágrimas», «tomando atitudes patéticas» (p. 327, discurso de Langue), como se «se quisesse matar» alguém. A minoria chegou mesmo a «introduzir-se na consciência alheia», a gritar que as eleições eram «criminosas», a usar de outros meios igualmente inadmissíveis, sob a influência da «excitação nervosa» (p. 325). A luta do espírito filistino contra o espírito de partido, das «questões pessoais» do pior gosto contra as considerações políticas, das palavras mesquinhas contra os conceitos mais elementares do dever revolucionário, eis o que foi a luta à volta do grupo de seis e do grupo de três na trigésima sessão do nosso congresso.

E na 31ª sessão, quando, por maioria de 19 votos contra 17 e três abstenções, o congresso rejeitou a proposta para confirmação do conjunto da antiga redacção (ver p. 330 e a errata), e quando os antigos redactores voltaram para a sala das sessões, o camarada Mártov, na sua «declaração em nome da maioria da antiga redacção» (pp. 330-331), deu provas, em proporções ainda maiores, das vacilações e da mesma instabilidade da posição política e das concepções políticas. Examinemos em pormenor cada um dos pontos da declaração colectiva e da minha resposta (pp. 332-333) a esta declaração.

«A partir de agora - diz o camarada Mártov depois da não confirmação da antiga redacção - o velho Iskra já não existe, e seria mais lógico mudar-lhe o nome. De qualquer maneira, vemos na nova decisão do congresso uma restrição substancial do voto de confiança dado ao Iskra numa das primeiras sessões do congresso.»

O camarada Mártov, com os seus colegas, levanta uma questão, verdadeiramente interessante e instrutiva sob muitos aspectos, sobre a coerência política. Já lhe respondi ao invocar aquilo que todos tinham dito quando da confirmação do Iskra (p. 349 das actas, cf. acima, p. 82). É indubitável que estamos na presença de um dos mais gritantes exemplos de falta de consequência em política.

Da parte de quem? Da parte da maioria do congresso ou da maioria da antiga redacção, deixamos ao leitor o cuidado de julgar. É ainda ao leitor que deixamos o cuidado de decidir de duas outras questões postas muito a propósito pelo camarada Mártov e pelos seus colegas: 1) é um ponto de vista filistino ou um ponto de vista de partido que revela o desejo de ver «uma restrição do voto de confiança ao Iskra» na decisão do congresso de proceder à eleição dos funcionários para a redacção do OC? 2) a partir de que momento deixa realmente de existir o velho «Iskra»? A partir do n° 46, quando Plekhánov e eu começámos ambos a dirigi-lo, ou a partir do n° 53, quando a maioria da antiga redacção se colocou à cabeça dele? Se a primeira questão é uma questão de princípio das mais interessantes, pelo contrário a segunda é uma questão de facto das mais interessantes.

«Como se decidiu agora - prossegue o camarada Mártov - eleger uma redacção de três pessoas, eu declaro em meu nome e em nome dos meus outros três camaradas que nenhum de nós fará parte dessa nova redacção. Pela minha parte, acrescentarei que, se é exacto que alguns camaradas quiseram inscrever o meu nome como um dos candidatos a esse «grupo de três», vejo-me obrigado a ver nisso uma ofensa que não merecia (sic!). Digo isto em virtude das circunstâncias em que se decidiu alterar a redacção. Decidiu-se isso por causa de certas “fricções”,[13 8] da incapacidade para actuar da antiga redacção, e o congresso resolveu essa questão num determinado sentido, sem nada perguntar à redacção sobre essas fricções e sem nomear sequer uma comissão para pôr a claro isso da sua incapacidade para actuar» ... (O estranho é que a ninguém da minoria ocorreu propor ao congresso que «perguntasse à redacção» ou nomeasse uma comissão! Não seria porque, depois da cisão da organização do Iskra e do fracasso das conversações sobre as quais escreveram os camaradas Mártov e Starover, isso teria sido inútil?)... «Nestas circunstâncias, devo considerar a hipótese de certos camaradas de que eu aceitaria trabalhar na redacção reformada desta maneira como uma mancha na minha reputação política»...[13 9]

Foi propositadamente que reproduzi na íntegra este raciocínio, para apresentar ao leitor uma amostra e o ponto de partida do que floresceu com tanta abundância depois do congresso e que não podemos qualificar de outro modo senão como querela mesquinha. Já empreguei esta expressão na minha Carta à Redacção do «Iskra» e, apesar do descontentamento da redacção, sou obrigado a repeti-la pela sua exactidão incontestável. É errado crer-se que tais querelas implicam «motivos baixos» (como conclui a redacção do novo Iskra): qualquer revolucionário minimamente familiarizado com as nossas colónias de exilados e emigrados certamente pôde ver dezenas de exemplos destas querelas, em que se colocavam e examinavam até à saciedade as mais absurdas acusações, suspeitas, auto-acusações, questões «pessoais», etc., querelas provocadas pela «excitação nervosa» e condições de vida anormais, bafientas. Não há um só homem sensato que se ponha a procurar a todo o custo motivos baixos nestas querelas, por mais baixas que sejam as suas manifestações. E é apenas por uma «excitação nervosa» que se pode explicar esta meada emaranhada de absurdos, de questões pessoais, de horrores fantásticos, de penetrações na consciência alheia, de ofensas e de calúnias imaginárias que nos oferece o excerto que reproduzi do discurso do camarada Mártov. As condições de vida bafientas geram entre nós centenas destas querelas, e um partido político não mereceria consideração se não ousasse dar o seu verdadeiro nome à doença de que sofre, fazer um diagnóstico implacável e procurar o meio de cura.

Na medida em que se pode distinguir nesta meada algo de princípio, tem de se chegar inevitavelmente à conclusão de que «as eleições nada têm de comum com uma ofensa à reputação política», que «negar o direito do congresso de proceder a novas eleições, de introduzir qualquer modificação nos quadros de funcionários, de seleccionar os componentes dos organismos aos quais outorga poderes», significa embrulhar a questão, e que «o ponto de vista do camarada Mártov segundo o qual podia eleger-se parte do antigo organismo revela uma enorme confusão de conceitos políticos» (como disse no congresso, p. 332).[13 10]

Omito a observação «pessoal» do camarada Mártov relativa à questão de saber quem teve a iniciativa do plano do grupo de três e passo à caracterização «política» do significado que ele deu à não confirmação da antiga redacção: ...«O que se passou agora é o último acto da luta que se desenrolou durante a segunda metade do congresso»... (Muito bem! e esta segunda metade começa no momento em que Mártov, a propósito do §1 dos estatutos, caiu no apertado abraço do camarada Akímov)... «Não é segredo para ninguém que, quanto a esta reforma, não se trata de “capacidade para actuar”, mas de uma luta pela influência sobre o CC»... (Em primeiro lugar, não é segredo para ninguém que se tratava tanto da capacidade para actuar como de uma divergência sobre a composição pessoal do CC, visto que o plano de «reforma» foi apresentado quando ainda não se podia falar da segunda divergência e quando, em conjunto com o camarada Mártov, tínhamos escolhido como sétimo membro da redacção o camarada Pavlóvitch! Em segundo lugar, já mostrámos, apoiados em documentos, que se tratava da composição pessoal do CC, e que à la fin des fins[13 11] o problema se reduziu a uma diferença de listas: Glébov-Travínski-Popov e Glébov- Trótski-Popov)... «A maioria da redacção mostrou que não queria ver transformado o CC num instrumento da redacção»... (Começa a cantilena de Akímov: a questão da influência, pela qual luta qualquer maioria, em qualquer congresso de partido, sempre e em todo o lado, a fim de consolidar esta influência por uma maioria nos organismos centrais, passa para o domínio dos mexericos oportunistas sobre o «instrumento» da redacção, sobre «um simples apêndice» da redacção? como disse o próprio camarada Mártov um pouco mais tarde, p. 334.)... «É por isso que foi preciso reduzir o número de membros da redacção(!!). E é por isso que não posso fazer parte de tal redacção»... (Vejam só com mais atenção este «e é por isso que»: como poderia a redacção transformar o CC num apêndice ou num instrumento? Exclusivamente no caso de ter três votos no Conselho e abusar desta superioridade? Não é claro? E não será também claro que o camarada Mártov, eleito terceiro membro, poderia sempre impedir qualquer abuso e eliminar apenas com o seu voto qualquer superioridade da redacção no Conselho? A questão reduz-se, pois, precisamente, à composição pessoal do CC, e desde logo fica bem claro que isso de instrumento e apêndice são meros mexericos.) ... «Em conjunto com a maioria da antiga redacção, eu pensava que o congresso poria fim ao “estado de sítio” no seio do partido e instalaria nele um regime normal. Na prática, o estado de sítio com as suas leis de excepção contra certos grupos foi prolongado e até se agravou. Só se se mantiver a composição da antiga redacção podemos garantir que os direitos conferidos à redacção pelos estatutos não serão utilizados em prejuízo do partido»...

Esta é a passagem integral do discurso do camarada Mártov em que lançou pela primeira vez a famigerada palavra de ordem do «estado de sítio». E agora vede a minha resposta:

...«Ao corrigir a declaração de Mártov sobre o carácter particular do plano dos dois grupos de três, nem sequer penso, no entanto, em opor-me ao que o próprio Mártov diz sobre o “significado político” da iniciativa que tomámos não confirmando a antiga redacção. Pelo contrário, estou inteiramente e sem restrições de acordo com o camarada Mártov em que esta decisão tem grande importância política, mas não no sentido que lhe atribui Mártov. Este é, disse ele, um acto da luta pela influência no CC na Rússia. Eu vou mais longe do que Mártov. Toda a actividade do Iskra enquanto grupo particular foi até agora uma luta pela influência, mas agora trata-se de algo mais, trata-se de consolidar organicamente esta influência e não só de lutar por ela. A profundidade da nossa divergência política com o camarada Mártov sobre este ponto manifesta-se claramente quando ele me lança à cara este desejo de exercer influência no CC, ao passo que eu me prezo de ter procurado e de continuar a procurar consolidar esta influência através da organização. Verifica-se que até falamos linguagens diferentes. De que serviria todo o nosso trabalho, todos os nossos esforços, se viessem a ser coroados pela mesma velha luta pela influência, e não pela plena aquisição e consolidação da influência? Sim, o camarada Mártov tem toda a razão: o passo dado é incontestavelmente um grande passo político, que prova que foi escolhida uma das tendências que actualmente se nos apresentam para o trabalho futuro do nosso partido. E não estou nada assustado com as palavras terríveis sobre o “estado de sítio no Partido”, sobre as “leis de excepção contra certas pessoas ou certos grupos”, etc. Para os elementos instáveis e hesitantes não somente podemos, mas devemos, criar o “estado de sítio”, e os nossos estatutos na sua totalidade, todo o nosso centralismo a partir de agora aprovado pelo congresso, tudo isso mais não é do que um “estado de sítio” contra as fontes tão numerosas de imprecisão política. Contra a imprecisão necessitamos justamente de leis especiais, ainda que sejam de excepção, e o passo dado pelo congresso indicou a direcção política justa, dando uma base sólida a tais leis e a tais medidas.»[13 12]

Sublinhei neste resumo do meu discurso no congresso a frase que o camarada Mártov preferiu omitir no seu «Estado de Sítio» (p. 16). Não admira que esta frase lhe tenha desagradado e que não tenha querido compreender o seu sentido bem claro.

Que significa a expressão «palavras terríveis», camarada Mártov?

Significa troçar, troçar dos que dão grandes nomes a coisas pequenas, que embrulham uma questão simples com uma fraseologia pretensiosa.

O único, pequeno e simples facto que pôde servir e serviu de pretexto à «excitação nervosa» do camarada Mártov consistia exclusivamente no facto de o camarada Mártov ter sofrido uma derrota no congresso, na questão relativa à composição pessoal dos centros. O significado político deste simples facto foi que a maioria do congresso do partido, depois de ter triunfado, consolidou a sua influência estabelecendo também a maioria na direcção do partido, lançando, no terreno da organização, uma base para a luta, por meio dos estatutos, contra aquilo que essa maioria considerava hesitação, instabilidade e imprecisão.[13 13] Falar a propósito disto de «luta pela influência» com uma espécie de horror no olhar e queixar-se do «estado de sítio» era apenas fraseologia pretensiosa, apenas palavras terríveis.

O camarada Mártov não está de acordo com isto? Porque não tenta demonstrar-nos se houve no mundo um congresso de partido, se é concebível em geral um congresso de partido em que a maioria não consolidou a influência conquistada: 1) estabelecendo a mesma maioria nos centros; 2) dando-lhe poder para neutralizar a hesitação, a instabilidade e a imprecisão?

Antes das eleições, o nosso congresso tinha de resolver a questão: era à maioria ou à minoria do partido que se devia reservar um terço dos votos no OC e no CC? O grupo de seis e a lista do camarada Mártov significavam que o terço nos cabia a nós e os dois terços aos seus partidários. O grupo de três no OC e a nossa lista significavam que dois terços eram para nós, e um terço para os partidários do camarada Mártov. O camarada Mártov recusou-se a chegar a um acordo connosco ou a ceder, e provocou-nos para o combate, por escrito, diante do congresso; mas depois de ter sofrido a derrota perante o congresso, pôs-se a chorar e começou a queixar-se do «estado de sítio»! Ora não será isto uma querela mesquinha? Não será isto uma nova manifestação de tibieza própria de intelectuais?

Não podemos deixar de recordar a propósito a brilhante definição sociopsicológica desta última qualidade dada recentemente por K. Kautsky. Os partidos sociais-democratas de diferentes países estão actualmente sujeitos muitas vezes a doenças do mesmo género, e ser-nos-á muito, muito útil aprender com camaradas mais experientes o diagnóstico justo e o tratamento acertado. Por isso, a definição de alguns intelectuais dada por Kautsky só na aparência nos afastará do nosso tema.

...«No momento actual, de novo nos interessamos vivamente pela questão do antagonismo entre os intelectuais[13 14] e o proletariado. Os meus colegas» (Kautsky é também um intelectual, literato e redactor) «em muitos casos indignar-se-ão ao ver que eu admito este antagonismo. Mas o facto é que ele existe, e a táctica mais inadequada seria (neste como noutros casos) tentar desembaraçarmo- nos dele negando o facto. Este antagonismo é um antagonismo social que se manifesta nas classes e não em indivíduos isolados. Tal como um capitalista, um intelectual pode, individualmente, entregar-se por inteiro à luta de classe do proletariado. Em tais casos, quando isto tem lugar, o intelectual muda também de carácter. No que vou dizer a seguir, não tratarei principalmente dos intelectuais deste tipo, que ainda hoje são excepção no seio da sua classe. A seguir, quando não houver qualquer reserva especial, entendo por intelectual apenas um intelectual comum que se situa no terreno da sociedade burguesa, e que é um representante característico da intelectualidade como classe. Esta classe mantém-se num certo antagonismo com o proletariado.

«Este antagonismo é de um género diferente do antagonismo entre o trabalho e o capital. O intelectual não é um capitalista. É verdade que o seu nível de vida é burguês e que ele é obrigado a manter este nível a menos que se transforme num vagabundo, mas ao mesmo tempo vê-se obrigado a vender o produto do seu trabalho e por vezes mesmo a sua força de trabalho e sofre com frequência a exploração dos capitalistas e certa humilhação social. Assim, não existe nenhum antagonismo económico entre o intelectual e o proletariado. Mas a sua situação na vida, as suas condições de trabalho, não são proletárias; daí um certo antagonismo nos sentimentos e nas ideias.

«O proletário não é nada enquanto permanecer um indivíduo isolado. Toda a sua força, todas as suas capacidades de progresso, todas as suas esperanças, as suas aspirações, tira-as da organização, da sua actuação sistemática em comum com os seus camaradas. Sente-se grande e forte quando faz parte de um grande e forte organismo. Este organismo é tudo para ele, enquanto um indivíduo isolado, em comparação com ele, significa muito pouco. O proletário luta com a maior abnegação como uma parcela da massa anónima, sem pretender vantagens pessoais, glória pessoal; ele cumpre o seu dever em qualquer cargo onde seja colocado, submetendo-se voluntariamente à disciplina, que penetra todos os seus sentimentos, todo o seu pensamento.

« O que sucede com o intelectual é muito diferente. Ele não luta empregando, de um modo ou de outro, a força, mas servindo-se de argumentos. As suas armas são os seus conhecimentos pessoais, as suas capacidades pessoais, as suas convicções pessoais. Só se pode fazer valer pelas suas qualidades pessoais. A inteira liberdade de manifestar a sua personalidade apresenta-se-lhe pois como a primeira condição de êxito no seu trabalho. Só muito dificilmente se submete a um todo, como parte auxiliar desse todo, e submete-se-lhe por necessidade e não por inclinação pessoal. A necessidade de uma disciplina, reconhece-a apenas para a massa e não para os espíritos de elite. Ele próprio, é evidente, considera-se entre os espíritos de elite...

... «A filosofia de Nietzsche, com o seu culto do super-homem, para quem tudo se reduz a conseguir o pleno desenvolvimento da sua própria personalidade, para quem qualquer submissão da sua pessoa a qualquer grande objectivo social se apresenta vil e desprezível, esta filosofia é a verdadeira concepção do mundo do intelectual, ela torna-o absolutamente incapaz de participar na luta de classe do proletariado.

«Ao lado de Nietzsche, Ibsen é um representante destacado da concepção do mundo da intelectualidade, concepção que coincide com a sua maneira de sentir. O seu doutor Stockmann (no drama Um Inimigo do Povo) não é um socialista, como muitos supunham, mas o tipo de intelectual que deve necessariamente entrar em conflito com o movimento proletário e, em geral, com qualquer movimento popular, desde que tente actuar nele. Isto porque a base do movimento proletário, como a de qualquer movimento democrático,[13 15] é o respeito pela maioria dos camaradas. O intelectual típico à la Stockmann vê na «compacta maioria» um monstro que deve ser derrubado.

... «O modelo ideal do intelectual que se deixou penetrar inteiramente pelo espírito proletário, que, sendo um brilhante escritor, perdeu os traços psicológicos próprios da intelectualidade, que se integrava nas fileiras sem murmurar, trabalhava em qualquer cargo que lhe confiassem, se tinha consagrado inteiramente à nossa grande causa e desprezava os chorosos queixumes (weichlickes Gewinsel) sobre o esmagamento da sua personalidade, que tantas vezes ouvimos por parte dos intelectuais formados no espírito de Ibsen e Nietzsche quando lhes acontecia ficar em minoria, o modelo ideal deste intelectual, como daqueles de que o movimento socialista necessita, era Liebknecht. Poder-se-ia igualmente citar aqui Marx, que nunca se pôs em primeiro plano e se submetia de maneira exemplar à disciplina do partido no seio da Internacional, onde mais de uma vez ficou em minoria.»[13 16]

Precisamente chorosos queixumes de intelectual que ficou em minoria, e nada mais, foi a renúncia de Mártov e dos seus colegas ao cargo apenas por não ter sido confirmado o antigo círculo, as lamentações sobre o estado de sítio e as leis de excepção «contra determinados grupos» que não eram caros a Mártov quando da dissolução do Iújni Rabótchi e da Rabótcheie Dielo, mas que se lhe tornaram caros quando da dissolução do seu organismo colectivo.

Precisamente chorosos queixumes de intelectuais em minoria foram afinal todas as queixas, censuras, alusões, lamentações, mexericos e insinuações sobre a «compacta maioria», de que correram rios no nosso congresso do partido[13 17] (e ainda mais depois do congresso), por obra e graça do camarada Mártov.

A minoria queixava-se amargamente de que a compacta maioria tinha as suas reuniões privadas: na verdade, a minoria de algum modo tinha que encobrir o facto, para ela desagradável, de que os delegados que convidava para as suas reuniões privadas se recusavam a lá ir, e aqueles que de bom grado o teriam feito (os Egórov, os Mákhov, os Brúker) não podiam ser convidados pela minoria depois de toda a luta travada entre uns e outros no congresso.

Lamentaram-se amargamente da «falsa acusação de oportunismo»: na verdade, de algum modo se tinha que encobrir o facto desagradável de que precisamente os oportunistas, que apoiavam com muito mais frequência os anti-iskristas, e em parte os próprios anti-iskiristas, formavam a compacta minoria, agarrando-se com ambas as mãos à manutenção do espírito de círculo nos organismos, do oportunismo nos raciocínios, do filistinismo nos assuntos de partido, da instabilidade e tibieza própria de intelectuais.

Mostraremos no capítulo seguinte em que consiste a explicação do facto político altamente interessante de no fim do congresso se ter formado uma «compacta maioria», e por que razão a minoria, apesar de todas as solicitações, evita com o maior cuidado a questão das causas e a história da sua formação. Mas terminemos primeiro a análise dos debates no congresso. Durante as eleições para o CC, o camarada Mártov propôs uma resolução extremanente característica (p. 336), cujos três aspectos principais são o que eu qualificava por vezes de «xeque- mate em três lances». São estes os traços: 1) votam-se as listas de candidatos para o CC, e não candidatos individuais; 2) depois da leitura das listas, deixa-se passar duas sessões (para os debates, com certeza); 3) na ausência de uma maioria absoluta, reconhece-se a segunda votação como definitiva. Esta resolução é de uma estratégia engenhosamente concebida (devemos fazer justiça, mesmo ao adversário!), com a qual não está de acordo o camarada Egórov (p. 337), mas que seguramente garantiria a vitória completa a Mártov, se o grupo de sete, formado pelos bundistas e os partidários da «Rabótcheie Dielo», não tivesse abandonado o congresso. A estratégia explica-se justamente porque a minoria iskrista não tinha nem podia ter um « acordo directo» (que existia na maioria iskrista) não só com o Bund e Brúker, mas nem sequer com os camaradas Egórov e Mákhov.

Lembrai-vos que o camarada Mártov se lamentou no congresso da Liga, pretendendo que a «falsa acusação de oportunismo» implicava um acordo directo entre ele e o Bund. Repito, foi o medo que inspirou a Mártov esta ideia, e justamente o desacordo do camarada Egórov com a votação das listas (o camarada Egórov «ainda não tinha perdido os seus princípios», provavelmente os princípios que o levaram a associar-se com Goldblat na apreciação da importância absoluta das garantias democráticas) mostra visivelmente o facto de enorme importância de nem mesmo com Egórov ter podido efectivar-se um «acordo.directo». Mas a coligação podia fazer-se e fez-se tanto com Egórov como com Brúker, coligação no sentido de que o seu apoio era assegurado aos martovistas todas as vezes que os martovistas entrassem em sério conflito connosco, e que Akímov e os seus amigos tivessem que optar pelo mal menor. Não havia nem há sombra de dúvida de que, a título do mal menor, como aquilo que menos conduzia aos objectivos iskristas (ver o discurso de Akímov sobre o § l e as suas «esperanças» postas em Mártov), os camaradas Akímov e Líber teriam votado evidentemente pelo grupo de seis para o OC e pela lista de Mártov para o CC. A votação por listas, o deixar passar as duas sessões e a nova votação visavam obter precisamente este resultado com precisão quase mecânica, sem nenhum acordo directo.

Mas como a nossa compacta maioria continuava a ser uma maioria compacta, o movimento de flanco que o camarada Mártov propunha era apenas uma manobra dilatória, e não podíamos deixar de rejeitá-la. A minoria (numa declaração, p. 341) por escrito deu rédea solta às suas queixas a este respeito, recusando, a exemplo de Martínov e Akímov, participar na votação e nas eleições para o CC «dadas as condições nas quais estas se efectuavam». Depois do congresso, estas queixas contra as condições anormais das eleições (ver Estado de Sítio, p. 31) foram espalhadas a torto e a direito perante centenas de comadres do partido. Mas em que consistia esta anormalidade? Na votação secreta que tinha sido prevista antecipadamente pelo regulamento do congresso (§ 6, p. 11 das actas), e na qual seria ridículo ver «hipocrisia» ou «injustiça»? Na formação de uma compacta maioria, essa «coisa monstruosa» para os intelectuais dados às lamúrias? Ou no desejo anormal destes respeitáveis intelectuais de faltar à palavra que tinham dado, antes do congresso, de reconhecer a validade de todas as suas eleições (p. 380, § 18, do regulamento do congresso)? O camarada Popov fez uma subtil alusão a este desejo quando, no dia das eleições, perguntou directamente no congresso: «O bureau tem a certeza de que a decisão do congresso é válida e legítima quando metade dos participantes nele se recusaram a votar?»[13 18] O bureau respondeu naturalmente que tinha a certeza e recordou o incidente com os camaradas Akímov e Martínov. O camarada Mártov juntou-se ao bureau e declarou terminantemente que o camarada Popov se enganava e que «as decisões do congresso são legítimas» (p. 343). Que o leitor julgue por si próprio da coerência política, pelos vistos altamente normal, a qual se manifesta quando se compara esta declaração perante o partido com a conduta depois do congresso e com a frase do Estado de Sítio sobre «a insurreição desencadeada já no congresso por metade do partido» (p. 20). As esperanças que o camarada Akímov depositava no camarada Mártov foram mais fortes que as efémeras boas intenções do próprio camarada Mártov.

«Venceste», camarada Akímov!

* * *

Para mostrar a que ponto era uma «palavra terrível» a famigerada frase relativa ao «estado de sítio», frase que adquiriu já para sempre um sentido tragicómico, pode-se citar alguns pormenores, insignificantes na aparência, mas no fundo muito importantes, do fim do congresso, fim esse que teve lugar depois das eleições. O camarada Mártov está agora obcecado por esse «estado de sítio» tragicómico, afirmando muito a sério a si próprio e ao leitor que o espantalho por ele inventado significava uma perseguição anormal, um acossar, um atropelo da «minoria» pela «maioria». Vamos mostrar em seguida como as coisas se passaram depois do congresso. Mas basta mesmo prestar atenção ao fim do congresso para ver que, depois das eleições, a «compacta maioria» não só não persegue os pobres martovistas, atropelados, ofendidos e levados ao patíbulo como, pelo contrário, lhes oferece ela própria (pela boca de Liádov) dois lugares, de três, na comissão das actas (p. 354). Pegai nas resoluções sobre os problemas tácticos e sobre outros pontos (p. 355 e segs.) e vereis que se tratou dos problemas a fundo de um ponto de vista puramente prático, em que as assinaturas dos camaradas que apresentaram resoluções incluem frequentemente misturados tanto representantes da monstruosa e compacta «maioria» como partidários da «humilhada e ofendida» «minoria» (pp. 355,357, 363,365, 367 das actas). Verdadeiramente, acaso se assemelha isto a um «afastamento do trabalho» e a todos os outros «atropelos»?

A única discussão de fundo interessante, mas infelizmente demasiado curta, travou-se a propósito da resolução de Starover sobre os liberais. A julgar pelas assinaturas que a subscrevem (pp. 357 e 358), esta foi adoptada pelo congresso porque três partidários da «maioria» (Braun, Orlov e Óssipov) votaram em bloco tanto por ela como pela resolução de Plekhánov, por não verem a contradição irredutível que existia entre ambas. À primeira vista, não há contradição irredutível entre elas, visto que a de Plekhánov estabelece um princípio geral, exprime uma certa atitude do ponto de vista de princípios e da táctica para com o liberalismo burguês na Rússia, e a de Starover tenta determinar as condições concretas nas quais são admissíveis «acordos temporários» com «tendências liberais ou democrático-liberais». Os temas destas duas resoluções são diferentes. Mas a de Starover sofre precisamente de imprecisão política, sendo por isso fútil e mesquinha. Ela não define o conteúdo de classe do liberalismo russo, não indica as tendências políticas definidas que o reflectem; não elucida o proletariado sobre as tarefas fundamentais de propaganda e agitação relativamente a essas tendências definidas; confunde (em virtude da sua imprecisão) coisas diferentes como o movimento estudantil e a Osvobojdénie,[13 19] prescreve de modo mesquinho e casuístico três condições concretas nas quais são admissíveis «acordos temporários». Neste caso como em muitos outros, a imprecisão política conduz à casuística. A ausência de um princípio geral e o desejo de enumerar as «condições» levam a uma enumeração mesquinha e, rigorosamente falando, inexacta, dessas condições. Com efeito, examinai estas três condições de Starover: 1) «as tendências liberais ou democrático-liberais» devem «afirmar claramente e sem equívoco que, na sua luta contra o governo autocrático, se colocam resolutamente ao lado da social-democracia russa». Que diferença há entre as tendências liberais e as tendências democrático-liberais? A resolução não fornece dados para responder a esta questão. Não consistirá a diferença em que as tendências liberais exprimem a posição das camadas politicamente menos progressistas da burguesia, enquanto as tendências democrático-liberais exprimem a posição das camadas mais progressistas da burguesia e da pequena burguesia? Se assim é, como pode o camarada Starover admitir que as camadas burguesas menos progressistas (mas progressistas apesar de tudo, senão não se poderia falar de liberalismo) «se colocarão resolutamente ao lado da social-democracia»?? Isto é um absurdo, e ainda que os representantes dessa tendência «o afirmassem claramente e sem equívoco» (hipótese totalmente impossível), nós, partido do proletariado, teríamos o dever de não acreditar nas suas declarações. Ser liberal e colocar-se resolutamente ao lado da social-democracia, eis duas coisas que se excluem mutuamente.

Prossigamos. Admitamos o caso seguinte: «as tendências liberais ou democrático-liberais» declararão claramente e sem equívoco que, na sua luta contra a autocracia, se colocam resolutamente ao lado dos socialistas-revolucionários. Hipótese bem menos inverosímil (considerando a essência democrático-burguesa da tendência dos socialistas-revolucionários) que a do camarada Starover. A resolução deste, em virtude do seu carácter impreciso e casuístico, implica que neste caso acordos temporários com liberais deste género são inadmissíveis. E no entanto, esta conclusão, que decorre necessariamente da resolução do camarada Starover, conduz a uma tese francamente falsa. Os acordos temporários são também admissíveis com os socialistas- revolucionários (vede a propósito disto a resolução do congresso) e, por consequência, com os liberais que se colocarem ao lado dos socialistas-revolucionários.

Segunda condição: se essas tendências «não inscreverem nos seus programas reivindicações contrárias aos interesses da classe operária e da democracia em geral, ou que obscurecem a sua consciência». Aqui temos o mesmo erro: não existiram nunca, nem podem existir, tendências democrático-liberais que não inscrevam nos seus programas reivindicações contrárias aos interesses da classe operária e que não obscureçam a sua (do proletariado) consciência. Mesmo uma das fracções mais democráticas da nossa tendência democrático-liberal, a dos socialistas- revolucionários, formula no seu programa, confuso como todos os programas liberais, reivindicações contrárias aos interesses da classe operária e obscurecedoras da sua consciência. Desse facto deve-se tirar a conclusão de que é imprescindível «desmascarar a estreiteza e a insuficiência do movimento de emancipação da burguesia», mas de modo algum que sejam inadmissíveis acordos temporários.

Enfim, a terceira «condição» do camarada Starover (exigindo que os democratas-liberais façam do sufrágio universal, igual, directo e secreto palavra de ordem da sua luta) também é falsa na formulação geral em que nos é dada: não seria razoável declarar que os acordos temporários e particulares são, em qualquer caso, inadmissíveis com as tendências democrático-liberais que defendem a palavra de ordem de uma constituição censitária, uma constituição «cerceada» em geral. No fundo, poderíamos classificar aqui a «tendência» dos senhores da Osvobojdénie; mas atar- se as mãos, proibindo antecipadamente os «acordos temporários», ainda que com os liberais mais timoratos, seria uma miopia política incompatível com os princípios do marxismo.

Balanço: a resolução do camarada Starover, assinada igualmente pelos camaradas Mártov e Axelrod, é errada; e o terceiro congresso fará bem se a anular. Padece de imprecisão política na sua posição teórica e táctica, de casuística nas «condições» práticas que estipula. Confunde duas questões diferentes: 1) o desmascaramento dos traços «anti-revolucionários e anti-proletários» de qualquer tendência democrático-liberal e a obrigatoriedade da luta contra estes traços e 2) as condições em que são possíveis acordos temporários e particulares com qualquer destas tendências. Esta resolução não apresenta o que é necessário (análise do conteúdo de classe do liberalismo) e apresenta o que não é necessário (prescrição de «condições»). De maneira geral, num congresso do partido, é absurdo querer elaborar as «condições» concretas de acordos temporários quando ainda não se apresentou nenhum contratante determinado, sujeito desses possíveis acordos. E ainda que tal «sujeito» existisse, seria cem vezes mais racional deixar o cuidado de precisar as «condições» do acordo temporário aos organismos centrais do partido, como aliás fez o congresso com a «tendência» dos senhores socialistas-revolucionários (ver a modificação introduzida por Plekhánov no final da resolução do camarada Axelrod, pp. 362 e 15 das actas).

Quanto às objecções apresentadas pela «minoria» à resolução de Plekhánov, eis o único argumento que o camarada Mártov invocou: a resolução de Plekhánov «termina com uma conclusão mesquinha: é preciso desmascarar um literato. Não será “armar-se com um malho para abater uma mosca” ?» (p. 358). Este argumento, em que a ausência de ideias é dissimulada por uma expressão mordaz - «conclusão mesquinha» - dá-nos uma nova amostra da fraseologia pretensiosa. Primeiro, a resolução de Plekhánov fala em «desmascarar perante o proletariado a estreiteza e a insuficiência do movimento de emancipação da burguesia, sempre que essa estreiteza e insuficiência se manifestem». Por isso é a mais pura futilidade a afirmação do camarada Mártov (no congresso da Liga, p. 88 das actas) de que «toda a atenção se deve concentrar unicamente em Struve, num só liberal». Em segundo lugar, comparar o senhor Struve a uma «mosca», quando se trata da possibilidade de acordos temporários com os liberais russos, é sacrificar à mordacidade a mais elementar evidência política. Não, o senhor Struve não é uma mosca, é uma grandeza política; e se o é, não será porque pessoalmente seja uma figura muito destacada. A sua qualidade de grandeza política advém-lhe da sua posição, a sua posição de único representante do liberalismo russo, do liberalismo com certa organização e capacidade de actuar no mundo da clandestinidade. Por isso, falar dos liberais russos e da atitude do nosso partido para com eles sem ter em conta precisamente o senhor Struve, e precisamente a Osvobojdénie - é falar para não dizer nada. Ou tentará talvez o camarada Mártov indicar-nos mesmo que seja só uma «tendência liberal ou democrático-liberal» na Rússia que possa, no momento actual, mesmo de longe, comparar-se à tendência da Osvobojdénie? Seria curioso ver semelhante tentativa![13 20]

«O nome de Struve nada significa para os operários», declarou o camarada Kostrov em apoio do camarada Mártov. Este é já, sem ofensa para os camaradas Kostrov e Mártov, um argumento à Akímov. Este é já um argumento como o do proletariado no genitivo.[13 21]

Quais são os operários para quem «o nome de Struve não significa nada» (do mesmo modo que o da Osvobojdénie mencionado na resolução de Plekhánov ao lado do nome do senhor Struve)? São os operários que conhecem muitíssimo pouco ou não conhecem absolutamente nada das «tendências liberais e democrático-liberais» na Rússia. Perguntamos qual deve ser a atitude do congresso do nosso partido para com esses operários: deverá encarregar os membros do partido de dar a conhecer a esses operários a única tendência liberal definida existente na Rússia? ou deve calar um nome pouco conhecido dos operários precisamente em virtude da insuficiência dos seus conhecimentos políticos? Se o camarada Kostrov, depois de ter dado o primeiro passo na esteira do camarada Akímov, não quer dar o segundo passo, resolverá seguramente esta questão no primeiro sentido. E tendo-a resolvido no primeiro sentido, verá como o seu argumento era inconsistente. Em todo o caso, as palavras «Struve» e Osvobojdénie, na resolução de Plekhánov, podem dar aos operários muito mais do que as palavras «tendência liberal e democrático-liberal», na resolução de Starover.

No momento actual, o operário russo não pode tomar conhecimento na prática das tendências políticas mais ou menos francamente expressas do nosso liberalismo a não ser através da Osvobojdénie. A literatura liberal legal não serve neste caso porque é demasiado nebulosa. E nós devemos com o maior zelo (e perante massas operárias o mais vastas possíveis) dirigir a arma da nossa crítica contra os elementos da Osvobojdénie para que no momento da revolução futura o proletariado russo possa, com a verdadeira crítica das armas, paralisar as inevitáveis tentativas dos senhores da Osvobojdénie de cercear o carácter democrático da revolução.

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À parte a «perplexidade», de que falei anteriormente, do camarada Egórov sobre o nosso «apoio» ao movimento de oposição e revolucionário, os debates sobre as resoluções não forneceram material interessante, e de resto quase não houve debates.

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O congresso terminou com breves palavras do presidente recordando o carácter imperativo das decisões do congresso para todos os membros do partido.

Notas

  1. Ver a minha Carta à Redacção do «Iskra», p. 5, e as actas da Liga, p. 53. (Nota do Autor)
  2. Trata-se de G. M. Krjijanóvski.
  3. Ver p. 140 das actas, o discurso de Akímov: ...«dizem-me que das eleições para o OC falaremos no fim»; o discurso de Muraviov contra Akímov «que toma demasiado a peito a questão da futura redacção do OC» (p. 141); o discurso de Pavlóvitch declarando que, uma vez designado o órgão, tínhamos «materiais concretos com os quais podemos fazer as operações com que o camarada Akímov tanto se preocupa», e que, quanto à «submissão» do Iskra «às decisões do partido», não podia haver nisso nem sombra de dúvida (p. 142); o discurso de Trótski: «se não confirmarmos a redacção o que é que nós confirmamos no Iskra?... Não é o nome, mas a orientação... não é o nome, mas a bandeira» (p. 142); o discurso de Martínov: ... «Considero, como de resto muitos outros camaradas, que ao discutir o reconhecimento do Iskra como jornal duma certa tendência, como nosso Órgão Central, não devemos falar agora do modo de eleição ou de confirmação da sua redacção; falaremos disso mais tarde, no lugar correspondente da ordem do dia»... (p. 143). (Nota do Autor)
  4. Terminou o congresso sem que soubéssemos a que «fricções» o camarada Possadóvski se referia. Quanto ao camarada Muraviov, na mesma sessão (p. 322) pôs em dúvida que se tivesse interpretado fielmente o seu pensamento, e quando se retificavam as actas declarou francamente que «falara de fricções que tinha havido nos debates no congresso sobre diversas questões, de fricções de um carácter de princípio, cuja existência, infelizmente, é no momento actual um facto que ninguém negará» (p. 353). (Nota do Autor)
  5. Cf. o discurso do camarada Possadóvski:... «Ao escolher três membros entre os seis da antiga redacção, dizeis desse modo que os outros três são inúteis, supérfluos. E não tendes nem o direito nem motivos fundados para o fazer.» (Nota do Autor)
  6. O camarada Mártov, no seu Estado de Sítio, abordou esta questão do mesmo modo que todos os outros problemas por ele tratados. Não se deu ao trabalho de esboçar um quadro completo da discussão. Muito modestamente, rodeou a única verdadeira questão de princípio surgida nesta discussão: amabilidades filistinas ou eleição de funcionários? Ponto de vista de partido ou ressentimento dos Ivan Ivánovitch? Também aqui o camarada Mártov contentou-se em extrair passagens isoladas e desgarradas deste incidente, acrescentando toda a espécie de injúrias contra mim. É bem pouco, camarada Mártov! O camarada Mártov insiste particularmente em perguntar-me a mim por que razão não se elegeu no congresso os camaradas Axelrod, Zassúlitch e Starover. O ponto de vista filistino por ele adoptado impede-o de ver como são indecorosas tais perguntas (porque não pergunta isso ao seu colega de redacção, o camarada Plekhánov?). No facto de eu considerar que «houve falta de tacto» na conduta da minoria no congresso quanto à questão do grupo de seis e exigir ao mesmo tempo que se informe disso o partido, vê Mártov uma contradição. Não há qualquer contradição nisto, como bem facilmente poderia dar-se conta o próprio Mártov, se se quisesse ter dado ao trabalho de fazer uma exposição coerente de todas as peripécias do problema, e não de fragmentos. Ter falta de tacto era pôr a questão do ponto de vista filistino, fazendo apelo à piedade e ao ressentimento; os interesses da publicidade de partido teriam exigido uma apreciação, quanto ao fundo, das vantagens do grupo de seis em comparação com o grupo de três, apreciação dos candidatos aos cargos, apreciação dos matizes: a minoria não disse sequer uma palavra acerca disto no congresso. Estudando atentamente as actas, o camarada Mártov teria podido encontrar nos discursos dos delegados toda uma série de argumentos contra o grupo de seis. Eis alguns excertos desses discursos: primeiro, o antigo grupo de seis deixa perceber claramente algumas asperezas no sentido de matizes de princípio; segundo, seria desejável uma simplificação técnica do trabalho redactorial; terceiro, os interesses da causa passam por cima das amabilidades filistinas; só a eleição permitirá garantir que as pessoas escolhidas sejam adequadas aos cargos; quarto, não se pode limitar a liberdade de eleição pelo congresso; quinto, o partido agora não precisa apenas de um grupo de literatos no OC, o OC não precisa apenas de homens de letras, mas também de administradores; sexto, o OC deve dispor de pessoas perfeitamente determinadas, conhecidas do congresso; sétimo, um organismo formado por seis pessoas é muitas vezes incapaz de actuar, e o seu trabalho não se fez graças a estatutos anormais, mas a despeito deles; oitavo, dirigir um jornal é assunto do partido (e não dum círculo), etc. - Que o camarada Mártov tente, se se interessa tanto pelas causas da não eleição destas pessoas, compreender cada uma destas considerações e refutar nem que seja uma só delas. (Nota do Autor)
  7. Foi assim que o camarada Sorókine, naquela mesma sessão, compreendeu as palavras do camarada Deutsch (cf. p. 324: «diálogo violento com Orlov»). O camarada Deutsch explica (p. 351) que «não disse nada semelhante», mas reconhece imediatamente que disse algo de muito, muito «semelhante». «Eu não disse: quem se decidirá - explica o camarada Deutsch -, mas: estou com curiosidade de ver quem se decidirá [(sic!) o camarada Deutsch corrige-se, indo de mal a pior!] a apoiar uma proposta tão criminosa (sic!) como a eleição do grupo de três» (p. 351). O camarada Deutsch não refutou, antes confirmou, as palavras do camarada Sorókine. O camarada Deutsch confirmou a censura deste último de que «todas as noções se baralharam aqui» (nos argumentos da minoria a favor do grupo de seis). O camarada Deustch confirmou a oportunidade da alusão do camarada Sorókine a esta verdade elementar de que «nós somos membros do partido e devemos agir guiados exclusivamente por considerações políticas». Gritar que as eleições foram criminosas é rebaixar-se não só a uma atitude filistina, mas francamente ao escandalozinho! (Nota do Autor)
  8. O camarada Mártov faz provavelmente alusão à expressão do camarada Possadóvski: «fricções». Repito que o camarada Possadóvski não explicou no entanto ao congresso onde ele queria chegar, e o camarada Muraviov, que usou a mesma expressão, explicou que falava de fricções de princípio que tinham surgido nos debates do congresso. Os leitores lembrar-se-ão que o único exemplo de verdadeiros debates de princípio, debates nos quais tinham participado quatro redactores (Plekhánov, Mártov, Axelrod e eu) se referia ao § l dos estatutos, e que os camaradas Mártov e Starover se queixaram por escrito da «falsa acusação de oportunismo» como um dos argumentos a favor da «alteração» da redacção. Nesta carta, o camarada Mártov descobria uma ligação clara do «oportunismo» com o plano de alteração da redacção, mas no congresso contentou-se em fazer uma vaga alusão a «certas fricções». A «falsa acusação de oportunismo» estava já esquecida! (Nota do Autor)
  9. O camarada Mártov acrescentou ainda: «Talvez Riazánov consentisse fazer esse papel, mas não o Mártov que conheceis, penso eu, pelo seu trabalho.» Como se tratava de um ataque pessoal contra Riazánov, o camarada Mártov retirou as suas palavras. Mas Riazánov figurou no congresso como tipo representativo, não por estas ou aquelas qualidades pessoais (seria deslocado falar delas), mas pela fisionomia política do grupo «Borba», pelos seus erros políticos. O camarada Mártov faz muito bem em retirar as ofensas pessoais, supostas ou reais, mas não se devem esquecer por isso os erros políticos que devem servir de lição ao partido. O grupo «Borba» foi acusado no nosso congresso de semear o «caos organizativo» e a «fragmentação que nenhuma consideração de princípio justificava» (p. 38, discurso do camarada Mártov). Tal conduta política merece seguramente ser censurada, não só quando a vemos manifestar-se num pequeno grupo antes do congresso do partido num período de caos geral, mas também quando a vemos depois do congresso do partido, quando se elimina o caos, mesmo quando a vemos da parte da «maioria da redacção do Iskra e da maioria do grupo “Emancipação do Trabalho”». (Nota do Autor)
  10. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 305. (N. Ed.)
  11. No fim dos fins. (N. Ed.)
  12. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 307-308. (N. Ed.)
  13. Como se manifestaram no congresso a hesitação, a instabilidade e a imprecisão da minoria iskrista? Primeiro, no fraseado oportunista sobre o § l dos estatutos; segundo, na coligação com os camaradas Akímov e Líber, a qual se desenvolveu rapidamente na segunda metade do congresso; terceiro, na faculdade de rebaixar a questão da eleição dos funcionários para o OC a um nível filistino, a palavras mesquinhas e até à penetração na consciência alheia. E depois do congresso tão belas qualidades amadureceram, e os botões deram flores e frutos. (Nota do Autor)
  14. Traduzo pelas palavras intelectual, intelectualidade, os termos alemães Literat, Literatentum, que englobam não só os literatos, mas todos os homens instruídos, das profissões liberais em geral, os trabalhadores intelectuais ( brain worker, como dizem os ingleses), ao contrário dos trabalhadores manuais. (Nota do Autor)
  15. É muito característico do confusionismo que os nossos martovistas provocaram em todos os problemas de organização o facto de que, depois de terem feito uma viragem para Akímov e para uma democracia deslocada, estão ao mesmo tempo irritados pela eleição democrática da redacção, eleição feita no congresso e de antemão prevista por todos. Será este também o vosso princípio, senhores? (Nota do Autor)
  16. Karl Kautsky, «Franz Mehring», Neue Zeit, XXII, I, S. 99-101, 1903, n° 4.
  17. Ver pp. 337, 338, 340, 352, etc., das actas do congresso.
  18. P. 342. Trata-se da eleição do quinto membro do Conselho. Foram entregues 24 boletins (44 votos ao todo), dos quais havia dois em branco. (Nota do Autor)
  19. Osvobojdénie (Libertação): revista quinzenal, que se publicou no estrangeiro de 18 de Junho (l de Julho) de 1902 a 5 (18) de Outubro de 1905 sob a direcção de P. B. Struve. A revista era um órgão da burguesia monárquico-liberal rusfa. Em 1903, em volta da revista formou-se (e em Janeiro de 1904 formalizou-se) a «União de Libertação», que existiu até Outubro de 1905. Os «osvobojdenistas» constituíram mais tarde o núcleo do Partido Democrata- Constitucionalista, que se formou em Outubro de 1905.
  20. No congresso da Liga, o camarada Mártov aduziu ainda este argumento contra a resolução do camarada Plekhánov: «A principal objecção contra esta resolução, o principal defeito desta resolução, é que ela desconhece inteiramente o facto de que temos o dever de não nos furtarmos, na luta contra a autocracia, a uma aliança com os elementos democrático-liberais. O camarada Lénine teria chamado a tal tendência uma tendência martinoviana. Esta tendência manifesta-se já no novo Iskra» (p. 88). Esta passagem é uma colecção de «pérolas» duma rara riqueza. 1) As palavras sobre a aliança com os liberais são uma completa embrulhada. Ninguém falou sequer de uma aliança, camarada Mártov, mas apenas de acordos provisórios ou particulares. São coisas muito diferentes. 2) Se na sua resolução Plekhánov não fala de uma «aliança» inacreditável e só fala, em geral, de «apoio», isso não é um defeito, mas um mérito da sua resolução. 3) O camarada Mártov não seria capaz de se dar ao trabalho de nos explicar o que caracteriza, em geral, as «tendências martinovianas»? Não vai dizer-nos qual é a relação destas tendências com o oportunismo? Não quererá ver a relação dessas tendências com o parágrafo primeiro dos estatutos? 4) Na verdade, estou a arder de impaciência para ouvir o camarada Mártov dizer como se manifestaram as «tendências martinovianas» no «novo» Iskra. Peco-lhe, camarada Mártov, livre-me o mais rapidamente possível dos tormentos da espera! (Nota do Autor)
  21. V. I. Lénine tem em vista a intervenção no II Congresso do POSDR do «economista» V. P. Akímov, que, ao criticar o projecto do programa do partido proposto pelo Iskra, protestou contra o facto de a palavra «proletariado» figurar no programa não como sujeito, mas como complemento. Deste modo, na opinião de Akímov, se manifestaria a tendência de separar o partido dos interesses do proletariado

o) Quadro Geral da Luta no Congresso. A Ala Revolucionária e a Ala Oportunista do Partido

Agora que terminámos a análise dos debates e das votações do congresso, precisamos de fazer o balanço para podermos, baseando-nos em todos os materiais do congresso, responder à pergunta seguinte: que elementos, grupos e matizes acabaram por formar a maioria e a minoria que vimos nas eleições e que estavam destinadas a constituir durante um certo tempo a divisão fundamental do nosso partido? É necessário fazer o balanço de todo o material sobre matizes de princípio, em matéria de teoria e táctica, que as actas do congresso nos oferecem com tanta abundância. Sem um «resumo» geral, sem um quadro geral de todo o congresso e de todos os principais agrupamentos nas votações, estes materiais ficam demasiado fragmentados, dispersos, de maneira que à primeira vista os diversos agrupamentos parecem acidentais, sobretudo a quem não se der ao cuidado de estudar, de modo independente e em todos os seus aspectos, as actas do congresso (e entre os leitores haverá muitos que se tenham dado a esse cuidado?).

Nos relatórios parlamentares ingleses encontra-se frequentemente a característica palavra division - divisão. A câmara «dividiu-se» em determinada maioria e minoria, diz-se, numa votação. A «divisão» da nossa câmara social-democrata na discussão de diversas questões no congresso, dá-nos um quadro único no seu género, insubstituível pela sua plenitude e exactidão, da luta interna do partido, dos seus matizes de opinião e dos seus grupos. Para tornar mais nítido este quadro, para obter um verdadeiro quadro, e não um amontoado de factos e factozinhos desligados, fragmentados e isolados, para pôr fim às discussões intermináveis e sem sentido, sobre as diversas votações (quem votou por quem e quem apoiou quem?), decidi tentar representar, sob a forma de diagrama, todos os tipos fundamentais de «divisões» no nosso congresso. Este processo parecerá seguramente estranho a muita gente, mas duvido que se possa encontrar outro método que verdadeiramente permita sintetizar e resumir os resultados de maneira tão completa e tão precisa. No caso de votação nominal, pode-se determinar com absoluta precisão se tal ou tal delegado votou a favor ou contra uma proposta; quanto a certas votações importantes não nominais pode-se, com base nas actas, determiná-lo com um elevado grau de probabilidade, com um grau suficiente de aproximação da verdade. E se se tomar em consideração todas as votações nominais, assim como todas as votações não nominais sobre questões de certa importância (a julgar, por exemplo, pelo pormenor e a paixão dos debates), obteremos um quadro da luta interna do nosso partido, um quadro que terá a máxima objectividade que é possível alcançar com os materiais de que dispomos. Ao fazê-lo, em vez de dar uma imagem fotográfica, ou seja, uma imagem de cada votação tomada separadamente, tentaremos elaborar um quadro, isto é, apresentar os principais tipos de votações, ignorando as excepções e variações relativamente pouco importantes e que apenas complicariam as coisas. Em todo o caso cada qual poderá, baseando-se nas actas, verificar cada pormenor do nosso quadro, completá-lo com qualquer votação particular, numa palavra, criticá-lo não só com argumentos, dúvidas ou referências a casos isolados, mas traçando um quadro diferente com base nos mesmos materiais.

Inscrevendo no diagrama cada um dos delegados que tomaram parte nas votações, indicaremos com sombreado diferente os quatro grupos fundamentais que seguimos pormenorizadamente ao longo de todos os debates no congresso, a saber: 1) iskristas da maioria; 2) iskristas da minoria; 3) «centro» e 4) anti-iskristas. Vimos as diferenças de matizes de princípios entre estes grupos numa imensidade de exemplos, e se há alguém a quem os nomes desses grupos desagradam, porque lembram demasiadamente aos amadores de ziguezagues a organização do Iskra e a tendência do Iskra, dir- lhe-emos que não é o nome que importa. Agora que seguimos já os matizes através de todos os debates do congresso, podem ser facilmente substituídos os nomes já estabelecidos e familiares no partido (mas que ferem os ouvidos de alguns), pela caracterização do que constitui a essência dos matizes entre os grupos. Com tal substituição teríamos para esses mesmos quatro grupos as designações seguintes: 1) sociais-democratas revolucionários consequentes; 2) pequenos oportunistas; 3) oportunistas médios e 4) grandes oportunistas (grandes à nossa escala russa). Esperemos que estas designações choquem menos os que há algum tempo começaram a assegurar a si próprios e aos outros de que «iskristas» é um nome que apenas designa um «círculo», e não uma tendência.

Passemos à descrição detalhada dos tipos de votações «fotografadas» no diagrama junto.

QUADRO GERAL DA LUTA NO CONGRESSO

(Os números com + e - representam o número total de votos emitidos a favor e contra determinadas questões. Os números situados debaixo das barras representam o número de votos de cada um dos quatro grupos. O carácter das votações englobadas por cada um dos tipos A-E é explicado no texto.)

O primeiro tipo de votação (A) engloba os casos em que o «centro» se uniu aos iskristas contra os anti-iskristas ou contra uma parte deles. Inclui a votação do programa no conjunto (só Akímov se absteve, os outros votaram a favor), a votação da resolução de princípio condenando a federação (todos votaram a favor à excepção de cinco bundistas), a votação do § 2 dos estatutos do Bund (os cinco bundistas votaram contra nós e houve cinco abstenções: Martínov, Akímov, Brúker e Mákhov, com dois votos, os outros connosco); esta é a votação que é representada no diagrama A. Em seguida, as três votações sobre a questão da confirmação do Iskra como Órgão Central do partido foram também do mesmo tipo; a redacção (cinco votos) absteve-se, nas três votações dois votaram contra (Akímov e Brúker) e além disso, na votação dos motivos da confirmação do Iskra abstiveram-se os cinco bundistas e o camarada Martínov.[13 1]

O tipo de votação que acabamos de examinar responde a uma questão de grande interesse e importância: quando é que o «centro» do congresso votou com os iskristas? Quando, com raras excepções, os anti-iskristas também estavam connosco (aprovação do programa, confirmação do Iskra independentemente dos motivos), ou quando se tratava de declarações que ainda não obrigavam directamente a uma atitude política precisa (reconhecer o trabalho de organização do Iskra não obriga ainda a aplicar de facto a sua política de organização em relação aos grupos particulares; rejeitar a federação não impede ainda uma abstenção quando se trata de um projecto, concreto de federação, como vimos no exemplo do camarada Mákhov). Já vimos anteriormente, a propósito do significado dos agrupamentos no congresso em geral, quão inexactamente esta questão é apresentada na exposição oficial do Iskra oficial que (pela boca do camarada Mártov) apaga e escamoteia a diferença entre os iskristas e o «centro», entre os sociais-democratas revolucionários consequentes e os oportunistas, citando os casos em que os anti-iskristas também votaram connosco! Mesmo os mais «direitistas» dos oportunistas alemães e franceses nos partidos sociais- democratas não votam contra quando se trata de questões como a adopção do programa no seu conjunto.

O segundo tipo de votação (B) compreende os casos em que os iskristas, consequentes e inconsequentes, se uniram contra todos os anti-iskristas e todo o «centro». Eram sobretudo os casos em que se tratava de aplicar os planos concretos e definidos da política iskrista, em que se tratava do reconhecimento do «Iskra» de facto, e não só em palavras. Incluem o incidente do CO,[13 2] a colocação em primeiro lugar da questão relativa à situação do Bund no partido, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi, as duas votações sobre o programa agrário e, por fim, em sexto lugar, a votação contra a União dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro (Rabótcheie Dielo), ou seja o reconhecimento da Liga como a única organização do partido no estrangeiro. O velho espírito de círculo, anterior à formação do partido, os interesses de organizações ou grupinhos oportunistas, uma concepção estreita do marxismo, lutavam aqui contra a política consequente e de princípios da social-democracia revolucionária; os iskristas da minoria ainda estiveram ao nosso lado várias vezes numa série de casos, numa série de votações extremamente importantes (do ponto de vista do CO, do Iújni Rabótchi, da Rabótcheie Dielo)... enquanto não se tratou do seu próprio espírito de círculo, da sua própria inconsequência. As «divisões» deste tipo mostram claramente que, numa série de questões relativas à aplicação dos nossos princípios, o centro estava ao lado dos anti- iskristas, estava muito mais perto deles que de nós, muito mais inclinado na prática para a ala oportunista que para a ala revolucionária da social-democracia. Os «iskristas» de nome, que sentiam vergonha por serem iskristas, mostraram a sua verdadeira natureza, e a luta inevitável provocou não pouca irritação, que escondia aos olhos dos elementos menos reflectidos e mais impressionáveis o significado dos matizes de princípio que se revelavam nesta luta. Mas agora que o ardor da luta se acalmou um pouco, e que as actas ficaram como um extracto desapaixonado duma série de lutas encarniçadas, agora só os que fecham propositadamente os olhos podem deixar de ver que a união dos Mákhov e dos Egórov com os Akímov e os Líber não era nem podia ser um fenómeno casual. Só resta a Mártov e a Axelrod evitar uma análise completa e minuciosa das actas ou tentar modificar retrospectivamente a sua conduta no congresso com toda a espécie de expressões de pesar. Como se se pudesse, com o pesar, suprimir a diferença de pontos de vista e a diferença de política! Como se a actual aliança de Mártov e Axelrod com Akímov, Brúker e Martínov pudesse fazer o nosso partido, reconstituído no segundo congresso, esquecer a luta que os iskristas travaram contra os anti-iskristas durante quase todo o congresso!

O que caracteriza o terceiro tipo de votação no congresso, representado pelas três últimas das cinco partes do diagrama, a saber: (C, D e E), é o facto de uma pequena parte dos iskristas se desligar e passar para o lado dos anti-iskristas que, por esta razão, vencem (enquanto continuam no congresso). Para seguir com exactidão absoluta o desenvolvimento desta célebre coligação da minoria iskrista com os anti-iskristas, coligação cuja simples menção provocava em Mártov mensagens histéricas ao congresso, citamos todos os três tipos essenciais de votações nominais deste género. C - votação sobre a igualdade de direitos das línguas (tomamos a última das três votações nominais desta questão por ser a mais completa). Todos os anti-iskristas e todo o centro se levantam contra nós como um só homem, enquanto uma parte da maioria e uma parte da minoria se separam dos iskristas. Não se vê ainda quais os iskristas capazes de formar uma coligação definitiva e sólida com a «direita» oportunista do congresso. Depois vem o tipo D - votação sobre o parágrafo primeiro dos estatutos (das duas votações tomámos a mais precisa, isto é, em que não houve nenhuma abstenção). A coligação adquire contornos de maior relevo e torna-se mais sólida:[13 3] os iskristas da minoria estão já todos do lado de Akímov e Líber; dos iskristas da maioria estão muito poucos, o que compensa os três delegados do «centro» e um anti-iskrista que passaram para o nosso lado. Basta um simples olhar para o diagrama para ver quais os elementos que, por acaso e temporariamente, passavam ora por um lado, ora para outro, e quais os que caminhavam irresistivelmente para uma sólida coligação com os Akímov. Na última votação (E - eleições para o OC, o CC e o Conselho do partido), que representa justamente a divisão definitiva em maioria e minoria, percebe-se claramente a fusão total da minoria iskrista com todo o «centro» e com os restos dos anti-iskristas. Dos oito anti-iskristas, só o camarada Brúker permanecia então no congresso (Akímov já lhe tinha explicado o seu erro e ele tinha tomado o lugar que lhe pertencia por direito nas fileiras dos martovistas). A retirada dos sete oportunistas mais «direitistas» decidiu a sorte das eleições contra Mártov.[13 4]

E agora, apoiando-nos em dados objectivos sobre as votações de todos os tipos, façamos o balanço do congresso.

Muito se falou do carácter «casual» da maioria no nosso congresso. Era com este único argumento que se consolava o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. O diagrama mostra claramente que num sentido, mas só num, se pode qualificar a maioria de casual: no sentido de a retirada dos sete delegados mais oportunistas da «direita» ter sido pretensamente casual. Na medida em que esta retirada foi casual (mas apenas nessa medida) a nossa maioria foi também casual. Um simples olhar ao diagrama mostrará melhor do que longas dissertações de que lado estaria, deveria ter estado, esse grupo de sete.[13 5] Mas cabe perguntar até que ponto podemos verdadeiramente considerar casual a retirada deste grupo de sete? Esta é uma questão que não gostam de pôr-se as pessoas que gostam de falar do carácter «casual» da maioria. É uma questão desagradável para eles. Será por acaso que foram os representantes mais acérrimos da ala direita do nosso partido que se retiraram, e não os da ala esquerda? Será por acaso que foram os oportunistas que se retiraram, e não os sociais-democratas revolucionários consequentes? Esta retirada «casual» não terá qualquer relação com a luta contra a ala oportunista, que se travou durante todo o congresso, e que aparece com tão grande evidência no nosso diagrama?

Basta fazer estas perguntas, tão desagradáveis para a minoria, para compreender que facto encobre este falatório sobre o carácter casual da maioria. É o facto indubitável e indiscutível de que a minoria era composta pelos membros do nosso partido mais inclinados para o oportunismo. A minoria era composta pelos elementos do partido menos estáveis no plano teórico, menos consequentes no campo dos princípios. A minoria foi formada precisamente pela ala direita do partido. À divisão em maioria e minoria é a continuação directa e inevitável da divisão da social- democracia em revolucionária e oportunista, em Montanha e Gironda, divisão que não data de ontem, que não existe só no partido operário russo, e que certamente não desaparecerá amanhã.

Este facto é de capital importância para explicar as causas e as peripécias das nossas divergências. Tentar eludir este facto, negando ou encobrindo a luta no congresso e os matizes de princípios que nela se manifestaram, é passar a si próprio um atestado de completa indigência intelectual e política. E para refutar esse facto seria necessário, em primeiro lugar, demonstrar que o quadro geral das votações e das «divisões» no nosso congresso do partido é diferente daquele que esbocei; seria necessário, em segundo lugar, demonstrar que em todas as questões nas quais o congresso se «dividiu», os sociais-democratas revolucionários mais consequentes, que na Rússia têm o nome de iskristas,[13 6] estavam em erro quanto ao fundo. Tentai demonstrá-lo, senhores!

O facto de a minoria ser composta pelos elementos do partido mais oportunistas, menos estáveis e menos consequentes dá-nos, entre outras, a resposta às numerosas dúvidas e objecções dirigidas à maioria por pessoas que conhecem mal a questão ou não pensaram suficientemente nela. Não será mesquinho, dizem-nos, querer explicar a divergência por um pequeno erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod? Sim, senhores, o erro do camarada Mártov foi pequeno (eu próprio declarei isso no congresso, no ardor da luta); mas este pequeno erro podia causar (e causou) um grande dano, em virtude do facto de o camarada Mártov se ter deixado atrair por delegados que tinham cometido toda uma série de erros e que, a propósito duma série de questões, tinham evidenciado a sua inclinação para o oportunismo e a sua inconsequência no terreno dos princípios. Que os camaradas Mártov e Axelrod tenham revelado falta de firmeza é um facto individual e sem importância; mas não foi um facto individual, antes de partido e não de todo sem importância, a formação de uma minoria muito considerável de todos os elementos menos estáveis, de todos aqueles que não reconheciam em absoluto a tendência do Iskra e a combatiam abertamente, ou que reconhecendo-a verbalmente de facto se colocavam repetidamente ao lado dos anti-iskristas.

Não será ridículo querer explicar as divergências pelo predomínio do espírito de círculo endurecido e pelo filistinismo revolucionário no pequeno círculo da antiga redacção do Iskra? Não, não é ridículo, porque em apoio desse espírito individual de círculo se levantou tudo aquilo que no nosso partido, durante todo o congresso, tinha lutado pelo espírito de círculo em todas as suas formas, tudo aquilo que em geral não pudera elevar-se acima do filistinismo revolucionário, tudo aquilo que invocava o carácter «histórico» do mal do espírito de círculo e do filistinismo para justificar e manter esse mal. Ainda se poderia talvez considerar casual o facto de estreitos interesses de círculo se terem sobreposto ao espírito de partido no pequeno círculo da redacção do Iskra. Mas não é por acaso que, para defender esse espírito de círculo, se tenham levantado como um só os camaradas Akímov e Brúker, aos quais não era menos cara (talvez mais) a «continuidade histórica» do célebre comité de Vorónej e da famosa «Organização Operária» de Petersburgo,[13 7] os camaradas Egórov que choravam o «assassínio» da Rabótcheie Dielo tão amargamente (talvez mais) como o «assassínio» da velha redacção, os camaradas Mákhov, etc., etc. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, diz a sabedoria popular. Diz-me quem é o teu aliado político, quem vota por ti, dir-te-ei qual a tua fisionomia política.

Egórov que choravam o «assassínio» da Rabótcheie Dielo tão amargamente (talvez mais) como o «assassínio» da velha redacção, os camaradas Mákhov, etc., etc. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, diz a sabedoria popular. Diz-me quem é o teu aliado político, quem vota por ti, dir-te-ei qual a tua fisionomia política.

O pequeno erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod permanecia e podia permanecer pequeno enquanto não servisse de ponto de partida para uma aliança sólida entre eles e toda a ala oportunista do nosso partido, enquanto não conduzisse, em virtude desta aliança, a uma reincidência do oportunismo, à desforra de todos os que o Iskra tinha combatido, e que com imenso gozo agarravam a ocasião de poder descarregar a sua cólera sobre os partidários consequentes da social-democracia revolucionária. Os acontecimentos posteriores ao congresso conduziram precisamente a que, no novo Iskra, víssemos justamente uma reincidência do oportunismo, a desforra dos Akímov e dos Brúker (ver a folha publicada pelo comité de Vorónej),[13 8] o júbilo dos Martínov, aos quais foi enfim permitido (enfim!) escoicear, no odiado Iskra, o odiado «inimigo» por todos os velhos agravos, quaisquer que fossem. Isto mostra-nos com particular clareza quanto era essencial «o restabelecimento da antiga redacção do Iskra» (citado do ultimato do camarada Starover datado de 3 de Novembro de 1903) para salvaguardar «a continuidade» iskrista...

Tomado em si mesmo, não havia nada de terrível, nem de crítico, nem sequer absolutamente nada de anormal, no facto de o congresso (e o partido) se terem dividido numa ala esquerda e numa direita, numa revolucionária e numa oportunista. Pelo contrário, estes últimos dez anos da história da social-democracia russa (e não só da russa) conduziram necessariamente, inelutavelmente, a esta divisão. Que uma série de erros bem pequenos cometidos pela ala direita, de divergências sem grande importância (relativamente) tenham provocado a divisão, é uma circunstância que (parecendo chocante a um observador superficial e a um espírito filistino) foi um grande passo em frente para todo o nosso partido no seu conjunto. Antes divergíamos sobre grandes questões que, por vezes, podiam até justificar uma cisão; hoje chegámos a acordo sobre todos os pontos grandes e importantes; o que nos separa agora são simplesmente certos matizes que se podem e devem discutir, mas pelos quais seria absurdo e pueril separarmo-nos (como justamente disse o camarada Plekhánov no interessante artigo intitulado O Que Se não Deve Fazer, ao qual ainda voltaremos). Agora que a conduta anarquista da minoria, depois do congresso, quase conduziu o partido à cisão, é frequente encontrar sabichões que dizem: acaso teria valido a pena em geral lutar no congresso por ninharias como o incidente do CO, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi ou da Rabótcheie Dielo, o §1, a dissolução da antiga redacção, etc.? Quem assim raciocina[13 9] introduz de facto o ponto de vista de círculo nos assuntos do partido: a luta de matizes no partido é inevitável e necessária enquanto não conduz à anarquia e à cisão, enquanto se desenvolve dentro dos limites aprovados, de comum acordo, por todos os camaradas e membros do partido. E a nossa luta no congresso contra a ala direita do partido, contra Akímov e Axelrod, contra Martínov e Mártov, em nada ultrapassou esses limites. Basta lembrar dois factos que o testemunham da maneira mais incontestável: 1) quando os camaradas Martínov e Akímov estavam para se retirar do congresso, estávamos todos prontos a afastar por todos os meios a ideia de uma «ofensa», todos adoptámos (por 32 votos) a resolução do camarada Trótski convidando esses camaradas a dar-se por satisfeitos com as explicações, e a retirarem a sua declaração; 2) quando chegámos à eleição dos centros, demos à minoria (ou ala oportunista) do congresso a minoria nos dois centros: Mártov no OC, Popov no CC. Não podíamos agir de outro modo, do ponto de vista de partido, visto que tínhamos decidido já antes do congresso eleger dois grupos de três. Se a diferença de matizes que se tinham manifestado no congresso não era grande, a conclusão prática que tirámos da luta desses matizes também não era grande: esta conclusão reduzia-se exclusivamente ao facto de dois terços dos dois grupos de três deverem ser atribuídos à maioria do congresso do partido.

Apenas a recusa da minoria do congresso do partido de ser minoria nos centros levou, primeiro, aos «chorosos queixumes» de intelectuais vencidos e, depois, à frase anarquista e a actos anarquistas.

Para concluir, lancemos um novo olhar ao diagrama do ponto de vista da composição dos centros. É perfeitamente natural que, além da questão dos matizes, se pusesse também aos delegados, durante as eleições, a questão da adequação, da capacidade de trabalho, etc., desta ou daquela pessoa. Agora a minoria confunde de bom grado esses problemas. Mas é evidente que são questões diferentes, como o demonstra, por exemplo, o simples facto de a eleição de um grupo de três inicial para o OC ter sido projectada ainda antes do congresso, quando ninguém podia prever a aliança de Mártov e Axelrod com Martínov e Akímov. Para perguntas diferentes deve obter-se a resposta por processos diferentes: relativamente aos matizes, deve-se procurar a resposta nas actas do congresso, nos debates públicos e na votação de todos e cada um dos pontos. A questão da adequação das pessoas, toda a gente tinha decidido no congresso que devia ser resolvida em votações secretas. Porque é que todo o congresso aprovou unanimemente tal decisão? A questão é de tal modo elementar que seria estranho que nos detivéssemos nela. No entanto, a minoria começou a esquecer (depois da sua derrota nas eleições) mesmo o á-bê-cê. Ouvimos torrentes de discursos ardentes, apaixonados, exaltados até à irresponsabilidade para defender a antiga redacção, mas não ouvimos absolutamente nada sobre os matizes que no congresso estavam relacionados com a luta pelo grupo de seis e pelo grupo de três. Ouvimos falar e discursar por toda a parte sobre a incapacidade para o trabalho, a inépcia, as más intenções, etc., das pessoas eleitas para o CC, mas não ouvimos absolutamente nada sobre os matizes no congresso que se bateram pelo predomínio no CC. Parece-me que fora do congresso é indigno e indecoroso falar e discursar sobre as capacidades e actos das pessoas (porque estes actos em 99 casos em 100 constituem um segredo de organização, que só deve ser revelado à instância superior do partido). Lutar fora do congresso através de tais falatórios equivale na minha opinião a actuar por meio de mexericos. E a única resposta que eu poderia trazer a público sobre esses falatórios seria lembrar a luta no congresso: dizeis que o CC foi eleito por uma pequena maioria. Está certo. Mas esta pequena maioria era composta por todos aqueles que da maneira mais consequente, não em palavras mas na prática, lutaram pela concretização dos planos do Iskra. A autoridade moral desta maioria deve pois ser ainda infinitamente superior à sua autoridade formal - superior para todos aqueles que sobrepõem a continuidade da tendência do Iskra à continuidade deste ou daquele círculo do Iskra. Quem eram os mais competentes para julgar da capacidade desta ou daquela pessoa para levar à prática a política do Iskra? Aqueles que tinham aplicado esta política no congresso ou os que, em toda uma série de casos, combateram esta política e defenderam todo o tipo de atraso, todo o tipo de velharias, todo o tipo de espírito de círculo?

Notas

  1. Porque se escolheu precisamente para o diagrama a votação do § 2 dos estatutos do Bund? Porque as votações sobre a confirmação do Iskra são menos completas e porque as votações sobre o programa e a federação referem-se a decisões políticas menos definidas e concretas. Dum modo geral, escolher uma ou outra de uma série de votações do mesmo tipo não alterará em nada os traços essenciais do quadro, como poderá facilmente dar-se conta quem quer que faça as alterações correspondentes. (Nota do Autor)
  2. É esta votação que é representada no diagrama B: os iskristas obtiveram 32 votos e a resolução do bundista 16. De notar que entre as votações deste tipo não houve uma só votação nominal. O modo como os delegados individualmente votaram só pode ser estabelecido - com um altíssimo grau de probabilidade - por duas espécies de dados: l) nos debates os oradores dos dois grupos de iskristas pronunciam-se a favor e os oradores dos anti-iskristas e do centro contra. 2) o número de votos «a favor» é sempre muito próximo de 33. É preciso também não esquecer que ao analisar os debates do congresso nós fizemos notar, além das votações, toda uma série de casos em que o «centro» se uniu aos anti-iskristas (aos oportunistas) contra nós, como aconteceu quando se tratou da questão relativa ao valor absoluto das reivindicações democráticas, ao apoio a favor dos elementos de oposição, à restrição do centralismo, etc. (Nota do Autor)
  3. A julgar por tudo, do mesmo tipo foram outras quatro votações sobre os estatutos: p.278 - 27 a favor de Fomine e 21 a nosso favor; p. 279 - 26 a favor de Mártov e 24 a nosso favor; p. 280 - 27 contra mim e 22 a favor; e, na mesma página, 24 a favor de Mártov e 23 a nosso favor. São as votações sobre cooptação para os centros, das quais já falei antes. Não há votações nominais (houve uma, mas perderam-se os dados). Os bundistas (todos ou em parte) salvam, pelos vistos, Mártov. Corrigimos mais acima as afirmações erradas de Mártov (na Liga) sobre as votações deste tipo. (Nota do Autor)
  4. Os sete oportunistas que se retiraram do 2.° congresso foram os cinco bundistas (o Bund separou-se do partido no segundo congresso, depois da rejeição do princípio federativo) e dois partidários da Rabótcheie Dielo, o camarada Martínov e o camarada Akímov. Estes dois últimos abandonaram o congresso depois de a Liga iskrista ser reconhecida como a única organização do partido no estrangeiro, isto é, depois da dissolução da «União dos Sociais-Democratas Russos» no estrangeiro afecta à Rabótcheie Dielo. (Nota de Lénine à edição de 1907.-N. Ed.)
  5. Mais adiante veremos que, depois do congresso, tanto o camarada Akímov como o comité de Vorónej, o mais próximo do camarada Akímov, expressaram abertamente as suas simpatias pela «minoria». (Nota do Autor)
  6. Nota para o camarada Mártov. Se o camarada Mártov esqueceu agora que iskrita quer dizer partidário de uma tendência e não membro de um círculo recomendamos-lhe que leia nas actas do congresso a explicação desta questão dada pelo camarada Trótski ao camarada Akímov. Círculos iskristas no congresso (em relação ao partido) eram três: o grupo «Emancipação do Trabalho», a redacção do Iskra e a organização do Iskra. Dois destes três círculos foram tão razoáveis que se dissolveram a si próprios, o terceiro não teve suficiente espírito de partido para o fazer e foi dissolvido pelo congresso. O círculo iskrista mais amplo, a organização do Iskra (que compreendia a redacção e o grupo «Emancipação do Trabalho») tinha no congresso apenas 16 membros, dos quais apenas onze tinham voto. Iskristas por tendência sem pertencerem a nenhum «círculo» iskrista, estavam no congresso, segundo os meus cálculos, 27 com 33 votos. Portanto, entre os iskristas, menos de metade pertenciam aos círculos iskristas. (Nota do Autor)
  7. O Comité de Vorónej e a «Organização Operária» de Petersburgo estavam nas mãos dos «economistas» e tinham uma posição hostil em relação ao Iskra leninista e ao seu plano de organização, que visava a edificação do partido marxista.
  8. Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tmos, Tomo I, pp. 364-365. (N. Ed.)
  9. Não posso deixar de relembrar, a propósito, uma conversa que tive no congresso com um dos delegados do «centro». «Como está carregada a atmosfera do nosso congresso!» - dizia-me, em tom de queixa. «Essa luta encarniçada, essa agitação de um contra outro, essa polémica tão dura, essa atitude imprópria de camaradas!...» «Que coisa maravilhosa é o nosso congresso!» - respondi-lhe. «Luta franca, livre. Manifestaram-se as opiniões. Revelaram-se matizes. Tomaram forma grupos. Levantaram-se as mãos. Adoptou-se uma decisão. Ficou para trás uma etapa. Avante! É assim que eu vejo as coisas. Isso é a vida. Já não são mais as intermináveis e aborrecidas discussões próprias de intelectuais e que terminam não porque se tenha resolvido um problema, mas simplesmente porque a gente se cansou de falar...» O camarada do «centro» olhava-me com olhos espantados e encolhia os ombros. Falávamos linguagens diferentes. (Nota do Autor)

p) Depois do Congresso. Dois Métodos de Luta

A análise dos debates e votações do congresso que acabamos de traçar explica propriamente in nuce (em embrião) tudo o que se passou depois do congresso, e podemos ser breves ao assinalar as etapas seguintes na crise do nosso partido.

A recusa por Mártov e Popov das eleições criou logo uma atmosfera de querela mesquinha na luta dos matizes de partido no seio do partido. O camarada Glébov, considerando inverosímil que redactores não eleitos tivessem decidido seriamente voltar-se para Akímov e Martínov, e explicando o facto apenas por irritação, propôs-nos, a Plekhánov e a mim, no dia a seguir ao fim do congresso, acabar com isso amigavelmente, «cooptando» todos os quatro na condição de se assegurar uma representação da redacção no Conselho (ou seja, que, de dois representantes, um pertencesse necessariamente à maioria do partido). Esta condição pareceu-nos razoável, a Plekhánov e a mim, porque a sua aceitação equivalia ao reconhecimento tácito do erro cometido no congresso, significava o desejo de paz e não de guerra, o desejo de estar mais perto de Plekhánov e de mim do que de Akímov e Martínov, Egórov e Mákhov. A cedência em matéria de «cooptação» revestia-se assim de um carácter pessoal, e não valia a pena recusar uma cedência pessoal que devia acalmar a irritação e restabelecer a paz. Assim, Plekhánov e eu demos o nosso assentimento. A maioria da redacção recusou esta condição. Glébov partiu. Nós esperámos as consequências: conservar-se-ia Mártov no terreno leal em que se tinha colocado (contra o representante do centro, o camarada Popov) no congresso, ou os elementos instáveis e propensos à cisão que ele seguiu levariam a melhor?

Estávamos perante o dilema seguinte: desejaria o camarada Mártov considerar a sua «coligação» no congresso como um facto político isolado (tal como a coligação de Bebel com Vollmar em 1895 - si licet parva componere magnis),[14 1] ou desejaria consolidar essa coligação e empregaria todos os esforços a demonstrar o erro cometido por mim e por Plekhánov no congresso tornando-se então um verdadeiro chefe da ala oportunista do nosso partido? Por outras palavras, este dilema formulava-se assim: querela mesquinha ou luta política de partido? De nós os três, que éramos no dia a seguir ao congresso os únicos membros presentes dos organismos centrais, Glébov inclinava- se mais para a primeira solução e dedicou-se ao máximo a reconciliar os meninos zangados. O camarada Plekhánov inclinava-se antes para a segunda solução, mostrava-se por assim dizer inabordável. Quanto a mim, desta vez, representava papel de «centro» ou de «pântano» e tentava usar de persuasão. Tentar hoje reproduzir os argumentos verbais seria empresa desesperada e intrincada, e não seguirei o mau exemplo do camarada Mártov nem do camarada Plekhánov. No entanto, faço questão de reproduzir aqui certas passagens de uma tentativa de persuasão escrita dirigida a um dos iskristas da «minoria».

... «A recusa de Mártov de fazer parte da redacção, a sua recusa, assim como a de outros literatos do partido, a colaborar, a recusa de várias outras pessoas a trabalhar para o CC, a propaganda da ideia de boicote ou de resistência passiva, tudo isso conduzirá inevitavelmente, mesmo contra a vontade de Mártov e dos seus amigos, a uma cisão no partido. Ainda que Mártov se mantenha no plano da lealdade (no qual se colocou tão decididamente no congresso), os outros não se manterão nele, e o fim que indiquei será inevitável...

«E assim pergunto-me agora: por que razão, ao certo, temos de separarmos? ... Revejo todos os acontecimentos e todas as impressões do congresso e reconheço que muitas vezes agi e me comportei dominado por uma extrema irritação, “freneticamente”; de boa vontade estou pronto a reconhecer o meu erro perante quem quer que seja, se erro se pode chamar ao que foi naturalmente suscitado pela atmosfera, a reacção, a réplica, a luta, etc. Mas, encarando hoje sem nenhum frenesi os resultados obtidos, o que se realizou nessa luta frenética, decididamente não posso ver nesses resultados nada, absolutamente nada, de prejudicial ao partido, nem absolutamente nenhuma afronta ou ofensa à minoria.

«Claro, o que não podia deixar de causar-me pena era o facto de ficar em minoria, mas protesto categoricamente contra a ideia de que teríamos “manchado a honra” de quem quer que seja, teríamos querido ofender ou humilhar quem quer que seja. Nada disso. E não se pode tolerar que uma divergência política leve a interpretar os factos acusando a outra parte de má fé, vilania, intrigas e outras coisas simpáticas de que cada vez mais se ouve falar numa atmosfera de cisão que se avizinha. Não se pode tolerar isto, porque isso seria, pelo menos, o nec plus ultra[14 2] da irracionalidade.

«Estou em desacordo com Mártov no terreno político (e no da organização) como já o tinha estado antes dezenas de vezes. Batido na questão do § l dos estatutos, eu não podia deixar de procurar com o máximo empenho uma desforra nos problemas que restavam para mim (e também para o congresso). Não podia impedir-me de aspirar, por um lado, a um CC rigorosamente iskrista, e, por outro, a um grupo de três na redacção... Considero este grupo de três o único capaz de ser um organismo de funcionários e não um organismo de direcção baseado no espírito de família e de negligência, o único centro autêntico onde cada um pode levar e defender sempre o seu ponto de vista de partido, nada mais, e irrespective[14 3] de tudo o que seja pessoal, de qualquer ideia de ofensa, de retirada, etc.

«Este grupo de três, depois dos acontecimentos no congresso, legitimava indubitavelmente uma linha política e de organização em certo sentido dirigida contra Mártov. Isto sem qualquer dúvida. Provocar uma ruptura por isso? Cindir o partido por isso?? Mas não estiveram contra mim Mártov e Plekhánov na questão das manifestações? Não estivemos, Mártov e eu, contra Plekhánov na questão do programa? Não volta qualquer grupo de três sempre um dos lados contra um dos seus membros? Se a maioria dos iskristas tanto na organização do Iskra como no congresso julgou errado este matiz particular da linha de Mártov, no terreno político e de organização, não serão de facto loucas as tentativas de querer explicar isso por “maquinações” e “incitamentos”, etc.? Não seria louco furtar- se a este facto insultando a maioria da “gentalha”?

«Repito: tal como a maioria dos iskristas no congresso, tenho a convicção profunda de que Mártov seguiu uma linha falsa e que era necessário corrigi-lo. Considerar-se ofendido com esta correcção, deduzir dela um insulto, etc., é insensato. Nós em nada “manchámos a honra?”, não “manchamos a honra” de ninguém, e não afastamos ninguém do trabalho. Mas provocar uma cisão porque se é afastado de um centro seria uma loucura, para mim incompreensível.»[14 4]

Considerei necessário reproduzir agora estas declarações minhas, feitas por escrito, porque mostram exactamente a vontade da maioria de traçar de uma vez uma linha divisória precisa entre, por um lado, as possíveis (e inevitáveis numa luta acalorada) ofensas pessoais, a irritação pessoal devida à violência e ao «frenesi» dos ataques, etc., e, por outro, determinado erro político, determinada linha política (a coligação com a ala direita).

Estas declarações mostram que a resistência passiva da minoria tinha começado imediatamente a seguir ao congresso e provocou logo da nossa parte a advertência de que isso era um passo para a cisão do partido, que isso contradizia manifestamente as declarações de lealdade feitas no congresso e que dela resultaria uma cisão devida unicamente à exclusão de alguém dos organismos centrais (isto é, em consequência de uma não eleição), porque nunca ninguém pensou sequer em afastar do trabalho nenhum membro do partido; que a divergência política entre nós (inevitável, enquanto não estiver esclarecida e resolvida a questão de qual foi no congresso a linha errada: a de Mártov ou a nossa) cada vez mais começa a degenerar em querela mesquinha, com injúrias, suspeitas, etc., etc.

As advertências não serviram de nada. A conduta da minoria mostrava que os seus elementos menos estáveis e que menos estimam o partido se impunham nela. Isso obrigou-nos, a Plekhánov e a mim, a retirar o nosso assentimento à proposta de Glébov: com efeito, se pelos seus actos a minoria dava provas de instabilidade política, não só no domínio dos princípios mas também no da mais elementar lealdade ao partido, que importância podiam ter as palavras sobre a famosa «continuidade»? Ninguém como Plekhánov ridicularizou com tanto espírito todo o absurdo de exigir a «cooptação» para a redacção do órgão do partido de uma maioria de pessoas que proclamavam abertamente as suas novas e crescentes divergências! Em que parte do mundo já se viu a maioria de um partido nos organismos centrais transformar-se ela mesma em minoria, antes de ter esclarecido na imprensa, perante o partido, as novas divergências? Que se exponham antes as divergências, que o partido examine a sua profundidade e significado, que o partido corrija ele próprio o erro que cometeu no segundo congresso, se se demonstra que houve algum erro! O simples facto de formular este pedido em nome de divergências ainda desconhecidas revelava a total instabilidade dos que o faziam, o total esmagamento das divergências políticas pelo peso das querelas mesquinhas, o total desrespeito para com todo o partido e as suas próprias convicções. Não houve ainda, nem haverá nunca no mundo, pessoas de convicções de princípios que renunciem a convencer antes de obter (por via privada) a maioria no organismo que se propõem convencer.

Enfim, a 4 de Outubro o camarada Plekhánov declara querer fazer uma última tentativa para acabar com este absurdo. Reúnem-se os seis membros da antiga redacção na presença de um novo membro do CC.[14 5] Durante três horas inteiras, o camarada Plekhánov empenha-se em demonstrar o absurdo de querer exigir a «cooptação» de quatro da «minoria» por dois da «maioria». Ele propõe a cooptação de dois, para afastar, por um lado, qualquer receio de que queiramos «atropelar», esmagar, rejeitar, executar e enterrar alguém e, por outro lado, para proteger os direitos e a posição da «maioria» do partido. A cooptação de dois é igualmente rejeitada.

A 6 de Outubro Plekhánov e eu escrevemos uma carta oficial a todos os antigos redactores do Iskra e ao colaborador, camarada Trótski, nestes termos:

«Estimados camaradas! A redacção do OC considera-se no dever de exprimir oficialmente quanto lamenta o vosso afastamento da colaboração no Iskra e na Zariá. Apesar dos repetidos convites a colaborar que fizemos logo depois do segundo congresso do partido e que repetimos mais de uma vez posteriormente, não recebemos nenhum trabalho vosso. A redacção do OC declara julgar não ter feito nada que tenha provocado a vossa recusa de colaboração. Nenhuma irritação pessoal deve, naturalmente, ser obstáculo ao trabalho no Órgão Central do partido. Mas se o vosso afastamento foi provocado por esta ou aquela divergência de pontos de vista entre vós e nós, julgaríamos de extraordinária utilidade para o partido que essas divergências fossem expostas circunstanciadamente. Mais ainda: consideraríamos desejável que o carácter e a profundidade dessas divergências fossem elucidados o mais rapidamente possível perante todo o partido nas páginas das publicações que editamos.»[14 6]

Como o leitor vê, ainda não nos apercebíamos claramente se era uma irritação pessoal que predominava nos actos da « minoria», ou se era o desejo de dar ao órgão (e ao partido) um rumo novo, qual e em que sentido. Penso que se mesmo agora se encarregasse 70 exegetas de proceder à clarificação deste problema, com base na literatura e testemunhos que se quiser, também eles não conseguiriam nunca desembaraçar-se nesta confusão. Muito poucas vezes se pode esclarecer uma querela mesquinha: deve-se cortá-la pelo são ou afastar-se.[14 7]

À carta de 6 de Outubro, Axelrod, Zassúlitch, Starover, Trótski e Koltsov responderam-nos em breves linhas dizendo que os abaixo assinados não participavam no Iskra desde que ele tinha passado para as mãos da nova redacção. O camarada Mártov foi mais explícito e honrou-nos com a seguinte resposta:

«À redacção do OC do POSDR. Estimados camaradas! Em resposta à vossa carta de 6 de Outubro, declaro o seguinte: Considero que todas as nossas explicações sobre trabalho em comum num mesmo órgão terminaram depois da reunião realizada a 4 de Outubro, na presença de um membro do CC, na qual vos recusastes a responder à pergunta sobre as razões por que retirastes a proposta que havíeis feito no sentido de que Axelrod, Zassúlitch, Starover e eu entrássemos para a redacção, com a condição de nos comprometermos a eleger o camarada Lénine nosso “representante” no Conselho. Depois de na referida reunião terdes fugido repetidas vezes a formular as vossas próprias declarações, que tínheis feito na presença de testemunhas, não acho necessário explicar numa carta dirigida a vós os motivos da minha recusa de trabalhar no Iskra nas actuais condições. Se for necessário, pronunciar-me-ei sobre isso pormenorizadamente perante todo o partido, que já saberá pelas actas do segundo congresso a razão por que rejeitei a proposta, que hoje renovais, de ocupar um lugar na redacção e no Conselho...[14 8] L. Mártov»

Esta carta, juntamente com os documentos anteriores, explica irrefutavelmente a questão do boicote, da desorganização, da anarquia e dos preparativos da cisão, questão que o camarada Mártov evita com tanto zelo (com pontos de exclamação e reticências) no seu Estado de Sítio: questão sobre os meios de luta leais e desleais.

Oferece-se ao camarada Mártov e aos outros que exponham as divergências, pede-se-lhes que digam francamente do que se trata e quais as suas intenções, exortam-se a acabar os seus caprichos e a analisar tranquilamente o erro relativo ao § l (erro indissoluvelmente ligado à viragem para a direita), e o camarada Mártov e Cª recusam-se a falar e gritam: cercam-nos, atropelam-nos! O sarcasmo de que foi objecto a «palavra terrível» não arrefeceu o ardor destas cómicas lamentações. Como se pode cercar quem se recusa a trabalhar em comum? perguntámos ao camarada Mártov.

Como se pode ofender, «atropelar» e oprimir uma minoria que se recusa a ser minoria?? Porque estar em minoria implica necessária e inevitavelmente certas desvantagens para quem fica em minoria. Estas desvantagens consistem ou na necessidade de fazer parte de um organismo de direcção no qual a maioria se imporá em certas questões, ou na de permanecer fora do organismo, atacando-o e, por conseguinte, expondo-se ao fogo de baterias bem fortificadas.

Nos seus gritos sobre o «estado de sítio», o camarada Mártov queria dizer que se lutava de modo injusto e desleal contra os que ficaram em minoria, ou que eram dirigidos por nós de modo injusto e desleal? Só uma tese semelhante podia ter (aos olhos de Mártov) um mínimo de razão, porque, repito, estar em minoria implica necessária e inevitavelmente certas desvantagens. Mas o cómico está precisamente em que não se podia de maneira nenhuma lutar contra o camarada Mártov enquanto ele se recusasse a falar! Não se podia de maneira nenhuma dirigir a minoria enquanto ela se recusasse a ser minoria!

O camarada Mártov não pôde citar um único caso de excesso ou de abuso de poder da parte da redacção do OC quando Plekhánov e eu dela fazíamos parte. Os militantes práticos da minoria também não puderam citar um único caso deste género da parte do Comité Central. Por mais voltas que dê agora o camarada Mártov no seu Estado de Sítio, é inteiramente incontroverso que não havia absolutamente nada, a não ser «chorosos queixumes», nas lamentações sobre o estado de sítio.

A total carência de argumentos razoáveis por parte do camarada Mártov e Cª contra a redacção designada pelo congresso é ilustrada melhor que por qualquer outra coisa pela palavrinha: «nós não somos servos!» (Estado de Sítio, p. 34). A psicologia do intelectual burguês que se considera entre os «espíritos de elite», colocados acima da organização de massas e da disciplina de massas, surge aqui com notável clareza. Explicar a recusa de trabalhar no partido dizendo «nós não somos servos» é descobrir-se inteiramente, é reconhecer uma completa carência de argumentos, uma incapacidade absoluta para dar explicações, uma ausência total de motivos justificados de descontentamento. Plekhánov e eu declarámos considerar que da nossa parte nada provocou a recusa, pedimos para expor as divergências, e respondem-nos: «nós não somos servos» (acrescentando: ainda não chegámos a um acordo quanto à cooptação).

Toda a organização e disciplina proletárias parecem servidão ao individualismo próprio de intelectuais, que já se tinha manifestado nas discussões do §1, mostrando a sua inclinação para os raciocínios oportunistas e a fraseologia anarquista. O público leitor em breve saberá que também o novo congresso do partido parece a estes «membros do partido» e a estes «funcionários» do partido uma instituição feudal, terrível e intolerável para os «espíritos de elite» ... De facto, esta «instituição» é terrível para os que querem aproveitar-se do título de membros do partido, mas que se dão conta de que este título não corresponde aos interesses do partido e à vontade do partido.

As resoluções dos comités, que enumerei na minha carta à redacção do novo Iskra, e que o camarada Mártov reproduziu no seu Estado de Sítio, demonstram de facto que a conduta da minoria foi uma insubmissão constante às decisões do congresso, uma desorganização do trabalho prático positivo. A minoria, formada pelos oportunistas e pessoas que odiavam o Iskra, destroçava o partido, arruinava e desorganizava o trabalho, no seu desejo de se vingar da derrota no congresso, tendo-se apercebido de que por meios honestos e leais (explicando as coisas na imprensa ou perante o congresso) não conseguiria nunca refutar a acusação de oportunismo e de inconsequência própria de intelectuais que lhe fora lançada no segundo congresso. Conscientes da sua impotência para convencer o partido, agiam desorganizando o partido e entravando todo o trabalho. Foram censurados por terem provocado (embrulhando as coisas no congresso) uma fenda no nosso vaso; eles replicavam a esta censura procurando com todas as suas forças quebrar completamente o vaso rachado.

As ideias baralharam-se de tal modo que o boicote e a recusa de trabalhar eram proclamados «meios honestos[14 9] de luta. Agora o camarada Mártov não cessa de andar à volta deste ponto delicado. O camarada Mártov é de tal modo um «homem de princípios» que defende o boicote... quando este é praticado pela minoria, e condena o boicote quando ele ameaça o próprio Mártov, quando acontece que ele se encontra na maioria!

Penso que se pode deixar sem exame a questão de saber se se trata aqui de uma querela mesquinha ou de uma «divergência de princípio» sobre os meios de luta honestos no partido operário social- democrata.

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Depois das tentativas goradas (de 4 e 6 de Outubro) para obter uma explicação dos camaradas que tinham levantado problemas sobre a «cooptação», só restava aos organismos centrais ver qual seria na prática a luta leal que eles tinham prometido em palavras. A 10 de Outubro, o CC envia uma circular à Liga (ver as actas da Liga, pp. 3-5) informando que está a elaborar os estatutos e convidando os membros da Liga a prestarem a sua colaboração. O congresso da Liga foi então rejeitado pela administração desta (dois votos contra um, cf. ibid., p. 20). As respostas dadas a esta circular pelos partidários da minoria mostraram logo que a famosa lealdade e reconhecimento das decisões do congresso eram apenas frases, que na realidade a minoria tinha decidido terminantemente não se submeter aos organismos centrais do partido, respondendo aos seus apelos para o trabalho em comum com evasivas cheias de sofismas e frases anarquistas. À famosa carta aberta de Deutsch, um dos membros da administração (p. 10.), nós respondemos, Plekhánov e eu, assim como os outros partidários da maioria, com um enérgico «protesto contra as grosseiras infracções da disciplina de partido, pelas quais um funcionário da Liga toma a liberdade de entravar o trabalho de organização de um organismo do partido e convida outros camaradas a infracções semelhantes à disciplina e aos estatutos. Frases como “não me julgo no direito de participar em tal trabalho a pedido do CC” ou “camaradas, nós não devemos de modo nenhum confiar-lhe (ao CC) a tarefa da elaboração de novos estatutos para a Liga”, etc., são métodos de agitação que apenas podem suscitar a indignação de qualquer pessoa que compreenda minimamente as noções de partido, de organização, de disciplina de partido. Métodos deste género são tanto mais revoltantes quanto são usados para com um organismo do partido que acaba de ser criado e constituem, portanto, uma tentativa indubitável para o privar da confiança dos camaradas do partido; além disso, são postos em circulação sob o nome de um membro da administração da Liga e nas costas do CC» (p. 17).

O congresso da Liga, nestas condições, prometia não ser mais do que um escândalo.

O camarada Mártov prosseguiu desde o princípio a táctica que tinha aplicado no congresso de «introduzir-se na consciência alheia», desta vez na do camarada Plekhánov, desvirtuando conversas privadas. O camarada Plekhánov protestou, e o camarada Mártov viu-se obrigado a retirar (pp. 39 e 134 das actas da Liga) as palavras de censura pronunciadas levianamente ou por irritação. Chega o momento do relatório. Era eu que tinha sido o delegado da Liga ao congresso do partido. Um simples olhar ao resumo do meu relatório (pp. 43 e seguintes)[14 10] mostrará ao leitor que apresentei um esboço da mesma análise das votações no congresso, análise que, de forma pormenorizada, constitui o conteúdo também da presente brochura. O centro de gravidade deste relatório era a demonstração de como Mártov e Cª, em consequência dos erros que tinham cometido, acabaram por ficar na ala oportunista do nosso partido. Embora o relatório tenha sido feito perante uma maioria dos mais furiosos adversários, eles nada puderam descobrir nele que se afastasse dos processos leais de luta e polémica de partido.

O relatório de Mártov, pelo contrário, à parte pequenas «emendas» de pormenor à minha exposição (mostrámos anteriormente a inexactidão dessas emendas), era... como que um produto de nervos doentes.

Não é de espantar que a maioria se recusasse a continuar a luta em tal atmosfera. O camarada Plekhánov protestou contra a cena (p. 68) - era de facto uma verdadeira «cena»! - e retirou-se do congresso, não querendo expor as objecções que já tinha preparado quanto ao conteúdo do relatório. Quase todos os outros partidários da maioria se retiraram também do congresso depois de terem apresentado um protesto escrito contra a «conduta indigna» do camarada Mártov (p. 75 das actas da Liga).

Os métodos de luta da minoria manifestaram-se aos olhos de todos com inteira evidência. Nós acusávamos a minoria de ter cometido um erro político no congresso, de ter efectuado uma viragem para o oportunismo, de se ter coligado com os bundistas, os Akímov, os Brúker, os Egórov e os Mákhov. A minoria tinha sofrido uma derrota no congresso e «elaborou» então dois métodos de luta que englobavam toda uma variedade infinita de sortidas, ataques, agressões, etc. Primeiro método: desorganizar todo o trabalho do partido, estragá-lo, procurar entravar tudo «sem explicar as razões».

Segundo método: fazer «cenas», etc., etc.[14 11]

Este «segundo método de luta» aparece também nas famosas resoluções «de princípio» da Liga, na análise das quais a «maioria», claro está, não participou. Vejamos mais de perto essas resoluções que o camarada Mártov reproduziu agora no seu Estado de Sítio.

A primeira resolução, assinada pelos camaradas Trótski, Fomine, Deutsch e outros, contém duas teses dirigidas contra a «maioria» do congresso do partido: 1) «A Liga exprime o seu profundo pesar pelo facto de que, em consequência das tendências que se manifestaram no congresso e que no fundo são contrárias à política anterior do Iskra, se não tenha prestado uma atenção devida, ao elaborar os estatutos do partido, à criação das garantias suficientes para assegurar a independência e autoridade do CC» (p. 83 das actas da Liga).

Esta tese «de princípio» reduz-se, segundo já vimos, a uma frase akimovista, cujo carácter oportunista foi denunciado no congresso do partido até pelo camarada Popov! No fundo, as afirmações de que a «maioria» não pensava em salvaguardar a independência e a autoridade do CC nunca foram mais do que mexericos. Basta dizer que, quando Plekhánov e eu fazíamos parte da redacção, o OC não tinha no Conselho predomínio sobre o CC, ao passo que quando os martovistas entraram para a redacção surgiu no Conselho um predomínio do OC sobre o CC! Quando nós estávamos na redacção os militantes práticos que trabalhavam na Rússia predominavam no Conselho sobre os literatos residentes no estrangeiro; com os martovistas aconteceu o contrário. Quando nós estávamos na redacção o Conselho não tentou uma única vez intervir em nenhuma questão prática, depois da cooptação por unanimidade esta intervenção começou, como o leitor poderá ver em pormenor dentro em pouco.

Tese seguinte da resolução que estamos a examinar: «...o congresso, ao constituir os centros oficiais do partido, não teve em conta a necessidade de manter a continuidade com os centros já formados de facto...»

Esta tese reduz-se inteiramente à questão da composição pessoal dos centros. A «minoria» preferiu eludir o facto de que os velhos centros tinham mostrado no congresso a sua incapacidade e cometido numerosos erros. Mas o mais cómico é a referência à «continuidade» relativamente ao Comité de Organização. No congresso, como vimos, ninguém disse uma só palavra acerca da confirmação de todos os membros do CO. Mártov, num acesso de exaltação, proferiu até exaltados gritos no congresso sobre a vergonha que para ele representava figurar numa lista com três membros do CO. No congresso a «minoria» apresentou a sua última lista com um membro do CO (Popov, Glébov ou Fomine e Trótski), enquanto a «maioria» fez triunfar uma lista com dois membros do CO em três (Travínski, Vassíliev e Glébov). Cabe perguntar: será que esta referência à «continuidade» pode ser considerada uma «divergência de princípio»?

Passemos à outra resolução assinada por quatro membros da velha redacção, com o camarada Axelrod à cabeça. Encontramos nela todas as principais acusações contra a «maioria», depois repetidas mais de uma vez na imprensa. A melhor maneira de as analisar é justamente na formulação que lhe deram os membros do círculo redactorial. As acusações são dirigidas contra o «sistema de direcção autocrático-burocrático do partido», contra o «centralismo burocrático» que, ao contrário do «centralismo verdadeiramente social-democrata», se define do seguinte modo: «põe em primeiro plano não a unidade interna, mas a unidade externa, formal, realizada e defendida por meios puramente mecânicos, esmagando sistematicamente a iniciativa individual e a actividade social independente»; deste modo «pela sua própria essência, é incapaz de unificar organicamente os elementos constitutivos da sociedade».

De que «sociedade» falam aqui o camarada Axelrod e Cª, só Alá o sabe. Pelos vistos o próprio camarada Axelrod não sabia muito bem se redigia uma mensagem de um zemstvo sobre as reformas desejáveis na administração ou se expunha as lamentações da «minoria». Que pode significar isso da «autocracia» no partido, sobre a qual gritam os «redactores» descontentes? A autocracia é o poder supremo, incontrolado, irresponsável e não electivo de uma única pessoa. Pelas publicações da «minoria» sabe-se perfeitamente que sou eu que sou considerado o autocrata, e mais ninguém. Quando se redigiu e adoptou a resolução que estamos a examinar eu estava no OC juntamente com Plekhánov. Por conseguinte, o camarada Axelrod e Cª exprimem a sua convicção de que Plekhánov e todos os membros do CC «dirigiam o partido», não segundo os seus pontos de vista sobre o bem da causa, mas segundo a vontade do autocrata Lénine. A acusação de direcção autocrática leva necessária e inevitavelmente a considerar todos os outros membros da direcção, excepto o autocrata, como simples instrumentos em mãos alheias, como piões, executores da vontade de outrem. E nós perguntamos mais e mais uma vez: será esta de facto a «divergência de princípio» do respeitabilíssimo camarada Axelrod?

Prossigamos. De que unidade externa, formal, falam aqui os nossos «membros do partido» que acabavam de chegar do congresso do partido, cujas decisões reconheceram solenemente como legítimas? Conhecerão algum outro meio de conseguir a unidade num partido organizado em bases mais ou menos sólidas a não ser o congresso? Se sim, porque não têm a coragem de dizer claramente que já não consideram o segundo congresso um congresso legítimo? Porque não tentam expor-nos as suas novas ideias e os novos meios de conseguir a unidade num pretenso partido, pretensamente organizado?

Prossigamos. De que «esmagamento da iniciativa individual» falam os nossos intelectuais- individualistas, que o OC do partido acabava de exortar a expor as suas divergências e que, em vez disso, se puseram a regatear sobre a «cooptação»? E como, em geral, podíamos, Plekhánov e eu, ou o CC, esmagar a iniciativa e actividade independente de pessoas que se recusavam a qualquer «actividade» connosco? Como se pode «esmagar» alguém numa instituição ou organismo, no qual o esmagado se recusou a participar? Como é que os redactores não eleitos podem queixar-se do «sistema de direcção», quando se recusaram a «ser dirigidos»? Não pudemos cometer nenhum erro ao dirigir os nossos camaradas, pela simples razão de que estes camaradas não trabalharam em absoluto sob a nossa direcção.

Parece evidente que os gritos a propósito do famoso burocratismo são apenas um meio de dissimular o descontentamento com a composição pessoal dos centros; são apenas uma parra destinada a ocultar a infracção à palavra solenemente dada no congresso. És um burocrata, porque foste designado pelo congresso não de acordo com a minha vontade, mas contra ela; és um formalista, porque te apoias nas decisões formais do congresso e não no meu consentimento; ages de modo grosseiramente mecânico, porque invocas a maioria «mecânica» do congresso do partido, e não tens em conta o meu desejo de ser cooptado; és um autocrata, porque não queres pôr o poder nas mãos da velha panelinha, que defende a sua «continuidade» de espírito de círculo com tanta mais energia quanto lhes desagrada a desaprovação directa desse mesmo espírito de círculo pelo congresso.

Estes gritos sobre o burocratismo não têm nem nunca tiveram nenhum conteúdo real senão aquele que acabamos de indicar.[14 12] E precisamente este método de luta demonstra uma vez mais a instabilidade própria de intelectuais da minoria. Ela queria convencer o partido de que os centros tinham sido mal escolhidos. Convencer, mas como? Criticando o Iskra, que eu e Plekhánov tínhamos dirigido? Não, não tinham a força para o fazer. Queriam convencer pela recusa de um sector do partido de trabalhar sob a direcção dos odiados centros. Mas nenhum organismo central de nenhum partido do mundo poderá demonstrar a sua capacidade de dirigir pessoas que se recusam a submeter-se à sua direcção. A recusa de submeter-se à direcção dos centros equivale à recusa de continuar no partido, equivale à destruição do partido, não é uma medida de persuasão, mas uma medida de destruição. E precisamente esta substituição da persuasão pela destruição demonstra falta de firmeza de princípios, falta de fé nas ideias próprias.

Fala-se de burocratismo. O burocratismo pode traduzir-se em russo pela palavra «localismo». O burocratismo significa a submissão dos interesses da causa aos interesses da carreira, significa prestar uma atenção constante aos cargos e ignorar o trabalho; bater-se pela cooptação em vez de lutar pelas ideias. Tal burocratismo, de facto, é sem dúvida indesejável e prejudicial ao partido, e tranquilamente deixo ao leitor o cuidado de julgar qual dos dois lados actualmente em luta no nosso partido enferma desse burocratismo... Fala-se de processos de conseguir a unidade grosseiramente mecânicos. Sem dúvida, os processos grosseiramente mecânicos são prejudiciais, mas torno a deixar ao leitor o cuidado de julgar se se pode imaginar um processo mais grosseiro e mecânico de luta entre a nova tendência e a velha que a introdução de pessoas nos organismos do partido antes de se ter convencido o partido da justeza das novas concepções, antes de se ter exposto ao partido essas concepções.

Mas talvez as palavrinhas preferidas da minoria tenham um certo significado de princípio, exprimam certo grupo especial de ideias, independentemente do motivo insignificante e particular que indubitavelmente serviu neste caso de ponto de partida para a «viragem»? Talvez, abstraindo da briga pela «cooptação», essas palavrinhas sejam contudo reflexo de um sistema de concepções diferente?

Examinemos a questão sob este aspecto. Antes de mais, deveremos observar que o primeiro a tentar este exame foi o camarada Plekhánov, que na Liga assinalou a viragem operada na minoria para o anarquismo e o oportunismo, e que precisamente o camarada Mártov (que se mostra agora muito ofendido porque nem todos querem reconhecer que a sua posição é uma posição de princípio)[14 13] preferiu ignorar totalmente este incidente no seu Estado de Sítio.

No congresso da Liga levantou-se a questão geral de saber se seriam válidos ou não os estatutos que a Liga ou um comité elaborem para si próprios sem a confirmação do CC ou contra a sua confirmação. Nada mais evidente, poderia parecer: os estatutos são uma expressão formal de organização, e o direito de organizar comités é expressamente reservado ao CC pelo § seis dos estatutos do nosso partido; os estatutos fixam os limites da autonomia do comité, e o voto decisivo na fixação desses limites pertence ao organismo central e não ao organismo local do partido. Isto é o á-bê-cê, e é pura infantilidade afirmar com ar sábio que «organizar» nem sempre implica a ideia de «confirmar estatutos» (como se a própria Liga não tivesse exprimido com toda a independência o seu desejo de ser organizada com base em estatutos formais). Mas o camarada Mártov até esqueceu (temporariamente, esperemos) o á-bê-cê da social-democracia. Na sua opinião, exigir a confirmação dos estatutos significa apenas «substituir o anterior centralismo revolucionário iskrista pelo centralismo burocrático» (p. 95 das actas da Liga); e o camarada Mártov declara no mesmo discurso que é precisamente nisto que ele vê o «aspecto de princípio» das coisas (p. 96), aspecto de princípio que preferiu contornar no seu Estado de Sítio!

O camarada Plekhánov responde imediatamente a Mártov, pedindo-lhe que se abstenha de expressões «atentatórias da dignidade do congresso», expressões como burocratismo, pompadurismo, etc. (p. 96). Segue-se uma troca de observações com o camarada Mártov, para quem essas expressões encerram «uma caracterização de princípio de determinada tendência». O camarada Plekhánov, como de resto todos os partidários da maioria, considerava então essas expressões no seu significado concreto, percebendo claramente o seu sentido não de princípio, mas exclusivamente «cooptacionista», se se me permite usar esta expressão. No entanto, cede à insistência dos Mártov e dos Deutsch (pp. 96-97) e passa a analisar do ponto de vista dos princípios pretensas concepções de princípio. «Se assim fosse - diz (isto é, se os comités tivessem autonomia para criar a sua própria organização, para elaborar os seus estatutos) -, seriam autónomos relativamente ao todo, relativamente ao partido. Isto já não é um ponto de vista bundista, mas simplesmente anarquista. Com efeito, os anarquistas raciocinam assim: os direitos do indivíduo são ilimitados; podem entrar em conflito; cada indivíduo define ele próprio os limites dos seus direitos. Os limites da autonomia devem ser fixados não pelo próprio grupo, mas pelo todo de que esse grupo faz parte. O Bund oferece um exemplo flagrante da violação deste princípio. Por consequência, os limites da autonomia são fixados ou pelo congresso ou pelo organismo superior que o congresso tenha criado. O poder do organismo central deve assentar na sua autoridade moral e intelectual. Com este ponto estou de acordo, bem entendido. Qualquer representante de uma organização deve velar para que ela tenha autoridade moral. Mas não se deduza disto que, se a autoridade é necessária, o poder não o seja... Opor a autoridade do poder à autoridade das ideias é uma frase anarquista que não deve ter lugar aqui» (98). Estas teses são o mais elementares possível, são verdadeiros axiomas que até seria estranho pôr à votação (p. 102) e que só foram postos em dúvida porque «no momento actual as noções se baralharam» (ibid.) Mas o individualismo próprio de intelectuais conduziu inevitavelmente a minoria ao desejo de fazer fracassar o congresso, a não se submeter à maioria; era impossível justificar este desejo, a não ser com frases anarquistas. É sumamente curioso que a minoria não pudesse replicar nada a Plekhánov, a não ser lamentações por ele usar expressões demasiado fortes como oportunismo, anarquismo, etc. Plekhánov, muito justamente, pôs a ridículo estas lamentações, perguntando porque é que «não é conveniente empregar jauressismo e anarquismo, enquanto o emprego de lèse-majesté (lesa-majestade) e de pompadurismo é conveniente». Não houve resposta a estas perguntas. Este qui pro quo[14 14] original acontece constantemente com os camaradas Mártov, Axelrod e Cª: as suas novas palavrinhas têm uma marca evidente de ressentimento; ofendem-se quando se lhes aponta isto - somos pessoas de princípios; mas se por princípio recusais a submissão da parte ao todo, sois anarquistas, diz-se- lhes. Nova ofensa com uma expressão forte! Por outras palavras: querem bater-se com Plekhánov, mas com a condição de este não os atacar a sério!

Quantas vezes o camarada Mártov e vários outros «mencheviques» de toda a espécie se empenharam, de maneira não menos pueril, em imputar-me a «contradição» seguinte. Extraem uma citação de Que Fazer? ou da Carta a Um Camarada, em que se fala da acção ideológica, luta pela influência, etc., e opõem-lhe o método «burocrático» da acção por meio dos estatutos, a tendência «autocrática» para se apoiar no poder, etc. Gente ingénua! Já esqueceram que antes o nosso partido não era um todo formalmente organizado, mas apenas uma soma de grupos particulares, pelo que entre esses grupos não podia haver outras ligações senão a acção ideológica. Agora somos um partido organizado; e isto implica a criação de um poder, a transformação da autoridade das ideias em autoridade do poder, a subordinação das instâncias inferiores às instâncias superiores do partido. Verdadeiramente, chega a ser desagradável repisar a velhos camaradas o á-bê-cê, sobretudo quando nos damos conta de que tudo se reduz simplesmente à recusa da minoria a submeter-se à maioria quanto às eleições! Mas do ponto de vista de princípios, todas estas intermináveis tentativas para me imputar contradições se reduzem inteiramente a frases anarquistas. Ao novo Iskra não desagrada beneficiar do título e dos direitos de organismo do partido, mas não quer submeter-se à maioria do partido.

Se as frases sobre o burocratismo contêm algum princípio, se não são uma negação anarquista do dever da parte de se submeter ao todo, estamos em presença do princípio do oportunismo que pretende diminuir a responsabilidade de certos intelectuais perante o partido do proletariado, enfraquecer a influência dos organismos centrais, reforçar a autonomia dos elementos menos firmes do partido, reduzir as relações de organização ao seu reconhecimento meramente platónico, em palavras. Vimo-lo no congresso do partido, em que os Akímov e os Líber pronunciavam sobre o «monstruoso» centralismo exactamente os mesmos discursos que os que saíram em torrentes da boca de Mártov e Cª no congresso da Liga. Que o oportunismo, não por acaso mas pela sua própria natureza, e não só na Rússia como no mundo inteiro, conduz ao «ponto de vista» martovista e axelrodista no terreno da organização, vê-lo-emos a seguir, ao examinar o artigo do camarada Axelrod no novo Iskra.

Notas

  1. Se acaso é permitido comparar o pequeno com o grande. (N. Ed.)
  2. O máximo (N. Ed.)
  3. Independentemente. (N. Ed.)
  4. Esta carta foi escrita ainda em Setembro (do novo calendário). (Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 46, pp. 297-300. - N. Ed.) Omiti nela o que me parecia não vir ao caso. Se o destinatário acha que o que se omitiu é precisamente o importante, pode completá-la sem dificuldade. A propósito. Aproveito a ocasião para autorizar os meus contraditores, de uma vez por todas, a publicar todas as minhas cartas particulares, se o considerarem útil à causa.
  5. Além disso, este membro do CC organizou especialmente uma série de encontros particulares e colectivos com a minoria, desmentindo os mexericos absurdos e exortando-os a cumprir o dever de membros do partido. (Nota do Autor)
  6. Na carta ao camarada Mártov havia ainda uma passagem em que se perguntava por uma brochura, e a frase seguinte: « Por último, no interesse da causa, comunicamos uma vez mais que estamos ainda prontos a cooptá-lo a si para a redacção do OC, para lhe oferecer todas as possibilidades de exprimir e defender oficialmente todos os seus pontos de vista num organismo superior do partido.» (Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 46, p. 306. - N. Ed.) (Nota do autor)
  7. O camarada Plekhánov, provavelmente, teria acrescentado aqui: ou dar satisfação a toda e cada uma das pretensões dos iniciadores da querela mesquinha. Já veremos por que era impossível fazê-lo. (Nota do Autor)
  8. Omito a resposta sobre a brochura de Mártov, que estava então a ser reeditada.
  9. Resolução Mineira (Estado de Sítio, p. 38).
  10. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. cm russo, t. 8, pp. 41-52. (N. Ed.)
  11. Já assinalei que não seria razoável reduzir a motivos sórdidos as mais baixas formas de manifestação de semelhantes querelas mesquinhas, habituais na atmosfera da emigração e do exílio. Trata-se de uma espécie de doença que se propaga epidemicamente em determinadas condições anormais de vida, em determinados estados de desequilíbrio nervoso, etc. Vi-me forçado a precisar aqui o verdadeiro carácter deste sistema de luta porque o camarada Mártov o repetiu inteiramente no seu «Estado de Sítio». (Nota do Autor)
  12. Basta lembrar que o camarada Plekhánov deixou, aos olhos da minoria, de ser um partidário do «centralismo burocrático» depois de ter efectuado a benfazeja cooptação. (Nota do Autor)
  13. Nada mais cómico que este ressentimento do novo Iskra, pretendendo que Lénine não quer ver as divergências de princípio ou as contesta. Quanto mais a vossa atitude perante a causa correspondesse aos princípios, tanto mais cedo deveríeis ter examinado as minhas repetidas indicações sobre a viragem para o oportunismo. Quanto mais a vossa posição correspondesse aos princípios, tanto menos poderíeis ter rebaixado a luta ideológica a uma luta pelos cargos. Culpai-vos a vós próprios se fizestes tudo para impedir que vos considerem como homens de princípios. Assim, o camarada Mártov, por exemplo, ao falar no seu Estado de Sítio do congresso da Liga, passa em silêncio o debate com Plekhánov sobre o anarquismo; mas, pelo contrário, conta que Lénine é um supercentro, que basta que Lénine faça um gesto para que o centro adopte uma medida, que o CC entrou na Liga montado num cavalo branco, etc. Estou longe de duvidar que é justamente pela escolha deste tema que o camarada Mártov demonstrou o seu profundo apego às ideias e aos princípios. (Nota do Autor)
  14. Mal-entendido. (N. Ed.)

q) Pequenas Contrariedades Não Devem Prejudicar um Grande Prazer

A rejeição pela Liga da resolução sobre a necessidade da confirmação dos seus estatutos pelo CC (p. 105 das actas da Liga) era, como toda a maioria do congresso observou imediatamente, «uma violação gritante dos estatutos do partido». Tal violação, se a considerarmos um acto cometido por homens de princípios, era puro anarquismo; mas na atmosfera da luta que se travou depois do congresso, ela dava inevitavelmente a impressão de um «ajuste de contas» da minoria do partido com a maioria do partido (p. 112 das actas da Liga); ela significava a recusa de submissão ao partido e de permanecer no partido. A recusa da Liga de adoptar uma resolução relativa à declaração do CC sobre a necessidade de modificar os estatutos (pp. 124-125) teve como consequência inevitável que se declarasse ilegítima uma reunião que queria ser considerada como reunião de uma organização do partido, embora recusasse submeter-se ao organismo central do partido. Os adeptos da maioria abandonaram imediatamente esta pretensa reunião de partido para não tomar parte numa comédia indigna.

O individualismo próprio de intelectuais, com o seu reconhecimento platónico das relações de organização, que se tinha já revelado nas hesitações sobre a questão do §1 dos estatutos, chegava deste modo na prática ao fim lógico, que eu previra já em Setembro, ou seja, com mês e meio de antecipação: a destruição da organização do partido. E naquele momento, na noite do mesmo dia em que terminou o congresso da Liga, o camarada Plekhánov declarou aos seus colegas dos dois organismos centrais do partido que não tinha coragem de «disparar contra os seus», que «era preferível dar um tiro na cabeça do que ir para a cisão», que era necessário, para evitar um mal maior, fazer o máximo de cedências pessoais, à volta das quais, propriamente falando (bem mais que à volta dos princípios que se tinham manifestado na falsa posição sobre o §1), prossegue esta luta encarniçada. Para caracterizar com maior exactidão esta viragem efectuada pelo camarada Plekhánov, e que teve uma certa projecção em todo o partido, considero mais conveniente apoiar- me, não em conversas privadas ou cartas privadas (este recurso deve usar-se apenas em última instância), mas na própria exposição do assunto que faz o próprio Plekhánov a todo o partido no seu artigo O Que não Se Deve Fazer do n° 52 do Iskra, escrito precisamente depois do congresso da Liga, depois da minha retirada da redacção do OC (l de Novembro de 1903) e antes da cooptação dos martovistas (26 de Novembro de 1903).

A ideia fundamental do artigo O Que não Se Deve Fazer é que, em política, não se deve ser rectilíneo, inoportunamente áspero e inoportunamente intransigente, que por vezes, para evitar a cisão, é indispensável fazer cedências tanto aos revisionistas (dos que se aproximam de nós ou dos inconsequentes) como aos individualistas anarquistas. É perfeitamente natural que estas teses abstractas, de ordem geral, tenham provocado a perplexidade geral entre os leitores do Iskra. Não se pode ler sem riso as magníficas e altivas declarações do camarada Plekhánov (em artigos posteriores) de que não o compreenderam em virtude da novidade das suas ideias, por não se conhecer a dialéctica. De facto, apenas puderam compreender o artigo O Que não Se Deve Fazer, quando este foi redigido, umas dez pessoas de dois arrabaldes de Genebra, cujos nomes começam pelas mesmas letras.[15 1] A infelicidade do camarada Plekhánov foi ter lançado em circulação perante uns dez mil leitores uma série de alusões, censuras, sinais algébricos e enigmas dirigidos apenas a estas dez pessoas que tinham participado, depois do congresso, em todas as peripécias da luta contra a minoria. O camarada Plekhánov incorreu nessa infelicidade por ter infringido o princípio fundamental da dialéctica, que com tão pouca felicidade invocara: não há verdades abstractas, a verdade é sempre concreta. Por isso mesmo, era deslocado apresentar sob uma forma abstracta a ideia muito concreta de fazer uma cedência aos martovistas depois do congresso da Liga.

A cedência, que o camarada Plekhánov apresentou como um novo lema de combate, é legítima e imprescindível em dois casos: ou quando aquele que cede está convencido da razão dos que querem obter essa cedência (os políticos honestos, neste caso, reconhecem franca e abertamente o seu erro), ou quando a cedência a uma exigência insensata ou prejudicial para a causa é feita para evitar um mal maior. Ressalta com toda a clareza do artigo que examinamos que o autor pensa no segundo caso: fala abertamente de fazer uma cedência a revisionistas e a individualistas anarquistas (ou seja, aos martovistas, como o sabem agora todos os membros do partido pelas actas da Liga), cedência imprescindível para evitar a cisão. Como vedes, a ideia pretensamente nova do camarada Plekhánov resume-se inteiramente a uma sabedoria da vida nada nova: as pequenas contrariedades não devem prejudicar um grande prazer, uma pequena tolice oportunista e uma pequena frase anarquista são preferíveis a uma grande cisão no partido. O camarada Plekhánov, ao escrever este artigo, percebia claramente que a minoria representa a ala oportunista do nosso partido, que ela combate com métodos anarquistas. O camarada Plekhánov formulou um projecto: lutar contra esta minoria através de cedências pessoais, algo semelhante (mais uma vez, si licet parva componere magnis) à luta da social-democracia alemã contra Bernstein. Bebel declarava publicamente nos congressos do seu partido que não conhecia homem mais sensível à influência do ambiente que o camarada Bernstein (não o senhor Bernstein, como gostava de dizer antigamente o camarada Plekhánov, mas o camarada Bernstein): acolhê-lo-emos entre nós, faremos dele um delegado ao Reischstag, combateremos o revisionismo, mas não combateremos o revisionista com inoportuna aspereza (à la Sobakévitch[15 2] - Parvus), antes o «mataremos com delicadezas» (kill with kindness), como o caracterizava, se bem me lembro, o camarada M. Beer numa reunião social-democrata inglesa ao defender o espírito de cedência dos alemães, o seu espírito pacífico, delicado, flexível e prudente, contra os ataques do Sobakévitch-Hyndman inglês. De igual modo, o camarada Plekhánov queria «matar com delicadezas» o pequeno anarquismo e o pequeno oportunismo dos camaradas Axelrod e Mártov. A verdade é que, juntamente com alusões bem claras aos «anarquistas individualistas», o camarada Plekhánov se expressou em termos deliberadamente pouco claros relativamente aos revisionistas, de modo a fazer crer que tinha em vista os partidários da Rabótcheie Dielo que passavam do oportunismo para a ortodoxia, e não Axelrod e Mártov, que começavam a passar da ortodoxia para o revisionismo. Mas isto foi apenas um ardil militar[15 3] inocente, uma má obra de fortificação, incapaz de resistir ao fogo da artilharia da publicidade feita no partido.

Pois bem, quem se inteirar da conjuntura concreta do momento político que descrevemos, quem penetrar na psicologia do camarada Plekhánov, compreenderá que eu não podia então proceder senão como procedi. Digo-o para aqueles partidários da maioria que me censuraram por ter cedido a redacção. Quando o camarada Plekhánov fez uma viragem depois do congresso da Liga, e de partidário da maioria passou a partidário da reconciliação a qualquer preço, eu era obrigado a interpretar essa viragem no melhor sentido. Talvez o camarada Plekhánov quisesse apresentar no seu artigo um programa de boa e honesta paz? Qualquer programa deste tipo resume-se a um reconhecimento sincero pelas duas partes dos erros cometidos. Qual o erro da maioria indicado pelo camarada Plehkánov? - Uma aspereza deslocada, digna de Sobakévitch, para com os revisionistas. Não sabemos a que se referia o camarada Plekhánov ao dizer isto: se à sua tirada humorística sobre os burros, se àquela alusão, da maior imprudência na presença de Axelrod, ao anarquismo e ao oportunismo; o camarada Plekhánov preferiu exprimir-se «abstractamente», aludindo, além disso, a Fulano. É uma questão de gosto, bem entendido. Mas eu reconheci abertamente a minha própria aspereza tanto na minha carta a um iskrista como no congresso da Liga. Como poderia eu deixar de reconhecer tal «erro» na maioria? Quanto à minoria, o camarada Plekhánov indicava claramente o erro dela: revisionismo (cf. as suas observações sobre o oportunismo no congresso do partido e sobre o jauressismo no congresso da Liga) e anarquismo, que tinha conduzido à cisão. Podia eu opor-me a que, através de cedências pessoais, e, em geral, de toda a espécie de «kindness» (amabilidade, delicadeza, etc.), se conseguisse o reconhecimento desses erros e se desfizesse o mal por eles causado? Podia eu impedir esta tentativa, quando o camarada Plekhánov, no seu artigo O Que não Se Deve Fazer, procurava directamente convencer a «ter piedade dos adversários» revisionistas, e que apenas eram revisionistas «em virtude de uma certa falta de espírito de consequência»? E se não acreditava nesta tentativa, poderia eu agir de outro modo que não fosse fazer uma cedência pessoal relativamente ao OC e passar para o CC para defender a posição da maioria?[15 4] Negar absolutamente a possibilidade de tais tentativas e tomar sobre mim só a responsabilidade da cisão iminente era coisa que não podia fazer, pelo simples facto de eu próprio me ter inclinado, na minha carta de 6 de Outubro, a explicar a disputa «por uma irritação pessoal».

Quanto a defender a posição da maioria, considerava e continuo a considerar que é meu dever político. Era difícil e arriscado confiar, a esse respeito, no camarada Plekhánov, porque tudo indicava que o camarada Plekhánov estava disposto a interpretar dialecticamente a sua frase «um dirigente do proletariado não tem o direito de ceder às suas inclinações combativas quando estas são contrárias aos cálculos políticos», interpretá-la dialecticamente no sentido de que, já que era necessário disparar, o mais vantajoso (de acordo com o estado da atmosfera de Genebra em Novembro) era disparar contra a maioria... Era imprescindível defender a posição da maioria porque o camarada Plekhánov - rindo-se da dialéctica, que exige um exame concreto e multilateral -, ao tratar da boa(?) vontade do revolucionário, torneou modestamente a questão da confiança no revolucionário, da fé no «dirigente do proletariado» que dirigia uma determinada ala do partido. Ao falar do individualismo anarquista e recomendar que «de vez em quando» se fechassem os olhos às infracções à disciplina, se cedesse «por vezes» ao relaxamento próprio de intelectuais, «que se radica num sentimento que nada tem de comum com a fidelidade à ideia revolucionária», o camarada Plekhánov esquecia sem dúvida que importava igualmente ter em conta a boa vontade da maioria do partido, que é preciso deixar precisamente aos militantes práticos o cuidado de definir a medida das cedências a fazer aos individualistas anarquistas. E tão fácil a luta literária contra os pueris absurdos anarquistas como é difícil o trabalho prático com um individualista anarquista numa mesma organização. Um literato que se encarregasse de estabelecer a medida em que é possível ceder ao anarquismo na prática apenas daria provas duma desmedida fatuidade literária, duma fatuidade realmente doutrinária. O camarada Plekhánov observava majestosamente (para se dar importância, como dizia Bazárov)[15 5] que no caso de nova cisão os operários deixariam de nos compreender e, ao mesmo tempo, ele próprio inaugurava uma interminável série de artigos no novo Iskra, que, pelo seu significado actual e concreto, ficavam necessariamente incompreensíveis não só para os operários, mas, em geral, para toda a gente. Não admira, pois, que um membro do CC[15 6] que tinha lido as provas do artigo O Que não Se Deve Fazer prevenisse o camarada Plekhánov de que o seu plano prevendo uma redução até certo ponto da publicação de determinados documentos (actas do congresso do partido e do congresso da Liga) ficava prejudicado justamente por este artigo, que excitava a curiosidade e lançava para o julgamento da rua[15 7] algo de excitante e, ao mesmo tempo, inteiramente obscuro, provocando inevitavelmente perguntas perplexas: «Que se passou?» Não admira que precisamente este artigo do camarada Plekhánov, em consequência do carácter abstracto dos seus raciocínios e da falta de clareza das suas alusões, tenha provocado o regozijo nas fileiras dos inimigos da social-democracia: um cancan nas páginas da Revolutsiónnaia Rossia[15 8] e também os louvores entusiastas dos consequentes revisionistas da Osvobojdénie. A fonte de todos estes divertidos e tristes mal-entendidos, de que o camarada Plekhánov se desembaraçou mais tarde de modo tão divertido e tão triste, foi precisamente a violação do princípio fundamental da dialéctica: é preciso analisar as questões concretas da maneira mais concreta. O regozijo do senhor Struve, em particular, era perfeitamente natural: pouco lhe importavam os «bons» objectivos (kill with kindness) que o camarada Plekhánov visava (mas que podia não alcançar); o senhor Struve aplaudia e não podia deixar de aplaudir a viragem para a ala oportunista do nosso partido, que começara no novo Iskra, como toda a gente vê agora. Os democratas burgueses russos não são os únicos a saudar cada viragem, por mais pequena e provisória que seja, para o oportunismo em todos os partidos sociais-democratas. É muito raro que haja uma confusão absoluta na apreciação que vem de um inimigo inteligente: diz-me quem te elogia, e dir-te-ei onde está o teu erro. O camarada Plekhánov em vão conta com um leitor desatento, procurando apresentar as coisas como se a maioria se tivesse oposto terminantemente à cedência pessoal relativamente à cooptação, e não à passagem da ala esquerda para a ala direita do partido. A questão não consiste, de modo nenhum, no facto de o camarada Plekhánov, para evitar a cisão, ter feito uma cedência pessoal (o que é muito de elogiar), mas no facto de que tendo reconhecido inteiramente a necessidade de discutir com os revisionistas inconsequentes e com os individualistas anarquistas, ele tenha preferido discutir com a maioria, de quem divergia, quanto à medida das cedências práticas que era possível fazer ao anarquismo. A questão não consiste de modo nenhum no facto de o camarada Plekhánov ter alterado a composição pessoal da redacção, mas no facto de ter traído a sua posição de discutir com o revisionismo e o anarquismo, no facto de ter deixado de defender esta posição no OC do partido.

No que diz respeito ao CC, que era então o único representante organizado da maioria, o camarada Plekhánov divergiu naquele momento com ele exclusivamente quanto à medida das cedências práticas que era possível fazer ao anarquismo. Passou-se cerca de um mês depois do dia l de Novembro, quando a minha retirada deixou as mãos livres à política do kill with kindness. O camarada Plekhánov tinha todas as possibilidades de verificar, por toda a espécie de contactos, o que vale esta política. O camarada Plekhánov publicou nesta ocasião o seu artigo O Que não Se Deve Fazer, que foi - e continua a ser - o único bilhete de entrada, por assim dizer, dos martovistas na redacção. As palavras de ordem: revisionismo (com o qual se deve discutir poupando o adversário) e individualismo anarquista (que se deve amimar matando-o com delicadezas), figuram neste bilhete em itálico destacado. Fazei o favor de entrar, senhores, matar-vos-ei com delicadezas - eis o que diz o camarada Plekhánov neste cartão de convite aos seus novos colegas de redacção. Naturalmente, ao CC não restava senão dizer a sua última palavra (que é o que significa ultimato: a última palavra sobre a possível paz) sobre a medida das cedências práticas admissíveis, do seu ponto de vista, ao individualismo anarquista. Ou quereis a paz, e então eis um certo número de lugares para vós que testemunham a nossa delicadeza, o nosso espírito de paz, o nosso espírito de cedência, etc. (e mais não podemos dar, se queremos garantir a paz no partido, paz no sentido não de não haver discussões, mas no sentido de o partido não ser destruído pelo individualismo anarquista), tomai estes lugares e iniciai novamente pouco a pouco a viragem das posições de Akímov para as de Plekhánov. Ou quereis manter e desenvolver o vosso ponto de vista, virar definitivamente (mesmo que seja apenas no domínio das questões de organização) para Akímov, convencer o partido de que vós é que tendes razão e não Plekhánov, e então formai o vosso próprio grupo literário, obtende uma representação no congresso e começai, através de uma luta honesta, de uma polémica aberta, a conquistar a maioria. Esta alternativa, claramente exposta aos martovistas no ultimato do Comité Central de 25 de Novembro de 1903 (ver Estado de Sítio e Comentário às Actas da Liga),[15 9] está plenamente de acordo com a carta, minha e de Plekhánov, datada de 6 de Outubro de 1903, dirigida aos antigos redactores: ou irritação pessoal (e então podia-se, no pior dos casos, «cooptar»), ou divergências de princípio (e então era preciso começar por convencer o partido e só depois falar de alterações na composição pessoal dos centros). O CC podia deixar aos próprios martovistas o cuidado de solucionar este dilema delicado, tanto mais que precisamente naquela altura o camarada Mártov escrevia na sua profession de foi[15 10] (Uma Vez Mais em Minoria) as linhas seguintes:

«A minoria aspira a uma só honra: dar o primeiro exemplo da história do nosso partido de que é possível ser “vencido” e não constituir um novo partido. Esta posição da minoria decorre de todas as suas opiniões sobre o desenvolvimento do partido no domínio da organização; decorre da consciência dos fortes laços que a unem ao anterior trabalho do partido. A minoria não acredita na força mística das “revoluções no papel” e vê na profundidade com que a vida justifica as suas aspirações a garantia de que conseguirá, por uma propaganda puramente ideológica no seio do partido, fazer triunfar os seus princípios de organização» (sublinhado por mim).

Que magníficas, que orgulhosas palavras! E como foi amargo convencermo-nos na prática de que eram apenas palavras... Queira desculpar-me, camarada Mártov, mas agora, em nome da maioria, declaro aspirar a essa «honra» que você não mereceu. Será de facto uma grande honra, pela qual vale a pena bater-se, porque as tradições do espírito de círculo legaram-nos uma herança de cisões extraordinariamente fáceis e uma aplicação extraordinariamente zelosa desta regra: ou um soco ou um beijo na mão.

___________

O grande prazer (de ter um único partido) devia pesar mais, e pesou mais, do que as pequenas contrariedades (sob a forma de querelas mesquinhas acerca da cooptação). Retirei-me do OC, o camarada Igrek (delegado por mim e por Plekhánov ao Conselho do partido, pela redacção do OC) retirou-se do Conselho. Os martovistas responderam à última palavra do CC sobre a paz com uma carta (cf. as publicações citadas) equivalente a uma declaração de guerra. Então, mas só então, eu escrevi uma carta à redacção (n° 53 do Iskra) sobre a publicidade.[15 11] Se falamos de revisionismo, se discutimos sobre a inconsequência e o individualismo anarquista, sobre o fracasso de diversos dirigentes, então, senhores, contemos tudo sem nada esconder - era esse o conteúdo da minha carta sobre a publicidade. A redacção respondeu-lhe com injúrias violentas e um magnífico sermão: não te atrevas a vir com «minúcias e querelas mesquinhas próprias da vida de círculo» (n° 53 do Iskra). Bom, digo para mim, com que então «minúcias e querelas mesquinhas próprias da vida de círculo» ... es ist mir recht, senhores, nisso estou de acordo convosco. Porque isso quer dizer que incluís directamente entre as querelas mesquinhas de círculos toda a história da «cooptação». E é verdade. Mas que estranha dissonância quando no editorial do mesmo n° 53 a mesma redacção (parece ser a mesma) começa a falar do burocratismo, de formalismo, etc.[15 12] Não te atrevas a levantar a questão da luta pela cooptação para o OC, porque isso são querelas mesquinhas. Mas nós levantaremos a questão da cooptação para o CC, e a isso não chamaremos querela mesquinha, mas divergência de princípio quanto ao «formalismo». Não, digo para mim, caros camaradas, permiti- nos não vo-lo permitir. Então quereis disparar contra a minha fortaleza, e exigis de mim que vos entregue a minha artilharia! Brincalhões! E assim escrevo e publico, fora do Iskra, a minha Carta à Redacção (Porque Me Retirei da Redacção do «Iskra»?),[15 13] relatando brevemente como se passaram os factos e perguntando uma e outra vez se é possível a paz na base da divisão seguinte: o Órgão Central para vós, o Comité Central para nós. Nenhuma das partes se sentirá «estranha» no seu partido, e discutiremos a viragem para o oportunismo, discutiremos primeiro na literatura, e depois talvez no terceiro congresso do partido.

Como resposta a esta menção de paz, todas as baterias do inimigo abriram fogo, incluindo o Conselho. Choviam os projécteis. Autocrata, Schweitzer, burocrata, formalista, supercentro, unilateral, rígido, obstinado, estreito, desconfiado, intratável... Muito bem, meus amigos! Acabastes? Já não tendes mais nada de reserva? São bem más as vossas munições...

É a minha vez de falar. Vejamos o conteúdo dos novos pontos de vista do novo Iskra em matéria de organização, e a relação destes pontos de vista com a divisão do nosso partido em «maioria» e «minoria», cujo verdadeiro carácter já mostrámos ao analisar os debates e votações do segundo congresso.

Notas

  1. Trata-se provavelmente de dois subúrbios de Genebra, Carouge e Cluse, onde viviam os partidários da maioria e da minoria.
  2. Sobakévitch: personagem da obra de N. V. Gógol Almas Mortas; um latifundiário explorador, que se isolou na sua quinta e que falava grosseira e rudemente de todas as pessoas conhecidas do seu círculo.
  3. Quanto às cedências aos camaradas Mártov, Akímov e Brúker, nem sequer se falou disso depois do congresso do partido. Não ouvi dizer que eles também tivessem exigido a «cooptação». Duvido mesmo que o camarada Starover ou o camarada Mártov tivessem pedido a opinião do camarada Brúker quando nos enviaram os seus papéis e «notas» em nome de «metade do partido»... No congresso da Liga, o camarada Mártov, com a mais profunda indignação dum lutador político intransigente, rejeitava até a ideia de «unidade com Riazánov ou Martínov», a possibilidade de um «acordo» com eles ou até de uma acção comum (na qualidade de redactor) «ao serviço do partido» (p. 53 das actas da Liga). O camarada Mártov condenou severamente no congresso da Liga as «tendências martinovistas» (p. 88), e quando o camarada Ortodox aludiu delicadamente a que talvez Axelrod e Mártov «reconhecessem também aos camaradas Akímov, Martínov e outros o direito de se reunirem para elaborar para seu próprio uso uns estatutos e de aplicá-los como lhes aprouvesse» (p. 99), os martovistas puseram-se a renegar, como Pedro renegou Cristo (p. 100: «os receios do camarada Ortodox» «em relação aos camaradas Akímov, Martínov, etc.» «são destituídos de fundamento»). (Nota do Autor)
  4. O camarada Mártov, falando sobre esse ponto, disse com muita precisão que eu me tinha passado avec armes et bagages (com armas e bagagens - N. Ed.). O camarada Mártov gosta de fazer comparações militares: expedição contra a Liga, combate, feridas incuráveis, etc., etc. Tenho de reconhecer que também tenho um grande fraco pelas comparações militares, sobretudo agora, quando se acompanha com tanto interesse as notícias do Pacífico. Mas, se falamos em termos militares, camarada Mártov, as coisas aconteceram do seguinte modo. Nós conquistámos dois fortins no congresso do partido. Vós atacaste-los no congresso da Liga. Já depois do primeiro ligeiro tiroteio, um colega meu, chefe de uma das fortalezas, abre as portas ao inimigo. Eu, naturalmente, reúno a minha pequena artilharia e retiro-me para outro forte, muito mal fortificado, para «entricheirar-me» contra um inimigo numericamente muito superior. Chego até a propor a paz: como lutar contra duas potências? Porém, os novos aliados respondem à proposta de paz bombardeando o meu último reduto. Respondo ao fogo. E, naquele momento, o meu antigo colega - o chefe da fortaleza - exclama com magnífica indignação: olhai, boa gente, quão pouco amor à paz tem este Chamberlain! (Nota do Autor)
  5. Bazárov: protagonista do romance de I. S. Turguéniev Pais e Filhos.
  6. Alude-se a F. Léngnik.
  7. Discutimos com paixão, acaloradamente, em certo recinto fechado. De repente, um de nós salta, abre de par em par uma janela que dá para a rua e começa a gritar contra os Sobakévitch, os individualistas anarquistas, os revisionistas, etc. Naturalmente que na rua se reuniu uma multidão de curiosos folgazões e os nossos inimigos sentiram uma maldosa alegria. Os outros participantes na discussão aproximaram-se também da janela, manifestando o desejo de contar as coisas como se passaram, desde o princípio e sem aludir a coisas que ninguém sabe. Então, fecha-se a janela de golpe: não vale a pena, dizem, falar de querelas mesquinhas (Iskra, n° 53, p. 8, segunda coluna, linha 24 a contar de baixo). A verdade, camarada Plekhánov, é que teria sido melhor não começar no «Iskra» a falar de «querelas mesquinhas»! (Nota do Autor) (No Iskra n.° 53, de 25 de Novembro de 1903, ao mesmo tempo que a Carta à Redacção do «Iskra» de V. I. Lénine, foi publicada a resposta da redacção, redigida por Plekhánov. Na sua carta, Lénine propunha que se discutissem nas páginas do jornal as divergências de princípio entre os bolcheviques e mencheviques. Mas Plekhánov recusou-se, qualificando essas divergências de «querelas da vida de círculo».
  8. Revolutsiónnaia Rossia (Rússia Revolucionária): jornal ilegal dos socialistas-revolucionários. Foi editado desde os fins de 1900 na Rússia pela «União dos Socialistas-Revolucionários». De Janeiro de 1902 a Dezembro de 1905 publicou-se no estrangeiro (Genebra) como órgão oficial do partido dos socialistas-revolucionários.
  9. Deixo por esclarecer, naturalmente, a confusão que fez Mártov, no seu Estado de Sítio, em torno desse ultimato do CC, referindo-se a conversas particulares, etc. Este é o «segundo método de luta», que defini no parágrafo anterior e que só um especialista em neuropatologia poderia analisar com esperanças de êxito. Basta dizer que nele o camarada Mártov insiste no acordo com o CC para que não sejam publicadas as negociações, acordo que, apesar de todas as pesquisas, ainda não foi encontrado. O camarada Travínski, que conduzia as negociações em nome do CC, comunicou-me por escrito que me considerava autorizado a publicar fora do Iskra a minha carta à redacção. Uma só expressão do camarada Mártov me agradou especialmente: «bonapartismo da pior espécie». Na minha opinião, o camarada Mártov pôs em circulação esta categoria com muita oportunidade. Vamos ver serenamente o que significa esse conceito. No meu modo de ver, significa a tomada do poder por meios formalmente legais, mas, na realidade, contra a vontade do povo (ou do partido). Não é assim, camarada Mártov? E se é assim, deixo tranquilamente à opinião pública que decida de que lado estava esse «bonapartismo da pior espécie», se do lado de Lénine e Igrek, que podiam aproveitar-se do seu direito formal de não deixar entrar os martovistas, apoiando-se, além disso, na vontade do II congresso, mas que não fizeram uso desse direito; ou se do lado dos que ocuparam a redacção de modo formalmente correcto («cooptação unânime»), mas sabendo que esse acto não correspondia, na realidade, à vontade do II congresso e temendo a comprovação dessa vontade pelo III congresso. (Nota do Autor)
  10. Profissão de fé. (N. Ed.)
  11. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, pp. 93-97. (N. Ed.)
  12. Como se verificou mais tarde, a «dissonância» explicava-se muito simplesmente por uma dissonância na composição da redacção do OC. Sobre «querelas mesquinhas» escreveu Plekhánov (ver a sua confissão em Um Triste Mal-Entendido, n° 57), enquanto o editorial O Nosso Congresso foi escrito por Mártov (Estado de Sítio, p. 84). Cada um puxa para o seu lado. (Nota do Autor)
  13. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, pp. 98-104. (N. Ed.)

r) O Novo «Iskra». Oportunismo nas Questões de Organização

Para analisar a posição de princípio do novo Iskra é preciso sem dúvida tomar como base os dois folhetins do camarada Axelrod.[16 1] Expusemos anteriormente em pormenor o significado concreto de uma série das suas palavrinhas preferidas, e agora devemos tentar abstrair-nos desse significado concreto e seguir o desenrolar do pensamento que levou a «minoria» (por este ou aquele motivo fútil e mesquinho) a adoptar precisamente essas palavras de ordem e não outras, e examinar o significado destas palavras de ordem no terreno dos princípios, independentemente da sua origem, independentemente da «cooptação». Vivemos agora sob o signo das cedências: façamos pois uma cedência ao camarada Axelrod e «tomemos a sério» a sua «teoria».

A tese fundamental do camarada Axelrod (n° 57 do Iskra) é a seguinte: «Desde o início o nosso movimento conteve duas tendências opostas, cujo antagonismo mútuo não podia deixar de desenvolver-se e repercutir-se nele paralelamente ao seu próprio desenvolvimento.» A saber: «O objectivo proletário do movimento (na Rússia) é, em princípio, o mesmo que o da social- democracia do Ocidente.» Mas no nosso país a influência sobre as massas operárias provém «de um elemento social que lhes é estranho» - a intelectualidade radical. Assim, o camarada Axelrod assina- la que existe no nosso partido um antagonismo entre as tendências proletária e intelectual-radical.

Nisso o camarada Axelrod tem seguramente razão. Que este antagonismo existe (e não só no partido social-democrata russo), é questão fora de dúvida. E mais. Toda a gente sabe que é este antagonismo que explica em grande parte a divisão da social-democracia contemporânea em social- democracia revolucionária (também chamada ortodoxa) e oportunista (revisionista, ministerialista, reformista), divisão que também se manifestou claramente na Rússia no decurso dos dez últimos anos do nosso movimento. Toda a gente sabe também que é precisamente a social-democracia ortodoxa que exprime as tendências proletárias do movimento, enquanto a social-democracia oportunista exprime as tendências intelectuais-democráticas.

Mas, ao abordar de perto este facto notório, o camarada Axelrod, temeroso, começa a recuar. Não faz a mínima tentativa para analisar como se manifestou esta divisão na história da social- democracia russa em geral, e no nosso congresso do partido em particular - embora o camarada Axelrod escreva precisamente acerca do congresso! Como toda a redacção do nosso Iskra, o camarada Axelrod manifesta um medo mortal das actas deste congresso. Não devemos admirar-nos disso depois de tudo o que foi exposto anteriormente, mas da parte de um «teórico» que pretende estudar as diversas tendências do nosso movimento, é um caso original de fobia da verdade.

Depois de ter afastado, em virtude dessa particularidade que o caracteriza, os materiais mais recentes e mais exactos sobre as tendências do nosso movimento, o camarada Axelrod procura salvação no campo dos doces sonhos. «O marxismo legal ou semimarxismo deu pois um chefe literário aos nossos liberais - diz ele. - Então, porque é que essa menina travessa que é a história não havia de dar à democracia burguesa revolucionária um chefe formado na escola do marxismo revolucionário, ortodoxo?» Sobre este sonho, doce para o camarada Axelrod, só podemos dizer que, se acontece a história fazer travessuras, isso não justifica as travessuras do pensamento de uma pessoa que se propõe analisar essa história. Quando por detrás do chefe do semimarxismo surgia o liberal, as pessoas que queriam (e sabiam) estudar o fundo das suas «tendências», não invocavam possíveis travessuras da história, mas dezenas e centenas de exemplos da psicologia e da lógica desse chefe, particularidades de toda a sua fisionomia literária, que traíam o reflexo do marxismo na literatura burguesa.[16 2] Mas se o camarada Axelrod, que pretendeu analisar as «tendências revolucionárias em geral e as tendências proletárias no nosso movimento», não soube revelar nada, absolutamente nada, que demonstrasse a existência de determinadas tendências nestes ou naqueles representantes dessa ala ortodoxa que ele detesta, apenas se passou a si mesmo um solene atestado de indigência. Os assuntos do camarada Axelrod devem andar bem mal, se já só lhe resta invocar as possíveis travessuras da história!

A outra referência do camarada Axelrod - aos «jacobinos» - é ainda mais instrutiva. O camarada Axelrod não desconhece, provavelmente, que a divisão da social-democracia contemporânea em revolucionária e oportunista, há já muito tempo, e não só na Rússia, deu azo a «analogias históricas com a época da grande revolução francesa». O camarada Axelrod não ignora, provavelmente, que os girondinos da social-democracia contemporânea recorrem, sempre e em toda a parte, aos termos «jacobinismo», «blanquismo»,[16 3] etc., para caracterizar os seus adversários. Não imitemos pois o camarada Axelrod na sua fobia da verdade, e consultemos as actas do nosso congresso: talvez encontremos nelas material para analisar e verificar as tendências que estamos a estudar e as analogias que estamos a examinar.

Primeiro exemplo. A discussão do programa no congresso do partido. O camarada Akímov («inteiramente de acordo» com o camarada Martínov) declara: «O parágrafo sobre a conquista do poder político (sobre a ditadura do proletariado), em comparação com todos os outros programas sociais-democratas, foi redigido de tal maneira que pode ser interpretado, como foi de facto interpretado pelo camarada Plekhánov, no sentido de que o papel da organização dirigente deverá relegar para segundo plano a classe por ela dirigida e isolar a primeira da segunda. Por isso a definição das nossas tarefas políticas é exactamente igual à feita por “A Vontade do Povo”» (p. 124 das actas). O camarada Plekhánov e outros iskristas respondem ao camarada Akímov acusando-o de oportunismo. Não acha o camarada Axelrod que esta discussão nos mostra (nos factos e não nas imaginárias travessuras da história) o antagonismo entre os jacobinos actuais e os girondinos actuais na social-democracia? E se o camarada Axelrod falou dos jacobinos, não será porque se encontrou (devido aos erros que cometeu) na companhia dos girondinos da social-democracia?

Segundo exemplo. O camarada Possadóvski põe a questão de um «sério desacordo» sobre a «questão fundamental» do «valor absoluto dos princípios democráticos» (p. 169). Juntamente com Plekhánov, nega o seu valor absoluto. Os líderes do «centro» ou do pântano (Egórov) e dos anti- iskristas (Goldblat) erguem-se decididamente contra isso, considerando que Plekhánov «imita a táctica burguesa» (p. 170) - esta é precisamente a ideia do camarada Axelrod sobre a relação entre ortodoxia e tendência burguesa, com a única diferença de que Axelrod deixa esta ideia no ar, enquanto Goldblat a relaciona com debates concretos. Nós perguntamos uma vez mais: não crê o camarada Axelrod que também esta discussão nos mostra palpavelmente o antagonismo no nosso congresso entre jacobinos e girondinos da social-democracia contemporânea? Não gritará o camarada Axelrod contra os jacobinos porque se encontrou na companhia dos girondinos?

Terceiro exemplo. A discussão do § l dos estatutos. Quem defende «as tendências proletárias no nosso movimento», quem sublinha que o operário não receia a organização, que o proletário não simpatiza com a anarquia, que aprecia o estímulo da palavra de ordem «organizai-vos!», quem põe em guarda contra a intelectualidade burguesa, imbuída até à medula de oportunismo? Os jacobinos da social-democracia. E quem introduz de contrabando no partido os intelectuais radicais, quem se preocupa com os professores, com os estudantes de liceu, com os isolados, com a juventude radical? O girondino Axelrod juntamente com o girondino Líber.

Com que falta de habilidade o camarada Axelrod se defende da «falsa acusação de oportunismo» abertamente espalhada no congresso do nosso partido contra a maioria do grupo «Emancipação do Trabalho»! Defende-se de tal maneira que confirma a acusação, retomando a batida cantilena bernsteiniana sobre o jacobinismo, o blanquismo, etc.! Grita acerca do perigo que representam os intelectuais radicais para fazer esquecer os seus próprios discursos no congresso do partido e que respiravam solicitude com esses mesmos intelectuais.

As «terríveis palavras»: jacobinismo, etc., não exprimem absolutamente nada a não ser oportunismo. O jacobino, ligado indissolutamente à organização do proletariado, consciente dos seus interesses de classe, é justamente o social-democrata revolucionário. O girondino, que suspira pelos professores e os estudantes de liceu, que receia a ditadura do proletariado, que sonha com o valor absoluto das reivindicações democráticas, é justamente o oportunista. Só os oportunistas podem ainda, na nossa época, ver um perigo nas organizações de conspiradores, quando a ideia de reduzir a luta política às proporções de uma conspiração foi mil vezes refutada na literatura, foi há muito tempo refutada e posta de lado pela vida, quando a primordial importância da agitação política de massas foi explicada e repisada até à exaustão. O verdadeiro motivo deste medo da conspiração, do blanquismo, não é esta ou aquela característica que se manifestou no movimento prático (como Bernstein e Cª há muito tentam em vão demonstrar), mas a timidez girondina do intelectual burguês, cuja mentalidade se manifesta tantas vezes entre os sociais- democratas contemporâneos. Nada mais cómico que estes esforços desesperados do novo Iskra para dizer uma palavra nova (cem vezes repetida no seu tempo), pondo em guarda contra a táctica dos revolucionários-conspiradores franceses dos anos quarenta e sessenta (n° 62, editorial). Num próximo número do Iskra os girondinos da social-democracia contemporânea indicar-nos-ão, sem dúvida, um grupo de conspiradores franceses dos anos quarenta para quem a importância da agitação política entre as massas operárias, a importância dos jornais operários como meio principal da influência do partido sobre a classe, teria sido um á-bê-cê aprendido e assimilado há muito.

A tendência do novo Iskra para. repetir, como se fossem palavras novas, coisas já ditas e verdades elementares mais do que conhecidas não é contudo nada casual, mas consequência inevitável da situação em que se encontram Axelrod e Mártov, que caíram na ala oportunista do nosso partido. A situação obriga. São obrigados a repetir as frases oportunistas, têm de recuar para tentar descobrir num passado longínquo uma justificação qualquer da sua posição, indefensável do ponto de vista da luta no congresso e dos matizes e divisões do partido que nele se revelaram. Às elucubrações akimovistas sobre o jacobinismo e o blanquismo, o camarada Axelrod acrescenta lamentações também akimovistas, de que não só os «economistas» mas também os «políticos» foram «unilaterais», se «apaixonaram» excessivamente, etc., etc. Quando se lêem os ribombantes discursos sobre este tema do novo Iskra, que presunçosamente pretende estar acima de todas essas parcialidades e paixões, perguntamo-nos com espanto: Quem retratam eles? Onde ouvem estes discursos?[16 4] Quem ignora que a divisão dos sociais-democratas russos em economistas e políticos já passou à história há muito tempo? Percorrei o Iskra do último ou dos dois últimos anos antes do congresso do partido, e vereis que a luta contra o «economismo» perde intensidade e cessa completamente já em 1902, vereis que, por exemplo, em Julho de 1903 (n° 43), se fala dos «tempos do economismo» como de uma coisa «definitivamente passada», considera-se o economismo «definitivamente enterrado», e as paixões dos políticos como um evidente atavismo. Por que motivo volta então a nova redacção do Iskra a essa divisão definitivamente enterrada? Ter-nos-íamos batido no congresso contra os Akímov por causa dos erros que cometeram há dois anos na Rabótcheie Dielo? Se o tivéssemos feito seríamos perfeitamente imbecis. Mas todos sabem que não o fizemos, que lutámos contra os Akímov no congresso não por causa dos seus velhos erros, definitivamente enterrados, da Rabótcheie Dielo, mas por causa dos novos erros que cometeram com as suas apreciações e com as suas votações no congresso. Não foi pela sua posição na Rabótcheie Dielo, mas pela sua posição no congresso, que julgámos quais são os erros definitivamente liquidados e quais os que persistem ainda e precisam ser discutidos. Na época do congresso, a velha divisão em economistas e políticos já não existia, mas continuavam a existir diversas tendências oportunistas, que se exprimiram durante os debates e votações sobre uma série de questões, e que levaram finalmente a uma nova divisão do partido em «maioria» e «minoria». A essência da questão é que a nova redacção do Iskra procura, por razões facilmente compreensíveis, dissimular a relação existente entre esta nova divisão e o oportunismo actual no nosso partido, e é por isso que ela é obrigada a recuar da nova divisão para a antiga. A incapacidade de explicar a origem política da nova divisão (ou o desejo, por espírito de cedência, de lançar um véu[16 5] sobre esta origem), obriga a repisar tudo o que se disse da antiga divisão, que já há muito tempo passou à história. Toda a gente sabe que a nova divisão se baseia numa divergência nas questões de organização, que começou por uma controvérsia sobre princípios de organização (§1 dos estatutos) e que terminou por uma «prática» digna de anarquistas. A antiga divisão em economistas e políticos tinha por base uma divergência principalmente sobre as questões de táctica.

Este afastamento das questões mais complexas, e verdadeiramente actuais e candentes da vida do partido, para tratar de questões há muito resolvidas e artificialmente desenterradas, tenta justificá-lo o novo Iskra com divertidas elucubrações a que não se pode dar outro nome senão seguidismo. Por obra e graça do camarada Axelrod, atravessa todos os escritos do novo Iskra como um traço vermelho a profunda «ideia» de que o conteúdo é mais importante que a forma, o programa e a táctica são mais importantes que a organização, que «a vitalidade de uma organização é directamente proporcional ao volume e valor do conteúdo que traz ao movimento», que o centralismo não é «algo que se baste a si mesmo», não é um «talismã universal», etc., etc. Grandes e profundas verdades! Com efeito, o programa é mais importante que a táctica, e a táctica é mais importante que a organização. O alfabeto é mais importante que a etimologia, e a etimologia é mais importante que a sintaxe - mas que dizer de pessoas que, tendo reprovado no seu exame de sintaxe, hoje se dêem ares importantes e se gabem de ter que estar mais um ano na classe inferior? Sobre questões de princípio em matéria de organização o camarada Axelrod raciocinou como um oportunista (§1), na organização agiu como um anarquista (congresso da Liga). E agora aprofunda a social-democracia: as uvas estão verdes! Propriamente, o que é a organização? É apenas uma forma.

O que é o centralismo? Não é um talismã. O que é a sintaxe? É menos importante que a morfologia, é apenas a forma de unir os elementos da morfologia... «Não estará de acordo connosco o camarada Alexándrov - pergunta triunfalmente a nova redacção do Iskra - se dissermos que o congresso contribuiu muito mais para a centralização da acção do partido elaborando o programa do partido, do que adoptando os estatutos, por mais perfeitos que pareçam estes últimos?» (n° 56, suplemento).

É de esperar que esta sentença clássica adquira uma celebridade histórica não menos vasta e não menos durável que a famosa frase do camarada Kritchévski de que a social-democracia como a humanidade se atribui sempre tarefas realizáveis. É exactamente do mesmo calibre a profundidade de pensamento do novo Iskra. Porque é que a frase do camarada Kritchévski foi ridicularizada? Porque este, com uma banalidade que tentava fazer passar por filosofia, procurava justificar o erro de uma parte dos sociais-democratas em questões de táctica e a sua incapacidade de colocar correctamente as tarefas políticas. É exactamente o que acontece com o novo Iskra que, com a banalidade de que o programa é mais importante do que os estatutos, e as questões de programa são mais importantes que as questões de organização, justifica o erro de uma parte dos sociais- democratas em matéria de organização, a instabilidade própria de intelectuais que conduziu alguns camaradas à fraseologia anarquista! Não será isto seguidismo? Não será isto gabar-se de ter que estar mais um ano na classe inferior?

A adopção do programa contribui mais para a centralização do trabalho do que a adopção dos estatutos. Como esta banalidade, que se quer fazer passar por filosofia, cheira a intelectual radical muito mais próximo do decadentismo burguês do que da social-democracia! Porque a palavra centralização, nesta famosa frase, é tomada em sentido já puramente simbólico. Se os autores desta frase não sabem ou não querem pensar, pelo menos deviam recordar o simples facto de que a adopção do programa, juntamente com os bundistas, longe de conduzir à centralização do nosso trabalho comum, nem sequer nos preservou da cisão. A unidade em questões de programa e questões de táctica é uma condição necessária, mas de modo nenhum suficiente, para a unificação do partido, para a centralização do trabalho do partido (santo Deus! que coisas elementares se é obrigado a repisar, nestes tempos em que todas as noções se confundiram!). Para obter este último resultado é necessária além disso a unidade de organização, inconcebível, num partido que tenha superado por pouco que seja os limites de um círculo de família, sem estatutos aprovados, sem subordinação da minoria à maioria, sem subordinação da parte ao todo. Enquanto não tínhamos unidade nas questões fundamentais de programa e de táctica, dizíamos claramente que vivíamos numa fase de dispersão e de círculos, declarávamos francamente que antes de nos unificarmos era preciso demarcar os campos, não falávamos sequer de formas de organização comum, mas tratávamos exclusivamente das novas questões (então verdadeiramente novas) da luta contra o oportunismo em matéria de programa e de táctica. Agora essa luta, todos reconhecemos, assegurou já uma unidade suficiente, formulada no programa do partido e nas resoluções do partido sobre a táctica; agora temos de dar o passo seguinte, e, como todos estamos de acordo, demo-lo: elaborámos as formas de uma organização única, em que se fundem todos os círculos. Arrastaram- nos agora para trás semidestruindo estas formas, arrastaram-nos para trás para uma conduta anarquista, para a frase anarquista, para o restabelecimento do círculo em vez da redacção do partido, e justificam este passo atrás dizendo que o alfabeto é mais útil ao discurso correcto do que o conhecimento da sintaxe!

A filosofia do seguidismo, que há três anos florescia em questões de táctica, renasce agora, aplicada à questões de organização. Tomai este raciocínio da nova redacção. «A orientação social-democrata combativa - diz o camarada Alexándrov - deve ser assegurada no partido não só pela luta ideológica mas também por determinadas formas de organização.» A redacção ensina-nos: «Não está mal este confronto da luta ideológica e das formas de organização. A luta ideológica é um processo, enquanto as formas de organização são apenas... formas» (juro que isto está impresso tal e qual no n° 56, suplemento, p. 4, coluna l, em baixo!) «que devem revestir-se de um conteúdo que se modifica e se desenvolve - o trabalho prático em vias de desenvolvimento do partido». Isto é como a anedota de que uma granada é uma granada e uma bomba é uma bomba! A luta ideológica é um processo e as formas de organização são apenas formas que revestem um conteúdo! Trata-se de saber se a nossa luta ideológica se revestirá de formas mais elevadas, as formas de uma organização de partido obrigatória para todos, ou as formas da antiga dispersão e dos antigos círculos. Arrastaram-nos para trás, de formas superiores para formas mais primitivas, e afirmam para justificar isso que a luta ideológica é um processo e que as formas são apenas formas. Exactamente do mesmo modo que o camarada Kritchévski no seu tempo nos arrastava para trás, da táctica-plano para a táctica-processo.

Vede estas frases pretensiosas do novo Iskra sobre «a auto-educação do proletariado» dirigidas contra aqueles de quem se diz que a forma os impede de ver o conteúdo (n° 58, editorial). Não será isso akimovismo número dois? O akimovismo número um tinha justificado o atraso de uma certa parte da intelectualidade social-democrata no que se refere a colocar questões de táctica, alegando um conteúdo mais «profundo» da «luta proletária», a auto-educação do proletariado. O akimovismo número dois justifica o atraso de uma certa parte da intelectualidade social-democrata quanto às questões da teoria e da prática da organização pelo argumento não menos profundo de que a organização é apenas uma forma e o essencial é a auto-educação do proletariado. O proletariado não receia a organização nem a disciplina, saibam-no os senhores que se preocupam tanto com o irmão mais novo! O proletariado não se importará que os senhores professores e estudantes de liceu, que não queiram entrar numa organização, sejam considerados como membros do partido porque trabalham sob o controlo de uma organização. Toda a vida do proletariado o educa para a organização de modo muito mais radical que a muitos intelectuaizinhos. O proletariado, por muito pouco que compreenda o nosso programa e a nossa táctica, não se porá a justificar o atraso da organização argumentando que a forma é menos importante que o conteúdo. Não é ao proletariado, mas a certos intelectuais do nosso partido, que falta a auto-educação no espírito de organização e disciplina, no espírito de hostilidade e desprezo pelas frases anarquistas. Os Akímov número dois caluniam o proletariado, dizendo que este não está preparado para a organização, tal como os Akímov número um o caluniaram dizendo que não estava preparado para a luta política. O proletário que se tenha tornado social-democrata consciente e que se sinta membro do partido rejeitará o seguidismo em matéria de organização com o mesmo desprezo com que rejeitou o seguidismo nas questões de táctica.

Tomai enfim este profundo pensamento de «Praktik» no novo Iskra. «Compreendida no seu verdadeiro sentido, a ideia de uma organização centralista “de combate” - diz - que unifique e centralize a actividade» (em itálico, para sublinhar a profundidade) «dos revolucionários naturalmente só tomaria corpo no caso de essa actividade existir» (Novo e inteligente!); «a própria organização, como forma» (escutai, escutai!) «só pode desenvolver-se simultaneamente» (o sublinhado é do autor, como de resto em toda esta citação) «com o desenvolvimento do trabalho revolucionário que constitui o seu conteúdo» (n° 57). Não vos faz isto recordar mais uma vez o herói da epopeia popular que, à vista de um cortejo fúnebre, exclamava: oxalá tenhais sempre algo que levar! Não haverá seguramente um único militante prático (sem aspas) no nosso partido que não compreenda que é precisamente a forma da nossa actividade (ou seja, a organização) que há muito está atrasada - terrivelmente atrasada - em relação ao conteúdo, e que os gritos aos atrasados: acertai passo! não vos adianteis! - só podem vir dos simplórios do partido. Tentai comparar, por exemplo, o nosso partido ao Bund. Não há a mínima dúvida de que o conteúdo[16 6] do trabalho do nosso partido é infinitamente mais rico, mais diversificado, mais amplo e mais profundo que o do Bund. Maior a envergadura teórica, mais desenvolvido o programa, mais extensa e mais profunda a acção sobre as massas operárias (e não apenas sobre os artesãos organizados), mais variadas a propaganda e a agitação, mais vivo o ritmo do trabalho político dos responsáveis e dos militantes de base, mais grandiosos os movimentos populares durante as manifestações e greves gerais, mais enérgica a actividade entre as camadas não proletárias. E a «forma»? A «forma» do nosso trabalho está atrasada em comparação com a do Bund a um ponto inadmissível; a ponto de saltar aos olhos, e de corar de vergonha quem quer que não trate dos assuntos do seu partido «metendo o dedo no nariz». O atraso da organização do trabalho em comparação com o seu conteúdo é o nosso ponto fraco, já o era muito antes do congresso, muito antes da constituição do CO. A falta de desenvolvimento e a instabilidade da forma não permitem fazer sérios progressos no desenvolvimento do conteúdo, provoca uma estagnação vergonhosa, conduz a um desperdício de forças e faz com que os actos não correspondam às palavras. Todos estão fartos de sofrer com esta discordância - e eis que vêm os Axelrod e os «Praktik» do novo Iskra pregar-nos o profundo pensamento: a forma deve desenvolver-se de modo natural apenas simultaneamente com o conteúdo!

Eis onde conduz um ligeiro erro em matéria de organização (§1), se alguém se põe a aprofundar uma tolice e a fundamentar filosoficamente uma frase oportunista. A passos prudentes, com tímidos ziguezagues![16 7] - já ouvimos este refrão aplicado às questões de táctica; ouvimo-lo hoje aplicado às questões de organização. O seguidismo em questões de organização é um produto natural e inevitável da mentalidade do individualista anarquista, quando este último se põe a erigir em sistema de concepções, em divergências de princípio particulares, os seus desvios anarquistas (talvez acidentais de início). No congresso da Liga vimos os começos deste anarquismo, no novo Iskra vemos as tentativas de o erigir em sistema de concepções. Estas tentativas confirmam admiravelmente o que já se disse no congresso do partido sobre a diferença de pontos de vista entre o intelectual burguês que se liga à social-democracia e o proletário que tomou consciência dos seus interesses de classe. Por exemplo, esse mesmo «Praktik» do novo Iskra, cuja profundidade de pensamento já conhecemos, acusa-me de conceber o partido como uma «imensa fábrica», com um director - o Comité Central – àfrente (nº 57, suplemento). «Praktik» não suspeita sequer de que a palavra terrível que lançou trai imediatamente a mentalidade do intelectual burguês, que não conhece nem a prática nem a teoria da organização proletária. Precisamente a fábrica, que a alguns parece apenas um espantalho, representa a forma superior de cooperação capitalista, que unificou e disciplinou o proletariado, o ensinou a organizar-se, o pôs à cabeça de todas as outras camadas da população trabalhadora e explorada. Precisamente o marxismo, ideologia do proletariado educado pelo capitalismo, ensinou e ensina aos intelectuais inconstantes a diferença entre o lado explorador da fábrica (disciplina baseada no medo de morrer de fome) e o seu lado organizador (disciplina baseada no trabalho em comum, unificado pelas condições em que se realiza a produção altamente desenvolvida do ponto de vista técnico). A disciplina e a organização, que ao intelectual burguês tanto custam a adquirir, são facilmente assimiladas pelo proletariado, justamente graças a essa «escola» da fábrica. O medo mortal a essa escola, a incompreensão absoluta da sua importância como elemento de organização, caracterizam precisamente a maneira de pensar que reflecte as condições de existência pequeno-burguesas, e gera esse aspecto do anarquismo que os sociais- democratas alemães chamam Edelanarchismus, ou seja, o anarquismo do senhor «distinto», o anarquismo senhorial, diria eu. Este anarquismo senhorial é particularmente característico do niilista russo. A organização do partido parece-lhe uma monstruosa «fábrica», a submissão da parte ao todo e da minoria à maioria surge-lhe como uma «servidão» (ver os folhetins de Axelrod), a divisão do trabalho sob a direcção de um centro fá-lo lançar gritos tragicómicos contra a transformação dos homens em «engrenagens e parafusos» (e vê uma forma particularmente intolerável dessa transformação na transformação dos redactores em colaboradores), a simples alusão aos estatutos de organização do partido provoca nele um gesto de desprezo e a observação desdenhosa (dirigida aos «formalistas») de que se poderia perfeitamente dispensar os estatutos.

É inacreditável, mas é um facto: é precisamente esta a observação edificante que o camarada Mártov me dirige no n° 58 do Iskra, citando, para lhe dar mais peso, as minhas próprias palavras da Carta a um camarada. Não será isso «anarquismo senhorial», não será seguidismo justificar com exemplos extraídos da época de dispersão, da época dos círculos, a manutenção e a glorificação do espírito de círculo e da anarquia numa época em que já está constituído o partido? Antes, porque não precisávamos nós de estatutos? Porque o partido era formado por círculos isolados que não tinham entre si qualquer ligação orgânica. Passar de um círculo para outro dependia exclusivamente da «livre vontade» de um indivíduo, que não tinha perante si qualquer expressão bem definida da vontade do todo. As questões controversas dentro dos círculos não eram resolvidas com base em estatutos, «mas pela luta e pela ameaça de retirada», como eu escrevia na Carta a um camarada,[16 8] apoiando-me na experiência de uma série de círculos em geral, e em particular na do nosso próprio grupo de seis redactores. Na época dos círculos, isto era natural e inevitável; mas não passou pela cabeça de ninguém elogiá-lo, fazer disto um ideal, todos lamentavam esta dispersão, todos sofriam com isso e ansiavam pela fusão dos círculos dispersos numa organização do partido formalmente constituída. E agora que se efectuou a fusão, arrastam- nos para trás, servem-nos, como se fossem princípios superiores de organização, frases anarquistas!

Às pessoas habituadas ao amplo roupão e às pantufas do oblomovismo1[16 9] doméstico dos círculos, estatutos formais parecem-lhes algo de estreito, apertado, pesado, vil, burocrático, opressivo, um estorvo para o livre «processo» da luta ideológica. O anarquismo senhorial não compreende que são necessários estatutos formais precisamente para substituir a ligação limitada dos círculos por uma ampla ligação de partido. A ligação no interior dos círculos ou entre os círculos não devia nem podia tomar forma definida, porque se baseava na amizade pessoal ou numa «confiança» incontrolada e não fundamentada. A ligação de partido não pode nem deve assentar nem numa nem noutra, mas em estatutos formais, redigidos «burocraticamente» (do ponto de vista do intelectual relaxado), cuja observância estrita é o único meio que nos garante contra a arbitrariedade e os caprichos dos círculos, contra o regime de questiúnculas instituído nos círculos e classificado de livre «processo» da luta ideológica.

A redacção do novo Iskra lança contra Alexándrov a edificante observação de que «a confiança é uma coisa delicada que não pode ser metida a martelo nos corações e nas cabeças» (n° 56, suplemento). A redacção não compreende que precisamente a colocação em primeiro plano da confiança, da mera confiança, trai uma vez mais o seu anarquismo senhorial e o seu seguidismo em matéria de organização. Quando eu era unicamente membro de um círculo, do grupo dos seis redactores ou da organização do Iskra, tinha o direito, para justificar por exemplo a minha recusa a trabalhar com Iks, de invocar exclusivamente a falta de confiança, sem ter de apresentar explicações nem motivos. Uma vez membro do partido, não tenho o direito de invocar apenas uma vaga falta de confiança, porque isso abriria as portas de par em par a todas as extravagâncias e todas as arbitrariedades dos antigos círculos; sou obrigado a fundamentar a minha «confiança» ou a minha «desconfiança» com uma argumentação formal, quer dizer, referir-me a esta ou aquela disposição formalmente estabelecida no nosso programa, na nossa táctica, nos nossos estatutos. Sou obrigado a não me limitar a um «tenho confiança» ou «não tenho confiança» não fundamentado, mas reconhecer que tenho que responder pelas minhas decisões, como em geral qualquer parte integrante do partido tem que responder pelas suas, perante todo o partido; sou obrigado a seguir a via formalmente prescrita para exprimir a minha «desconfiança», para fazer triunfar as ideias e os desejos que decorrem dessa desconfiança. Do ponto de vista próprio dos círculos de que a «confiança» não tem que ser fundamentada, elevamo-nos já ao ponto de vista de partido que exige a observação de métodos formalmente estabelecidos e sujeitos a serem explicados, de exprimir e comprovar a confiança, mas a redacção arrasta-nos para trás e chama ao seu seguidismo pontos de vista novos em matéria de organização!

Vejam como raciocina a nossa chamada redacção de partido a propósito dos grupos de literatos que poderiam exigir representação na redacção. «Não nos indignaremos, não invocaremos aos gritos a disciplina» - pregam-nos estes anarquistas senhoriais, que, sempre e em toda a parte, olharam com arrogância para isso a que se chama disciplina. Nós nos «entenderemos» (sic!) com o grupo se for sério, ou então rir-nos-emos das suas exigências.

Vejam que alto espírito de nobreza se afirma aqui contra o vulgar formalismo «de fábrica»! Mas, de facto, estamos perante a mesma fraseologia dos círculos, restaurada, oferecida ao partido por uma redacção que sente que não é um organismo do partido, mas um resto de um antigo círculo. A falsidade intrínseca desta posição conduz indefectivelmente à elucubração anarquista que erige em princípio de organização social-democrata a dispersão, que em palavras, farisaicamente, se diz ser coisa passada. Não é necessária qualquer hierarquia de instituições e organismos superiores e inferiores do partido: para o anarquismo senhorial tal hierarquia é uma invenção burocrática de ministérios, departamentos, etc. (ver os artigos de Axelrod); não é necessária qualquer subordinação da parte ao todo, qualquer definição «burocrática e formal» dos processos de partido para «se entender» ou se delimitar; que as velhas questiúnculas de círculo sejam santificadas com uma fraseologia sobre os métodos de organização «autenticamente sociais-democratas»!

Eis aqui onde o proletário que passou pela escola «da fábrica» pode e deve dar uma lição ao individualismo anarquista. O operário consciente já há muito que largou as fraldas, já lá vai o tempo em que fugia do intelectual como tal. O operário consciente sabe apreciar uma bagagem de conhecimentos mais rica, o horizonte político mais vasto que encontra nos intelectuais sociais- democratas. Mas, à medida que vamos constituindo um verdadeiro partido, o operário consciente deve aprender a distinguir entre a psicologia do soldado do exército proletário e a psicologia do intelectual burguês que se pavoneia com frases anarquistas; deve aprender a exigir que cumpram os seus deveres de membros do partido não só os militantes de base, mas também «os de cima»; deve aprender a encarar com o mesmo desprezo o seguidismo em matéria de organização com que outrora o encarava no domínio da táctica!

O girondismo e o anarquismo senhorial estão inseparavelmente ligados a uma última particularidade característica da posição do novo Iskra em questões de organização - à defesa do autonomismo contra o centralismo. Este é o sentido de princípios que encerram os gritos (se acaso encerram algum)[16 10] contra o burocratismo e a autocracia, as queixas a propósito do imerecido desdém para com os não-iskristas» (que no congresso defenderam o autonomismo), os cómicos gritos de que se exige uma «submissão absoluta», as queixas amargas sobre o pompadurismo etc., etc. A ala oportunista de qualquer partido defende e justifica sempre o que há de atrasado em matéria de programa, de táctica e de organização. A defesa do atraso em matéria de organização (seguidismo) pelo novo Iskra está intimamente ligada à defesa do autonomismo. A verdade é que o autonomismo, em geral, está já tão desacreditado pelos três anos de propaganda do antigo Iskra que o novo Iskra tem ainda vergonha de se pronunciar abertamente a seu favor; garante-nos ainda que sente simpatia pelo centralismo, mas prova-o apenas escrevendo a palavra centralismo em itálico.

Na realidade, a crítica mais ligeira aos «princípios» do quase-centralismo «autenticamente social- democrata» (e não anarquista?) do novo Iskra revela a cada passo o ponto de vista do autonomismo.

Não está agora claro para toda a gente que em matéria de organização Axelrod e Mártov viraram para Akímov? Acaso não o reconheceram solenemente eles próprios nas suas significativas palavras sobre o «imerecido desdém para com os não-iskristas»? E não foi o autonomismo que Akímov e os seus amigos defenderam no congresso do nosso partido?

Foi precisamente o autonomismo (se não o anarquismo) que Mártov e Axelrod defenderam no congresso da Liga quando, com divertido zelo, tentavam demonstrar que a parte não deve subordinar-se ao todo, que a parte é autónoma na determinação das suas relações com o todo, que os estatutos da Liga do estrangeiro, que definem essas relações, são válidos contra a vontade da maioria do partido, contra a vontade do centro do partido. É precisamente o autonomismo que hoje Mártov defende abertamente nas páginas do novo Iskra (n° 60), a propósito da introdução nos comités locais de membros nomeados pelo Comité Central.[16 11] Já não falo dos sofismas infantis com os quais o camarada Mártov defendeu o autonomismo no congresso da Liga e o defende hoje no novo Iskra.[16 12] Interessa-me assinalar aqui esta inegável tendência para defender o autonomismo contra o centralismo como um aspecto característico do oportunismo nas questões de organização.

Tentativa talvez quase única de análise da noção de burocratismo é a que opõe no novo Iskra (n° 53) o «princípio democrático formal» (o sublinhado é do autor) ao «princípio burocrático formal». Esta oposição (infelizmente tão pouco desenvolvida e explicada como a alusão aos não-iskristas) encerra um grão de verdade. Burocratismo versus democracia é de facto centralismo versus autonomismo; é o princípio de organização da social-democracia revolucionária em oposição ao princípio de organização dos oportunistas da social-democracia. Este último tenta avançar da base para o topo, e é por isso que defende, sempre que possível e tanto quanto possível, o autonomismo, a «democracia» que vai (nos casos em que há excesso de zelo) até ao anarquismo. O primeiro tende a começar pelo topo, preconizando o alargamento dos direitos e poderes do centro relativamente às partes. Na época da dispersão e dos círculos, este topo, donde queria partir a social-democracia revolucionária na sua organização, era necessariamente um dos círculos, o mais influente pela sua actividade e consequência revolucionária (no nosso caso, a organização do Iskra). Na época do restabelecimento da verdadeira unidade do partido e da dissolução nesta unidade dos círculos obsoletos, este topo era necessariamente o congresso do partido, como órgão supremo do partido.

O congresso agrupa, na medida do possível, todos os representantes das organizações activas e, ao designar os organismos centrais (frequentemente com uma composição que satisfaz mais os elementos avançados do que os atrasados do partido, mais ao gosto da ala revolucionária que da sua ala oportunista), faz deles o topo até ao congresso seguinte. Assim procedem, pelo menos, os europeus da social-democracia, embora pouco a pouco, não sem esforço, não sem luta e sem querelas, este costume, odioso por princípio para os anarquistas, começa a estender-se também aos asiáticos da social-democracia.

É extremamente interessante observar que todos estes princípios característicos do oportunismo que indiquei em matéria de organização (autonomismo, anarquismo senhorial ou próprio de intelectuais, seguidismo e girondismo) se observam mutatis mutandis (alterando o que deve ser alterado) em todos os partidos sociais-democratas de todo o mundo em que exista a divisão em ala revolucionária e ala oportunista (e onde não existirá ela?). Foi o que nestes últimos tempos surgiu com singular relevo no partido social-democrata alemão, quando a derrota sofrida na 20ª circunscrição eleitoral da Saxónia (conhecida como o incidente Göhre)[16 13] trouxe para a ordem do dia os princípios de organização de partido. O zelo dos oportunistas alemães contribuiu em grande medida para levantar a questão de princípio a propósito deste incidente. O próprio Göhre (antigo pastor protestante, autor do conhecido livro Drei Monate Fabrikarbeiter,[16 14] um dos «heróis» do congresso de Dresden) é um acérrimo oportunista, e o órgão dos oportunistas alemães consequentes, Sozialistische Monatshefte (Cadernos Mensais Socialistas),[16 15] imediatamente tomou a sua «defesa».

O oportunismo no programa está naturalmente ligado ao oportunismo na táctica e ao oportunismo em matéria de organização. O camarada Wolfgang Heine encarregou-se de expor o «novo» ponto de vista. Para dar ao leitor uma ideia da fisionomia deste intelectual típico, que, ao aderir à social- democracia, trouxe consigo a sua maneira oportunista de pensar, bastará dizer que o camarada Wolfgang Heine é um pouco menos que um camarada Akímov alemão e um pouco mais que um camarada Égórov alemão.

O camarada Wolfgang Heine entrou na liça nos Cadernos Mensais Socialistas com não menos pompa que o camarada Axelrod no novo Iskra. O título do seu artigo é já muito significativo: Notas democráticas a propósito do incidente Göhre (n° 4, Abril, Sozialistische Monatshefte). E o conteúdo não é menos tonitruante. O camarada W. Heine ergue-se contra «os atentados à autonomia da circunscrição eleitoral», defende «o princípio democrático», protesta contra a ingerência de uma «autoridade nomeada» (ou seja, da direcção central do partido) na livre eleição dos delegados pelo povo. Não se trata aqui de um incidente fortuito, diz-nos sentenciosamente o camarada W. Heine, mas de toda «uma tendência para o burocratismo e para o centralismo no partido», uma tendência, diz, que se observara anteriormente, mas que hoje se torna particularmente perigosa. É preciso «reconhecer em princípio que os organismos locais do partido são os portadores da sua vida» (plágio da brochura do camarada Mártov: Mais Uma Vez em Minoria). Não devemos «habituar-nos à ideia de que todas as decisões políticas importantes venham de um único centro», é preciso prevenir o partido contra «uma política doutrinária que perde o contacto com a vida» (extraído do discurso do camarada Mártov no congresso do partido, passagem em que declara que «a vida se imporá»)... «Se formos até ao fundo das coisas - diz o camarada W. Heine, aprofundando a sua argumentação -, se abstrairmos dos conflitos pessoais, que aqui, como sempre, desempenharam um papel de não pouca importância, veremos neste encarniçamento contra os revisionistas (o sublinhado é do autor, que parece querer aludir à distinção entre a luta contra o revisionismo e a luta contra os revisionistas) principalmente a desconfiança dos representantes oficiais do partido para com o “elemento estranho” (W. Heine aparentemente ainda não leu a brochura sobre a luta contra o estado de sítio, e é por isso que se serve de um anglicismo: Outsidertum), a desconfiança da tradição para com o que sai do habitual, da instituição impessoal contra o que é individual» (ver a resolução de Axelrod, no congresso da Liga, sobre o esmagamento da iniciativa individual), «numa palavra, a mesma tendência que já caracterizámos mais acima como tendência para o burocratismo e para o centralismo no partido».

A noção de «disciplina» inspira ao camarada W. Heine não menos nobre indignação que ao camarada Axelrod. «... Censurou-se - diz ele - aos revisionistas a sua falta de disciplina por terem escrito nos Cadernos Mensais Socialistas, órgão ao qual nem sequer queriam reconhecer carácter social-democrata, porque não está sob o controlo do partido. Já a própria tentativa de restringir a noção de “social-democrata”, já a própria exigência da disciplina no domínio da produção ideológica em que deve reinar a liberdade absoluta» (recordai: a luta ideológica é um processo e as formas de organizacão são apenas formas), «testemunham uma tendência para o burocratismo e para o esmagamento da individualidade». E W. Heine segue por aí fora fulminando em todos os tons essa detestável tendência para fundar «uma vasta organização geral, o mais centralizada possível, uma táctica, uma teoria»; fulmina a exigência de «obediência incondicional», «submissão cega», fulmina o «centralismo simplificado», etc., etc., literalmente «à Axelrod».

A discussão iniciada por W. Heine alargou-se, e como no partido alemão não havia nenhuma querela sobre a cooptação a obscurecer a discussão, como os Akímov alemães afirmam a sua fisionomia não só nos congressos, mas também, e constantemente, num órgão próprio, a discussão depressa se reduziu a uma análise das tendências de princípio da ortodoxia e do revisionismo em matéria de organização. K. Kautsky interveio (Neue Zeit, 1904, n° 28, artigo intitulado «Wahlkreis und Partei» - «Circunscrição eleitoral e partido») como um dos representantes da tendência revolucionária (acusada, bem entendido, como entre nós, de espírito «ditatorial», «inquisitorial» e outras coisas terríveis). O artigo de W. Heine - declara - «mostra o curso do pensamento de toda a corrente revisionista». Não só na Alemanha, mas também na França e na Itália, os oportunistas defendem a todo o transe o autonomismo, o enfraquecimento da disciplina do partido, a sua redução a zero; por toda a parte as suas tendências conduzem à desorganização, à degenerescência do «princípio democrático» em anarquismo. «A democracia não é a ausência de poder - ensina K. Kautsky aos oportunistas na questão da organização -, democracia não é anarquia, é a supremacia das massas sobre os seus mandatários, diferentemente de outras formas de poder, em que os pseudo- servidores do povo são de facto os seus senhores.» K. Kautsky examina minuciosamente o papel desorganizador do autonomismo oportunista nos diferentes países, mostra que precisamente a adesão à social-democracia de «uma massa de elementos burgueses»[16 16] reforça o oportunismo, o autonomismo e as tendências para a infracção à disciplina, recorda uma e outra vez que precisamente «a organização é a arma com a qual o proletariado se emancipará», que precisamente «a organização é para o proletariado a arma da luta de classe».

Na Alemanha, onde o oportunismo é mais débil do que na França e na Itália, «as tendências autonomistas, até agora, conduziram apenas a declamações mais ou menos patéticas contra os ditadores e os grandes inquisidores, contra as excomunhões[16 17] e a procura de heresias, conduziram às intrigas e querelas sem fim, cuja análise apenas conduziria a incessantes disputas».

Não é de espantar que na Rússia, onde o oportunismo no partido é ainda mais fraco que na Alemanha, as tendências autonomistas tenham gerado menos ideias e mais «declamações patéticas» e querelas.

Não é de espantar que Kautsky chegue à conclusão seguinte: «Talvez em nenhuma outra questão o revisionismo de todos os países, apesar de todas as suas diversidades e da variedade dos seus matizes, seja tão uniforme como em matéria de organização.» Ao formular as tendências fundamentais da ortodoxia e do revisionismo neste domínio, também K. Kautsky recorre à «palavra terrível»: burocratismo versus (contra) democracia. Dizem-nos, escreve K. Kautsky, que dar à direcção do partido o direito de intervir na escolha de candidatos (para deputados ao parlamento) pelas circunscrições locais, é «um atentado vergonhoso ao princípio democrático, que exige que toda a actividade política se exerça da base ao topo, pela iniciativa das massas, e não do topo à base, por via burocrática... Mas, se há um princípio verdadeiramente democrático, é que a maioria deve ter predomínio sobre a minoria, e não o contrário...» A eleição de deputados ao parlamento por qualquer circunscrição é um assunto importante para todo o partido, no seu conjunto, que por isso mesmo deve influenciar na designação dos candidatos, pelo menos através de pessoas de confiança do partido (Vertrauensmänner). «Quem considerar esta forma de agir demasiado burocrática ou centralista, que proponha que os candidatos sejam designados por votação directa de todos os membros do partido em geral (sämtliche Parteigenossen). E como isso é irrealizável, não há razão para se lamentar da falta de democracia, quando esta função, como muitas outras que dizem respeito ao partido no seu conjunto, é exercida por um ou vários organismos do partido.» Segundo o «direito consuetudinário» do partido alemão, as diferentes circunscrições eleitorais já antes «se entendiam amigavelmente» com a direcção do partido para designar este ou aquele candidato. «Mas o partido tornou-se já demasiado grande para que este direito consuetudinário tácito seja suficiente. O direito consuetudinário deixa de ser direito quando deixa de ser reconhecido como algo que se entende por si mesmo, quando as suas definições e mesmo a sua própria existência são postas em causa. Neste caso torna-se absolutamente necessário formular com exactidão este direito, codificá- lo...», passar a uma «fixação[16 18] mais exacta nos estatutos (statutarische Festlegung) e reforçar ao mesmo tempo o carácter rigoroso (grössere Straffheit) da organização».

Vedes assim, em circunstâncias diferentes, a mesma luta da ala oportunista e da ala revolucionária do partido sobre a questão da organização, o mesmo conflito entre autonomismo e centralismo, democracia e «burocratismo», a tendência para o enfraquecimento e a tendência para o reforço do carácter rigoroso da organização e da disciplina, a psicologia do intelectual instável e a do proletário consequente, o individualismo próprio de intelectuais e a coesão proletária. Pergunta-se: perante este conflito qual foi a atitude da democracia burguesa - não a que a menina travessa que é a história prometeu apenas mostrar um dia, em segredo, ao camarada Axelrod - mas a verdadeira, a democracia burguesa real, que na Alemanha tem também representantes não menos inteligentes e não menos observadores que nossos senhores da Osvobojdénie? A democracia burguesa alemã reagiu imediatamente à nova disputa e - como a russa, como sempre, como em toda a parte - pôs-se plenamente ao lado da ala oportunista do partido social-democrata. O destacado órgão do capital bolsista da Alemanha, Jornal de Frankfurt,[16 19] publicou um fulminante editorial (Frankf. Ztg., 1904, 7 Apr., n° 97, Abendblatt)[16 20] que mostra que os plágios pouco escrupulosos a Axelrod se estão a ornar uma espécie de doença da imprensa alemã. Os terríveis democratas da Bolsa de Frankfurt fustigam a «autocracia» no Partido Social-Democrata, a «ditadura do partido», o «domínio autocrático dos chefes do partido», essas «excomunhões» com as quais se pretende «como que castigar todo o revisionismo» (recorde-se a «falsa acusação de oportunismo»), essa exigência duma «obediência cega», essa «disciplina que mata», essa exigência duma «submissão servil», de transformar os membros do partido em «cadáveres políticos» (esta é bem mais forte que a das engrenagens e parafusos)! «Toda a originalidade pessoal - exclamam os cavaleiros da Bolsa cheios de indignação perante o estado de coisas antidemocrático da social-democracia -, toda a individualidade tem que ser, vede, objecto de perseguições, porque ameaça conduzir ao estado de coisas francês, ao jauressismo e ao millerandismo, como declarou abertamente Sindermann, que apresentou o relatório sobre esta questão» no congresso partidário dos sociais-democratas saxões.

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Assim, tanto quanto as novas palavrinhas do novo Iskra sobre a questão da organização tenham algum sentido de princípio, sem dúvida que esse sentido é oportunista. Esta conclusão é confirmada tanto por toda a análise no nosso congresso do partido, que se dividiu em ala revolucionária e ala oportunista, como pelo exemplo de todos os partidos sociais-democratas europeus, nos quais o oportunismo em matéria de organização se manifesta nas mesmas tendências, nas mesmas acusações, e muitas vezes nas mesmas palavrinhas. Claro que as particularidades nacionais dos diferentes partidos e a diversidade das condições políticas nos diferentes países imprimem a sua marca e fazem com que o oportunismo alemão se não assemelhe em nada ao oportunismo francês, nem o francês ao italiano, nem o italiano ao russo. Mas a semelhança da divisão fundamental de todos estes partidos em ala revolucionária e ala oportunista, a semelhança da linha de pensamento e das tendências do oportunismo nas questões de organização, ressaltam claramente apesar de toda esta diversidade de condições.[16 21] O grande número de representantes da intelectualidade radical entre os nossos marxistas e os nossos sociais-democratas torna inevitável a existência do oportunismo, gerado pela sua mentalidade, nos mais variados domínios e sob as mais diversas formas. Lutámos contra o oportunismo nas questões essenciais da nossa concepção do mundo, nas questões de programa, e a divergência completa quanto aos objectivos a atingir conduziu inevitavelmente a uma separação irrevogável entre os sociais-democratas e os liberais que corromperam o nosso marxismo legal. Lutámos contra o oportunismo nas questões de táctica, e a nossa divergência com os camaradas Kritchévski e Akímov sobre essas questões menos importantes era, naturalmente, apenas temporária e não levou à formação de partidos diferentes. Temos agora de vencer o oportunismo de Mártov e Axelrod nas questões de organização, que são, evidentemente, ainda menos essenciais que as questões de programa e de táctica, mas que no momento actual surgem em primeiro plano na vida do nosso partido.

Quando se fala da luta contra o oportunismo é preciso não esquecer nunca um traço característico de todo o oportunismo contemporâneo, em todos os domínios: o seu carácter vago, impreciso, inapreensível. Pela sua própria natureza o oportunista evita sempre pôr as questões de maneira clara e definida, procura a resultante, arrasta-se como uma cobra entre dois pontos de vista que se excluem mutuamente, procurando «estar de acordo» com um e com outro, reduzindo as suas divergências a ligeiras modificações, a dúvidas, a votos piedosos e inocentes, etc., etc. Oportunista nas questões de programa, o camarada Ed. Bernstein «está de acordo» com o programa revolucionário do partido, e embora desejando, sem dúvida, a sua «reforma radical», considera-a inoportuna, inconveniente e menos importante que a clarificação dos «princípios gerais» da «crítica» (os quais consistem sobretudo em aceitar sem crítica os princípios e as palavrinhas da democracia burguesa). Oportunista nas questões de táctica, o camarada von Vollmar está igualmente de acordo com a velha táctica da social-democracia revolucionária, e antes se limita também a declarações enfáticas, a ligeiras emendas e ironias, sem propor qualquer táctica «ministerialista» precisa. Oportunistas em questões de organização, os camaradas Mártov e Axelrod também não apresentaram até agora, apesar de directamente exortados a fazê-lo, teses definidas de princípio que possam ser «fixadas em estatutos»; também eles desejariam, sem dúvida que desejariam, uma «reforma radical» dos nossos estatutos de organização (Iskra, n° 58, p. 2, coluna 3), mas prefeririam ocupar-se antes das «questões de organização de ordem geral» (porque uma reforma verdadeiramente radical dos nossos estatutos, centralistas apesar do primeiro parágrafo, se feita dentro do espírito do novo Iskra conduziria inevitavelmente ao autonomismo, e o camarada Mártov, é claro, não quer confessar, nem a si próprio, a sua tendência em princípio para o autonomismo). A sua posição de «princípio» sobre as questões de organização apresenta, por isso, todas as cores do arco-íris: predominam as cândidas e patéticas declamações sobre a autocracia e o burocratismo, sobre a obediência cega e as engrenagens e parafusos - declamações tão cândidas que nelas é ainda extremamente difícil distinguir o que na realidade diz respeito aos princípios do que na realidade diz respeito à cooptação. Mas quanto mais se penetra no bosque mais lenha se encontra: as tentativas de análise e de definição exacta do odioso «burocratismo» conduzem inevitavelmente ao autonomismo; as tentativas de «aprofundamento» e de fundamentação conduzem necessariamente à justificação do atraso ao seguidismo, à fraseologia girondina. Por fim, como único princípio verdadeiramente definido e que, por consequência, se manifesta na prática com particular relevo (a prática está sempre adiantada em relação à teoria) aparece o princípio do anarquismo.

Ridicularização da disciplina - autonomismo - anarquismo, tal é a escada que, em matéria de organização, o nosso oportunismo ora desce ora sobe, saltando de degrau em degrau, e esquivando- se com habilidade a qualquer formulação precisa dos seus princípios.[16 22] É exactamente a mesma gradação que apresenta o oportunismo nas questões de programa e de táctica: ridicularização da «ortodoxia», da estreiteza e do imobilismo - «crítica» revisionista e ministerialismo - democracia burguesa.

Existe uma estreita relação psicológica entre este ódio pela disciplina e a constante e monótona nota de ofensa que transparece em todos os escritos de todos os oportunistas contemporâneos em geral, e da nossa minoria em particular. Vêem-se perseguidos, oprimidos, expulsos, cercados, atropelados.

Estas palavrinhas encerram bem mais verdade psicológica e política do que o supunha provavelmente o próprio autor da encantadora e espiritual piada sobre os esbofeteados e os esbofeteadores.[16 23] Com efeito, tomai as actas do nosso congresso do partido; veremos que a minoria se compõe de todos os ofendidos, de todos aqueles que alguma vez ou em qualquer coisa foram ofendidos pela social-democracia revolucionária. Aí estão os bundistas e os da Rabótcheie Dielo, que «ofendemos» a ponto de se terem retirado do congresso, aí estão os do «Iújni Rabótchi», mortalmente ofendidos pelo massacre das organizações em geral e da deles em particular, aí está o camarada Mákhov, que ofendemos de cada vez que ele tomou a palavra (porque de cada vez não deixava de se cobrir de ridículo), aí estão, enfim, o camarada Mártov e o camarada Axelrod ofendidos pela «falsa acusação de oportunismo» a propósito do § l dos estatutos e pela sua derrota nas eleições. E todos estes amargos ressentimentos não foram a consequência fortuita de inadmissíveis ditos de espírito, de ataques acerbos, duma polémica furiosa, do bater com as portas, do brandir de punhos, como tantos filisteus pensam ainda hoje, mas sim a consequência política inevitável de todo o trabalho ideológico do Iskra durante três anos. E se, durante esses três anos, fizemos mais do que dar à língua, mas exprimimos convicções que se devem converter em actos, não podíamos deixar de combater os anti-iskristas e o «pântano» no congresso. E quando nós, juntamente com o camarada Mártov, que, de viseira levantada, se batia nas primeiras filas, tínhamos ofendido tal quantidade de pessoas, só nos faltava ofender um pouco, muito pouco, o camarada Axelrod e o camarada Mártov para que a taça transbordasse. A quantidade transformou-se em qualidade. Produziu-se uma negação da negação. Todos os ofendidos, esquecidos já das contas que tinham a saldar entre eles, lançaram-se soluçando nos braços uns dos outros e levantaram a bandeira da «insurreição contra o leninismo».[16 24]

A insurreição é uma coisa excelente quando os elementos avançados se insurgem contra os elementos reaccionários. Está muito bem que a ala revolucionária se insurja contra a ala oportunista. Mas é mau que a ala oportunista se insurja contra a ala revolucionária.

O camarada Plekhánov vê-se obrigado a participar neste triste assunto como prisioneiro de guerra, por assim dizer. Esforça-se por «descarregar a sua cólera» pescando frases infelizes no autor desta ou daquela resolução favorável à «maioria», e ao fazê-lo exclama: «Pobre camarada Lénine! Tem uns belos partidários ortodoxos!» (Iskra, n° 63, Suplemento.)

Pois bem, camarada Plekhánov, posso dizer-lhe que se eu sou pobre, a redacção do novo Iskra está perfeitamente na miséria. Por mais pobre que eu seja, ainda não caí numa miséria tão grande que tenha de fechar os olhos ao congresso do partido e, para exercitar a agudeza do meu espírito, tenha de ir buscar material às resoluções de gente dos comités. Por mais pobre que eu seja, sou mil vezes mais rico que aqueles cujos partidários não deixam apenas escapar casualmente uma ou outra frase infeliz, mas em todas as questões de organização, de táctica e de programa se aferram obstinada e firmemente a princípios contrários aos da social-democracia revolucionária. Por mais pobre que eu seja, não cheguei ainda ao ponto de ter que esconder do público os elogios que me fazem estes partidários. E a redacção do novo Iskra vê-se obrigada a isso.

Acaso saberá, leitor, o que é o comité de Vorónej do Partido Operário Social-Democrata da Rússia? Se o ignora, leia as actas do congresso do partido. Verá que a tendência desse comité é perfeitamente expressa pelo camarada Akímov e pelo camarada Brúker que, no congresso, combateram em toda a linha a ala revolucionária do partido, e que dezenas de vezes foram colocados entre os oportunistas por toda a gente, desde o camarada Plekhánov ao camarada Popov.

Pois bem, eis o que declara esse comité de Vorónej na sua folha de Janeiro (n.° 12, Janeiro, 1904):

«Um grande acontecimento, muito importante para o nosso partido, que cresce constantemente, teve lugar no ano passado: O II Congresso do POSDR -, congresso dos representantes das suas organizações. A convocação dum congresso do partido é uma coisa muito complexa e, sob a monarquia, muito perigosa e difícil. E por isso não é de espantar que a convocação do congresso tenha estado longe de ser perfeita, e que, embora desenrolando-se sem contratempos, o próprio congresso não tenha podido responder a todas as exigências do partido. Os camaradas que tinham sido encarregados pela Conferência de 1902 de convocar o congresso tinham sido presos, e o congresso foi organizado por pessoas que representavam apenas uma das tendências da social-democracia russa - a tendência iskrista. Numerosas organizações sociais-democratas, mas não iskristas, não foram convidadas a tomar parte nos trabalhos do congresso: é em parte por isso que a tarefa de elaborar o programa e os estatutos do partido foi cumprida pelo congresso de forma extremamente imperfeita, e os próprios delegados reconhecem que há grandes lacunas nos estatutos, “susceptíveis de acarretar perigosos mal-entendidos”. No congresso, os próprios iskristas cindiram-se, e muitos militantes eminentes do nosso POSDR, que até então se tinham mostrado, ter-se-ia dito, plenamente de acordo com o programa de acção do Iskra, reconheceram que muitos dos seus pontos de vista, defendidos principalmente por Lénine e Plekhánov, eram impraticáveis.

«Apesar de estes últimos terem triunfado no congresso, a força da vida prática, as exigências do trabalho real, no qual participam igualmente todos os não-iskristas, depressa corrigem os erros dos teóricos e, depois do congresso, introduziram já sérias modificações. O “Iskra” mudou muito e promete mostrar-se atento às exigências dos militantes da social-democracia em geral. Desta maneira, embora os trabalhos do congresso tenham de ser revistos no próximo congresso, embora não sejam satisfatórios, como os próprios delegados puderam aperceber-se, e não possam por essa razão ser aceites pelo partido como decisões indiscutíveis, no entanto o congresso esclareceu a situação do partido, forneceu bastante material para a ulterior actividade do partido no plano teórico e de organização, e foi uma experiência instrutiva de enorme interesse para o trabalho do partido no seu conjunto. As decisões do Congresso e os estatutos por ele elaborados serão tomados em consideração por todas as organizações, mas muitas delas evitarão guiar-se unicamente por eles devido às suas manifestas imperfeições.

«O Comité de Vorónej, compreendendo bem toda a importância do trabalho do partido no seu conjunto, faz-se vivamente eco de todas as questões ligadas à organização do congresso. Reconhece toda a importância do que se passou no congresso, felicita-se com a mudança verificada no “Iskra”, que se tornou o Órgão Central (órgão principal). Embora a situação no partido e no CC ainda não nos satisfaça, estamos convencidos de que, com um esforço comum, o difícil trabalho de organização do partido se aperfeiçoará. Em resposta aos falsos boatos que correm, o comité de Vorónej informa os camaradas que nem se põe a questão de o comité de Vorónej sair do partido. O comité de Vorónej compreende perfeitamente que perigoso precedente (exemplo) seria uma organização operária como o comité de Vorónej sair do POSDR, que censura isso seria para o partido, e como isso seria nocivo para as organizações operárias, que poderiam seguir este exemplo. Não devemos provocar novas cisões, mas procurar tenazmente unir todos os operários conscientes e socialistas num único partido. Além disso o II congresso não foi um congresso constitutivo, mas um congresso ordinário. A expulsão do partido só pode ser decidida pelo tribunal do partido, e nenhuma organização, nem sequer o Comité Central, tem o direito de expulsar do partido qualquer organização social-democrata. Mais ainda, o II congresso adoptou o parágrafo oito dos estatutos segundo o qual cada organização é autónoma (independente) nos seus assuntos locais, e, por isso, o comité de Vorónej tem o pleno direito de aplicar os seus pontos de vista em matéria de organização na vida e no partido.»

A redacção do novo Iskra, ao citar esta folha no seu n° 61, reproduziu a segunda parte da tirada acima transcrita, a que damos em caracteres maiores; quanto à primeira parte, a que damos em caracteres pequenos, a redacção preferiu omiti-la.

Teve vergonha.

Notas

  1. Estes folhetins foram incluídos na colectânea Doís Anos do «Iskra», parte II, pp. 122 e seguintes. (São Petersburgo, 1906). (Nota de Lénine para a edição de 1907. - N. Ed.)
  2. Trata-se das opiniões do representante mais destacado do «marxismo legal», P. B. Struve, que em 1894 publicou o livro Notas Críticas sobre a Questão do Desenvolvimento Económico da Rússia. Já neste livro, uma das suas primeiras obras, Struve manifesta nitidamente as suas concepções apologéticas da burguesia. Contra as ideias de Struve e outros «marxistas legais» se pronunciou V. I. Lénine num círculo de marxistas de Petersburgo, no Outono de 1894, com um relatório intitulado Reflexo do Marxismo na Literatura Burguesa. Este relatório serviu mais tarde de base para o artigo de Lénine O Conteúdo Económico do Populismo e a Sua Crítica no Livro do Sr. Struve, escrito nos fins de 1894, princípios de 1895.
  3. Blanquismo: corrente do movimento socialista francês dirigida por Louis-Auguste Blanqui (1805-1881), destacado revolucionário e representante do comunismo utópico francês. Os blanquistas negavam a luta de classes e acreditavam que a «humanidade se libertaria da escravatura assalariada não por meio da luta de classe do proletariado, mas graças à conspiração de uma pequena minoria de intelectuais» (V. I. Lénine). Substituindo a actividade do partido revolucionário pela de um grupo secreto de conspiradores, os blanquistas não tinham em conta a situação concreta necessária para a vitória da insurreição e desprezavam as ligações com as massas.
  4. V. I. Lénine cita aqui as palavras da poesia do poeta russo M. I. Lérmontov, Jornalista, leitor e escritor.
  5. Ver o artigo de Plekhánov sobre o «economismo», no número 53 do Iskra. Pelos vistos houve uma pequena gralha no subtítulo: em lugar de «pensando em voz alta sobre o segundo congresso do partido», deve ler-se, evidentemente, «sobre o congresso da Liga», ou talvez «sobre a cooptação». No mesmo grau em que é oportuno fazer uma cedência, em certas condições, ao tratar-se de pretensões pessoais, é inadmissível (do ponto de vista de partido e não do ponto de vista filistino) confundir os problemas que agitam o partido, substituir a questão do novo erro de Mártov e Axelrod, que começaram a virar da ortodoxia para o oportunismo, pela questão do velho erro (que ninguém, salvo o novo Iskra, recorda hoje) dos Martínov e dos Akímov, os quais talvez estejam agora dispostos a virar do oportunismo para a ortodoxia em muitos problemas do programa e da táctica.
  6. Para não falar já de que o conteúdo do trabalho do nosso partido foi estabelecido no congresso (no programa, etc.) no espírito da social-democracia revolucionária apenas à custa de uma luta contra esses mesmos anti-iskristas e contra esse mesmo pântano cujos representantes predominam numericamente na nossa «minoria». No que diz respeito ao «conteúdo», é interessante comparar, por exemplo, seis números do antigo Iskra (46-51) com doze números do novo Iskra (52-63). Mas deixemos isto para outra vez. (Nota do Autor)
  7. Palavras da letra do Hino do moderno socialista russo.
  8. Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 24. (N. Ed.)
  9. Oblómov. personagem principal do romance homónimo de I. A. Gontcharov. O nome de Oblómov tornou-se sinónimo de preguiça, rotina, estagnação e imobilismo.
  10. Deixo de lado aqui, como em geral em todo este parágrafo, o significado «cooptacionista» destes gritos. (Nota do Autor)
  11. Trata-se do artigo de L. Mártov Na Ordem do Dia publicado a 25 de Fevereiro de 1904 no Iskra. Nesse artigo Mártov pronunciava-se a favor da «independência» dos comités locais do partido em relação ao Comité Central do POSDR na solução da questão da composição dos comités locais e atacava o Comité de Moscovo, que durante o debate deste problema adoptou a resolução sobre a submissão do Comité de Moscovo a todas as decisões do Comité Central em virtude do § 9 dos estatutos do partido.
  12. Examinando os diversos § § dos estatutos, o camarada Mártov passou por alto precisamente o artigo que trata das relações entre o todo e a parte: o CC «distribui as forças do partido» ( § 6). Será possível distribuir as forças sem transferir os militantes de um comité para outro? Até chega a ser incómodo deter-se em tais verdades elementares. (Nota do Autor)
  13. Göhre tinha sido eleito deputado ao Reichstag em 16 de Junho de 1903 na 15ª circunscrição da Saxónia; mas depois do congresso de Dresden renunciou ao mandato; os eleitores da 20ª circunscrição, vaga depois da morte de Rosenow, quiseram propor de novo a candidatura de Göhre. A direcção central do partido e o comité central de agitação da Saxónia opuseram-se e, não tendo o direito de proibir formalmente a candidatura de Göhre, conseguiram no entanto que Göhre renunciasse a ela. Nas eleições, os sociais-democratas sofreram uma derrota. (Nota do Autor) (O Congresso de Dresden da social-democracia alemã realizou-se em 13-20 de Setembro de 1903. No centro da atenção do congresso estava a questão da táctica do partido e da luta contra o revisionismo. No congresso foram criticadas as concepções revisionistas de E. Bernstein, P. Göhre, E. David, W. Heine e alguns outros sociais- democratas alemães. Porém, o congresso não revelou uma consequência suficiente na luta contra o revisionismo, os revisionistas da social-democracia alemã não foram expulsos do partido e após o congresso continuaram a propaganda das suas concepções oportunistas.)
  14. Três meses como operário numa fábrica. (N. Ed.)
  15. Sozialistische Monatshefte (Cadernos Mensais Socialistas): revista, órgão principal dos oportunistas alemães e um dos órgãos do oportunismo internacional. Publicou-se em Berlim de 1897 a 1933. Durante a primeira guerra mundial (1914-1918) ocupou uma posição social-chauvinista.
  16. Como exemplo K. Kautsky cita Jaurès. À medida que se desviavam para o oportunismo, tais homens «deviam considerar inelutavelmente a disciplina do partido como coacção inadmissível da sua livre personalidade». (Nota do Autor)
  17. Bannstrahl - anátema. É o equivalente alemão do «estado de sítio» e das «leis de excepção» russos. É a «palavra terrível» dos oportunistas alemães. (Nota do Autor)
  18. É extremamente instrutivo confrontar estas notas de K. Kautsky sobre a substituição do direito consuetudinário, tacitamente reconhecido, por um direito formalmente inscrito em estatutos, com toda a «renovação» que atravessa o nosso partido em geral e a redacção em particular, depois do congresso do partido. Cf. o discurso de V. I. Zassúlitch (no congresso da Liga), pp. 66 e segs., que provavelmente não compreende plenamente todo o alcance desta renovação. (Nota do Autor)
  19. Jornal de Frankfurt (Frankfurter Zeitung): jornal diário, órgão dos grandes bolsistas alemães, foi editado em Frankfurt-am-Main de 1856 a 1943.
  20. Jornal de Frankfurt, 1904, 7 de Abril, n.° 97, edição da tarde. (N. Ed.)
  21. Ninguém duvidará agora de que a antiga divisão dos sociais-democratas russos, quanto às questões de táctica, em economistas e políticos, correspondia à divisão de toda a social-democracia internacional em oportunistas e revolucionários, embora existisse grande diferença entre os camaradas Martínov e Akímov, por um lado, e os camaradas von Vollmar e von Elm, ou Jaurès e Millerand, por outro. Do mesmo modo, é inevitável a semelhança das divisões fundamentais sobre as questões de organização, apesar da enorme diferença de condições existente entre os países privados de direitos políticos e os países politicamente livres. É extremamente característico que a redacção do novo Iskra, tão aferrada aos princípios, depois de ter tratado de relance da discussão entre Kautsky e Heine (n° 64), tenha ignorado, temerosa, o problema das tendências de princípio de todo o oportunismo e de toda a ortodoxia nas questões de organização. (Nota do Autor)
  22. Quem recordar a discussão sobre o § l, verá agora claramente que o erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod acerca do §1 conduz inevitavelmente, desenvolvido e aprofundado, ao oportunismo em matéria de organização. A ideia básica do camarada Mártov - a auto-inscrição de cada um no partido - é precisamente a falsa «democracia», a ideia de estruturar o partido da base para o topo. A minha ideia, pelo contrário, é «burocrática» no sentido de que o partido deve ser estruturado do topo para a base, começando pelo congresso e continuando pelas diversas organizações do partido. Tanto a psicologia de intelectual burguês como as frases anarquistas e as elucubrações oportunistas e seguidistas manifestaram-se já na discussão sobre o §1. No Estado de Sítio (p. 20), o camarada Mártov fala do «trabalho do pensamento que começou» no novo Iskra. Isso é verdade no sentido de que ele e Axelrod dirigem efectivamente o pensamento por esse rumo novo, começando pelo § l. O pior é que esse rumo é oportunista. Quanto mais «trabalharem» nesse rumo, quanto mais limpo estiver o seu trabalho de querelas mesquinhas sobre a cooptação, tanto mais se afundarão no pântano. O camarada Plekhánov compreendeu-o claramente já no congresso, e, no seu artigo O Que Não Se Deve Fazer, advertiu-os pela segunda vez: estou disposto mesmo a cooptar-vos, mas não sigais esse caminho, que só conduz ao oportunismo e ao anarquismo. Mártov e Axelrod não aceitaram esse bom conselho: como? não continuar? Dar razão a Lénine em que a cooptação não passa de uma querela mesquinha? Nunca! Demonstrar-lhe-emos que somos gente de princípios! E demonstraram-no. Demonstraram a todos com plena evidência que, se têm princípios novos, são os princípios do oportunismo. (Nota do Autor)
  23. Trata-se da Breve Constituição do POSDR, obra burlesca de Mártov, publicada em suplemento ao seu artigo Na Ordem do Dia (Iskra, n° 58, de 25 de Janeiro de 1904). Ao ironizar a propósito dos princípios do bolchevismo no campo da organização e ao queixar-se duma atitude pretensamente injusta para com os mencheviques, Mártov, na sua Constituição, escreveu sobre «esbofeteados» e «esbofeteadores», referindo-se aos mencheviques e aos bolcheviques.
  24. 148Esta admirável expressão é do camarada Mártov (Estado de Sítio, p. 68). O camarada Mártov aguardou o momento de multiplicar o seu voto por cinco para organizar a «insurreição» contra mim só. O camarada Mártov polemiza com bem pouca habilidade: quer aniquilar o seu adversário dizendo-lhe as maiores amabilidades. (Nota do Autor)

s) Algumas Palavras Sobre a Dialéctica. Duas Revoluções

Se lançarmos um olhar de conjunto para o desenvolvimento da crise no nosso partido, facilmente veremos que, salvo raras excepções, a composição dos dois campos adversos permaneceu sempre a mesma. Era uma luta entre a ala revolucionária e a ala oportunista do nosso partido. Mas esta luta passou pelas mais variadas fases, e todo aquele que quiser ver claro na nossa enorme literatura já acumulada, na imensidade de indicações fragmentárias, citações fora do seu contexto, acusações várias, etc., etc., deve ter um conhecimento exacto das particularidades de cada uma destas fases.

Enumeremos as fases principais, que se distinguem claramente umas das outras: 1) Discussão sobre o § l dos estatutos. Luta puramente ideológica sobre os princípios fundamentais da organização. Plekhánov e eu estamos em minoria. Mártov e Axelrod propõem uma fórmula oportunista e acabam por cair nos braços dos oportunistas. 2) Cisão da organização do Iskra na questão das listas de candidatos ao CC: Fomine ou Vassíliev no grupo de cinco, Trótski ou Travínski no grupo de três. Plekhánov e eu conseguimos a maioria (nove contra sete), em parte graças precisamente ao facto de termos estado em minoria no § 1. A coligação de Mártov com os oportunistas confirmou na prática todas as minhas apreensões, devidas ao incidente do CO. 3) Continuação dos debates sobre pormenores dos estatutos. De novo Mártov é salvo pelos oportunistas. Nós estamos mais uma vez em minoria e defendendo os direitos da minoria nos centros. 4) Os sete oportunistas extremos retiram-se do congresso. Ficamos em maioria e vencemos a coligação (minoria iskrista, «pântano» e anti-iskristas) nas eleições. Mártov e Popov renunciam aos lugares nos nossos grupos de três. 5) Depois do congresso, querelas por causa da cooptação. Orgia de actos anarquistas e da fraseologia anarquista. Os elementos menos firmes e menos estáveis da «minoria» impõem-se. 6) Plekhánov adopta, para evitar a cisão, a política do «kill with kindness». A «minoria» ocupa a redacção do OC e o Conselho e ataca com todas as suas forças o CC. A querela continua a penetrar tudo. 7) É repelido o primeiro ataque contra o CC. A querela parece acalmar um pouco. Torna-se possível discutir com relativa calma duas questões puramente ideológicas que preocupam profundamente o partido: a) qual o significado político e a explicação da divisão do nosso partido em «maioria» e «minoria», que tomou forma no II Congresso e substituiu todas as anteriores divisões? b) qual o significado de princípio da nova posição do novo Iskra sobre as questões de organização?

Cada uma destas fases é caracterizada por uma conjuntura de luta e por um objectivo imediato de ataque essencialmente diferentes; cada fase é por assim dizer uma batalha isolada numa campanha militar geral. Não se pode entender nada da nossa luta sem estudar as condições concretas de cada batalha. Feito isto, veremos claramente que o desenvolvimento segue de facto a via dialéctica, a via das contradições: a minoria torna-se maioria, a maioria minoria; cada campo passa da defensiva à ofensiva, e da ofensiva à defensiva; o ponto de partida da luta ideológica (§ l) «é negado» e cede lugar a querelas que penetram tudo1,[17 1] mas depois começa a «negação da negação» e, «entendendo- nos» a muito custo com a mulher que Deus nos deu nos diversos centros, voltamos ao ponto de partida da luta puramente ideológica, mas agora esta «tese», enriquecida por todos os resultados da «antítese», torna-se uma síntese superior em que o erro isolado, fortuito, sobre o § l, se converteu num quase-sistema de concepções oportunistas sobre questões de organização, em que a ligação entre este fenómeno e a divisão fundamental do nosso partido em ala revolucionária e ala oportunista surge a toda a gente com uma clareza cada vez maior. Numa palavra, não é só a aveia que cresce segundo Hegel, também os sociais-democratas russos se batem entre si segundo Hegel.

Mas a grande dialéctica hegeliana, que o marxismo fez sua depois de a ter posto de pé, nunca deve ser confundida com o processo vulgar que consiste em justificar os ziguezagues dos políticos que passam da ala revolucionária para a ala oportunista do partido, ou com o costume vulgar de enfiar no mesmo saco declarações isoladas, momentos diferentes do desenvolvimento de diversas fases dum processo único. A verdadeira dialéctica não justifica os erros pessoais, estuda as viragens inevitáveis, provando a sua inevitabilidade com um estudo pormenorizado do desenvolvimento em todos os aspectos concretos. O princípio fundamental da dialéctica é: não existe verdade abstracta, a verdade é sempre concreta... E é preciso também não confundir a grande dialéctica hegeliana com a sabedoria vulgar, tão bem expressa no provérbio italiano: mettere la coda dove non vá il capo (meter o rabo onde a cabeça não cabe). O resultado do desenvolvimento dialéctico da luta no nosso partido reduz-se a duas revoluções. O congresso do partido foi uma verdadeira revolução, como observou, com razão, o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. Têm também razão os espirituosos da minoria que dizem: o mundo move-se por revoluções, pois bem, nós fizemos uma revolução! Com efeito, eles fizeram uma revolução depois do congresso; e também é verdade que o mundo, falando em termos gerais, move-se por revoluções. Mas o significado concreto de cada revolução concreta não fica ainda definido por esse aforismo geral: há revoluções que são como reacções, parafraseando a inesquecível expressão do inesquecível camarada Mákhov. É preciso saber se foi a ala revolucionária ou a ala oportunista do partido que constituiu a força real que levou a cabo a revolução, é preciso saber se foram os princípios revolucionários ou os princípios oportunistas que inspiravam os combatentes para se poder determinar se uma ou outra revolução concreta fez avançar ou recuar o mundo (o nosso partido).

O congresso do nosso partido foi um acontecimento único no seu género, sem precedentes em toda a história do movimento revolucionário russo. Pela primeira vez, um partido revolucionário clandestino conseguiu sair das trevas da ilegalidade para aparecer à luz do dia, mostrando a todos e cada um a trajectória e o desfecho da luta interna do nosso partido, a fisionomia do nosso partido e de cada uma das suas partes de alguma importância em questões de programa, de táctica e de organização. Pela primeira vez conseguimos libertar-nos das tradições de relaxamento próprio de círculos e de filistinismo revolucionário, reunir dezenas dos mais diversos grupos, muitas vezes terrivelmente hostis entre si, unidos exclusivamente pela força de uma ideia e prontos (prontos em princípio) a sacrificar todo e qualquer particularismo e independência de grupo em prol do grande todo que pela primeira vez criávamos de facto: o partido. Mas em política os sacrifícios não se obtêm sem esforço; conquistam-se combatendo. Como era inevitável, a luta pela morte das organizações foi terrivelmente encarniçada. O vento fresco da luta aberta e livre transformou-se em turbilhão. Este turbilhão varreu – e ainda bem que varreu! - tudo o que ainda subsistia de todos os interesses, sentimentos e tradições de círculo, e criou pela primeira vez organismos colectivos genuinamente de partido.

Mas uma coisa é chamar-se e outra coisa é ser. Uma coisa é sacrificar em princípio o espírito de círculo em prol do partido, e outra é renunciar ao seu próprio círculo. O vento fresco revelou-se demasiado fresco para gente habituada à atmosfera bafienta do filistinismo. «O partido não suportou o seu primeiro congresso», como disse com razão (disse com razão inadvertidamente) o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. O sentimento de ofensa pelo massacre das organizações era demasiado grande. O turbilhão levantou todo o lodo que estava no fundo da corrente do nosso partido, e o lodo vingou-se. O velho e ancilosado espírito de círculo pôde mais que o ainda jovem espírito de partido. Batida em toda a linha, a ala oportunista, reforçada pela acidental conquista de Akímov, impôs-se - provisoriamente, bem entendido - sobre a ala revolucionária.

O resultado de tudo isto é o novo Iskra, que se vê obrigado a desenvolver e a aprofundar o erro cometido pelos seus redactores no congresso do partido. O velho Iskra ensinava as verdades da luta revolucionária. O novo Iskra ensina a sabedoria vulgar; as cedências e o espírito acomodatício. O velho Iskra era o órgão da ortodoxia militante. O novo Iskra traz-nos um arroto de oportunismo, principalmente em questões de organização. O velho Iskra mereceu a honra de ser detestado pelos oportunistas da Rússia e da Europa ocidental. O novo Iskra «tornou-se mais sensato» e em breve deixará de corar com os louvores que lhe prodigalizam os oportunistas extremos. O velho Iskra caminhava a direito para o seu objectivo, e as suas palavras não se afastavam dos seus actos. A falsidade intrínseca da posição do novo Iskra gera inevitavelmente a hipocrisia política, independentemente até da vontade ou da consciência de quem quer que seja. Grita contra o espírito de círculo para encobrir a vitória do espírito de círculo sobre o espírito de partido. Condena farisaicamente a cisão, como se para obviar à cisão dum partido com um mínimo de organização se pudesse imaginar outro meio que não a subordinação da minoria à maioria. Declara que é imprescindível ter em conta a opinião pública revolucionária e, ocultando os louvores dos Akímov, dedica-se a mexericos mesquinhos sobre os comités da ala revolucionária do partido.[17 2] Que vergonha! Como desonraram o nosso velho Iskra!

Um passo em frente, dois passos atrás... É algo que acontece na vida dos indivíduos, na história das nações e no desenvolvimento dos partidos. Seria a mais criminosa das cobardias duvidar um só momento do triunfo inevitável e completo dos princípios da social-democracia revolucionária, da organização proletária e da disciplina de partido. Já conseguimos muito, devemos continuar a luta sem nos deixarmos desencorajar pelos reveses, lutar com firmeza, desprezando os métodos filistinos das questiúnculas de círculo, salvaguardando ao máximo o laço que liga num partido único todos os sociais-democratas da Rússia, laço estabelecido à custa de tantos esforços, e procurando conseguir, com um trabalho persistente e sistemático, que todos os membros do partido, sobretudo os operários, conheçam plena e conscientemente os deveres de partido, a luta no II Congresso do partido, todas as causas e peripécias da nossa divergência, todo o papel pernicioso do oportunismo, que, também no domínio da organização, do mesmo modo que no domínio do nosso programa e da nossa táctica, capitula perante a psicologia burguesa, adopta sem qualquer crítica o ponto de vista da democracia burguesa, embota a arma da luta de classe do proletariado.

O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a organização. Dividido pela concorrência anárquica que reina no mundo burguês, esmagado pelos trabalhos forçados ao serviço do capital, constantemente atirado ao abismo da miséria mais completa, do embrutecimento e da degenerescência, o proletariado só pode tornar-se, e tornar-se-á inevitavelmente, uma força invencível quando a sua unidade ideológica, baseada nos princípios do marxismo, é cimentada pela unidade material da organização que reúne milhões de trabalhadores num exército da classe operária. A esse exército não poderão resistir nem o poder decrépito da autocracia russa, nem o poder decrépito do capital internacional. Esse exército cerrará cada vez mais as suas fileiras, apesar de todos os ziguezagues e passos atrás, apesar das frases oportunistas dos girondinos da social- democracia contemporânea, apesar dos louvores presunçosos do espírito de círculo atrasado, apesar do falso brilho e do palavreado do anarquismo próprio de intelectuais.

Notas

  1. O difícil problema de estabelecer uma fronteira entre a querela e a divergência de princípios resolve-se agora por si mesmo: é querela tudo o que se refere à cooptação, e é divergência de princípios tudo o que diz respeito à análise da luta no congresso, aos debates sobre o § l e à viragem para o oportunismo e o anarquismo. (Nota do Autor)
  2. Para tão agradável ocupação já se estabeleceu uma forma estereotipada: o nosso correspondente X comunica que o comité Y da maioria tratou mal o camarada Z da minoria. (Nota do Autor)

Anexo - O Incidente do Camarada Gússev com o Camarada Deutsch

A essência deste incidente, estreitamente ligado àquilo a que se chamou lista «falsa» (segundo a expressão do camarada Mártov) mencionada na carta dos camaradas Mártov e Starover citada no texto do § J, consiste no seguinte. O camarada Gússev informou o camarada Pavlóvitch de que aquela lista, composta pelos camaradas Stein, Egórov, Popov, Trótski e Fomine, lhe tinha sido transmitida a ele, Gússev, pelo camarada Deutsch (p. 12 da Carta do camarada Pavlóvitch). O camarada Deutsch, em consequência desta informação, acusou o camarada Gússev de «calúnia premeditada», e o tribunal de arbitragem de camaradas declarou que a «informação» do camarada Gússev era «inexacta» (ver a sentença do tribunal no n° 62 do Iskra). Depois de a redacção do Iskra ter publicado a sentença do tribunal, o camarada Mártov (e já não a redacção) lança uma folha especial intitulada: Sentença do Tribunal de Arbitragem de Camaradas, onde reproduz integralmente não só a sentença do tribunal, mas o relato completo do julgamento, assim como um posfácio seu. Neste posfácio, o camarada Mártov qualifica de «vergonhoso», entre outras coisas, «o facto de falsificar uma lista no interesse da luta fraccional». A esta folha os camaradas Liádov e Górine, delegados ao II congresso, responderam com uma outra intitulada: Uma Quarta Pessoa no Tribunal de Arbitragem, na qual «protestam energicamente contra o facto de o camarada Mártov se permitir ir mais longe que a sentença do tribunal, atribuindo más intenções ao camarada Gússev», quando o tribunal não reconheceu uma calúnia premeditada, mas se limitou a declarar que a informação do camarada Gússev era inexacta. Os camaradas Górine e Liádov explicam pormenorizadamente que a informação do camarada Gússev podia ter sido provocada por um erro absolutamente natural, e qualificam de «indigna» a conduta do camarada Mártov, que fez ele próprio (e continua a fazer na sua folha) uma série de declarações erradas atribuindo arbitrariamente ao camarada Gússev más intenções. Em geral, não podia haver neste caso más intenções, dizem eles. Esta é, se não me engano, toda a «literatura» sobre a questão, e considero meu dever contribuir para a sua clarificação.

Antes de mais, é preciso que o leitor compreenda claramente o momento e em que condições esta lista (lista dos candidatos ao CC) apareceu. Como já disse no texto, a organização do Iskra reuniu- se durante o congresso para tratar da lista dos candidatos ao CC que podia propor de comum acordo ao congresso. Terminou a reunião com disparidade de opiniões; a maioria da organização do Iskra aprovou a lista: Travínski, Glébov, Vassíliev, Popov e Trótski, mas a minoria não quis ceder, insistindo na lista: Travínski, Glébov, Fomine, Popov, Trótski. As duas partes da organização do Iskra não voltaram a reunir-se depois desta ocasião, em que se propuseram e votaram as listas. As duas partes passaram à agitação livre no congresso, desejando que fosse o voto de todo o congresso do partido a resolver a controvérsia que as dividia e procurando ganhar o maior número possível de delegados. Esta agitação livre no congresso imediatamente revelou o facto político que já analisei tão detalhadamente no texto, a saber: a necessidade para a minoria dos iskristas (com Mártov à cabeça) de se apoiarem no «centro» (pântano) e nos anti-iskristas para assegurarem a vitória sobre nós. Era imprescindível porque a imensa maioria dos delegados que defendiam de modo consequente o programa, a táctica e os planos de organização do Iskra contra a pressão dos anti- iskristas e do «centro» depressa e com muita firmeza se tinham posto do nosso lado. Dos 33 delegados (mais exactamente: votos) não pertencentes nem aos anti-iskristas nem ao «centro», depressa ganhámos 24 e concluímos um «acordo directo» com eles, formando a «compacta maioria». Em contrapartida, o camarada Mártov ficou apenas com nove votos; para alcançar a vitória precisava de todos os votos dos anti-iskristas e do «centro», grupos com os quais podia alinhar (como no §1 dos estatutos), podia «coligar-se», ou seja, podia ter o seu apoio, mas não podia concluir com eles um acordo directo, e não podia precisamente porque combatera esses grupos durante todo o congresso com não menos energia do que nós. Nisso residia o tragicómico da posição do camarada Mártov! O camarada quer aniquilar-me no seu Estado de Sítio com uma pergunta mortífera, venenosa: «Pedimos respeitosamente ao camarada Lénine que nos responda claramente a esta pergunta: para quem era estranho no congresso o Iújni Rabótchi'?» (p. 23, nota). Respondo respeitosamente e com clareza: estranho para o camarada Mártov. Prova: eu bem depressa concluí um acordo directo com os iskristas, enquanto o camarada Mártov não concluiu, nem podia ter concluído, um acordo directo nem com o «Iújni Rabótchi», nem com o camarada Mákhov, nem com o camarada Brúker.

Só depois de se ter uma ideia clara sobre esta situação política se pode compreender onde se encontra o «nó» da questão nevrálgica que é a famosa lista «falsa». Imaginai as condições concretas da questão: a organização do Iskra cindiu-se e nós realizamos no congresso uma agitação livre em defesa das nossas listas. Durante esta defesa, em inúmeras conversas privadas, fazem-se com as listas centenas de combinações, propõe-se um grupo de três em vez de um grupo de cinco, sugere-se toda a espécie de substituições de um candidato por outro. Eu lembro-me bem, por exemplo, que nas conversas privadas no seio da maioria se propunham as candidaturas dos camaradas Rússov, Óssipov, Pavlóvitch e Dédov, para as rejeitar a seguir, depois de examinadas e debatidas. Pode muito bem acontecer que se tenham proposto outras candidaturas sem que eu o tenha sabido. Cada delegado ao congresso formulava nestas conversas a sua opinião, propunha emendas, discutia, etc.

É extremamente difícil supor que as coisas se tenham passado assim exclusivamente no seio da maioria. É mesmo indubitável que na minoria acontecia o mesmo porque o seu grupo inicial de cinco (Popov, Trótski, Fomine, Glébov, Travínski) foi substituído mais tarde, segundo vimos pela carta dos camaradas Mártov e Starover, por um grupo de três: Glébov, Trótski, Popov. E, além disso, Glébov não lhes agradava, e substituíram-no de bom grado por Fomine (ver a folha dos camaradas Liádov e Górine). É preciso não esquecer que os grupos em que dividi os delegados ao congresso no texto da presente brochura foram formados na base de uma análise feita post factum: na realidade, esses grupos apenas se esboçavam na agitação que precedeu as eleições, a troca de opiniões entre os delegados realizava-se com inteira liberdade. Nenhum «muro» havia entre nós, e cada qual podia falar com qualquer delegado com quem desejasse ter uma conversa particular. Não admira absolutamente nada que nestas circunstâncias, no número infinito de combinações e de listas possíveis, surgisse ao lado da lista da minoria da organização do Iskra (Popov, Trótski, Fomine, Glébov, Travínski), uma outra que não é muito diferente dela: Popov, Trótski, Fomine, Stein e Egórov. O aparecimento de tal combinação de candidatos é perfeitamente natural, porque se sabia de antemão que os nossos candidatos, Glébov e Travínski, não eram verdadeiramente do gosto da minoria da organização do Iskra (ver a sua carta no texto, § J, na qual eliminam Travínski do grupo de três, e quanto a Glébov declaram claramente que se trata de um compromisso). A substituição de Glébov e de Travínski pelos membros do Comité de Organização Stein e Egórov era perfeitamente natural, e teria sido estranho que nenhum delegado da minoria do partido tivesse pensado em tal substituição.

Examinemos agora as duas questões seguintes: 1) donde provinha a lista: Egórov, Stein, Popov, Trótski, Fomine? e 2) porque é que o camarada Mártov se indignou tanto por se lhe atribuir essa lista? Para responder com exactidão à primeira questão teríamos que interrogar todos os delegados ao congresso. Tal já não é possível agora. Seria necessário sobretudo esclarecer quais os delegados da minoria do partido (não se deve confundir com a minoria da organização do Iskra) que no congresso ouviram falar das listas que provocaram a cisão da organização do Iskra. Como se comportaram eles perante as duas listas da maioria e da minoria da organização do Iskra? Não formularam ou ouviram formular alguma proposta ou opinião relativa a modificações desejáveis a introduzir na lista da maioria da organização do Iskra? Infelizmente, estas questões parece não terem sido levantadas no tribunal de arbitragem de camaradas, que (a julgar pelo texto da sentença) ignorava mesmo a propósito de que «grupos de cinco» a organização do Iskra se tinha cindido. O camarada Belov, por exemplo (que considerava do «centro»), «declarou que estava em boas relações de camaradagem com Deutsch, o qual lhe comunicava todas as suas impressões sobre os trabalhos do congresso, e que, se Deutsch tivesse feito qualquer agitação por alguma das listas, o teria comunicado também a Belov». Não podemos deixar de lamentar que não se tenha esclarecido se o camarada Deutsch comunicou ao camarada Belov as suas impressões sobre as listas da organização do Iskra. Se sim, como é que o camarada Belov reagiu à lista de cinco da maioria da organização do Iskra? Não tinha proposto ou ouvido falar de alguma modificação desejável a introduzir nela? Como o assunto não foi esclarecido, acontece que nas declarações dos camaradas Belov e Deutsch existe a contradição já assinalada pelos camaradas Górine e Liádov, a saber: o camarada Deutsch, apesar do que dizia, «fazia agitação a favor de tais ou tais candidatos ao CC» propostos pela organização do Iskra. O camarada Belov declara mais adiante que «tinha sabido da existência duma lista que circulava no congresso por uma conversa privada, uns dois dias antes do encerramento do congresso, porque se tinha encontrado com os camaradas Egórov, Popov e os delegados do comité de Khárkov. Egórov mostrou-se naquela ocasião admirado por ver o seu nome figurar numa lista de candidatos ao CC, já que, na opinião dele, Egórov, a sua candidatura não podia encontrar a simpatia dos delegados ao congresso, tanto da maioria como da minoria». É extremamente significativo que nesta passagem se fale, evidentemente, da maioria da organização do «Iskra», porque, no resto da minoria do congresso do partido, a candidatura do camarada Egórov, membro do CO e eminente orador do «centro», não só podia, mas devia até, segundo todas as probabilidades, encontrar simpatia. Infelizmente, o camarada Belov não nos diz nada precisamente da simpatia ou antipatia dos membros da minoria do partido que não pertenciam à organização do Iskra. E, no entanto, esta é precisamente uma questão importante, já que o camarada Deutsch se indignava por atribuir essa lista à maioria da organização do Iskra, quando a lista podia provir duma minoria que não pertencesse a esta organização!

Claro que é muito difícil recordar agora quem tinha sido o primeiro a emitir a suposição de tal combinação de candidatos e da parte de quem cada um de nós a ouviu. Eu, por exemplo, não me comprometo a recordar não só isto, mas nem sequer precisamente quem da maioria foi o primeiro a propor as candidaturas que já citei, de Rússov, Dédov e outros: das inúmeras conversas, hipóteses e boatos sobre toda a espécie de combinações de candidatos, na minha memória ficaram apenas gravadas as «listas» directamente postas à votação na organização do Iskra ou nas reuniões privadas da maioria. Essas «listas» eram na maior parte das vezes transmitidas oralmente (na minha Carta à Redacção do Iskra, p. 5, linha 5 a contar de baixo, eu chamo «lista» justamente à combinação de cinco candidatos que tinha proposto oralmente na reunião), mas elas eram também frequentemente apontadas em pequenas notas que, de modo geral, circulavam de delegado a delegado nas sessões do congresso e que costumavam ser destruídas depois da sessão.

Já que não existem dados exactos sobre a origem da famosa lista, só resta supor que um delegado da minoria do partido, com o desconhecimento da minoria da organização do Iskra, se tenha pronunciado a favor da combinação de candidatos que figura nessa lista e que esta combinação,por escrito ou oralmente, começou a circular no congresso; ou ainda que a favor dessa combinação se tenha pronunciado no congresso algum dos membros da minoria da organização do Iskra, esquecendo-se disso depois. A segunda hipótese parece-me mais provável pelo seguinte: a candidatura do camarada Stein tinha, sem dúvida alguma, as simpatias da minoria da organização do Iskra já no congresso (ver o texto da minha brochura), enquanto na candidatura do camarada Egórov essa minoria tinha sem dúvida pensado só depois do congresso (porque tanto no congresso da Liga como no Estado de Sítio se lamentou que o Comité de Organização não tenha sido confirmado como Comité Central; e o camarada Egórov era membro do CO). Não será natural supor que esta ideia, que evidentemente flutuava no ar, da conversão dos membros do CO em membros do CC tivesse sido formulada por um membro da minoria numa conversa particular e no congresso do partido?

No entanto, o camarada Mártov e o camarada Deutsch inclinam-se, em vez duma explicação natural, a ver aqui algo de sórdido, um ardil, algo de desonesto, a propagação de « boatos notoriamente falsos com o objectivo de difamar», uma falsificação no interesse da luta fraccional, etc. Esta tendência mórbida só pode ser explicada pelas doentias condições de vida na emigração ou por um estado anormal dos nervos, e eu não me teria detido sequer nesta questão se não se tivesse chegado ao ponto de atentar indignamente contra a honra de um camarada. Imaginai: que razões podiam ter os camaradas Deutsch e Mártov para procurar uma má fé e más intenções numa informação inexacta, num boato falso? A sua imaginação doentia tinha-lhes traçado, sem dúvida, um quadro no qual a maioria os «difamava», não por indicar um erro político da minoria (§ l e coligação com os oportunistas), mas por atribuir à minoria listas «notoriamente falsas», «falsificadas». A minoria preferia explicar as coisas não por um erro seu, mas pelos processos sórdidos, desonestos e vergonhosos da maioria! A que ponto é irracional procurar uma má intenção numa «informação inexacta» é o que já mostrámos anteriormente ao expor as circunstâncias da questão; assim o via claramente o tribunal de arbitragem de camaradas, que não constatou nenhuma calúnia, nem nenhuma má intenção, nem nada de desonroso. Demonstra-o por último, com a maior evidência, o facto de já no congresso do partido, ainda antes das eleições, a minoria da organização do Iskra ter tido uma explicação com a maioria a propósito do falso boato, e o camarada Mártov, para se justificar, chegou a escrever uma carta que foi lida na reunião dos 24 delegados da maioria!

À maioria nem sequer lhe ocorreu esconder à minoria da organização do Iskra que essa lista circulava no congresso: o camarada Lénski falou disso ao camarada Deutsch (ver a sentença); o camarada Plekhánov falou disso com a camarada Zassúlitch («é impossível falar com ela, creio que ela me confunde com Trépov», disse-me o camarada Plekhánov, e esta graça muitas vezes repetida mostra uma vez mais a excitação anormal da minoria), e eu disse ao camarada Mártov que a sua afirmação (que a lista não lhe pertencia a ele, Mártov) me bastava (actas da Liga p. 64). Então o camarada Mártov (juntamente com o camarada Starover, segundo me lembro) enviou-nos ao bureau uma nota cujo conteúdo é mais ou menos o seguinte: «A maioria da redacção do Iskra pede para ser admitida na reunião privada da maioria, para desmentir os boatos difamatórios que correm a seu respeito.» Plekhánov e eu respondemos na mesma nota: «Não ouvimos qualquer boato difamatório.

Se é necessário que a redacção se reúna, há que se pôr de acordo para isso especialmente. Lénine. Plekhánov.» À noite, ao chegarmos à reunião da maioria, informámos disto todos os 24 delegados. Para evitar qualquer eventual mal-entendido, decidimos escolher em conjunto alguns delegados dentre os 24 e enviá-los para se explicarem com os camaradas Mártov e Starover. Os delegados eleitos, os camaradas Sorókine e Sáblina, foram explicar-lhes que ninguém atribuía a lista especialmente a Mártov ou a Starover, sobretudo depois da declaração deles, e que pouco importava saber se essa lista provinha de uma ou de outra maneira da minoria da organização do Iskra ou da minoria do congresso que não pertencia àquela organização. Porque na verdade não era mesmo caso para abrir um inquérito no congresso! nem para interrogar todos os delegados a respeito dessa lista!

Mas os camaradas Mártov e Starover enviaram-nos apesar disto mais uma carta que continha um desmentido formal (ver § J). Os nossos delegados, os camaradas Sorókine e Sáblina, leram essa carta na reunião dos 24. Poder-se-ia pensar que o incidente estava encerrado, encerrado não no sentido de um inquérito sobre a origem da lista (se acaso isso interessava a alguém), mas no sentido da eliminação completa de qualquer ideia que pudesse implicar qualquer intenção de «prejudicar a minoria» ou de «difamar» alguém, ou de se aproveitar de uma «falsificação no interesse da luta fraccional». Mas na Liga o camarada Mártov (pp. 63-64) volta a trazer à luz essa sordidez dolorosamente gerada por uma imaginação doentia e dá ao mesmo tempo uma série de informações inexactas (evidentemente em consequência do seu estado de excitação). Disse que na lista havia um bundista. Isto não é verdade. Todas as testemunhas do tribunal de arbitragem, incluindo os camaradas Stein e Belov, confirmam que na lista figura o camarada Egórov. O camarada Mártov disse que a lista significava a coligação no sentido dum acordo directo. Isto não é verdade, como já expliquei. Ó camarada Mártov disse que não havia outras listas provenientes da minoria da organização do Iskra (e capazes de afastar desta minoria a maioria do congresso) «nem sequer falsificadas». Isto não é verdade, porque toda a maioria do congresso do partido conhecia pelo menos três listas provenientes do camarada Mártov e Cª e que não tinham sido aprovadas pela maioria (ver a folha de Liádov e de Górine).

Por que razão, em geral, esta lista indignava tanto o camarada Mártov? Porque a lista significava uma viragem para a ala direita do partido. O camarada Mártov protestava então contra a «falsa acusação de oportunismo», indignava-se contra a «caracterização incorrecta da sua posição política», e agora toda a gente pode ver que o facto de determinada lista pertencer ao camarada Mártov e ao camarada Deutsch não podia ter qualquer importância política e que em essência, independentemente desta lista ou de qualquer outra, a acusação não era falsa mas verídica, a caracterização da sua posição política era perfeitamente correcta.

O resultado deste caso penoso e artificial sobre a famosa lista falsa é o seguinte:

1) O atentado à honra do camarada Gússev pelo camarada Mártov, que gritava contra a «falsificação vergonhosa da lista no interesse da luta fraccional», só pode ser classificado, como fizeram os camaradas Górine e Liádov, de acto indigno.

2) No interesse da limpeza da atmosfera e para eximir os membros do partido da obrigação de levar a sério toda a espécie de extravagâncias doentias, seria talvez necessário no terceiro congresso adoptar a regra que se encontra nos estatutos de organização do partido operário social-democrata alemão. O § 2 desses estatutos diz: «Não pode pertencer ao partido quem se tornar culpado de uma violação grave dos princípios do programa do partido ou de um acto indigno. A questão da continuação no partido será decidida por um tribunal de arbitragem convocado pela direcção do partido. Metade dos juizes é designada por quem propuser a expulsão, e a outra metade por aquele que se quer expulsar, e o presidente é nomeado pela direcção do partido. Pode-se recorrer contra a decisão do tribunal de arbitragem para a comissão de controlo ou para o congresso do partido.» Uma regra semelhante pode ser um bom instrumento de luta contra todos os que lançam com ligeireza acusações (ou difundem boatos) sobre actos indignos. Existindo semelhante regra, todas estas acusações seriam de uma vez para sempre relegadas para a categoria de mexericos indignos, até ao momento em que os que acusam tiverem a coragem moral necessária para intervir perante o partido no papel de acusadores e procurarem um veredicto do organismo competente do partido.