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Antes que seja tarde! Carta ao Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro
Escrito porIvan Pinheiro

Apresentação

Olá, camaradas, eu vou aqui ler uma mensagem minha. Mandarei em seguida a carta de minha autoria, que enviei reservadamente a todos os membros do Comitê Central do PCB, antes de sua reunião de 8 e 9 deste mês, que discutiria temas decisivos ligados à grave crise pela qual o partido está passando.

Até hoje, ninguém, além dos membros do Comitê Central, tinha conhecimento dessa minha carta. Seu título é significativo: "Antes que seja tarde." O objetivo da carta era apelar aos camaradas, mostrando que só essa reunião do Comitê Central poderia evitar a cisão do partido. Na carta, eu apresentei, formalmente, três propostas.

Primeira, a saída do PCB, da "Plataforma Mundial Anti-imperialista," que foi uma decisão adotada por dois camaradas da CPN, a revelia do próprio CC, e que desrespeita as resoluções de todos os congressos do PCB desde 2005. A segunda foi a proposta de suspensão de todos os processos disciplinares em curso, com abertura de diálogo e de debates internos. E a terceira foi a convocação do XVII Congresso Extraordinário do PCB ao invés de uma conferência política.

Todas as minhas propostas foram rejeitadas pela ampla maioria do CC, dirigida silenciosamente por uma fração de acadêmicos que precisam passar-se apenas como marxistas e que tratam Lênin como datado e Stalin como outro Hitler. Sem argumentos e com medo de perder o debate, tanto sob questões nacionais como internacionais, optaram por decisões administrativas e medidas disciplinares, para provocar expurgos, afastamentos e cisões.

Camaradas, as divergências da CPN com as resoluções do XVI Congresso são evidentes. Mudaram nossa linha política internacional participando de uma plataforma de partidos reformistas e burgueses. Agora querem completar o giro à direita que nos colocou a reboque de organizações social-democratas, que conciliam cada vez mais com o atual governo de conciliação de classes. Precisam afastar os que divergem para realizar seus projetos pessoais e destruir o processo de Reconstrução Revolucionária do PCB.

Em pleno Congresso da UNE, a CPN divulgou uma circular à militância com as resoluções do Comitê Central naquela referida reunião. Ao invés da busca pela unidade, os camaradas resolveram escalar a crise e forçar a divisão do partido. Expulsaram o camarada Jones Manoel do Comitê Central e praticamente do partido, o que vinha tentando desde que esse jovem proletário negro, sem doutorado nem cátedra, ao entrar no PCB, roubou a cena que alguns protagonizavam e se tornou uma figura pública, como intelectual orgânico marxista-leninista, com o devido hífen, e nosso mais influente agitador, propagadista, formador e recrutador.

Me condenaram uma medida disciplinar de advertência interna, informada à toda a militância, sem que eu sequer soubesse que estava sendo processado e ainda desrespeitando o estatuto do partido, que diz o seguinte:

"Art. 14 Qualquer processo que vise à medida disciplinar será conduzido com cautela, (...) assegurando-se ao acusado amplo direito de defesa."
"Art. 18 A decisão sobre o mérito de qualquer processo de natureza disciplinar precedida de parecer de relatores indicados pelo organismo responsável pelo processo. Os relatores deverão ouvir, para elaboração do parecer, as partes envolvidas e a quem mais julgarem conveniente."

O impressionante é que os relatores do processo nunca me procuraram e não me ouviram. São camaradas que militaram décadas comigo, e que conhecem como poucos a ética comunista que sempre guiou minha militância. Eles poderiam me ouvir tranquilamente, de forma presencial, tanto é assim que os quatro relatores, os camaradas Edilson, Heitor, Marta e Rico, como eu, moro nesse pequeno estado do Rio de Janeiro. As outras decisões dessa reunião também foram no sentido de tensionar a cisão, adiar a posição sobre a tal plataforma para outubro desse ano. Na prática, já adiaram a conferência política prevista para concluir-se em março de 2024.

Além de não terem preparado as teses que haviam prometido para apresentação em julho, alegaram prioridade este ano para o Congresso da Unidade Classista. Proibiram os coletivos, inclusive a UJC e a UC, de promoverem qualquer debate sobre as polêmicas internas em curso. No meu caso particular, ao invés de enfrentarem o debate sobre as divergências que sempre apresentei com lealdade e franqueza, optaram pela conversa de pé de ouvido com militantes, acusando-me de "liquidacionista", "fracionista", "autoritário", "esquerdista" e etc.

E para avançar mais ainda no objetivo do racha, publicaram essa semana uma nota política ridícula e absurda, chamada "Crise do capital e o novo liquidacionismo," que chega a ser cínica, sobre a qual escreverei em breve. Mas resumidamente, o objetivo principal dessa lamentável nota é estimular e consolidar o racha. Peço que leiam com atenção a carta que lhes envio em seguida, pela retomada e aprofundamento da reconstrução revolucionária do PCB.

Carta ao Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro

Camaradas,

Apesar de não mais pertencer a essa instância, da qual me afastei em 18 de junho do ano passado por razões que lhes expus em carta reservada, tomei a iniciativa de dirigir-lhes estas linhas, em função do momento crítico que o nosso partido passa atualmente e sobretudo porque um texto de minha autoria contribuiu para o acirramento de debates que, em condições normais da vigência do centralismo democrático, deveria se restringir aos nossos espaços internos.

Infelizmente, desde as etapas anteriores à conclusão do XVI Congresso, o centralismo burocrático e parcial que tem prevalecido no Comitê Central (CC), no meu entender, tem sido a principal causa de o debate extrapolar para espaços públicos e escalar a crise.

O início deste problema remonta ao período da pandemia, quando fomos forçados a nos restringir a atividades virtuais (as chamadas “lives”), inclusive em reuniões de instâncias e debates públicos em que camaradas do CC se manifestavam e muitas vezes divergiam entre si sobre temas polêmicos, teóricos e políticos, desde leituras sobre a história do PCB, do MCI e das experiências de construção do socialismo, inclusive a respeito de questões estratégicas e táticas, como o caráter do governo anterior e a linha política que seria mais correta para enfrentá-lo.

Houve iniciativas virtuais (de instâncias e secretarias do partido, de coletivos, do ICP e da FDR) abertas ao público que contaram com convidados que não eram nossos militantes, alguns inclusive de outras organizações, e que tratavam até de temas ainda em aberto para o PCB, como o balanço das experiências socialistas desde o século passado, iniciado organicamente no nosso XIV Congresso (2009), com a aprovação de um texto como abertura de debates, lamentavelmente ainda não retomados no partido.

Esse ambiente, em que poucos podiam expor suas opiniões sobre tudo, algumas vezes minoritárias em nosso meio, suscitou na prática uma espécie de direito natural de militantes do partido não membros do então CC, sobretudo mais jovens, também se manifestarem virtualmente para expor suas visões, em alguns casos não coincidentes com as da maioria do CC ou da Comissão Política Nacional (CPN).

Após o relaxamento das medidas de confinamento em função da pandemia, ao invés de estimular os debates internos, inclusive porque já estava convocado o XVI Congresso, a CPN optou por confrontar as divergências com medidas administrativas, já nas etapas anteriores à conclusão do XVI, entre as quais a abertura de processos disciplinares em alguns Estados envolvendo delegados (houve um caso em que a camarada processada não tinha sido ouvida e o processo seguia à sua revelia), congelamento das delegações eleitas nas Conferências Regionais um ano antes, ao invés de convocar uma nova rodada desses espaços, já que o partido se renovara, e, o mais grave, a restrição do conhecimento das tribunas de debate aos delegados já anteriormente eleitos ou natos.

Ao que eu saiba, pelo menos de 1964 até aqui, esse foi o primeiro Congresso em que as tribunas não foram disponibilizadas ao conjunto da militância. Para se ter ideia, a Voz Operária, então órgão oficial do CC do PCB, divulgou à militância todas as tribunas ao VI Congresso, a despeito da nossa rigorosa clandestinidade, em 1967, em plena ditadura. Nos XIV (2009) e XV (2014) Congressos, as tribunas foram publicadas na página oficial do partido na internet.

Outra marca deste esforço para limitar os debates fica evidente no fato de que apenas quatro membros de cerca de cinco dezenas de membros do então CC nos pronunciamos nas tribunas, das quais estiveram ausentes inclusive todos aqueles que sempre expuseram suas opinões publicamente, no espaço acadêmico ou fora dele, muitas vezes na contramão de nossas resoluções congressuais.

A meu ver, essas atitudes – somadas a perseguições e processos disciplinares – sinalizavam um desejo de que alguns divergentes se auto excluissem do partido antes do Congresso, o que não ocorreu e acabou por criar um ambiente que poderia levar a cisões, em função da incapacidade de qualquer autocrítica da parte do CC. Tanto é assim que, diante deste risco que pairava no ambiente congressual, pela primeira vez nos últimos tempos importantes dirigentes nacionais tomaram a iniciativa de dialogar com os que divergiam, com vistas a articulações de emergência em pleno curso da etapa final do Congresso, levando a que muitas das resoluções ficassem marcadas por redações notoriamente conciliatórias e algumas inclusive contraditórias em seus termos. Esse acordo, ainda que explícito para a maioria do CC mas escondido do conjunto dos delegados e do Partido como um todo, tinha como objetivo reestabelecer condições legítimas de nossas disputas internas, o que não durou muito, como procurarei demonstrar.

Os que hoje manobram para alterar as resoluções do XVI sobre nossas relações internacionais (e também em uma série de questões táticas e organizativas) não tiveram sequer a dignidade de defender no Congresso seus pontos de vista e destacar as propostas que indicavam a continuidade de nossa localização no campo revolucionário do MCI, aprovadas por unanimidade! Certamente com receio de perder as votações e/ou por falta de argumentação, assistiram essas propostas serem vitoriosas para depois covardemente transgredi-las.

Infelizmente, o pacto de unidade parece ter sido apenas para maquiar a “fotografia política” do Congresso. Um mês apenas após a sua conclusão, na primeira reunião virtual do novo CC, armou-se uma desforra cretina e odiosa contra mim, certamente arrependidos por considerarem alto o “preço que pagaram” pela unidade construída artificial e circunstancialmente, como se eu tivesse sido o “culpado” por uma iniciativa que não foi minha. Vocês, membros do atual CC, são testemunhas desta farsa e, em sua maioria, cúmplices dela. Muitos não pronunciaram uma sílaba sequer para criticá-la!

Estou há um ano e meio aguardando que a CPN apure uma crítica absurda que armaram contra mim, postada na lista de e-mails do CC, em um texto falsamente atribuído ao Comitê Regional do Rio de Janeiro (CR-RJ) – cujo Secretário Político (SP) era e é o atual Secretário de Relações (SRI), e o assistente o atual Secretário Geral (SG) – acusando-me de ter organizado uma claque para ser aplaudido no XVI Congresso e, pasmem, de ter proposto a inclusão de uma camarada na nominata apresentada para a eleição do CC, o que o regimento interno permitia aos delegados. Esta foi uma das razões, entre muitas, que me levaram ao limite de renunciar ao CC.

Sobre isso, valeria acrescentar que após o XVI Congresso diversos CRs adotaram um procedimento inédito e descabido de promover “balanço do Congresso”, uma desculpa para os insatisfeitos com os seus resultados irem às forras e destilarem seus rancores. Esse procedimento foi um escárnio. Aqueles que tanto falam em “fracionismo” para justificar boicotes e perseguições deveriam ser cobrados por isso. Sendo o Congresso Nacional a instância máxima do partido, o que seria esse “balanço” senão um expediente de luta interna fracionista? Nos últimos anos, prevalece na direção nacional do partido um clima de perseguição e apagamento dos que exercem o direito e o dever de expor suas divergências, o que acaba por inibir grande parte dos militantes e até dirigentes, muitos optando pelo silêncio obsequioso para preservar o orgulho pessoal e, em alguns casos, os interesses que em certos ambientes a carteira de membro do CC pode propiciar.

Nos últimos anos, vários membros do CC abandonaram o partido ou renunciaram à CPN ou ao CC por conta de grosserias e apagamentos pela “mania” que tinham de ponderar, expor opinião divergente e, mais grave ainda, de criticar! Por conta da mesma “mania”, alguns foram excluídos da nominata apresentada ao XVI.

“O centralismo democrático é uma via de mão dupla. Só tem autoridade política para exigi-lo a direção que o pratica”

O objetivo desta minha carta, camaradas, não é naturalizar postagens públicas em redes sociais sobre questões internas. Essa, em condições normais de democracia interna, não é a maneira leninista de organizar nossa polêmica. Estou convencido de que as manobras para inibir o debate são a causa principal deste problema, em um momento turbulento por que passa o partido, em que prevalecem o federalismo e o centralismo burocrático, ao invés do democrático.

E o mais grave, a meu ver, é que o recurso a processos disciplinares tendo como motivação a divulgação pública de opiniões não é neutro, ou seja, vem sendo usado apenas contra aqueles que divergem em questões importantes para um cada vez mais nítido núcleo duro que vem promovendo uma deriva à direita, desrespeitando inclusive resoluções congressuais, sobretudo no que se refere às relações internacionais, uma das principais marcas da Reconstrução Revolucionária do PCB.

Em alguns casos, confirma-se o ditado popular: “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. Esse centralismo burocrático e parcial cria duas categorias de militantes, os acadêmicos e os não acadêmicos, apenas aos primeiros sendo facultado o direito de polemizar publicamente contra nossas resoluções e até sobre nossos fundamentos e princípios, o que é mais grave.

Para exemplificar esse critério nada imparcial, comento aqui passagem de um vídeo que envio em seguida a esta postagem, a que tive acesso recentemente. Trata-se do registro de uma palestra da nossa importante camarada da CPN do CC e referência política do partido, Sofia Manzano – nossa principal candidata na recente campanha – em um evento patrocinado pela editora Boitempo, quando ela expôs claramente suas opiniões frontalmente contrárias não só ao marxismo-leninismo como ao centralismo democrático, princípio que, apesar de não vir sendo aplicado pela CPN, vem sendo esbravejado por alguns membros do CC contra camaradas não acadêmicos!

A vergonhosa (e ainda misteriosa) participação na Plataforma Mundial Antiimperialista: qual a verdadeira causa da atual crise no partido?

Em primeiro lugar, reconheço que foi hábil a tentativa de fazer da repercussão do segundo texto que escrevi sobre essa enigmática plataforma uma cortina de fumaça, na vã esperança de tirar o foco da simplesmente inexplicável participação dos dois principais membros da CPN em uma articulação internacional bancada politicamente por um exótico partido, cuja existência era desconhecida, e financeiramente por um lado de uma guerra inter-imperialista repudiada firmemente pelo próprio CC do PCB em Nota Política sobre a guerra na Ucrânia, onde se declara:

“Os interesses das burguesias estadunidense e russa são evidentes nessa luta pela partilha do mundo capitalista e a guerra não interessa aos trabalhadores”.

Na falta de possibilidade de desmentir minhas declarações e de argumentos para defender uma absurda articulação urdida às escondidas do partido e do próprio CC e contrária à linha do próprio partido, os oportunistas de sempre passaram a exigir medidas disciplinares (inclusive publicamente) contra os que se opuseram a esta manobra espúria e não contra os que a praticaram, dando carteiradas de suas autoridades como veteranos, evocando sua disciplina férrea e seu amor eterno pelo partido, dramatizando sacrifícios que marcam sua militância impoluta!

Alguns desses oportunistas, à falta de argumentos, se vestem com a capa de juízes do centralismo democrático e aproveitam para insuflar a abertura de processos disciplinares contra aqueles que divergimos deste giro oportunista à direita, que sempre começa nas relações internacionais para, em seguida, naturalizá-lo na estratégia e na tática política nacional.

Em um partido que se pretende comunista não há “foro privilegiado” para ninguém, seja em função de biografia ou da nomenclatura da tarefa sob sua responsabilidade. Não haverá de minha parte qualquer constrangimento se o CC decidir pela abertura de processo disciplinar contra mim. Apenas me reservarei o direito de denunciar a dupla moral do coletivo dirigente, caso os dois principais responsáveis pelo agravamento da crise interna, cúmplices da mais grave transgressão ao centralismo democrático, às resoluções congressuais e ao próprio CC de que é vítima o PCB desde 1992, não sejam objeto do mesmo procedimento.

Todos os camaradas que mantêm alguma relação comigo sabem que só interajo digitalmente através de e-mail ou do WhatsApp, por onde envio textos meus e de terceiros através de uma lista de transmissão, composta praticamente em sua totalidade por membros do partido, além de alguns poucos simpatizantes de minha absoluta confiança. Não participo de qualquer das chamadas redes sociais nem de portais, páginas, blogs e qualquer tipo de plataforma de comunicação, razão pela qual não tenho noção da repercussão e reprodução de cada postagem minha.

Estou certo de que a repercussão de meu texto “Ainda sobre a Plataforma Mundial Anti-imperialista”, que divulguei no dia 3 de junho passado, acabou sendo proporcional ao tema, o vergonhoso conluio envolvendo dois importantes dirigentes que esconderam durante meses da militância do partido e, ao que tudo indica, até da grande maioria do CC, a sua traição às Resoluções dos nossos Congressos, à própria instância nacional dirigente e, o que é mais lamentável, ao legado da Reconstrução Revolucionária do PCB.

Assumo que resolvi correr o risco de meu referido texto extrapolar as fronteiras do partido quando o silêncio de todas as fontes do CC a respeito completou mais de 50 dias depois de eu divulgar, em 12 de abril, na mesma lista de transmissão, o relato da participação do nosso Secretário Geral no encontro da PMAI em Caracas, no mês anterior – postagem que incluiu o texto que ele apresentou em nome do PCB e sua foto na tribuna do evento. Minha crítica não foi em relação ao partido, pois não foi o seu coletivo nem o CC que desrespeitaram e traíram nossas resoluções congressuais, mas sim os que engendraram essa manobra, por debaixo do pano.

Sempre respeitei rigorosamente o centralismo, inclusive em relação a decisões políticas absurdas que tive que engolir, exceto quando ele, além de não ser democrático, ainda desrespeitava decisões congressuais, como no final dos anos 80 e início dos 90, em que participei publicamente da resistência ao liquidacionismo. Se não fossem a anomalia atual do centralismo, as perseguições e os processos seletivos contra os que divergem, certamente eu não teria arriscado o alcance de minha lista de transmissão.

Some-se a isso o fato de este encontro em Caracas não ter sido o primeiro em que a dupla dirigente participou. Já em novembro de 2022, no encontro da tal PMAI em Belgrado, foi apresentada uma declaração política em nome do PCB. Esta participação já deveria ter sido suficiente para que dois quadros experimentados compreendessem os objetivos daquela plataforma e os percebessem incompatíveis com as resoluções congressuais do partido que dirigem. Como diz o ditado popular, há vezes em que “a emenda é pior que o soneto”

Diante da manobra oportunista em que membros importantes da CPN durante meses ocultaram (creio que até do coletivo desta referida instância) uma mudança radical que promoviam na linha política do partido e sobretudo da impossiblidade de justificá-la com qualquer transcrição que fosse de alguma resolução política coletiva anterior, restou à CPN, talvez por injustificado espírito de corpo, tentar administrar a crise apenas com procedimentos burocráticos e disciplinares.

Em sua circular interna 21/2023, a CPN anuncia à militância que constituiu “uma comissão disciplinar para apurar as exposições públicas de polêmicas internas, bem como críticas públicas de dirigentes e militantes do partido e seus coletivos ao Comitê Central”, sem apresentar qualquer contestação às críticas, sem qualquer justificativa ou autocrítica por, na data da circular, já se contarem mais de sete meses sem que a militância soubesse da participação de seus principais dirigentes em articulação contrária às nossas resoluções e, o que é mais grave, sem indicar que o episódio que deu causa aos problemas seria também objeto de apuração por parte da comissão disciplinar.

Mas é na recente circular interna 22/2023 da CPN que, no afã de tentar corrigir o incorrigível, os seus redatores apelam para a manipulação de fatos e inclusive pelo desrespeito total a partidos comunistas que compõem o campo político do MCI que nossas resoluções congressuais definem como prioritário.

A circular começa com o expediente falacioso de informar que o partido não teria assinado nenhuma das três declarações políticas dos eventos de que participou. No entanto, em todas as declarações da PMAI não há lista de assinantes, mas apenas a referência às organizações presentes, sem indicar em que qualidade, e a transcrição de suas intervenções políticas. Constam sempre também em seus comunicados informações de que as resoluções são aprovadas por consenso. Além do mais, a reiterada participação de um partido nestes eventos significa o endosso às posições da plataforma.

Talvez a própria PMAI não tenha se dado conta de que a linha política do partido é incompatível com seu apoio à Rússia na guerra, aliás, sua razão de ser. Em nenhuma das declarações em nome do PCB nos encontros da plataforma nossa posição foi defendida! Sugiro aos camaradas que passem em revista os textos disponíveis no site da PMAI, porque nem as declarações em nosso nome foram divulgadas internamente ao Partido.

Outra falácia é a afirmação de que o SG do PCB foi ao encontro da PMAI em Caracas como observador, deixando de informar que já tinha participado virtualmente de seu evento anterior em Belgrado, provavelmente à revelia até dos demais membros da CPN, inclusive com leitura de declaração política em nome do partido. Por outro lado, não é costumeiro observadores terem o mesmo direito à palavra concedido aos participantes.

Além disso, a “observação” continuou na terceira participação oficial do PCB, no encontro de Seul, desta vez com a presença do SRI. Segundo a circular, “o informe sobre esta participação no encontro da Plataforma não foi dado na CPN” pelo camarada que nele compareceu, o que me leva à conclusão de que nem o SG o fez, pois naturalmente devia estar acompanhando os desdobramentos, tendo em vista sua estada no evento de Caracas e participação naquele de Belgrado.

Assim sendo, fica claro que provavelmente os membros do CC, cuja maioria recebe mensagens de minha lista de transmissão, tomaram conhecimento do envolvimento do nome do partido na PMAI através de minhas postagens na referida lista a respeito, a primeira em 12 de abril e a segunda em 3 de junho, sendo que nesta última até os demais membros da CPN foram surpreendidos com a notícia da presença do SRI no encontro da PMAI em Seul, que incluiu sua foto na tribuna lendo um pronunciamento atribuído ao PCB. Não se sabe, aparentemente, por quem teria sido redigido e aprovado.

Tanto é assim que a própria circular informa que o ainda SRI, mesmo sabendo que não poderia estar no encontro da PMAI em Seul, por decisão do CC, não só lá esteve presente como não informou à CPN de sua participação, como se vê abaixo (grifo meu): “Na última reunião do pleno do Comitê Central, realizada em abril, ficou decidido que, enquanto não fosse realizada a discussão sobre a Plataforma Anti-Imperialista, agendada então para o próximo pleno, em julho, ficaria suspensa a nossa participação em qualquer evento convocado por esta articulação. O camarada Eduardo Serra informou que haveria um congresso do Partido da Democracia Popular da Coreia e que já estava com as passagens. Foi aprovada no CC a sua presença apenas no Congresso do Partido da Coreia. No entanto, contrariando a decisão do CC, o camarada Eduardo Serra participou do evento da Plataforma Antiimperialista na Coreia do Sul. É preciso esclarecer também que o informe sobre esta participação no encontro da Plataforma não foi dado na CPN”.

Na sequência da passagem acima transcrita, há na circular uma frase que reproduzo em seguida e que envolve questões a serem esclarecidas, entre elas se o SG não sabia da participação do SRI no encontro da PMAI em Seul, se o texto então lido pelo segundo na tribuna deste evento foi escrito apenas por ele e, finalmente se a autocrítica será apenas do SRI e apresentada exclusivamente ao Comitê Central, conforme a transcrição a seguir:

"Nas últimas reuniões da CPN, o camarada Eduardo Serra reconheceu o erro de ter participado do encontro da Plataforma na Coreia do Sul e deverá apresentar sua autocrítica por escrito junto ao Comitê Central."

Vejam nas duas passagens da circular que transcrevo abaixo, o reiterado desrespeito ao pleno do CC. Fica nítido que a circular divulgada a toda a miltância faz a defesa da participação do PCB na PMAI, antes mesmo da reunião do CC que decidirá sobre este assunto! Na primeira delas, além de uma definição polêmica e não consensual entre nós do que é “anti-imperialismo” na atualidade, fica evidente que aqueles que, desde o encontro da PMAI em Belgrado (novembro de 2022), operavam provavelmente à revelia da própria CPN o envolvimento do partido com esse campo político, sabiam que se tratava de uma iniciativa de apoio à intervenção da Rússia na Ucrânia, contrariando frontalmente a Nota Política do CC já aqui mencionada. Senão, vejamos:

“A maior parte das intervenções tinha caráter anti-imperialista, sendo que a maioria dos partidos e organizações presentes apoiam a intervenção da Rússia na Ucrânia...”

Agora reparem a superficialidade da tentativa de considerar como sendo do nosso campo o enigmático Partido Democrático Popular, da Coréia do Sul, que certamente nenhum de nós conhecia, tudo com o objetivo de tentar justificar nosso envolvimento com um campo político internacional antagônico ao que decidimos em nosso XVI Congresso. Bastou que o tal partido declarasse para nosso SG que era marxista-leninista para considerá-lo como tal. Bastava ler alguns de seus poucos textos para perceber que não se trata sequer de um partido reformista, desses que ainda se intitulam comunistas. E este partido não é apenas um dos participantes dos encontros da PMAI, mas o seu principal organizador, dirigente das mesas de seus encontros e, ainda mais grave, o seu único financiador, não se sabe se com finanças próprias ou através de terceiros. Em poucos meses financiou integralmente mais de 20 delegações estrangeiras em 4 encontos em distintas regiões do mundo. Segundo informações fidedignas, no último trimestre de 2022, uma delegação deste PDP fez um giro de contatos com partidos diversos pela América Latina e esteve em Havana durante a realização do Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários (EIPCO), cujo Grupo de Trabalho havia recusado seu pedido formal de participação nestes encontros anuais do Movimento Comunista Internacional (MCI). Vejamos o que diz a circular:

“Edmilson se reuniu ainda com os partidos comunistas da América Latina, com o Polo de Renascimento Comunista Francês e com o Partido da Democracia Popular (PDP) da Coreia do Sul. Nesta última bilateral, eles informaram que eram marxistasleninistas...”

Mas a circular nos reservava uma decepção maior. De forma vergonhosa para o PCB, os seus redatores faltaram com respeito não apenas às resoluções de todos os nossos últimos Congressos, mas aos partidos irmãos com os quais vínhamos construindo um campo político revolucionário no MCI, desde a conclusão do XIII Congresso (2005) até a Conferência Política Nacional de 2016, período em que realizamos 3 Congressos Nacionais e 3 Conferências Políticas Nacionais, encontros nos quais nenhum camarada levantou qualquer divergência em relação à linha política de Relações Internacionais que aplicávamos. Aliás, sempre é bom lembrar, ninguém o fez também no recente XVI Congresso, no final de 2021, em que não houve quem entre os delegados destacasse propostas de redação aprovadas por unanimidade, nos seguintes termos:

“É preciso fortalecer o bloco revolucionário em articulação no interior do movimento comunista internacional, que se reúne anualmente no Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários, assim como contribuir para a construção do polo revolucionário dos Partidos Comunistas da América Latina...” “... o PCB deve privilegiar aproximações e ações políticas com os partidos do bloco revolucionário, que se articulam em espaços como a Iniciativa Comunista Europeia e a Revista Comunista Internacional, preservada a nossa autonomia política”.

A falta de ética e respeito com o próprio PCB atingiu também partidos irmãos que nossos Congressos decidiram privilegiarmos, entre os quais se encontram o KKE (Partido Comunista da Grécia) e o PCTE (Partido Comunista dos Trabalhadores de Espanha), 8 caluniados na circular divulgada em nome da CPN, em que o primeiro é acusado de fomentar divisões nos PCs e o segundo insinuado como “satélite” daquele, como se vê abaixo:

“Chamou atenção o fato de muitos partidos acusarem o KKE de fomentar divisões nos partidos comunistas e citaram os casos do PCPE, do Partido Comunista da Itália e do Polo de Renascimento Comunista Francês...”.

Certamente esqueceram-se os detratores desses partidos que, ainda como SG do PCB, eu estive presente no Congresso do PCPE, em junho de 2016, quando se deu sua cisão, em razão de divergências internas que se haviam tornado inconciliáveis. Para que fique clara mais uma das manobras para promover mudanças nas relações internacionais do PCB sem qualquer debate, envio-lhes em anexo o artigo “Causas de um desfecho inevitável: notas sobre a crise do PCPE”, escrito em 2017 por Raúl Martinez, membro do Burô Político do PCTE. Ainda sobre essa inacreditável circular em nome da CPN, menciono a citação de outra manipulação dos redatores, destinada a passar a impressão de um isolamento político do KKE e do PCM (obviamente no ambiente de partidos reformistas, nacionalistas e burgueses) e aproveitar para mais uma manobra, ao reforçarem a crítica do entendimento da China como país imperialista, tema a respeito do qual nosso XVI Congresso deixa claro que ainda não temos opinião formada. Vejam:

“Muitos dos partidos também apresentaram críticas ao Partido Comunista da Grécia e ao Partido Comunista do México por suas posições em relação ao conflito Rússia-Ucrânia, especialmente no que se refere ao fato de definirem a Rússia e a China como países imperialistas”.

É evidente que a PMAI, no afã de se aliar incondicionalmente à Rússia na guerra interimperialista da Ucrânia e defender a China como socialista, identifica o KKE como o seu principal adversário, tendo em vista as posições antagônicas do partido grego sobre esses dois temas, seus esforços para o reagrupamento revolucionário do MCI e seu prestígio entre comunistas - inclusive no seio de partidos cujas direções a ele se opõem – não principalmente pelo fato de ser o PC que mais elege parlamentares nos países capitalistas, mas por suas posições políticas e sua expressiva inserção no proletariado e nas lutas e organizações sindicais e juvenis. Para poupar os PCs que participam dos EIPCOs de assumirem as críticas ao KKE, a direção da PMAI terceiriza esta tarefa a outras organizações, como é o caso de um certo Partido Comunista Chileno (Ação Proletária), que no portal da plataforma critica o partido grego e defende o governo Maduro e o PSUV, a ponto de assumir a narrativa destes para deslegitimar o PCV e cassar seu registro, nos seguintes termos:

“No PCV (Partido Comunista Venezuelano), as bases opõem-se abertamente à sua liderança. Devido às posições equivocadas do PCV em relação ao governo venezuelano, também perdeu um número significativo de membros. Os membros que deixaram o PCV se juntaram ao PSUV ou outras organizações”.

A circular atribuída à CPN termina com a seguinte frase, em que se conjugam um expediente hábil de inverter o sentido das palavras e uma deslavada mentira:

“A CPN faz questão de afirmar que o PCB não participa nem apoia nenhuma articulação que tenha como objetivo promover a divisão no interior do EIPCO e segue cumprindo o que estabelece as nossas resoluções congressuais sobre o tema”.

De fato, o compromisso assumido pelo SG e o SRI com a PMAI, à revelia do CC e, em alguma medida, da própria CPN, não é para promover a divisão no interior do EIPCO, mas para aprofundar a divisão, no caminho de uma cisão, e integrar o PCB no campo político reformista, liderado nos encontros anuais do MCI pelo Partido Comunista Português (PCP) e o PCdoB, como etapa de um giro à direita com inevitáveis repercussões em nossa estratégia, na tática e nas alianças na política nacional. Esta citada frase final da circular beira o cinismo e dispensa comentários. As manobras para mudar a política de RI começaram em 2017 e são provavelmente uma etapa para mudanças graduais na política nacional!

Não foi por problemas pessoais, camaradas, que na primeira reunião do CC eleito no XVI, realizada no início de dezembro de 2021, eu destaquei, sem êxito, o nome do atual SRI para ser reconduzido à mesma tarefa que vinha exercendo desde que deixei a Secretaria Geral do partido, no final de 2016. Enquanto exerci a SG, não me lembro de ter havido divergências marcantes em relação à nossa então política de RI, cujo Secretário era o nosso camarada atual SG, exceto no auge do prestígio do Syriza, logo após este assumir o governo da Grécia, quando ainda parecia uma força “de esquerda”. Naquela altura, alguns camaradas do CC defendiam nosso afastamento do KKE, tido por eles como sectário, e nossa aproximação com o Syriza. Mas bastaram os primeiros sinais do novo governo social-liberal grego para arrefecer essa polêmica interna.

No entanto, já a partir de 2017, através de expedientes diversos e sem qualquer repercussão prévia e debates no âmbito do CC, gradualmente começou o giro oportunista em questões internacionais, que resultou no retorno do partido como observador aos encontros do Foro de São Paulo, do qual havíamos nos retirado, e culminou na participação nos encontros da PMAI e na adesão à campanha oportunista e reformista contra o campo revolucionário do MCI.

Tudo começou por articulações de um espaço comum com os PCs etapistas do Cone Sul, que produziu notas políticas públicas de apoio entusiástico e acrítico às eleições e aos govenos social-liberais de Cristina Kirchner e Alberto Fernández na Argentina, da Frente Ampla, já em sua fase mais conciliadora no Uruguai, e de Lopez Obrador no México.

Prosseguiu com o boicote ao PCM e a vã tentativa de impedir minha ida a um Seminário Internacional promovido pelo partido mexicano, em dezembro de 2019, cujo tema era o impacto da contrarrevolução na União Soviética no MCI, em que cabia ao PCB o convite para falar sobre a cisão do partido em 1992 e sua Reconstrução Revolucionária.

Basta pesquisar e rever as iniciativas virtuais (“lives”) organizadas pela Secretaria de RI nos últimos tempos para verificar que a grande maioria dos partidos convidados são do campo etapista do MCI. Nelas nossos porta-vozes se associam em respaldo aos partidos convidados, assim como aos governos “progressistas” da América Latina, com pequenas nuances que não desmerecem o que sugerem ser o apoio oficial do PCB.

Até agora, camaradas, em função do tema principal desta carta, tratei basicamente da esfera internacional, que lamentavelmente é subestimada por grande parte de nossa militância por não ter a dimensão de que nosso partido não é apenas nacional, mas sobretudo internacional e internacionalista.

Na história do MCI, muitas vezes as mudanças de rumo na linha política, sejam à esquerda ou à direita, começam por questões e relações internacionais e desembocam nas questões nacionais.

No caso do nosso partido, essa inflexão à direita vem sendo levada a efeito de forma discreta mas gradual, em meio a contradições, contingenciada pela visível emergência de questionamentos a partir nomeadamente de quadros das novas gerações de militantes da UJC, que em breve dirigirão o PCB. Creio que se não fosse essa força política que exige mudanças revolucionárias, essa inflexão ao etapismo que percebo em quadros que hoje ocupam tarefas de proa em nosso partido teria sido mais rápida e profunda.

Algumas dessas críticas já as fiz em três tribunas de debate que apresentei ao XVI Congresso e cujo conhecimento continua proibido ao grosso de nossa militância, assim como as demais tribunas de outros camaradas, a maioria quase absoluta críticas aos indícios desta inflexão à direita.

Nas minhas tribunas (e em toda a minha correspondência interna enquanto fui membro do CC), deixei clara a minha contrariedade por termos passado praticamente todo o mandato do governo anterior priorizando a luta institucional fadada ao fracasso pelo impeachment (Fora Bolsonaro!), enquanto a “boiada” de contrarreformas passava tranquilamente pelo parlamento burguês e pela justiça burguesa.

Quantas vezes chamei atenção ao fato de estarmos lutando contra o “Bobo da Corte” e não contra a Corte, erro alimentado e aproveitado pela burguesia! Quantas vezes internamente me insurgi contra o que chamei de “unidade monogâmica” com o PSOL mesmo já em sua fase degenerativa, que chegou ao ponto de o levar a apoiar Lula já no primeiro turno, a principal e talvez única razão para lançarmos candidatura própria à Presidência da República em 2022, pois a tendência no CC era sem dúvida a de apoio à candidatura do PSOL, fosse qual fosse. Ainda bem que o PSOL rendeu-se a Lula já no primeiro turno, o que nos permitiu uma campanha cujo saldo foi positivo, inclusive pela dedicação e competência não só de muitas de nossas candidaturas, mas da nossa militância aguerrida nas bases.

Mas não posso deixar de registrar algumas vacilações em nossa campanha eleitoral, desde a assinatura da carta dos juristas burgueses da Faculdade de Direito da USP (o que um partido que se diz revolucionário pretende ao assinar um manifesto que considera “intoleráveis a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”?), passando pela defesa da tática de “frente democrática” nos anos 80 feita pela nossa candidata à presidência em entrevista em rede de televisão e as propostas “factíveis” do candidato ao governo do RJ, inclusive a de reforçar a “segurança pública”, com a criação de mais esferas e contingentes policiais.

Esse apoio irrestrito ao candidato do PSOL seria a consequência natural do apoio à candidatura de Guilherme Boulos em 2018, decidido lamentavelmente em uma reunião do CC ainda em março daquele ano, antes mesmo de o próprio PSOL ter lançado sua candidatura e a 7 meses das eleições. Reunião em que me orgulho de ter sido derrotado por defender que era muito cedo para tomar aquela decisão, que pelo menos os CRs deveriam ser consultados e que deveríamos repetir 2010 e 2014, quando tivemos candidatos próprios à Presidência da República. Nesta reunião do CC, cheguei a ser ironizado por nosso SG que, em questão de ordem antes da votação, perguntou se minha proposta era séria e se deveria ir a voto!

Reincidimos neste erro em 2020, quando, com exceção creio de Goiânia, em todas as capitais apoiamos incondicionalmente os candidatos do PSOL a prefeito, a maioria deles com discurso eleitoreiro, demagógico e identitarista. Lamentavelmente, coube ao nosso partido na ocasião apenas o papel de ator coadjuvante do PSOL para promover e ajudar a eleger seus próprios candidatos, não às eleições para prefeito em 2020, mas a deputados estaduais e federais em 2022!

Aliás, no que se refere às questões orgânicas, o CC aprovou em reunião virtual, por grande maioria, contra o meu voto, uma proposta que surgiu do nada, incluída na pauta no momento de sua discussão, estabelecendo uma meta numérica cabalística de chegarmos a 20.000 militantes em poucos anos, sem qualquer estudo prévio nem plano de trabalho.

Somada esta decisão do CC a uma outra, também majoritária, que acabou revogada por conta da resistência que seu informe causou em vários CRs, revela-se a tentativa de substituir na prática nosso consagrado critério de sermos um partido de quadros e militantes para nos transformarmos em um partido de massas e filiados, voltado à luta institucional. A irresponsável decisão depois revogada era uma orientação aos CRs para que registrassem todos os militantes do Estado na justiça eleitoral, com exceção apenas dos que justificassem a impossibilidade de fazê-lo, contrariando as resoluções então vigentes do XV Congresso.

Sobre nossa postura em relação ao governo Lula-Alckmin, creio que já está passando da hora de pautar o debate interno sobre a atual posição de independência política, levando em conta nossa experiência adquirida nos 14 anos anteriores de governos petistas, em grande parte numa correlação de forças muito mais favorável que na atualidade, em todos os aspectos. Recordo que nos colocamos em oposição ao primeiro governo Lula já em 2005, quando este acabara de completar sua primeira metade e antes do escândalo que ficou conhecido como “mensalão” e depois de ele cumprir com a promessa de manter os termos de sua “Carta aos Brasileiros”, que à época traduzimos como Carta aos Banqueiros. É hora também de deixarmos de valorizar mais as críticas ao fascismo e ao neoliberalismo que ao capitalismo.

Como “gato escaldado tem medo de água fria”, sugiro que a militância esteja atenta para evitar que essa tentativa de girar o partido à direita nas relações internacionais (que espero seja derrotada) não repercuta na linha política nacional do PCB, o que significaria na prática aproximação com partidos reformistas e social-liberais, menos “independência política” em relação ao governo Lula-Alckmin e, eventualmente, a tendência a um pragmatismo eleitoral que inclua adesão a federações partidárias e o recurso às chamadas “filiações democráticas” em partidos da ordem, hipóteses que só causarão desgastes e divisões entre nós.

Há entre nós aqueles que ainda não entenderam que só elegeremos parlamentares quando tivermos forte inserção na classe trabalhadora e nos movimentos sindical e popular.

Só o Comitê Central pode superar a crise interna e retomar a Reconstrução Revolucionária do PCB!

Camaradas, quando terminei meu texto “Ainda sobre a Plataforma Mundial Antiimperialista” com a mesma frase que repito no título destas linhas, certamente os leitores perceberam que este apelo é dirigido ao Comitê Central do PCB, que está às vésperas de uma reunião que marcará a história do PCB, sejam quais forem suas decisões. Na realidade, os temas que o conjunto da militância percebe que comporão a pauta desta reunião estão todos entrelaçados: participação na PMAI, processos disciplinares, debates internos e Conferência Política.

Dependendo de suas conclusões, podemos reconstruir uma unidade baseada no respeito às divergências e às decisões majoritárias que prevaleçam de debates democráticos ou pavimentar um caminho de agravamento da crise, com sequelas e consequências algumas previsíveis e outras imprevisíveis.

Espero estar errado, mas nos últimos tempos tenho a impressão de que alguns camaradas do CC se arrependeram da conciliação que suscitaram no XVI e passaram a estimular autoexclusões de militantes ou mesmo uma cisão, com o objetivo de “depurar” o partido para evitar obstáculos na anunciada Conferência Política e desta forma avançar, agora no plano nacional, em uma deriva que considero à direita do que acumulamos a partir de 2005, no XIII Congresso.

Não venho aqui “ensinar padre a rezar missa” e muito menos fazer qualquer exigência ou provocação. Venho apenas fazer um apelo! Permitam-me insistir: antes que seja tarde!

Para que esse apelo seja pelo menos lido e entendido é preciso que se tenha como referência a procura do que seja melhor para o partido e não para um ou outro camarada, um ou outro interesse. E que não se levem em conta naturais simpatias e antipatias pessoais, comuns em toda comunidade.

As propostas que apresento em seguida não são uma receita infalível, mas a provocação de um debate que pode gerar mais e melhores propostas que estas e caminhos para a superação da crise, cujo requisito sine qua non é a abertura imediata de um debate coletivo, maduro e corajoso, condição para que o PCB se reinvente e se reorganize nos princípios do centralismo democrático e nos fundamentos do marxismo-leninismo.

Propostas

Sobre os acontecimentos ligados à PMAI:

  • afastamento do PCB da Plataforma Mundial Antiimperialista, através de nota política pública e autocrítica;
  • cumprimento das resoluções do XVI sobre relações internacionais, retomando sua participação ativa na construção do bloco revolucionário do MCI;
  • substituição do SRI e recomposição da Secretaria respectiva;
  • realização de bilaterais com os partidos criticados na circular atribuída à CPN, para ouvilos sobre as acusações feitas por organizações vinculadas à PMAI e, ao que tudo indica, nos desculparmos.

Sobre os processos disciplinares e o centralismo democrático:

  • suspensão de todos os processos disciplinares, inclusive o que já deveria ter sido aberto contra o SRI (agravado pelo seu desrespeito às decisões do CC) e recomendação ao SG no sentido de que dirija internamente à militância do partido uma franca autocrítica por sua co-responsabilidade no envolvimento e a identificação do partido com a PMAI;
  • estabelecimento de meios legítimos para os debates internos, de modo a pôr fim à instrumentalização das instâncias dirigentes para servir à modificação de resoluções congressuais.

Sobre a Conferência Política anunciada, com etapa final em março de 2024:

  • mudança do caráter e do escopo da Conferência Política Nacional para se transformar no XVII Congresso (Extraordinário) do PCB, mantido o mesmo cronograma anunciado;
  • além dos pontos anunciados como temas da Conferência (conjuntura e programa), incluir os seguintes:
  • atualidade do imperialismo, as guerras imperialistas e o MCI;
  • A caracterização do estado chinês;
  • tendo em vista que o XVI Congresso é recente, sugiro que todas as suas conclusões não desatualizadas pelas mudanças mais acentuadas da conjuntura no Brasil (governo Lula) e no mundo (guerra na Ucrânia) permaneçam como Teses ao XVII e que o CC construa uma Tese atualizando o que for necessário.

Finalmente, em relação à proposta de convocação do XVII Congresso (Extraordinário), lembro que nossos Estatutos sustentam o direito de o CC adotar a alteração sugerida e que a insistência na manutenção de uma Conferência Política neste quadro de crise - a meu ver escalada por desrespeitos a resoluções congressuais que geram desconfianças – não será capaz de dar legitimidade às decisões que esta vier a adotar. Além de uma Conferência não poder promover qualquer alteração na composição do CC, que seria natural na nossa atualidade, suas resoluções não são soberanas e podem ser alteradas pelo CC, conforme dita o artigo 30 de nossos Estatutos:

“As resoluções das Conferências serão submetidas ao referendo do órgão de direção respectivo”.

Respeitosamente, à consideração dos camaradas do Comitê Central.

Guapimirim (RJ), 4 de julho de 2023

Ivan Pinheiro