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Não podemos deixar de observar ainda que, pelo menos 60% dos eleitores aptos a votar no segundo turno das eleições 2018, não escolheram o presidente eleito Jair Bolsonaro. Somando-se os 47.040.859 votos dados ao candidato Haddad com os 42.460.038 eleitores que votaram branco, nulo ou não compareceram às urnas, são cerca de 89,5 milhões de brasileiros que não elegeram o representante da extrema-direita. | Não podemos deixar de observar ainda que, pelo menos 60% dos eleitores aptos a votar no segundo turno das eleições 2018, não escolheram o presidente eleito Jair Bolsonaro. Somando-se os 47.040.859 votos dados ao candidato Haddad com os 42.460.038 eleitores que votaram branco, nulo ou não compareceram às urnas, são cerca de 89,5 milhões de brasileiros que não elegeram o representante da extrema-direita. | ||
== Contradição principal: capital x trabalho == | |||
O capitalismo brasileiro se desenvolve aprofundando a contradição existente entre as classes exploradora e explorada, opressores e oprimidos. A classe exploradora é formada pela burguesia brasileira, associada ao imperialismo, notadamente o norte-americano. Exercem seu poder através da propriedade privada dos monopólios e latifúndios, devidamente protegidos pelo Estado. A classe explorada é composta pela maioria do povo, proletários, trabalhadores urbanos e rurais. | |||
A fim de assegurar a máxima produtividade, a produção encontra-se especializada a partir de segmentos que se ocupam de tarefas delimitadas no processo de produção. A divisão do trabalho vai ficando mais complexa à medida que se desenvolve o processo produtivo. | |||
Como afirma Marx em Formações econômicas pré-capitalistas "através da divisão do trabalho desenvolvem-se mais, dentro dos vários ramos, divisões entre os indivíduos que cooperam em espécies definidas de trabalho". A economia política explica cientificamente que a maior divisão social do trabalho é fruto da maior diversidade de ramos de produção. Assim, o trabalho torna-se, cada vez, mais uma atividade social. | |||
Ocorre que essa divisão social do trabalho em nada altera a natureza privada da apropriação dos seus resultados. Ao mesmo tempo, a acumulação e a concentração, atuando como uma lei sob o modo de produção capitalista, torna a apropriação dos resultados cada vez mais privada; cada vez mais concentrada nas mãos de um punhado de capitalistas bilionários. | |||
Portanto, a contradição fundamental reside no fato de a produção ser cada vez mais social, ao passo que a apropriação é cada vez mais privada. Dito de outro modo: o trabalho encontra-se distribuído e despejado como um fardo sobre as costas de trabalhadores cada vez mais explorados e empobrecidos, enquanto os lucros se concentram cada vez mais nas mãos de uma parcela cada dia menor de bilionários. Daí porque também a classe dos capitalistas e dos trabalhadores são as classes fundamentais da sociedade. | |||
Dados da pesquisa da Oxfam apontam que os 5% mais ricos ficam com a mesma fatia dos outros 95%, confirmando essa tendência. No Brasil, de acordo com o IBGE (dados de 2016), cerca de 890 mil pessoas são consideradas ricas no Brasil, enquanto aproximadamente 45 milhões de brasileiros vivem com um rendimento mensal inferior ao valor de um salário mínimo, além de cerca de 15 milhões de brasileiros vivendo em situação de pobreza extrema. | |||
== Notas == | == Notas == | ||
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Edição das 15h05min de 30 de julho de 2023
Apresentação
A Unidade Popular (UP) surge num momento histórico de complexas e profundas crises e contradições capitalistas e imperialistas, forjando-se como Partido radicalmente defensor do socialismo para lutar contra todas as formas de exploração e opressão, para combater o capitalismo, o imperialismo e construir o poder popular como alternativa para acabar com a fome, o desemprego e a miséria que ameaçam nosso povo.
Nascemos como expressão e produto da luta de classes – desenvolvida nas manifestações populares e jornadas de lutas mais recentes do nosso país; nas ocupações urbanas em defesa da moradia e rurais em defesa da Reforma Agrária; nas greves gerais e parciais em defesa de direitos dos trabalhadores; nos movimentos identitários em defesa das populações vulneráveis e LGBTs; nas pautas de afirmação de direitos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e tradicionais.
Nos legitimamos pela aguerrida campanha que obteve mais de um milhão e duzentas mil assinaturas de apoio e milhares de filiações e que resultaram no 1º Congresso Nacional, etapa fundamental para o processo de registro do Partido junto ao TSE.
Com imensa satisfação, apresentamos para toda a sociedade este documento – Resolução Política do 1º Congresso –, aprovado democraticamente pelos delegados e delegadas eleitos que debateram e enriqueceram as Teses. Foram enviadas propostas feitas pelos diretórios estaduais e filiados (como contribuição ao debate), agora sistematizadas pelo esforço da Comissão Executiva Nacional.
A Resolução Política é o norte e a direção apontada pela UP para orientar sua militância e seus filiados sobre os caminhos táticos e estratégicos da nossa caminhada rumo à conquista do socialismo. Evidentemente, não se trata de um documento acabado, mas sim de um ponto de partida definido no 1º Congresso e isso significa que a caminhada apenas começou e que a aplicação prática e os futuros ajustes e debates teóricos – por parte dos nossos militantes, simpatizantes, aliadas e aliados, de forma franca, democrática e construtiva – tornarão essa nossa bússola, valiosa pelo gigantesco esforço coletivo, ainda mais precisa e mais eficaz para alcançarmos os nossos objetivos: derrubar o capitalismo e implantar o socialismo.
Certamente, novas e mais ricas contribuições, da Direção Nacional aos núcleos de base, passarão em revista os resultados obtidos em face dos planejamentos estratégicos esperados e, assim, continuamente, de forma democrática e construtiva, nosso Partido cumprirá a tarefa histórica para a qual foi concebido: libertar o povo pobre do Brasil da exploração capitalista.
A Direção Nacional foi aclamada pela unanimidade dos delegados presentes e na sua composição observaram-se não só critérios geopolíticos (ter presentes todas as regiões e estados no 1º Congresso) mas, sobretudo, o reconhecimento pela dedicação às lutas sociais do nosso povo nas diversas áreas de atuação: movimentos sociais, sindicais, urbanos e rurais, movimento de mulheres, juventude, indígenas, negros e negras, LGBTs e intelectuais, de maneira que o Partido possa refletir o retrato do povo brasileiro que luta pela liberdade e pelo socialismo, que não aceita a opressão e a exploração capitalista, que combate em defesa dos pobres e para os pobres, até à vitória final.
Nesse sentido, estaremos honrando a memória de combatentes – heroínas e heróis de tantas lutas populares travadas pelos oprimidos do Brasil –, tais como Zumbi dos Palmares, Dandara dos Palmares, Teresa de Benguela, Luisa Mahin, Manoel Lisboa, Manoel Aleixo, Manoel Fiel Filho, Soledad Barret, Anatália Alves, Fernando Santa Cruz, Rui Frazão, Padre Antonio Henrique, Pedro Pomar, Carlos Marighella, David Capistrano, Luiz Maranhão e todos os que vieram antes de nós e nos inspiram a prosseguir na luta por uma pátria livre e socialista.
Viva o 1º Congresso Nacional da UP!
Brasília-DF, agosto de 2019
Diretório Nacional da Unidade Popular (UP)
Formação econômica do Brasil
O território no qual historicamente constituiu-se o Estado Brasileiro foi ocupado há cerca de 12 mil anos. Pesquisas mostram que os primeiros povoadores pré-históricos originaram-se em hordas negroides há milhares de anos.[1]
Ao contrário da ideologia do colonizador, não é fato que os povos originários fossem atrasados, primitivos e sem cultura. Pesquisas arqueológicas constataram, no Parque Xingu, elementos materiais de culturas indígenas de cerca de 1600 anos atrás.
Estima-se que no ano de 1500 os povos originários somavam quase cinco milhões de pessoas que viviam da caça, da pesca e do cultivo, falavam centenas de línguas diferentes e não praticavam a economia de exploração do homem pelo homem. O usufruto das riquezas pertencia a todos os habitantes, em um regime econômico conhecido como comunismo primitivo.
Com a chegada dos invasores portugueses, as terras dos povos originários brasileiros passaram a ser usurpadas, inicialmente, para explorar o pau-brasil e, em seguida, para explorar nossas riquezas minerais, plantar cana-de-açúcar e café e expandir “fronteiras” – o que significava expulsar, escravizar e aniquilar os povos originários e todos aqueles que não se submetessem ao sistema de exploração ditado pela expansão comercial dessa fase da acumulação capitalista. Colaboraram nesse processo de dominação os missionários que aprendiam as línguas e os costumes dos índios e introduziam cânticos e pregações adaptados às línguas tradicionais. Solapava-se a cultura nativa ganhando a confiança. Então, retiravam os povos originários dos lugares tradicionais de moradia, queimavam suas roças e casas, separavam homens e mulheres e levavam-nos para viver junto aos brancos, a quem passavam a servir como escravizados ou semiescravizados. O objetivo dos invasores europeus era expandir o comércio de mercadorias da nascente economia capitalista.
Com o advento da economia de acumulação, marcado pela presença europeia no território, as riquezas naturais existentes e as produzidas pelo homem deixaram de ser propriedade coletiva e passaram a ser propriedade da Coroa Portuguesa ou das Companhias Comerciais a soldo de holandeses, franceses e outros interessados no lucro do pau-brasil, das peles, da prata, do ouro e de outros metais preciosos, então abundantes.
No sentido de garantir o seu domínio contra a “concorrência”, ao longo do século XVI a Coroa Lusitana cria o sistema de Capitanias Hereditárias e dá concessões de direitos reais sobre vastas extensões de terras brasileiras a representantes das classes privilegiadas, nobres, comerciantes e militares portugueses, em troca da lealdade vassala e do pagamento de impostos à Coroa.
No contexto das Capitanias inicia-se a plantação de cana e a produção de açúcar para exportação utilizando mão de obra dos povos originários, que resistiram e não produziram o suficiente para garantir o pacto colonial. Dessa forma, os investidores de Portugal e a Coroa buscaram alternativas mais lucrativas que amarrassem o controle da metrópole sobre a colônia. Assim, se deu início em 1559 ao tráfico dos povos africanos que foram brutalmente arrancados de suas terras e culturas e vendidos como mercadoria para a colonização portuguesa no Brasil.
Entre 1600 a 1850, cerca de 7,5 milhões de homens e mulheres são trazidos forçadamente da África para o Brasil. O tráfico negreiro – uma grande fonte de mão de obra – caracterizava-se também por gerar altos lucros aos traficantes, que partilhavam os lucros com a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica. Eram homens e mulheres livres que após serem caçados ou comprados eram vendidos e trocados nos mercados, transformados literalmente em mercadoria.
Marcados a ferro e fogo como bois, negros e negras escravizados trabalhavam em condições desumanas e tinham curtíssima expectativa de “vida laboral” – de sete a dez anos. Os sobreviventes, envelhecidos ou mutilados, quando não conseguiam mais trabalhar eram lançados à mendicância ou simplesmente assassinados – não era crime matar uma pessoa escravizada. Aos insurgentes e desobedientes davam-se castigos, torturas físicas e mortes cruéis no tronco às chicotadas, nos garroteamentos e enforcamentos, imobilizações e emparedamentos.
A partir do século XVII, buscando consolidar o domínio português, [6] aprisionar indígenas, destruir quilombos e descobrir novas riquezas, expedições são enviadas para o interior de nosso território. Aí são encontrados metais preciosos em larga escala e, a partir de então, a mineração passa a fazer parte da formação econômica de nosso país e influí diretamente no aumento de nossa população. Esta economia passa a ser sustentada por uma gigantesca massa de escravos. Estes passam pelos trabalhos mais duros, principalmente quando o ouro no leito dos rios ficou escasso e passou a ser buscado em galerias subterrâneas. Acidentes nas minas eram constantes e proliferavam-se doenças entre os escravos; nestas condições, sua vida útil variava entre 7 e 12 anos.
Com todo este processo aprofundou-se o saque de nossas riquezas nacionais e milhões de toneladas de ouro, prata e diamantes foram levados para terras europeias. A mineração, como foi estabelecida em nosso país, também contribuiu para o aprofundamento de nossa economia dependente e acabou mantendo suas bases até os dias atuais.
Se nos séculos XVI a XVIII a economia brasileira era, essencialmente, geradora de produtos primários para abastecer demandas de uma Europa de economia capitalista, já naquelas alturas, nos primórdios do século XIX, o perfil econômico sofreu modificações relevantes por razões alheias à vontade dos colonizadores.
Em 1808, fugindo do exército francês que invadiu Portugal, D. João VI, a Corte e a parte endinheirada da nascente burguesia portuguesa abandonam seu país para refugiar-se no Brasil. Em virtude da transferência da sede da Coroa Portuguesa para o Brasil e pelo temor da referência da revolução haitiana, em 1804, foi criada a polícia militar na então província do Rio de Janeiro para sufocar qualquer possível insurreição dos negros escravizados.
A vinda da Coroa Portuguesa e seus tesouros gerou efetivamente uma concentração imediata de riqueza. Mas esse capital não poderia estar imobilizado, de maneira que D. João VI foi obrigado a fazer investimentos, criar bancos, abrir escolas, permitir a liberdade de comércio, inclusive, abrindo os portos brasileiros às empresas inglesas e de outros países. Dessa forma, o Banco do Brasil foi criado para recolher o dinheiro dos impostos pagos pelo povo e, com essas medidas, deram-se os primeiros passos da constituição da economia mercantil capitalista no Brasil.
No século XIX, ressalta-se entre as mudanças da economia brasileira a passagem do café como o mais importante produto de exportação e o Nordeste deixando de ser a principal região econômica, assumindo seu lugar o Centro-Sul, a partir da grande produção cafeeira.
Note-se a prevalência dos interesses das classes dominantes da economia na direção política do país, praticamente sem mediação, apesar das inúmeras lutas dos povos tradicionais contra os invasores lusitanos, dos negros contra a escravidão e dos proletários contra a exploração capitalista. A classe burguesa no Brasil é particularmente reacionária, atrasada e corrompida, antinacional e antipopular, associada aos grandes capitalistas estrangeiros no assalto às riquezas da nação e exploração do povo desde seu início.
Ainda no século XIX a economia mundial crescia e demandava por mais produtos, sendo preciso desenvolver a produção dos países da periferia do sistema capitalista mundial. Isso só seria possível com a formação de mercados internos e a existência de trabalhadores livres, nunca escravizados, necessitando vender sua força de trabalho para sobreviver. Além disso, a Revolução do Haiti (1791-1804) e as revoltas organizadas por e com escravizados – a exemplo da Revolta dos Malês (1835) – foram alvos de grande preocupação da elite branca brasileira. A solução para o projeto de nação brasileira foi o projeto imigracionista, que “diluiria” o perigo negro da sociedade tornando-a “civilizável”.
Assim, em 1850, para atrair mão de obra para o país, implantou-se a lei da propriedade privada da terra em substituição ao sistema de concessão pela Coroa. Isso fez com que camponeses pobres da Europa principalmente da Itália, Portugal e Alemanha – diante da possibilidade de terem acesso a uma terra fértil, imigrassem para o Brasil nas décadas seguintes. Porém, aqui chegando, viram que a história era outra: a terra pertencia a uma minoria de ricos fazendeiros e os trabalhadores imigrantes só poderiam se alimentar se vendessem sua força de trabalho aos donos das fazendas, isto é, se trabalhassem em troca de um salário.
Em 1888, após diversas rebeliões, a abolição da escravatura foi instituída sem ser acompanhada por nenhuma garantia de direitos. Daí que os reflexos da escravidão continuaram (e continuam) sendo sentidos pela população negra que teve negado o direito à terra. Foi negado também o direito à educação e à saúde e os “cidadãos negros” não tiveram acesso à maior parte dos empregos gerados com o fim da escravidão, com as classes dominantes preferindo trazer mão de obra estrangeira a contratar a recém-formada classe operária, constituída quase exclusivamente por negros e negras. Desta forma, continuou pesando sobre a população negra os trabalhos mais precarizados da sociedade e a dura repressão dos órgãos policiais, sendo, desde este período, a maioria da população carcerária no Brasil. Ao contrário de ser abolido, o racismo estrutural continuou e se ampliou após a abolição formal da escravatura.
Com os lucros obtidos com as exportações, principalmente a comercialização do café, os cafeicultores capitalistas estrangeiros começaram a realizar investimentos na instalação de fábricas visando a atender às necessidades do mercado exterior e do mercado interno, que crescia com a adoção do trabalho assalariado.
O número de indústrias saltou de 200, em 1881, para mais de 600, em 1889, e o número de trabalhadores da indústria passou de 3 mil, em 1881, para 54 mil, em 1890. O avanço do capitalismo foi, assim, uma excelente oportunidade para os empresários agrícolas aumentarem suas fortunas. Entretanto, esse capitalismo não tinha o mesmo grau de desenvolvimento dos países mais avançados ou dominantes, como Inglaterra, Estados Unidos, França e Alemanha.
O golpe republicano que decretou o fim da monarquia em 15 de novembro de 1889 mudou a forma de governo sem alterar, de fato, a estrutura das classes no Brasil que continuou dominado por latifundiários e pela nascente burguesia nacional - essa dependente e associada ao capital estrangeiro.
O século XIX terminou com uma incipiente economia capitalista que tinha como objetivo gerar lucros principalmente por meio da exportação de matérias-primas, em particular o café e o açúcar, e importando a maioria dos produtos que consumia. A ênfase na exportação era tão grande que o Brasil importava 30% dos alimentos consumidos. Entre 1889 e 1907, o número de fábricas existentes passou de 600 para 3.258 (30% delas no Rio de Janeiro). Ainda em 1907 o número de operários chegou a 150 mil entre operários da indústria e da construção civil, ferroviários (trens), sapateiros, etc. Como assinala Celso Furtado em sua obra Formação Econômica do Brasil, o trabalho assalariado foi o “fato de maior relevância ocorrido na economia brasileira no último quartel do século XIX”.
O nascimento da classe operária acompanhou a modificação do modo de produção, que a faz ser a nova classe dos explorados e oprimidos, também com potencial para realizar a sua tarefa de libertação por meio de lutas e da tarefa histórica de derrubar o domínio capitalista da burguesia e implantar o poder dos trabalhadores: a sociedade socialista.
São Paulo tornou-se o maior centro industrial do País em 1920, com 40% da produção, e o Rio de Janeiro detinha 30%. A maioria dessas indústrias era têxtil e alimentícia e o número total de operários era de 275 mil. Vale dizer que o estado brasileiro usava os recursos dos impostos para desenvolver a infraestrutura e financiar os capitalistas na instalação de suas empresas.
A população brasileira era de 20 milhões e 64% deste total vivia no campo. Nas primeiras três décadas do século XX várias crises econômicas e políticas sacudiram o Brasil. Com a influência da Revolução Socialista Russa de 1917, liderada pelo Partido Comunista Bolchevique, o movimento operário brasileiro teve um grande impulso. Várias greves foram organizadas e foram fundados sindicatos mais fortes e organizados.
Na década de 1930 a economia brasileira é controlada pela nascente burguesia nacional, por grandes proprietários rurais e pelo capital estrangeiro, que, em busca de aumentar seus lucros, instalava aqui filiais de suas indústrias, seja para explorar o mercado interno e a mão de obra barata, seja para exportar os produtos aqui fabricados para seus países.
Essas classes eram proprietárias das indústrias e da terra, enfim, dos meios de produção existentes no Brasil. Mas, além de investir na indústria, o capital foi também para o campo, com o objetivo de dominar a agricultura, avançando o trabalho assalariado e fazendo nascer o proletariado rural.
O capitalismo se desenvolveu no Brasil com a burguesia nacional subordinada e associada ao capital estrangeiro, que, já nesse período, controlava importantes setores da economia nacional como as finanças (bancos), bens de capital, alimentos, vestuário, calçados, material elétrico, químico-farmacêutico, etc.
No Estado Novo (1937-1945) investiu-se forte para desenvolver o capitalismo no Brasil: a indústria cresceu e os produtos têxteis passaram a ocupar a segunda posição nas exportações, atrás apenas do café. As relações de produção capitalistas se tornam as dominantes na sociedade brasileira, inclusive no campo. Vale destacar que esse desenvolvimento do capitalismo no Brasil ocorre em meio a grandes crises econômicas mundiais e de disputas entre as potências imperialistas por mercados e para se apropriarem das riquezas dos povos menos desenvolvidos economicamente.
Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, no período de 1943 a 1951, o custo de vida em São Paulo aumentou cerca de 100% enquanto o salário mínimo apenas 14%. Greves, reivindicações e protestos levaram o presidente Getúlio Vargas a limitar a remessa de lucros para o exterior, a criar a Eletrobrás e a nomear João Goulart como ministro do trabalho.
Na década de 1950 o Estado brasileiro apoiou grandes indústrias estrangeiras a instalarem fábricas no Brasil - particularmente as multinacionais de automóveis - construiu novas rodovias, expandiu a indústria de aço e as usinas hidrelétricas e ampliou a infraestrutura. A tão decantada política desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek, na verdade, expressava os interesses do grande capital brasileiro e internacional, particularmente deste último, dando ênfase à indústria automobilística, concentrando capital na região Centro-Sul e aprofundando as desigualdades regionais, além de deixar a economia ainda mais dependente de tecnologia estrangeira.
Na agricultura os latifundiários receberam enorme financiamento público para formar grandes empresas agrícolas e assentar as bases do agronegócio. O valor da produção industrial superou o valor da produção agrícola e a classe operária teve um enorme crescimento. Esse período se caracterizou por uma ampliação do mercado interno e pela implantação de grandes corporações estrangeiras no Brasil, mas também de grandes empresas nacionais privadas, mistas ou estatais.
O golpe militar de 1964 aprofundou a concentração de renda no país e a dependência externa, alienando a soberania nacional e aviltando as condições de vida do nosso povo. O Brasil se torna um dos campeões mundiais de concentração de renda e de desigualdades sociais. Grandes monopólios estrangeiros e nacionais passaram a dominar os mais importantes setores da economia e a dependência externa do Brasil se agravou. Para se ter uma ideia, os salários foram reduzidos pela metade entre 1964 e 1983, segundo dados da Ordem dos Economistas de São Paulo.
O desemprego teve um salto gigantesco e o mesmo ocorreu com o subemprego. Como resultado, o país chegou a 1984 com 25 milhões de menores carentes e abandonados. A dívida externa brasileira que era de US$ 3,2 bilhões, em 10 de abril de 1964, passou para US$ 100 bilhões, em 1984 – um crescimento de mais de 3.000%. Vale lembrar que a dívida externa beneficiou apenas as grandes famílias capitalistas (usineiros, banqueiros e grandes empresários), que receberam esses empréstimos para crescer suas riquezas e aumentar a espoliação do país e do povo. Mais, estes contratos foram autorizados por “decretos sigilosos”, isto é, foi um endividamento rigorosamente clandestino e completamente ilegal, com o Brasil chegando a aceitar a imposição de que os assuntos da dívida fossem julgados nos foros de Londres e Nova York.
Na agricultura o modelo voltado para a exportação foi aprofundado com o incentivo à formação de grandes empresas privadas e de concentração fundiária. De um lado, aumenta o número de grandes empresas no campo e, do outro, o êxodo rural com milhares de famílias camponesas sendo expulsas de suas terras e indo para as grandes cidades em busca de trabalho.
Do escravismo colonial aos dias correntes a história registra a brutal exploração de indígenas, negros, colonos e trabalhadores, a depredação do ecossistema, a dilapidação dos recursos naturais, a usurpação de terras – concentradas em poucas mãos – com vultosas transferências de excedentes para o exterior em detrimento e com o sangue da maioria do povo brasileiro. Hoje temos a forma monopolista financeira, industrial, agrária e midiática mantendo, todavia, o caráter fundamental de articulação e dependência das potências capitalistas, em especial do imperialismo norte-americano.
A consolidação do capitalismo no Brasil não impediu que sofrêssemos as consequências, até hoje, de mais de três séculos do escravismo colonial nos campos e grandes centros urbanos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que levaram à consolidação de uma classe dominante que concentra um grau de riqueza extraordinário, além de socialmente branca, formada em sua maioria por homens com caráter extremamente racista e patriarcal.
Em 2017 o FMI classificou o Brasil como a oitava maior economia do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) superando a casa dos US$ 2 trilhões – a segunda economia da América, atrás apenas dos Estados Unidos da América (EUA). O corpo da economia brasileira tem o seu rosto no estado da burguesia exploradora e concentradora de riquezas.
Por um lado, o país dispõe de setores desenvolvidos e tecnologias avançadas, como a construção de submarinos, aeronaves (a Embraer é a terceira do mundo), pesquisas espaciais e lançamentos de satélites (participou da construção da Estação Espacial Internacional, sendo posteriormente excluído do programa por não cumprir acordos e não realizar pagamentos necessários). Além disso, o Brasil tem pioneirismo na extração de petróleo em plataformas submarinas profundas, como no caso do Pré-Sal, desenvolvido pela empresa nacional Petrobras, e no desenvolvimento do biocombustível e do etanol extraído de fontes renováveis (biomassa e cana-de-açúcar). De fato, o Brasil é um país rico em recursos naturais e centro de atenção de exploradores e especuladores, com uma população ultrapassando os 207 milhões de habitantes, tornando-se um dos 10 maiores mercados do mundo. Produzimos anualmente 35 milhões de toneladas de aço, 26 milhões de toneladas de cimento, com capacidade de produção, somente na camada do Pré-Sal, de mais de 1,5 milhões de barris de petróleo por dia.
Toda essa riqueza, no entanto, só pertence ao povo e à nação na retórica ideológica da burguesia. O Brasil é o 8º país do mundo em número de bilionários (Forbes), mas, quando se mede a pobreza da população, nos igualamos aos países mais pobres da Terra. São 50 milhões de pessoas pobres (25,4% da população) com renda familiar equivalente a US$ 5,5 por dia (IBGE, 2017), problema mais acentuado no Nordeste com 43,5% e menor no Sul (12,3%), colocando o país em paridade com Guatemala, Honduras, Haiti e Zimbábue. Desigualdades regionais, sociais e de gênero, com mulheres ganhando rendas inferiores aos homens, agravam esta situação. Mulheres e negros são as parcelas atingidas diretamente pelo machismo e o racismo estrutural característicos em nosso país, sendo os que mais sofrem com o desemprego e subempregos.
Na área rural, a monopolização da terra e o latifúndio geram a fome, o desemprego e a miséria. E essa realidade no campo parece piorar com aprovações de leis que criminalizam os movimentos sociais, aumentando ainda mais o assassinato de lideranças rurais e povos tradicionais.
No estágio atual do capitalismo no Brasil (2018), o setor de serviços representa 72,5% do PIB, a indústria alcançou 20,8% e a agricultura 6,7%. Essa base econômica define o perfil material das classes sociais e as mudanças da sociedade brasileira, com mais de 86% da população vivendo nas áreas urbanas. A burguesia utiliza padrões de consumo de mercadoria e de rendimento para definir estratos sociais, os quais chama de “classes” (quais sejam: A, B, C, D), a fim de mapear áreas de interesses específicos da circulação de mercadorias e de obtenção de lucro; ademais de tentar ocultar as contradições de classes que decorrem efetivamente do lugar ou campo das classes na produção capitalista: se proprietária dos meios de produção ou se dona apenas da força de trabalho para ser alienada no mercado e na produção acumulada, privadamente, pelos capitalistas.
O capitalismo monopolista industrial e bancário passa a exercer pleno controle do estado e de sua política econômica.
O estudo da formação econômica do Brasil e a compreensão do grau de desenvolvimento das forças produtivas revelam que as condições objetivas para solucionar problemas fundamentais do interesse da nação, em especial do seu povo pobre, estão devidamente amadurecidas. Dito de outra forma, as condições para a implantação do socialismo estão bem maduras em nosso país.
O desenvolvimento do capitalismo no Brasil nos fez um país com capacidade para explorar nossas riquezas naturais (sejam minérios ou combustíveis fósseis), ter condições de prover a indústria, a agricultura e o comércio da infraestrutura necessária para produzir e escoar a produção, além de a nossa integridade territorial nos permitir uma capacidade produtiva de gêneros alimentícios capazes de assegurar a segurança alimentar de toda a população.
De fato, atuando a serviço dos interesses imperialistas, a nossa economia tem sido constantemente alvo dos ataques que visam desmontar nossa capacidade produtiva, seja por meio da privatização, seja pelo entrave ao desenvolvimento de tecnologias nacionais.
Mas a história das grandes revoluções aponta que, para serem exitosas, além de contarem com condições objetivas, necessitam reunir as devidas condições subjetivas, ou seja, conquistar a consciência dos oprimidos para o desafio de romper suas correntes de escravizados.
A formação econômica e a construção histórica deste imenso país chamado Brasil põem em evidência uma verdade: a existência das condições objetivas está dada, mas nos faltam as condições subjetivas para tirar o país da crise. Ou seja, a condição que o povo – em especial a maioria da classe trabalhadora, o movimento popular e as organizações revolucionárias – tenha a devida organização e força para implementar as transformações estruturais e econômicas.
O sistema ao qual cabe substituir o capitalismo em nosso país chamamos de socialismo. Um sistema que desmontará o atual estado, passará sua direção aos conselhos populares formados por milhões e milhões de trabalhadores e trabalhadoras pelos quais se implantará uma verdadeira democracia popular. Neste poder, o qual chamamos Poder Popular, os pobres, trabalhadores e trabalhadoras governarão e manterão o controle sobre as terras, os bancos, as indústrias e as riquezas naturais e, ao invés de estas riquezas servirem para enriquecer cada dia mais um punhado de ricaços capitalistas, serão utilizadas para solucionar todos os problemas sociais que
existem em nosso país. E não é demais dizer que o socialismo nunca sequer foi tentado em nosso país.
Eis o imenso desafio materializado na tarefa de construirmos um gigantesco e forte partido para o combate: a Unidade Popular!
As lutas sociais no Brasil
Desde a invasão do Brasil, há inúmeros registros de lutas memoráveis e gloriosas contra os ataques dos exploradores. Neste sentido, vale ressaltar a experiência da República Guarani e sua brava resistência de dois anos, liderada por Sepé Tiaraju, até ser dizimada em 1756 por portugueses e espanhóis unidos no massacre de 2.500 pessoas.
Dentre outras páginas heroicas, registre-se a Confederação dos Tamoios, que lutou contra os portugueses de 1554 a 1567, sob a liderança dos Tupinambás e Goitacases, outras tribos se juntaram no litoral norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro nesta luta de resistência. A cidade do Rio de Janeiro foi criada para servir de base às operações dos portugueses contra os confederados que contaram com o apoio dos franceses, os quais pretendiam tomar o lugar dos portugueses na região. A guerra terminou em 1567 com a morte, em combate, do grande guerreiro tupinambá Aimberê.
Nesse período, tem início o tráfico dos povos africanos, e, apesar do recuo da escravização dos povos originários, o extermínio continuou. Os povos originários foram vitimados por três tipos de violência: militar (ataques por armas); econômica (destruição do sistema comunitário e escravização) e cultural (imposição da religião, da língua e dos costumes europeus). Além disso, sofreram com a propagação de epidemias trazidas pelos colonizadores. Com armamento muito superior, os colonizadores promoveram um dos maiores genocídios da história da humanidade. Milhões de pessoas foram mortas, ao ponto de, no início do século XX, restarem apenas 350 mil remanescentes.
Em relação às lutas de libertação dos negros escravizados oriundos da África, estes jamais aceitaram docilmente o brutal regime de escravidão a que eram submetidos pela força das armas. Desenvolveram estratégias de resistência diferenciadas que foram desde ações de boicote e prejuízos econômicos em equipamentos da produção, queima de plantações, entre outras, até formas mais elevadas de luta nas várias revoltas e insurreições, fugas em grupos para locais de difícil acesso e a formação das comunidades livres: os quilombos.
Em Minas Gerais, o Quilombo de Campo Grande, por volta de 1741, ia do Triângulo Mineiro, passando pelo Sul e Sudoeste de Minas, até as áreas do nordeste do Estado de São Paulo. Foi o maior em extensão territorial. Palmares (1630-1695), o maior quilombo que já existiu em população em nosso país, chegou a representar uma ameaça ao domínio de Portugal, pois reuniu 30 mil habitantes, praticamente esvaziando as fazendas da Província de Pernambuco, ocupando território que hoje pertence a dois estados: Pernambuco e Alagoas. Quando de sua derrota, o Governo Colonial proclamou que havia destruído "a maior ameaça à civilização do Brasil". Houve milhares de pequenos e médios quilombos pelo país inteiro. De 1711 a 1798, o território das Minas Gerais abrigou pelo menos 127 refúgios de ex-escravizados, muitos destruídos e reconstruídos continuamente.
Os escravizados também participaram de centenas de insurreições armadas. Dentre elas, destacamos a Conjuração dos Alfaiates (Bahia, 1798); a insurreição negra liderada pelo preto Cosme Bento das Chagas durante a Balaiada (Maranhão, 1838-1841); Revolta dos Malês (Salvador, 1835); e a luta em defesa do Quilombo de Carucango, nos primeiros anos do século XIX.
A política da escravidão durante o Império garantiu lucros fabulosos aos traficantes, aos Estados Unidos (principal mercado do café brasileiro) e aos cafeicultores, permitindo a acumulação de capital privado e do estado em formação no Brasil que acumulava divisas. Tamanhas contradições e tensões provocadas a partir da instituição da escravidão negra na sociedade brasileira em formação geraram a contradição fundamental do período escravista: a luta entre os senhores e os escravizados; as demais contradições são decorrentes desta, como afirmava o sociólogo Clóvis Moura.
Seguiram-se revoltas como a Cabanagem, a Balaiada, a Farroupilha – com destaque para a luta dos Lanceiros Negros por sua liberdade –, a Batalha de Jenipapo, todas demonstrando a disposição de luta do povo brasileiro. A opressão da Coroa Portuguesa provocava a insatisfação e o desejo de mudança no povo. Neste processo, surgem revoltas como a Conjuração Mineira – movimento que, em 1789, lutou contra os altos impostos cobrados por Portugal e por uma república democrática e independente, onde se destacou o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Preso, teve seu corpo esquartejado e sua cabeça exposta na cidade de Vila Rica por ordem do rei.
Em 1798, inspirados pelos mesmos ideais da Revolução Francesa (1789) e insatisfeitos com a carestia e a opressão colonial, rebeldes populares se organizam em Salvador, Bahia, para lutar pela República, por melhores salários e pela abolição da escravidão. Manuel Faustino dos Santos, líder do movimento, e mais três rebeldes foram condenados à morte. Também nesse século, Joaquim do Amor Divino Rabelo (o Frei Caneca), importante herói brasileiro, liderou três mil revolucionários na Revolução Pernambucana de 1817, durante a qual foi instalado um governo revolucionário que durou 75 dias.
Após sair da prisão, em 1824, Frei Caneca organizou a Confederação do Equador. Esta revolta foi violentamente reprimida pelo imperador Dom Pedro I. Por decisão do rei, Frei Caneca foi fuzilado em praça pública em 13 de janeiro de 1825.
Como vemos, ao longo de toda a duração do Brasil Colônia foram realizadas centenas de insurreições e revoltas populares, grande parte protagonizadas pelos negros e negras, desmentindo a tese da convivência pacífica entre o povo e a burguesia. As classes dominantes do Brasil, para garantir seus interesses econômicos e privilégios e defender seu regime econômico, sempre agiram com brutalidade contra todos aqueles que se levantaram por um Brasil soberano, livre e justo.
Em 7 de setembro de 1822 ocorreu formalmente a Independência do Brasil. Sendo, na verdade, fruto de um acordo entre os poderosos e as elites locais que assumiram as dívidas do governo português com os bancos ingleses em troca do reconhecimento e de maior liberdade comercial para os grandes latifundiários e exportadores de produtos primários.
O caráter elitista, excludente e autoritário do estado brasileiro – herdado do escravismo colonial – conservou essa essência em nosso processo de desenvolvimento do capitalismo tardio e politicamente precário, com mudanças superficiais, sem transformações profundas a favor da maioria do povo. Desta forma, a camada burguesa dirigente autoritária praticamente não conhece freios aos seus intentos exploradores e dominadores.
Nesse processo, apesar das grandes lutas, insurreições e revoltas, todos os marcos emblemáticos de "mudanças" da vida política nacional foram decididos pela elite brasileira mediante golpes e sufocando, com muita violência, o protagonismo das massas populares, seja a Independência, em 1822, ou o golpe militar da Proclamação da República, em 1889.
Nas primeiras décadas do século XX ocorreram um grande número de lutas da nascente classe operária brasileira. Em 1906, realizou-se no Rio de Janeiro o "I Congresso Operário Brasileiro", no qual se debatiam duas tendências – a hegemônica anarco-sindicalista e a socialista, de viés reformista. Segue-se a criação da Confederação Operária Brasileira (COB), em 1908, e os II e III Congressos Operários, em 1913 e 1920.
Entre 1917 e 1920, foi intensa a agitação social e ocorreram inúmeras greves, inclusive a Greve Geral de 1919. Sob a direção de tendências anarquistas, as conquistas do movimento não ganhavam a consistência necessária, dispersaram-se e muitas não foram mantidas.
Sob os ecos da Revolução Socialista na Rússia, a vanguarda mais avançada desse movimento funda o Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922, e coloca a classe operária no cenário da disputa política do poder do estado. Os comunistas travam intensas disputas com anarquistas entre 1920-30, conquistam a hegemonia e passam a ser a referência da classe operária atuando na transformação dos sindicatos em órgãos unitários e de massa.
No ano de 1927, os comunistas fundam a Federação Sindical do Rio de Janeiro e aprovam a criação da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), que é fundada no ano seguinte. Minervino de Oliveira, operário comunista, negro e dirigente da CGT, é eleito vereador do Rio de Janeiro pelo PCB, sob a legenda do Bloco Operário e Camponês.
Na década de 1930, ante as vacilações e limitações do governo da "Aliança de Vargas", das ações manipuladoras do movimento sindical e operário pelo governo, o PCB intensifica a luta, dirige diversas greves que se multiplicam pelo país e passa a defender a atuação nas "oposições sindicais" contra o sindicato chapa branca de pelegos ligados aos patrões e controlados pelo governo. O ano de 1935 é particularmente agitado, cria-se a Central Sindical Unitária Brasileira (CSUB) e a Aliança Nacional Libertadora (ANL).
A ANL se transforma em grande frente antifascista e nacionalista. É o ano da primeira tentativa orgânica de revolução socialista no Brasil, nitidamente classista, com programa definido, partido dirigente, referenciada pela III Internacional sediada em Moscou e liderada pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes. Esta revolução eclode em vários estados do Brasil, principalmente no Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de Janeiro – então Distrito Federal. No RN, a revolução põe o governador para correr e prende diversas autoridades, proclama em praça pública a Junta Governativa Revolucionária que coloca, pela primeira vez nas Américas, um operário, o sapateiro José Praxedes, no poder.
Nos três dias de governo, os comunistas adotam medidas populares como gratuidade do transporte de bondes, baixa do preço do pão e editam o Jornal A Liberdade, cujo editorial é o manifesto com o programa da Aliança Nacional Libertadora. Ressalte-se que foram formadas três colunas do exército revolucionário enviadas ao interior do Estado, as quais destituíram com pouquíssimas resistências os prefeitos de 2/3 das cidades do Rio Grande do Norte, prenderam juízes, promotores e elegeram governos locais entre os opositores do regime de opressão. Em seguida, a revolução comunista de 1935 eclode em Pernambuco, com destaque para a brava atuação de Gregório Bezerra, que toma o Quartel General, o 29º Batalhão de Caçadores e realiza a heroica resistência contra tropas de três estados na "Guerra do Largo da Paz".
O capítulo seguinte da revolução, no Rio de Janeiro – onde estava o comando geral revolucionário –, levantou o 3º Regimento de Infantaria da Praia Vermelha, com destaque para a atuação do capitão comunista Agildo Barata e a Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos.
Acontecimento histórico de maior importância de todas as lutas populares e democráticas, a revolução de 1935 é desprezada e caluniada em face do visceral anticomunismo das classes dominantes no Brasil. Depois que foi sufocada pelas forças reacionárias, o país mergulhou no terrorismo de estado com tribunais de exceção, sequestros, assassinatos, torturas e banimentos – culminando no emblemático caso da comunista Olga Benario, de origem judaico-alemã, que foi entregue grávida pelo governo assassino de Vargas aos nazistas e lá foi executada num campo de concentração. Além de Olga, a repressão do estado prende como resposta mais de seis mil pessoas, entre elas outros líderes da insurreição: Luiz Carlos Prestes, Rodolfo Ghioldi, Arthur Ernest Ewert, Ranieri Gonzales e outros militantes ligados ao Comitê Executivo da Internacional Comunista (CEIC).
O Governo Vargas caminhava, a passos largos, para o autoritarismo com viés fascista que alcançaria durante o Estado Novo (1937-1945), com enorme repressão aos comunistas e à classe operária, censura, fechamento de jornais e suspensão das eleições.
Com a instalação do Estado Novo (a ditadura de Getúlio), os sindicatos combativos sofrem intervenção e desencadeia-se a forte repressão policial, ocorrendo refluxo no movimento de massas. No entanto, o Brasil declara guerra contra a Alemanha nazista – o parceiro em ações repressivas do governo – saindo da “neutralidade” comandada pelo ditador Vargas por força do clamor e do movimento da sociedade, que exigia a deflagração inevitável depois do torpedeamento de navios mercantes brasileiros em mar territorial do Brasil. Cria-se a Força Expedicionária Brasileira.
Nos estertores da Guerra, em 1944, o movimento operário começa sua retomada, com lideranças autênticas conquistando sindicatos e retirando os pelegos que foram colocados pelo Estado Novo. Neste sentido, em 1946, cria-se o Movimento Unificado dos Trabalhadores (MUT) – organização de sindicatos de diversas categorias – proibido por lei e classificado como “subversivo” pela imprensa burguesa. Neste mesmo ano realiza-se, no Rio de Janeiro, um Congresso Sindical de Trabalhadores que conta com 2.400 delegados de vários estados, do qual resulta a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), com destacada participação do comunista Roberto Morena.
Durante os anos 1950 cabe destacar a retomada das lutas camponesas e a brava luta das Ligas Camponesas sob a liderança de Francisco Julião e outras lideranças. Destacando-se o internacionalismo do proletariado, os comunistas resolvem-se pela filiação à Federação Sindical Mundial (FSM) em 1952. No ano seguinte, deflagra-se grande e longevo movimento grevista – 26 dias – em São Paulo, com mais de 300 mil operários têxteis, metalúrgicos, gráficos, marceneiros, etc. Cria-se o Pacto de Unidade Intersindical (PUI) com 100 entidades que promove a greve geral do ano seguinte (1954) contra a carestia, com adesão de mais de um milhão de trabalhadores. Neste mesmo ano realiza-se a II Conferência de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas que cria a União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), a qual deflagra a campanha nacional pela Reforma Agrária.
Nos anos 1960, marítimos, portuários e ferroviários criam o Pacto de Unidade de Ação (PUA) que realiza greves reivindicando equiparação salarial. Os trabalhadores fundam o Comando Geral dos Trabalhadores e deflagram uma greve em defesa da posse de João Goulart - que os golpistas tentaram impedir. Combinam luta econômica (defesa do 13º mês) com luta política (convocação do plebiscito pelo presidencialismo). Este grande movimento, somado a outros de grande importância, garantem a posse de Goulart e evitam o golpe. Na verdade, apenas adiam. Após o grande comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, a nação brasileira sofreria o golpe militar de 1º de abril 1964, seguido por seus 21 anos de ditadura, sequestros, torturas, assassinatos, banimentos, censuras.
Contudo, a luta proletária jamais arrefeceu. Já em 1965 ocorreu a greve dos metalúrgicos do Rio de Janeiro. Em 1967, metalúrgicos do ABC Paulista criam o MIA – Movimento Intersindical Antiarrocho. A luta econômica ganhava caráter político, pois desafiava a Lei de Segurança Nacional e a política do regime. Nos anos de 1968/69 realizam-se significativas lutas de resistência da classe operária brasileira: as greves de Contagem, em Minas Gerais, e de Osasco, em São Paulo.
Em 1974, com a greve de motoristas em São Paulo e diversas greves no ABC Paulista, as categorias se reorganizam e retomam suas pautas de reivindicações e embates classistas. No ano de 1979 é deflagrada uma das maiores greves nacionais, com mais de três milhões de trabalhadores de 23 estados do país, iniciada pelos metalúrgicos de São Paulo e espalhada por diversas categorias.
Nos anos 1980 ocorrem a criação de diversas comissões intersindicais visando à criação de uma central sindical de trabalhadores. Em 1981, em Praia Grande, São Paulo, realiza-se a 1ª Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), que aprovou a criação da comissão para criar a CUT – Central Única dos Trabalhadores.
Cristaliza-se a divisão do movimento sindical com a criação da CUT como braço sindical do PT que organiza o congresso de fundação em São Bernardo, em 1983. Em 1986, a Conclat transforma-se em Central Geral dos Trabalhadores (CGT).
Nos anos 1983/84 o Brasil conheceria um dos maiores movimentos e mobilizações nacionais que reuniu milhões de pessoas em várias capitais na campanha, patriótica e democrática, das “Diretas, já!”. Campanha que seria parcialmente vitoriosa, pois a nação brasileira foi, mais uma vez, traída por sua elite política reacionária que celebrou acordo “pelo alto”, desconhecendo os anseios da nação, para eleger a chapa Tancredo Neves/José Sarney por via indireta.
Os avanços e conquistas de direitos fundamentais e direitos sociais da Constituição de 1988 refletem o acúmulo das forças democráticas que lutaram para derrubar a ditadura. Mas as dificuldades de regulamentação e de implantação de tais direitos correspondem à correlação de forças sociais, não esquecendo que a transição democrática foi negociada pelo alto, com a rejeição da emenda das Diretas Já! pelo congresso conservador e que a Constituinte eleita em 1986 manteve, no essencial, esse perfil social e político, inclusive, com a participação ativa de 1/3 de senadores “biônicos” nomeados pelos generais da Ditadura.
Os anos que se seguem dão lugar à retomada do movimento sindical, das greves e da crescente organização sindical dos servidores públicos, cumprindo importante papel neste processo a criação da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), criada em 1990.
No segundo semestre de 1992, milhares de manifestantes, sobretudo jovens, foram às ruas repetidas vezes pelo impeachment do presidente Fernando Collor, que acabou sendo aprovado pelo Congresso, cedendo à pressão popular.
Os anos 1990 foram marcados pela ascensão de governos neoliberais que promoveram grande entrega do patrimônio público – as chamadas privatizações, que entregaram diversas empresas estratégicas a preço de banana para o capital internacional. Destaque para os governos do PSDB, de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), que fez a venda da Vale do Rio Doce, do sistema de telefonia, de boa parte das concessionárias de energia elétrica e da maioria dos bancos estaduais. Este verdadeiro crime de lesa-pátria foi feito sob acordos contraídos contra os interesses nacionais e com a participação de grandes grupos empresariais em um dos maiores processos de corrupção da história do Brasil. Estes crimes jamais foram investigados e os agentes que os promoveram permanecem impunes. No entanto, houve grande resistência da classe trabalhadora. Destaque para a histórica greve de ocupação das refinarias da Petrobras feita pelos petroleiros, em 1995, e a marcha nacional dos 100 mil feita pelo movimento sindical e popular em Brasília em 1999. Entre os anos 1990 e 2000 ocorreram inúmeras greves, especialmente pelo cumprimento de direitos desrespeitados pela classe patronal.
A eleição de governos ligados ao Partido dos Trabalhadores, corrente ainda hegemônica do movimento sindical com a CUT (maior central sindical), conduziu o movimento a um significativo arrefecimento, pois alguns dirigentes procuraram reproduzir a política do governo de conciliação de classes. A participação e o apoio do PCdoB ao governo também resultou em um distanciamento cada vez maior de entidades dirigidas por este partido, especialmente a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), da mobilização popular para dar lugar a uma atuação governista.
Mas um setor significativo de entidades sindicais resistiu e novas correntes se afirmaram apontando a luta de classes como saída para os trabalhadores. Registramos especialmente o surgimento do Movimento Luta de Classes (MLC) e também de entidades combativas do movimento estudantil como a Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico (Fenet).
Heróis do povo brasileiro
Tantas lutas fizeram do povo brasileiro um povo cheio de heróis e heroínas: Sepé Tiaraju, líder da República Guarani, que morreu em combate no dia 7 de fevereiro de 1756, após seis anos de luta contra o exército unificado de Portugal e Espanha; Zumbi, que liderou o Quilombo dos Palmares: uma república onde os escravizados negros se tornaram homens livres (plantavam, colhiam e criavam animais numa terra que pertencia a todos); perseguido, foi preso no dia 20 de novembro de 1695 e teve sua cabeça decepada e exposta no centro da cidade de Recife, capital de Pernambuco (em sua memória, o Dia Nacional da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro).
Nestes grandes processos de lutas populares destacaram-se também a liderança de mulheres como a grande guerreira Dandara de Palmares, Teresa de Benguela (do Quilombo Quariterê, no Mato Grosso), Luisa Mahin (da Revolta dos Malês na Bahia, em 1835), Bárbara de Alencar, dentre centenas de outras heroínas do povo. Após a instalação de uma ditadura fascista com o golpe de 1964, que colocaria nosso país debaixo de 21 anos de repressão e perseguição política, o destacado heroísmo de Jonas José de Albuquerque e Ivan Aguiar, assassinados no dia do golpe durante uma passeata em Recife, demonstrava que nosso povo daria o melhor dos seus filhos, mesmo ao custo de suas preciosas vidas, para lutar pelo Brasil sem ditadura.
Os anos de chumbo só chegaram ao fim porque lutadores populares tais como Edson Luís, Iara Iavelberg, Anatália Alves, Soledad Barret, Sônia Angel, Helenira Resende, Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Gregório Bezerra, Stuart Angel, Manoel Aleixo, Amaro Luiz de Carvalho, Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra dos Santos, Amaro Félix Pereira, Alexina Crespo e Francisco Julião, entre outros, dedicaram todas as suas vidas a resistir ao regime, mesmo que tivessem que ser torturados barbaramente e assassinados.
A tradição de golpismo das classes dominantes
Modificar as estruturas basilares do estado e promover uma transformação profunda das Forças Armadas é um desafio urgente para pôr fim à tradição de golpismo do Brasil, senão, ademais dos golpes que instauraram o império de D. Pedro e a República, vejamos:
Em 25 de agosto de 1961, o recém-eleito presidente Jânio Quadros renunciou. O vice-presidente João Goulart, nacionalista e sensível às reivindicações populares, estava em viagem oficial à China. As classes dominantes, temerosas do avanço do movimento popular, pressionaram as Forças Armadas a darem um golpe para impedir a posse de Jango. As forças progressistas e os comunistas organizaram, então, a resistência.
O principal movimento, a Campanha da Legalidade, foi organizado no Rio Grande do Sul, comandado pelo governador Leonel Brizola (1922-2004) que distribuiu armas ao povo e convocou sargentos e soldados a se rebelarem contra seus comandantes convocando por programas de rádio o povo a lutar contra os golpistas e garantir a posse de João Goulart. Os golpistas recuaram e Jango assumiu a Presidência da República. Contudo, a conspiração continuou financiada pela grande burguesia nacional e pelos EUA.
O movimento operário e popular se desenvolveu em grande velocidade. Trabalhadores, estudantes, mulheres e mesmo os militares (soldados, cabos e sargentos) se mobilizaram e lutaram para mudar a injusta estrutura econômica, causa principal das péssimas condições de vida do povo.
Para atender às reivindicações populares o governo de João Goulart adotou várias medidas progressistas: limitação da remessa de lucros para o estrangeiro; encampação das refinarias privadas; controle do ingresso e saída de capitais estrangeiros; reforma bancária; desapropriação de terras valorizadas pelos investimentos públicos; garantia e ampliação dos direitos dos trabalhadores, como salário mínimo familiar; reforma agrária; reforma universitária, entre outras.
O Golpe Militar Fascista de 1964 impede reformas
Para barrar essas mudanças em favor das camadas mais pobres da população e uma provável revolução popular, acontece o golpe militar de 1o de abril de 1964. Articuladas pelo grande capital estrangeiro e nacional e, principalmente, pelo imperialismo norte-americano, as Forças Armadas mais uma vez tomam o poder central para manter os privilégios das classes dominantes e o sistema capitalista no Brasil.
Como revelou o documentário "O dia que durou 21 anos", de Camilo Tavares, o plano para derrubar o presidente João Goulart e levar o general Humberto de Alencar Castelo Branco ao poder contou com a ativa participação do presidente dos EUA, John Kennedy, do agente da CIA, Lyndon Johnson, e do embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, além do exército norte-americano. Para proteger os golpistas, os EUA enviaram um porta-aviões e mantiveram 5.000 militares em Pernambuco. Sindicatos operários e organizações camponesas foram às ruas para resistir ao golpe.
O PCB (principal partido da esquerda na época), devido à sua ilusão de classe, confiando no caráter democrático das Forças Armadas, orientou as massas a não resistirem. Mesmo assim, houve resistência dos trabalhadores e do povo aos golpistas. Em diversas cidades brasileiras foram realizadas manifestações contra o golpe e clamando por armas para a defesa da legalidade.
A ditadura fascista e o falso milagre econômico
Para garantir esse perverso modelo econômico, comunistas e progressistas foram presos e perseguidos; entidades estudantis fechadas e universidades invadidas pela polícia; sindicatos sofreram intervenção; lideranças sindicais foram detidas e greves proibidas. A imprensa foi amordaçada: dezenas de jornalistas foram colocados na cadeia e as redações invadidas por policiais para censurar os jornais. Canções e peças teatrais eram censuradas todos os dias e atores e cantores, presos. Milhares de funcionários públicos foram exonerados de seus cargos; 5 mil inquéritos foram abertos contra 40 mil pessoas e o Brasil rompeu relações diplomáticas com Cuba em função do caráter socialista da revolução cubana. Deputados tiveram seus mandatos cassados e o Congresso Nacional foi fechado. Decretos e leis – como o Ato Institucional nº 5 e o Decreto-Lei 477 – eliminaram as poucas liberdades ainda existentes e colocaram o país debaixo de um regime de terror. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, a ditadura militar torturou fisicamente 20 mil pessoas, prendeu 50 mil, cassou 6.600 militares, assassinou mais de oito mil indígenas e centenas de estudantes, operários e camponeses.
Esse mesmo regime fascista foi implantado em outros países da América Latina visando a transformar o continente num quintal dos Estados Unidos. É fato que, desde o final dos anos 1960, oficiais das Forças Armadas sul-americanas mantinham cooperação pontual em vista da repressão a comunistas, nacionalistas e democratas. Na 11ª Conferência dos Exércitos Americanos, realizada em Montevidéu em 1975, a Operação Condor foi formalizada. Com a Operação, a polícia política de um país podia atuar livremente nos outros países envolvidos prendendo, sequestrando e torturando pessoas.
O terror não impede a luta por liberdade
No final dos anos 1970, a classe operária organizou várias paralisações, tornando letra morta a lei que proibia as greves, e retomou importantes sindicatos. Os estudantes também realizaram passeatas, e entidades fechadas, como a UNE e a Ubes, foram reconstruídas. Em agosto de 1979, é conquistada a anistia aos presos e exilados políticos. Nos anos seguintes, mais e mais pessoas se incorporaram à luta contra a ditadura, e as manifestações tornaram-se massivas. Já não eram milhares, mas milhões que ocupavam as ruas. Os golpistas já não podiam manter-se no governo e trataram de preservar o essencial. Voltou a democracia burguesa e, com ela, a exploração capitalista continuou. Após 21 anos (1964-1985), a ditadura militar tornou o Brasil um dos países mais desiguais do mundo, mas, fruto da luta popular pelas liberdades democráticas e pelas “Diretas, já!”, foi derrotada.
A suposta redemocratização revelou sua verdadeira face de democracia apenas para a burguesia. Para a luta dos pobres, continuou a repressão, como comprovam os assassinatos de Chico Mendes e Doroty Stang, bem como todas as vítimas de conflitos de terra país afora.
Ocorreram eleições indiretas (1985) e eleições diretas (1989), e o país voltou a ser uma democracia burguesa, mas os trabalhadores continuaram sofrendo com os baixos salários e a exploração capitalista. Os camponeses continuaram sem acesso à terra e a uma verdadeira reforma agrária, enquanto a economia brasileira se manteve sob controle de alguns grandes grupos econômicos privados; monopólios que se apropriam das riquezas produzidas pelos trabalhadores.
Nos últimos anos, dezenas de comitês pelo direito à memória, à verdade e à justiça foram formados no Brasil para exigir o julgamento e a punição de todos os agentes e autoridades da ditadura fascista. E mais, além de não ter havido nenhuma punição aos que comandaram o regime de terror que foi a Ditadura, a doutrina ensinada nos quartéis das Forças Armadas, nas escolas militares e mesmo nas polícias militares dos estados segue a mesma: a do inimigo interno e da eliminação desse inimigo pela via da força máxima.
De fato, sem a modificação dessa estrutura, as classes dominantes seguirão dispondo de um instrumento de força e violência para ser usado sempre que julgar necessário para patrocinar os seus golpes contra as liberdades democráticas.
O Estado é o órgão de poder das classes dominantes
O Estado brasileiro, desde a sua criação supostamente autônoma em 1822, nada mais é que a articulação política dos interesses econômicos das classes exploradoras coligadas com capitalistas estrangeiros.
As sucessivas crises econômicas e institucionais que atingiram e atingem o país são rearranjadas com acordos “pelo alto”, sem participação efetiva do povo. O Congresso Nacional é formado, em sua maioria, pelos representantes de elites econômicas, atualmente com forte presença de representantes fundamentalistas de igrejas evangélicas, além de políticos profissionais venais e diversos criminosos com mandato e garantia da “imunidade parlamentar”, historicamente atrasados, reacionários, distantes dos eleitores e dos interesses do povo. Ao menor sinal de ameaça ao seu projeto de dominação abandonam a democracia e, para tanto, contam com armas poderosas como a desinformação e a manipulação dos meios de comunicação modernos a serviço dos lucros da burguesia e para difundir seus interesses (a grande imprensa, rádio, televisão, portais e redes sociais), além do poder Judiciário e do poder dos tanques.
A execução do Golpe de 2016
Em nosso país os governos do PT (2002-2016) optaram por uma política de conciliação de classes e adotaram um modelo econômico baseado no fortalecimento do grande capital nacional e internacional e dos bancos sobre a economia, em troca de gerar empregos e de assegurar aumento do salário mínimo. A total submissão à classe capitalista e a total ausência de enfrentamentos com as classes dominantes acabou servindo para desarmar ideológica e politicamente a classe trabalhadora e o povo. Contribuiu para retroceder a consciência de classe, nutrindo uma ilusão de que era possível acabar com a pobreza, a miséria e o desemprego numa economia burguesa sem desmontar o aparato que garante felicidade para poucos e tristeza para a maioria.
O setor financeiro foi um dos que mais ganhou com esta política econômica. O resultado foi que, de 2003 a 2015, o lucro dos quatro maiores bancos que atuam no Brasil aumentou 850%, saindo de US$ 2,1 bilhões para US$ 20 bilhões (A Verdade – outubro de 2015). Outro exemplo da conciliação de classes foi não ter implementado uma política de transição que garantisse a responsabilização e punição dos agentes que, em nome do Estado e das Forças Armadas, praticaram torturas e assassinatos durante o regime militar que imperou no Brasil de 1964 a 1985. Tamanho foi este erro que sequer as recomendações da Comissão Nacional da Verdade – comissão esta que fez uma profunda investigação sobre as violações dos direitos humanos ocorridas de 1946 a 1988, praticadas por "agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado" – nomeada pelo próprio governo Dilma em 2011 foram consideradas.
Dentre os vários fatos marcantes neste período, destaque para a enorme prioridade que os governos do PT deram para a realização da Copa da FIFA de 2014 e as Olimpíadas de 2016, os chamados "megaeventos" que serviram para elevar o preço da terra nas grandes cidades e crescer enormemente a força da especulação imobiliária, expulsando milhares de famílias pobres de suas casas para dar espaço para as grandes obras. Estas, em sua maioria, também consumiram vultosos recursos do estado brasileiro e foram marcadas por enormes escândalos de corrupção e enriquecimento ilícito de políticos e executivos de grandes empresas.
Ao mesmo tempo em que eram preparados estes megaeventos, a crise econômica iniciada em 2008 nos principais países capitalistas do mundo adquiriu ainda mais força no Brasil (a partir de 2013). Esta crise causou – e ainda causa – impacto gigantesco em todas as economias do mundo, já que teve como centro a principal economia capitalista, os EUA. Não foi, portanto, uma crise qualquer e sim uma crise estrutural do sistema. Oferecendo créditos a quem não podia pagar e depois vendendo estas dívidas para o restante do mundo, os EUA protagonizaram o que ficou conhecido como "bolha imobiliária". De fato, o governo brasileiro tentou, inutilmente, impedir a chegada da crise em nosso país por meio de medidas de incentivo ao consumo interno, redução de impostos como IPI e IOF, entre outros, o que se verificou como inútil.
Neste contexto explodiram as chamadas "Jornadas de Junho de 2013". Enganam-se aqueles que associam as jornadas de junho ao início do golpe de 2016. Ao contrário das manifestações da classe média e da grande burguesia que serviram para derrubar Dilma, as Jornadas de Junho foram gigantescas manifestações que se iniciaram a partir das lutas contra o aumento das passagens em São Paulo e no Rio de Janeiro e que se estenderam como um grande movimento espontâneo que contou com a participação de milhões de pessoas de diversas classes sociais.
Com reivindicações extremamente difusas, as Jornadas foram caracterizadas por grande participação da juventude. Foram marcadas pela radicalidade das manifestações e por grande disputa nas ruas sobre os rumos do movimento. Em alguns estados, houve enfrentamentos físicos entre grupos de direita e de esquerda. Mas, no fundamental, o resultado concreto das Jornadas de Junho foi à esquerda, uma vez que os atos levaram à redução do preço das passagens em centenas de cidades brasileiras. Outro fator importante após as jornadas foi um maior acirramento da luta de classes com aumento significativo da polarização na sociedade.
Sobre o enfraquecimento do governo do PT, este deve ser muito mais associado à arrogância do governo que, à época, não abraçou as reivindicações das Jornadas e as tratou como um golpe da direita, uma vez que, pela primeira vez em 30 anos, grandes manifestações de caráter nacional não eram convocadas e/ou dirigidas pelo PT e seus aliados diretos. Esta postura do governo acabou causando enorme decepção em uma parcela do povo que participou das Jornadas de Junho, contribuindo para jogar "água no moinho da direita". No entanto, o resultado imediato das Jornadas não pode ser associado diretamente ao golpe de 2016, pois lembremo-nos que nas eleições realizadas pouco mais de um ano depois, em outubro de 2014, o PT voltaria a vencer a disputa eleitoral com a reeleição de Dilma Rousseff.
Mas a polarização não cessou com a vitória eleitoral e lembremos também que o programa implementado pelo PT, ainda no final de 2014, foi em parte o programa derrotado nas urnas, promovendo uma política de congelamento dos investimentos, a retirada de verbas públicas da Saúde, Educação e Previdência, de mudanças que dificultaram o acesso ao seguro desemprego, de aumento dos juros, que levou a um aumento estrondoso do desemprego e consequente afastamento do governo do PT de sua principal base de apoio, a classe trabalhadora. Somemos a isso o fato de que foram trazidos para dentro do governo inimigos vitais do povo brasileiro com a indicação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa para o Planejamento e Alexandre Tombini para o Banco Central. Assim, a já fatigada política de combate aos efeitos da crise se volta ainda mais para a manutenção dos privilégios dos banqueiros, enquanto o povo brasileiro sente de forma acelerada o aprofundamento das suas mazelas.
O resultado é que 2015 começou já com um movimento mais organizado e massivo da extrema direita, fortalecida pelos constantes erros do governo e seu distanciamento da maioria do povo. Por outro lado, o interesse do capital internacional foi decisivo para a queda do Governo Dilma. A síntese do envolvimento do imperialismo neste processo se expressou na reunião do denominado Plano de Atlanta, em 2012.
Documento da Copppal – Conferência Permanente de Partidos Políticos da América Latina e do Caribe – assinado por seu presidente, Manolo Pichardo, indica as estratégias dos setores conservadores das Américas, liderados pelos EUA. O documento aponta as intenções de desmoralizar e desestabilizar as democracias populares do continente e impedir a eleição dos seus líderes. Entre eles, com prioridade, o da maior economia da América do Sul: Lula em 2018.
O "Plano Atlanta" propõe a intervenção articulada das forças tradicionais políticas dirigentes da vida político-econômica da região em contraposição aos governos progressistas, emergentes, do século XXI. O Plano consiste, portanto, numa estratégia internacional da classe dominante para impedir que governos tidos como democráticos na América Latina desenvolvam políticas socioeconômicas contrárias aos interesses dos monopólios e do imperialismo atrelado ao núcleo dos EUA, sufocando qualquer política no sentido de soberania e independência.
De fato, apesar de seus claros limites no campo dos interesses populares, posições estratégicas dos governos do PT sobre a economia brasileira representaram ameaças aos interesses estadunidenses. Merece destaque a descoberta do pré-sal pela Petrobras (em 2006) e as descobertas posteriores – petróleo leve e gás indicavam a extração de 5 a 8 bilhões de barris, elevando, na Bovespa, as ações da Petrobras e de suas parceiras (a BB Group e a Galp) em 20%.
O Brasil assumiu em 2014 a postura de um tímido – porém suficiente para atrair a atenção dos monopólios imperialistas – distanciamento da influência norte-americana. O governo de Dilma Rousseff se alinhou com China, Rússia, Índia e África do Sul na criação de um fundo de reserva e de um banco de investimentos. O fundo de reserva recebeu um aporte de US$ 100 bilhões e o banco de investimentos um aporte de US$ 50 bilhões, antecedidos por nove acordos de cooperação assinados por Dilma e Vladimir Putin, presidente da Rússia.
A escandalosa espionagem revelada pelo Wikileaks, em 2015, sobre os documentos secretos norte-americanos traz informações confidenciais da Agência de Segurança Americana, a NSA. Ela foi responsável pelo grampo do telefone da presidente da República do Brasil e de mais de 29 telefones de ministros de estado, numa ação violadora das normas de direito internacional da soberania, prática banalizada mundialmente pelo terrorismo internacional do grande Império do Norte. A política de vigilância dos EUA se estendeu também aos países considerados amigos. Há claros indícios da conexão dos grampos da CIA/NSA com as diretrizes do "Plano Atlanta".
Com a cumplicidade do Congresso Nacional e da cúpula do judiciário, evidenciando o caráter classista do estado burguês do Brasil, Dilma sofre o golpe fantasiado de impeachment – consumado no dia 31 de agosto de 2016 – e assume a presidência, em seu lugar, o golpista Michel Temer (MDB).
Os bastidores dessa operação foram revelados pela conversa telefônica gravada do senador Romero Jucá (MDB) com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, em 2016. Nela, Jucá afirma ser preciso estancar a sangria causada pela Operação Lava Jato, em que ambos estavam sendo investigados. Machado estava com receio de Rodrigo Janot (então procurador-geral da República) e Jucá diz: "Eu acho que a gente precisa articular uma ação política". Retruca Machado: "Um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional". E Jucá: "Com o Supremo, com tudo".
Importante lembrarmos também a falta de uma maior resistência e de enfrentamentos ao golpe institucional (midiático-jurídico-empresarial) colocado em curso em 2016. É sabido que a presidente Dilma e seu partido, o PT, que embora tenham sido realmente golpeados, caíram sem basicamente impor resistência ao inimigo. Apesar de terem promovido manifestações de rua por todo o Brasil, a maioria dos seus dirigentes incentivou o conjunto dos movimentos e militantes a não realizarem ações radicalizadas.
Durante todo este processo sabemos que a grande mídia teve papel determinante na criminalização do PT e na tentativa de levar toda a esquerda junto, com a estratégia mentirosa de associar todo movimento social que usa vermelho como "petista" e falsamente associar que todo "petista", na verdade, é comunista.
No entanto, o que surpreende é que os governos do PT garantiram farto financiamento justamente a esta grande imprensa que trabalhou ativamente pelo golpe. O volume total de publicidade federal destinado para emissoras próprias do Grupo Globo é quase a metade do que foi gasto pelas administrações de Lula e Dilma para fazer propaganda em todas as TVs do país. Ao todo, foram consumidos R$ 13,9 bilhões para veicular comerciais estatais em TVs abertas no período do PT na Presidência da República. As TVs da Globo tiveram R$ 6,2 bilhões nesse período.
Esta postura de extrema conciliação e submissão se repetiu por diversas vezes após a consumação do golpe de 2016, inclusive com alianças do PT com partidos que participaram ativamente do golpe, nas eleições municipais em centenas de cidades país afora, naquele mesmo ano.
Ainda no final de 2016, iniciou-se uma grande agitação no país com a ocupação de mais de 1.400 escolas e 100 universidades promovida pela juventude. Este movimento teve grande influência no movimento operário e sindical levando a paralisações no início de 2017 e culminando na maior Greve Geral da história do Brasil, realizada em 28 de abril, seguida por uma das maiores manifestações de dimensão nacional já realizada em Brasília, no dia 24 de maio.
Após estes grandes movimentos, que enterraram o projeto de Reforma da Previdência, o governo golpista de Temer – que já contava com grande rechaço social e uma popularidade pífia – balançou e ficou muito perto de cair. Outra greve geral foi convocada para o dia 30 de junho, mas, na prática, a postura do PT e seus aliados diretos foi de boicotar a greve e buscar novamente o caminho da conciliação de classes, visando apenas às eleições de 2018.
Agindo assim, boa parte da esquerda continuou movida pelas ilusões constitucionais e acabou subestimando o avanço do fascismo e o caráter reacionário das Forças Armadas. O resultado é que a greve foi um fiasco e, ao invés de servir para fortalecer ainda mais a esquerda e os movimentos populares para derrubar o governo Temer, serviu para criar mais decepção em milhões de trabalhadores e trabalhadoras e colocar o movimento social na defensiva. E esta defensiva e desmoralização foram tão profundas que levaram a que a Reforma Trabalhista não fosse barrada e que as centrais sindicais apenas assistissem como meras espectadoras a grande mobilização realizada pelos caminhoneiros no início de 2018.
Tamanha falta de enfrentamentos e de lutas sociais acabou dando enorme espaço e moral para o inimigo: a extrema direita e o fascismo. Este foi o ambiente que permitiu o aprofundamento do golpe em 2018.
O aprofundamento do Golpe Institucional
Esse processo, portanto, não findou com o impedimento da presidente Dilma. A impopularidade faraônica de Michel Temer não garantiu a continuidade do desmonte pretendido pelos centros do poder neoliberal. O inimigo a ser batido nas eleições presidenciais de 2018 era o ex-presidente Lula, que detinha 37% da intenção de votos contra 18% de Jair Bolsonaro, na primeira pesquisa do Ibope. A popularidade de Lula representava um entrave ao desenvolvimento e continuação do Golpe de 2016.
Lula é preso em 7 de abril de 2018, sob frágeis acusações jurídicas até hoje não comprovadas. Quando da ação do MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – no propalado triplex do Guarujá, filmou-se para o Brasil que não havia sequer as tais reformas milionárias que constam da denúncia contra Lula.
Como parte do objetivo central do Golpe de 2016, a Reforma Trabalhista foi aprovada em 2017 trazendo mudanças em centenas de artigos da CLT e buscando consolidar a política de precarização e desregulamentação de direitos.
Legalizou-se a chamada jornada intermitente, estabelecida em contratos que permitem aos patrões somente pagar pela hora “efetivamente trabalhada” pelo empregado, o que ataca frontalmente os salários-base de categorias inteiras. Criou-se a possibilidade de jornada diária de até 12 horas por 36 horas de descanso – prática já usada em gigantes do comércio (Pão de Açúcar e Magazine Luiza) como forma de manter grandes jornadas dos trabalhadores sem pagar horas extras: além do negociado acima do legislado e a livre negociação patrão-empregado, enfraquecendo a luta coletiva, atacando a força dos sindicatos e deixando o trabalhador mais vulnerável, além de pôr fim a um patamar mínimo legal de obrigações dos patrões.
A Reforma Trabalhista também iniciou um desmonte da Justiça do Trabalho, com a obrigação de o empregado pagar as despesas do processo caso não vença a ação, assim como diversas outras restrições. Em 2018, o Tribunal Superior do Trabalho registrou 46% menos ajuizamentos em relação a 2017, mostrando a crescente impunidade no mundo do trabalho.
Com Lula fora do processo eleitoral de 2018, a direita externa e interna traçava a sua estratégia para vencer a eleição e colocar no poder um preposto alinhado aos interesses dos EUA. No vazio de lideranças liberais e conservadoras capazes de galvanizar apoio na opinião pública, abre-se a fenda para o Cavalo de Tróia Jair Bolsonaro: um entreguista e adesista ao império norte-americano; falso moralista, que enriqueceu em três décadas de Parlamento; nepotista; oculta bens e rendimentos; candidato milionário que fez carreira no sistema desde 1986 (apesar de seu discurso farsante de “antissistema”), passando pelas legendas mais corruptas – PSC, PP, PTB e agora PSL; um racista, misógino e homofóbico que diz respeitar a Constituição que consagra a dignidade da pessoa humana como princípio cardeal; defensor dos crimes da ditadura militar, reconhecido por saudar abertamente torturadores da época da ditadura militar iniciada em 1964, como Coronel Ustra; enfim, um fascista. As classes dominantes, mais uma vez, lançam mão de duas bandeiras para esconder seus interesses verdadeiros de se apropriarem das riquezas produzidas socialmente com o monopólio dos meios de produção: uma delas é a da luta contra a corrupção, enganando as pessoas do povo que, com razão, repudiam o enriquecimento ilícito dos corruptos com o dinheiro público, sendo que, na verdade, não se pode acabar com a corrupção sem acabar com o capitalismo.
A outra bandeira, a da segurança pública, tendo em vista o alto nível de violência que assola o país, esconde a incompetência da burguesia em pôr fim à violência, assassinatos e assaltos, como comprovou a inútil intervenção militar no Rio de Janeiro promovida pelo golpista Michel Temer.
O milionário fascista Bolsonaro, que construiu sua atuação política sob um discurso extremista, tornou-se uma candidatura viável num contexto de crescimento vertiginoso do fundamentalismo religioso na sociedade, somado à disseminação de uma cultura de medo e violência que vinha ganhando corpo frente à incapacidade do Estado de enfrentar as questões de segurança pública numa sociedade de tamanha desigualdade social.
Com o apoio da Cambridge Analytica e o papel fundamental de Steve Bannon na campanha do candidato brasileiro, especialmente por trás dos meios de comunicação da burguesia na internet (Facebook, Twitter e Instagram), deram-lhe a visibilidade que uma candidatura à Presidência precisava.[2]
Com aparência de campanha “barata”, milhões de dólares foram investidos numa campanha em que os recursos tecnológicos foram utiliza- dos de forma otimizada e complexa, com disparos de mensagens muito segmentadas e eficientes, criando um clima de hostilidade e desconfiança geral na população, ao mesmo tempo em que se construía a figura do “messias” que salvaria o país, o “mito”.
Um suposto atentado à sua vida, que muito convenientemente o pouparia de uma exposição de suas fraquezas em debates públicos, colocou seu nome em enorme evidência em toda a imprensa nacional.
Difundiram mentiras grotescas a partir de uma quantidade descomunal de notícias falsas (as chamadas fake news), somando-se à militância incansável de inúmeros apoiadores entre segmentos evangélicos e reacionários, casando com o sentimento o antipetista construído nos últimos anos em parte da população e com o discurso da moralidade cristã ortodoxa.
O resultado dessa combinação criou as bases para o resultado da eleição presidencial do Brasil, em 2018: Bolsonaro obteve 55,13% dos votos contra 44, 87% de Fernando Haddad (PT).
Não podemos deixar de observar ainda que, pelo menos 60% dos eleitores aptos a votar no segundo turno das eleições 2018, não escolheram o presidente eleito Jair Bolsonaro. Somando-se os 47.040.859 votos dados ao candidato Haddad com os 42.460.038 eleitores que votaram branco, nulo ou não compareceram às urnas, são cerca de 89,5 milhões de brasileiros que não elegeram o representante da extrema-direita.
Contradição principal: capital x trabalho
O capitalismo brasileiro se desenvolve aprofundando a contradição existente entre as classes exploradora e explorada, opressores e oprimidos. A classe exploradora é formada pela burguesia brasileira, associada ao imperialismo, notadamente o norte-americano. Exercem seu poder através da propriedade privada dos monopólios e latifúndios, devidamente protegidos pelo Estado. A classe explorada é composta pela maioria do povo, proletários, trabalhadores urbanos e rurais.
A fim de assegurar a máxima produtividade, a produção encontra-se especializada a partir de segmentos que se ocupam de tarefas delimitadas no processo de produção. A divisão do trabalho vai ficando mais complexa à medida que se desenvolve o processo produtivo.
Como afirma Marx em Formações econômicas pré-capitalistas "através da divisão do trabalho desenvolvem-se mais, dentro dos vários ramos, divisões entre os indivíduos que cooperam em espécies definidas de trabalho". A economia política explica cientificamente que a maior divisão social do trabalho é fruto da maior diversidade de ramos de produção. Assim, o trabalho torna-se, cada vez, mais uma atividade social.
Ocorre que essa divisão social do trabalho em nada altera a natureza privada da apropriação dos seus resultados. Ao mesmo tempo, a acumulação e a concentração, atuando como uma lei sob o modo de produção capitalista, torna a apropriação dos resultados cada vez mais privada; cada vez mais concentrada nas mãos de um punhado de capitalistas bilionários.
Portanto, a contradição fundamental reside no fato de a produção ser cada vez mais social, ao passo que a apropriação é cada vez mais privada. Dito de outro modo: o trabalho encontra-se distribuído e despejado como um fardo sobre as costas de trabalhadores cada vez mais explorados e empobrecidos, enquanto os lucros se concentram cada vez mais nas mãos de uma parcela cada dia menor de bilionários. Daí porque também a classe dos capitalistas e dos trabalhadores são as classes fundamentais da sociedade.
Dados da pesquisa da Oxfam apontam que os 5% mais ricos ficam com a mesma fatia dos outros 95%, confirmando essa tendência. No Brasil, de acordo com o IBGE (dados de 2016), cerca de 890 mil pessoas são consideradas ricas no Brasil, enquanto aproximadamente 45 milhões de brasileiros vivem com um rendimento mensal inferior ao valor de um salário mínimo, além de cerca de 15 milhões de brasileiros vivendo em situação de pobreza extrema.
Notas
- ↑ Em 1999, o bioantropólogo Walter Neves, do Instituto de Biociências da USP, após restaurar as feições de um crânio conhecido como Luzia, descoberto em 1975 na região de Lagoa Santa, Minas Gerais, constatou um rosto negro de uma mulher que teria vivido há 11 mil anos naquela região.
- ↑ É importante notar que as redes sociais foram desenvolvidas, do ponto de vista de investimento capitalista, para serem grandes plataformas de propaganda. Porém, além disso, desde 2008, com a criação e concepção dos “telefones inteligentes” da Apple, criaram-se diversas estratégias de embu- tir todas as tecnologias como necessárias a nossas vidas. Tal lógica de desenvolvimento, que gran- des empresas de software, como Google, Amazon, Facebook, Microsoft, Twitter, etc., utilizam, tem como base nos ligar fortemente a essas tecnologias, que, no fundo, são desnecessárias a nossas vidas.