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Biblioteca:Princípios fundamentais de filosofia

Da ProleWiki, a enciclopédia proletária
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Prefácio

Publicados em junho de 1946, reeditados em janeiro de 1947, em maio de 1948 e em dezembro de 1949, os Princípios elementares de filosofia de Georges Politzer foram acolhidos com entusiasmo! Con­tinham eles, sob normas acessível, o essencial dos cursos administra­dos de 1935 a 1936 na Universidade Operária por um daqueles que jamais separou a ação do pensamento, e morreu como herói para que a França vivesse.

No Prefácio aos Princípios elementares de filosofia, Maurice le Gross, que, como discípulo de Politzer, recolheu seus cursos e possi­bilitou assim sua publicação, escrevia:

Georges Politzer, que começava cada ano seu curso de filosofia fi­xando o verdadeiro sentido da palavra “materialismo” e protestando contra as deformações caluniosas a que alguns a submetiam, não se esquecia de assinalar que ao filósofo materialista não falta ideal e que ele está pronto a combater para fazê-lo triunfar. Pôde, então, provâ-lo com seu sacrifício, e sua morte heróica ilustra este curso inicial, em que afirma a união, no marxismo, da teoria com a prática. A alguns meses de uma decisão ministerial que pretendeu recusar a Georges Politzer o título póstumo de interno-resistente e a menção de “Morto pela França”, a homenagem devida à sua memória, não poderia, agora mais do que nunca, separar o patriarca francês, do filósofo comunista.

As balas nazistas prostaram Politzer na clareira de Mont-Valérien, em maio de 1942. Mas, a Universidade Operária, que foi, em gran­de parte, obra sua, tem continuidade na Universidade Nova de Paris, que cada ano mais se amplifica. De fato, os Princípios Fundamentais de Filosofia que agora publicamos se apoiam, como a obra original, na experiência de ensinamentos filosóficos dispensados aos trabalha­dores — operários, empregados, domésticos, pesquisadores científicos, professores primários e estudantes etc. — que frequentam a Universi­dade Nova. É justo, portanto, que o livro traga — antes dos nomes daqueles que o redigiram e que assistiram, com alguns outros, ao cur­so de materialismo dialético — o nome de Georges Politzer. Por certo, estes Princípios de filosofia são muito mais desenvolvidos do que os Princípios elementares; beneficiam-se das contribuições que enrique­ceram a ciência marxista nestes últimos anos. Contudo, sua inspira­ção não deixa de ser aquela que animava Politzer.

Os Princípios fundamentais de filosofia têm por ambição ajudar aqueles que queiram se iniciar nas idéias-mestras de Marx e Engels e de seus discípulos mais eminentes, Lenine e Stalin. A obra tem, portanto, as características de um manual, dividido em lições, em sequência. Os cursos da Universidade Nova, a que este livro deve sua existência, destinam-se a trabalhadores que buscam pela reflexão teó­rica esclarecer sua ação militante — política ou sindical — na França de hoje. Não se surpreendam, pois, com a abundância de exemplos tomados da vida quotidiana dos franceses, que lutam pelo pão e pela liberdade, pela independência nacional e pela paz.[p 1]

Mas, contrariamente a uma opinião ainda muito difundida, quando os marxistas falam de prática, não a entendem num sentido estreito. A prática humana é o conjunto das atividades — ciências, técnicas, artes etc. — das quais, o homem é capaz, e que o definem; é toda a experiência acumulada em milênios. Só pode ser revolucionário aquele que souber assimilar o melhor dessa experiência, em benefício de sua ação presente, para a transformação das sociedades e a melhoria dos indivíduos. Tal é, precisamente, a tarefa da filosofia: concepção do mundo, ela exprime, sob sua forma mais geral, as leis fundamentais da natureza e da história; método de análise, dá a qualquer homem os méios de compreender o que ele é, o que ele faz e o que ele po­derá fazer em dado momento, para transformar sua própria existência. Inteiramente consagrado à filosofia marxista, o livro que apresentamos deve, pois, parece-nos, prestar serviços a todos os trabalhadores, ma­nuais ou intelectuais. E, ainda que não tenha sido redigido tendo em vista os "especialistas", sejam eles economistas, engenheiros, his­toriadores, naturalistas, médicos ou artistas, todos encontrarão nele, sem dúvida, assunto para reflexão.

Os autores esforçam-se por escrever esta obra com o máximo de simplicidade e de clareza; evitaram multiplicar os tèrmos técnicos. Mas, procedendo assim, percorreram apenas a metade do caminho. O lei­tor deverá, pacientemente, percorrer a outra metade, sem se esque­cer, por um instante sequer — como o lembrava Marx por ocasião da edição francesa de O Capital — que "não há estrada real para a ciência." A leitura das vinte e quatro lições que compõem este livro exigirá, pois, certo trabalho e alguma perseverança.

Se determinadas páginas não forem compreendidas numa primeira leitura, não perca, o leitor, a coragem! O trabalho será, contudo, fa­cilitado, se o leitor comparar o que leu com sua experiência pessoal. Assim, tirará ele maior proveito de um estudo pacientemente con­duzido.

O volume contém numerosas citações, numerosas referências aos clássicos do marxismo. Corremos o risco de tornar pesada a exposição, mas aceitamos esse risco, como decorrência da natureza da obra, que é um manual. Seu papel é o de facilitar o acesso às fontes, encorajar o leitor, pelas frequentes lembranças, a se familiarizar com as obras de Marx, Engels, Lenin, Stalin, Mao Zedong e Maurice Thorez. Os autores de Princípios de filosofia destacaram particularmen­te o Sobre o materialismo dialético e o materialismo histórico, de Stalin, que, com Lenin, é o maior filósofo de nosso tempo. A ordem das lições deste manual reproduz, de propósito, no essencial, a ordem dos as­suntos da obra de Stalin, síntese magistral da filosofia do marxismo, que apareceu em 1938. A leitura dessa obra, que se encontrará, tanto no Capítulo IV da História do Partido Comunista da URSS, como em edição separada, torna-se indispensável a todos os que queiram dominar os dados essenciais do marxismo e compreender seu poder de ação.

Fiéis aos seus princípios, os marxistas vêem na crítica uma exigên­cia de toda ação fecunda. É por isso que os autores dos Princípios fundamentais de filosofia solicitam a contribuição de todos aqueles que fizerem uso deste livro. Assim sendo, ele poderá ser melhorado, para desempenhar melhor seu papel, a serviço da classe trabalhadora e do povo francês.

Guy Besse & Maurice Caveing
Agrégés de philosophie, agosto de 1954

Notas

  1. É provável que, entre os exemplos citados — que eram de plena atualidade quando o curso foi dado, e a obra redigida — alguns possam parecer envelhe­cidos em relação às mudanças políticas ocorridas depois, na França e no exterior. Eles não deixam, porém, de manter o seu valor didático, e isso é o essencial.

Introdução

“Filosofia”, eis uma palavra que, à primeira vista, não inspira confiança a muitos trabalhadores. Acham eles que um filósofo é uma criatura que não tem os pés na terra. Induzi-los a estudar filosofia, talvez pensem, é convidá-los a dar saltos em corda bamba, depois do que a cabeça ficará às tontas...

A filosofia parece ser assim: um jogo de idéias sem relação com a realidade; jôgo obscuro, privilégio de alguns iniciados; jôgo provàvelmente perigoso e não muito rendoso para quem vive do próprio suor...

Um grande filósofo francês, Descartes, muito antes de nós, já con­ denava o jôgo obscuro e perigoso a que alguns filósofos pretendiam reduzir a filosofia. Assim falava ele a respeito dos falsos filósofos:

A obscuridade das distinções e dos princípios de que se servem é a causa de poderem falar de todas as coisas como se as soubessem e de sustentarem o que dizem contra os mais capazes e os mais sutis, sem que se tenha meios de os convencer. Por isso, tornam-se comparáveis a um cego que, para lutar sem desvantagens contra al­ guém que não é cego, levasse o adversário para o fundo de um sub­ terrâneo muito escuro.[i 1]

Não é nossa intenção levar o leitor para um “subterrâneo muito escuro”. Sabemos que a obscuridade é propícia aos golpes desleais. Há uma filosofia obscura e maléfica, mas há também, como já o afirmava o mesmo Descartes, uma filosofia clara e benéfica, aquela da qual (Gorki) dizia:

Seria erro acreditar que faço pouco da filosofia. Sou pela filoso­fia, mas por uma filosofia que venha de baixo para cima, da terra, dos processos de trabalho; por uma filosofia que, estudando os fe­nômenos naturais, submeta as forças da natureza aos interesses do homem. Estou convencido de que q pensamento está indissolúvel­ mente ligado ao esforço, e não sou partidário do pensamento quando em estado de imobilidade, sentado, deitado.[i 2]

Esta introdução a estes Princípios de Filosofia tem por objeto de­ finir a filosofia em geral, mostrar por que devemos estudá-la e, finalmente, indicar que filosofia devemos estudar.

Que é filosofia?

Os gregos antigos, entre os quais se con­ tam os maiores pensadores de que a história tem notícia, definiam a filosofia como o amor pelo saber. Era èsse o sentido exato da palavra grega da qual provém a palavra filosofia.

“Saber” quer dizer “conhecimento do mundo e do homem.” Esse conhecimento permitia enunciar certas regras de ação, determinar ver­ ta atitude diante da vida. Sábio era o homem que agia em todas as circunstâncias de conformidade com tais regras que, por sua vez, se baseavam no conhecimento do mundo e do homem.

A palavra “filosofia” manteve-se desde aquela época por corres­ ponder a uma necessidade. É, por vezes, tomada em diferentes sen­ tidos, que se prendem à diversidade dos pontos de vista a respeito do mundo. Mas, o sentido mais corrente da palavra é o seguinte: concepção geral do mundo da qual se pode deduzir certa forma de conduta.

Um exemplo, tomado da história da França, ilustrará a definição. No século XVIII, os filósofos burgueses da França pensavam e ensinavam, baseados em conhecimentos científicos, que o mundo é conhecível e concluíam ser possível transformá-lo para o bem do homem. Muitos, como por exemplo Condorcet, autor do Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano (1794), concluíam que o homem é aperfeiçoâvel, que se pode tornar melhor, que a sociedade pode melhorar.

Um século mais tarde, a grande maioria dos filósofos burgueses pensava e ensinava o contrário: que o mundo é inconhecível, que o “fundo das coisas” escapa à nossa compreensão e nos escapará sempre. Daí a seguinte conclusão: é insensato querer transformar o mundo. É verdade, concordam eles, que podemos agir sobre a natureza, mas é uma ação superficial, uma vez que o “fundo das coisas” está fora do nosso alcance. Quanto ao homem... ele é o que sempre foi, o que sempre será. Há uma “natureza humana” cujo segrêdo nos escapa. “Por quê, pois, quebrar a cabeça para melhorar a sociedade?”

Vemos que a “concepção do mundo” (ou seja, a filosofia) não é uma questão sem interèsse, uma vez que duas concepções opostas levam a conclusões “práticas” também opostas.

Com efeito, os filósofos do século XVIII queriam transformar a sociedade porque representavam os interesses e as aspirações da bur­guesia, classe então revolucionária, que lutava contra o regime feu­dal. Quanto aos filósofos do século XIX, eles representavam (quer o soubessem ou não) os interesses dessa mesma burguesia, que já se havia tornado conservadora; transformada em classe dominante, ela passa a temer a ascenção revolucionária do proletariado. Ela pretende, então, que nada há de ser mudado num mundo em que é dona do melhor quinhão. Os filósofos “justificam” tais interesses quando procuram desviar as pessoas de toda emprêsa que vise transfor­mar a sociedade. Exemplos: os positivistas (seu chefe, Auguste Comte, passa aos olhos de muitos como “reformador social”; na realida­de, está profundamente convencido de que o reinado da burguesia é eterno e sua “sociologia” ignora as forças produtivas e as relações de produção,[i 3] o que a condena à impotência); os ecléticos (seu che­fe, Victor Cousin, foi o filósofo oficial da burguesia; ele justificou a opressão do proletariado e, principalmente, os fuzilamentos em massa de junho de 1848, em nome do “verdadeiro”, do “belo”, do “bem”, da “justiça” etc.); o bergsonismo. (Bergson, a quem a bur­guesia exaltava por volta de 1900, isto é, na época do imperialismo, empregou todo o seu espírito para desviar o homem da realidade concreta, da ação sobre o mundo, da luta para a transformação da sociedade: o homem deve consagrar-se ao seu “eu profundo”, à sua vida “interior”, o resto não tem grande importância e, consequentemente, os que exploram o trabalho alheio podem dormir tranquilos.)

A mesma classe social, a burguesia francesa, teve, portanto, dois filósofos bem diferentes, num e noutro século, porque, revolucio­ nária no século XVIII, tornou-se conservadora e, mesmo reacionária, no século XIX. Nada de mais interessante do que a confron­tação dos textos que se seguem. O primeiro data de 1789, ano da revolução burguesa. É de um revolucionário burguês, Camille Desmoulins, que, nestes tèrmos, saúda os novos tempos:

Fiat! Fiat! Vitoriosa a Revolução, vai-se operar a regeneração; nenhum poder da Terra poderá impedi-lo. Sublime efeito da filosofia, da liberdade, do patriotismo! Nós nos tornamos inven­cíveis.[i 4]

Eis o outro texto. Data de 1848. É de Thiers, homem de Es­tado burguês, que defende os interesses da classe que está no poder, contra o proletariado:

Ah! se fòsse como outrora, se a escola continuasse ainda mantida pelo cura ou pelo sacristão, longe de mim opor-me à extensão das escolas aos filhos do povo... Peço, formalmente poisa diferente dêsses professores leigos, muitos dos quais são detestáveis; que­ ro frades, ainda que, em outros tempos, pouca confiança eu te­ nha depositado neles. Quero, de novo tornar poderosa a influên­ cia do clero; quero que a ação do pároco seja decisiva, mais forte do que nunca, porque conto muito com ele para propagar a boa filosofia, que ensina ao homem que ele está aqui para sofrer, e não essa outra filosofia que, em oposição, diz: goza porque estás aqui para realizar a tua felicidade; se não a encontrares na si­ tuação atual, ataca sem mêdo o rico cujo egoísmo te recusa o quinhão de ventura a que tens direito; tirando do rico o supér­ fluo, garantirás teu bem-estar e o dos que estão na mesma situação que tu.[i 5]

Vê-se que Thiers interessa-se pela filosofia. Por quê? Porque a filosofia tem caráter de classe. È certo que, em geral, os filósofos não duvidam disso. Em toda concepção do mundo há um sentido prático: favorece determinadas classes e desserve outras. Veremos que o marxismo é, também, uma filosofia de classe.

Enquanto o burguês revolucionário Camille Desmoulins via na filosofia uma arma a serviço da revolução, o conservador Thiers olha­va-a como uma arma a serviço da reação social: a “boa filosofia” é aquela que convida o trabalhador a dobrar a espinha. Assim pen­sava o futuro fuzilador dos heróis de Comuna de Paris.

Por que devemos estudar filosofia?

Hoje, os suces­ sores de Thiers, na França como nos Estados Unidos, movem proces­ sos de opinião contra os marxistas. Eles gostariam de aniquilar não só os marxistas, mas também a sua filosofia. Assim Thiers preten­ dia matar, com os comunistas, as idéias de progresso social. Por isso mesmo é que o dever dos operários e dos trabalhadores em geral deve ser: opor à filosofia que serve aos exploradores, uma filosofia capaz de ajudar na luta contra êsses mesmos exploradores. O estudo da filosofia importa, pois, e muito, aos trabalhadores. Esta impor­ tância surge, imediatamente, quando o problema se coloca no terre­ no dos fatos.

Os fatos são a situação cada vez mais dura que a política da burguesia, hoje classe dominante, impõe a todos os trabalhadores do país: desemprêgo e vida cara, oportunidades recusadas aos jo­ vens, investidas contra as leis sociais, contra o direito de greve, con­ tra as liberdades democráticas, repressões, agressões armadas (no- tadamente o 14 de julho de 1953 em Paris), colonização do país pelo imperialismo americano, a sangrenta e ruinosa guerra do Vietnã, reconstituição da Wehrmacht etc. E os trabalhadores perguntam a si mesmos: como sair desta situação? A necessidade de saber por que as coisas são assim se torna cada vez mais geral, cada vez mais aguda. De onde vem o perigo de guerra? De onde vem o fascis­mo? De onde vem a miséria? Os trabalhadores de nosso país que­ rem compreender o que se passa; e querem saber como essas coisas podem ser mudadas.

Não está, pois, bem claro que, se a filosofia é uma concepção do mundo, concepção que tem conseqüências práticas, £ preciso que os trabalhadores que querem modificar o mundo tenham dele uma justa concepção? Além do mais, é preciso mirar bem para atingir o alvo.

Admitamos que todos os trabalhadores pensem que a realidade é inconhecível. Assim sendo, estarão indefesos contra a guerra, o desemprego, a fome. Tudo o que acontecer será para eles ininteligível; suportarão tudo como fatalidades. É justamente a esse ponto que a burguesia os quer levar. Além disso, a burguesia vale-se de todos os meios para difundir uma concepção do mundo que esteja de acor­ do com os seus interesses. Assim se explica a profusão de idéias mino esta: “Haverá sempre ricos e pobres.” Ou ainda: “A socie­dade é uma selva, e o será sempre; portanto, cada um para si! De­ vora o outro se não queres que ele te devore. Operário, procura con­ quistar as boas graças do teu patrão, em detrimento dos teus com­ panheiros de trabalho, ao invés de te unires a eles, na defesa comum de vossos salários. Empregada, procura tornar-te amante do patrão, e terás vida regalada. E os outros que se arranjem...”

Essas idéias são encontradas em quantidade em Seleções do Reader’s Digest, na “imprensa sadia”... Ê o veneno com que a burguesia quer corromper a consciência dos trabalhadores e do qual, por con­ seguinte, ele se devem defender. Èsse veneno se encontra, entretan­ to, sob as mais diversas formas. É assim que os trabalhadores que ainda lêem o Franc-Tireur compram, sem o saber, quinze francos de veneno por dia. Sem o saber, porque Franc-Tireur tripudia, grita que isto vai mal e que ainda se há de ver isto e mais aquilo; mas, Franc-Tireur evita dizer por que isto vai mal, evita mostrar as cau­ sas e, principalmente, se encarrega de impedir ou de desfazer a união dos trabalhadores, essa união que é, precisamente, o único meio de sair do atual estado de coisas.

Todas essas idéias provêm, em última análise, de uma concepção do mundo, de uma filosofia: a sociedade é inatingível; é preciso admiti-la tal como ela é, suportar-lhe a exploração ou então conquis­ tar um “lugarzinho” a qualquer preço...

Ora esta! Para que procurar saber o “porquê” e o “como” das coisas que nos acontecem? A injustiça é cometida todos os dias, e a força está acima do direito!

Eis o que se pode ler em Super-boy, uma das numerosas publica­ ções que a burguesia destina aos filhos dos trabalhadores. Violência, desprêzo pelo homem; é isso que, de fato, convém às necessidades da burguesia agressiva, para quem a guerra de conquista é atividade normal. É oportuno lembrar o que Lenine dizia em 1920, no III Congresso da Federação das Juventudes Comunistas da Rússia. Assim descre­ via a sociedade capitalista:

A sociedade antiga baseava-se no seguinte princípio: ou roubarás o teu próximo, ou ele te roubará; ou trabalhas em proveito de outro, ou é ele que trabalha em teu proveito; ou és senhor de escravos, ou serás tu mesmo o escravo. Compreende-se que homens educados nessa sociedade suguem, com o leite materno, uma psi­ cologia, hábitos e idéias de escravagistas, ou de escravo, de patrão, ou de empregado, de pequeno funcionário, de intelectual; em re­ sumo, de homem que não pensa senão em possuir aquilo que ne­ cessita, desinteressando-se pelos outros. Se exploro o meu “pedaço” de terra, não me devo preocupar com os outros; se os outros têm fome, tanto melhor: vender-lhes-ei mais caro o meu trigo. Se tenho meu “lugarzinho”, como médico, engenheiro, professor ou empregado, que me importa o próximo? Pode ser que adulando os detentores do poder, procurando agradá- los, eu conserve meu lugar e consiga mesmo “subir” e tornar-me também um burguês.[i 6]

É preciso, pois, fazer guerra sem tréguas, fora de nós e em nós mesmos, a essa velha filosofia, tão apreciada pela burguesia reinante, porque ela tem a seu favor, além da tradição e dos preconceitos, a grande imprensa, o rádio, o cinema... É preciso aceitar o convite de Barbusse, que dizia, evocando a necessidade dessa luta constante contra as velhas idéias-veneno: Recomeçarás, se necessário, com mag­nifica honestidade.[i 7]

É preciso trabalhar para ter idéias novas que tragam consigo a confiança,' e não o desespêro, a luta e não a resignação. Para os tra­ balhadores, isto não é uma questão secundária. É uma questão de vida ou de morte, porque eles não poderão se livrar da opressão de classe se não tiverem uma concepção do mundo, que os leve a poder efetivamente transformado.

A propósito, em A Mãe, conta Gorki como, na Rússia dós czares, uma velha, até então resignada com tudo, sem esperança, torna-se uma revolucionária indòmita por haver compreendido, graças ao fi­ lho, combatente heróico do socialismo, as origens do sofrimento do povo, por haver compreendido que era possível por fim àquele es­ tado de coisas.

O estudo da filosofia não será inútil àqueles que lutam, que não se resignam; efetivamente, só uma concepção objetiva do mundo lhes pode dar razões para lutar.

Sem teoria justa, não há luta vitoriosa. Alguns crêem que, para atingirmos um alvo, basta que as condições de êxito se realizem. Estão errados, porque é preciso ainda saber se essas condições estão se realizando. Quanto mais complicadas forem as situações, mais importante saber situar-se dentro delas.

Essas observações são válidas quando se trata da luta revolucioná- ria, da luta pelo socialismo e pelo comunismo. “Sem teoria revolu- cionària não há movimento revolucionário”, dizia Lenine.

Essas observações são válidas também para a luta por outros ob­ jetivos: luta pelas liberdades democráticas, peláo pão, pela paz.

Portanto, é por necessidade prática que devemos estudar filosofia, que nos devemos interessar pela concepção geral do mundo.

Vejamos agora, mais de perto, qual a filosofia que nos permitirá conhecer o mundo e, por conseguinte, lutar pela sua transformação.

Que filosofia estudar?

Uma filosofia científica: o materialismo dialético

Se quisermos transformar a realidade (natureza e sociedade) é ne­ cessário conhecê-la. É através das diversas ciências que o homem co­ nhece o mundo. Assim sendo, apenas uma concepção científica do inundo pode convir aos trabalhadores, na luta por uma vida melhor. Esta concepção científica é a filosofia marxista, é o materialismo dia­ lético.

Uma questão vem-nos então ao espírito: que diferença existe en­tre “ciência” e “filosofia”? Não se identifica a segunda com a pri­meira? A filosofia marxista é, com efeito, inseparável das ciências, mas distingue-se delas. Cada uma das ciências (Física, Biologia, Psi­cologia etc.) se propõe estudar as leis próprias de um bem determi­nado setor da realidade. O materialismo dialético tem, porém, um duplo objetivo:

  1. como dialética, estuda as leis mais gerais do universo, leis co­muns a todos os aspectos da realidade, desde a natureza física, até o pensamento, passando pela natureza viva e pela sociedade. (As próximas lições abordarão o estudo dessas leis.) Marx e Engels, fun­dadores do materialismo dialético, não fundamentaram, porém, a dia­ lética em fantasia. Foi o progresso das ciências que lhes permitiu descobrir e formular as leis mais gerais, que são comuns a todas as ciências e que são expostas por sua filosofia.[i 8]
  2. como materialismo, a filosofia marxista é uma concepção científica do mundo, a única científica, isto é, a única que está con­ forme com o que ensinam as ciências. Ora, o que ensinam as ciên­cias? Que o universo é uma realidade material, que o homem não é estranho a essa realidade, que pode conhecê-la, e, pelo conhecimento, transformá-la, como provam os resultados práticos obtidos pelas di­ versas ciências. Abordaremos o estudo do materialismo filosófico nas lições 8.a, 9.“, 10.a e 11.“. O materialismo marxista não se identifica com as ciências, porque o seu objeto não é o aspecto limitado do real (que é o objeto das ciências), mas a concepção do mundo em seu conjunto, concepção que todas as ciências admitem implici­tamente, ainda que os cientistas não sejam marxistas.

A concepção materialista do mundo, diz Engels, significa, simples­mente, a concepção da natureza, tal como ela é, sem adicionamentos estranhos.[i 9]

Cada ciência estuda um aspecto da “natureza, tal como ela é”.

A filosofia marxista é, porém, a concepção geral da “natureza, tal como ela é”. É, pois, ainda que não se identifique com as ciências, uma filosofia científica.

Já dissemos que o materialismo dialético não se identifica com às ciências. Mas, acabamos de ver, também, que as ciências são, ne­ cessàriamente, dialéticas (uma vez que não se podem constituir se desconhecerem as leis mais gerais do universo) e materialistas (uma vez que têm por objeto o universo material). O materialismo dialé­ tico é, pois, inseparável das ciências. Ele não pode progredir a não ser fundamentado nelas; èie é a síntese delas. Em troca, ele as aju­ da poderosamente, como teremos oportunidade de constatar. Além disso, ele se impõe a tarefa de criticar as concepções não-científicas do mundo, as filosofias antidialéticas e antimaterialistas.

O materialismo histórico estende à sociedade os princípios do ma­ terialismo dialético, como veremos nas lições 15a e 21.a.

Materialismo dialético e materialismo histórico constituem o funda­ mento teórico do socialismo científico e, por conseguinte, do comunismo.

Resumindo todas essas características Stalin escreveu:

O marxismo é a ciência das leis do desenvolvimento da natureza e da sociedade, a ciência da revolução das massas oprimidas e ex­ ploradas, a ciência da vitória do socialismo em todos os países, a ciência da edificação da sociedade comunista.[i 10]

Uma filosofia revolucionária: a filosofia do proletariado

É justamente por ser científica e, como tal, capaz de se comprovar pelos fatos — a prática verificando a teoria — que a filosofia marxista é, ao mesmo tempo, a filosofia do proletariado, a teoria do partido do proletariado, classe revolucionária, cujo papel histórico é vencer a burguesia, suprimir o capitalismo e constituir o socialismo. Voltaremos, na Décima Quarta Lição, a falar da importância dos laços que unem o proletariado ao marxismo. Convém, entretanto, pô-los em evidência desde já.

Se, efetivamente, o proletariado aderiu à filosofia marxista, se a assimilou e se a enriqueceu, é porque na luta para transformar a sociedade — sociedade na qual é vítima — ele se impôs a tarefa de compreender essa sociedade, de estudá-la cientìficamente. A burguesia, defendendo seus interesses de classe privilegiada, procura fazer esquecer que sua dominação repousa na exploração da força de tra­balho. Ela nega a própria realidade da exploração capitalista porque reconhecer a realidade seria contrário aos seus interesses de classe, volta cada vez mais as costas à verdade.

Muito diferente é a posição do proletariado. Seu interèsse de clas­se explorada, que quer sacudir o jugo, consiste em encarar o mundo de frente. A classe exploradora necessita de mentiras, para perpetuar a exploração; a classe revolucionária necessita da verdade, para aca­bar com a exploração; tem necessidade de uma concepção justa do mundo, para dar conta de sua tarefa revolucionária, adequadamente.

Ver o mundo de frente, nisto consiste o materialismo.

Ver o mundo em seu desenvolvimento real, nisto consiste o ma­ terialismo dialético (sendo a dialética o estudò das leis que explicam o desenvolvimento da sociedade).

Podemos, pois, dizer, que, por ser filosofia científica, o materialis­ mo dialético tornou-se a filosofia da classe revolucionária, da classe cujo interèsse é compreender a sociedade, para se libertar da explo­ ração. O marxismo é a filosofia científica do proletariado.

A. Idanov pôde dizer:

O aparecimento do marxismo, como filosofia científica do proleta­ riado põe fim ao período antigo da história da filosofia quando es­ ta era ocupação de solitários, o apanágio de escolas compostas de pequeno número de filósofos e seus discípulos, fechados, divorciados da vida e do povo, estranhos ao povo. O marxismo não é uma escola filosófica dessa espécie. Ao con­ trário, aparece como um avanço sobre a filosofia antiga, uma vez que esta era o privilégio de alguns eleitos, de um aristocracia do es­ pírito; surge como o início de um período inteiramente novo, em que a filosofia se transforma em arma científica nas mãos das mas­ sas proletárias em luta pela própria emancipação.[i 11]

É esta a filosofia que estudaremos porque, sendo científica, traz aos trabalhadores a luz que aclara a luta em que se empenham. Aos trabalhadores, e não apenas aos proletários, uma vez que os traba­ lhadores manuais e intelectuais são os aliados do proletariado revo­ lucionário e têm os mesmos interesses contra a burguesia capitalista. O estudo do marxismo, filosofia científica do proletariado, é tarefa de todos aqueles que, proletários ou não, desejam desfazer as menti­ras propícias ao reinado da burguesia. Como toda ciência, a teoria marxista é acessível a todo homem, qualquer que seja a sua classe: um burguês pode ser marxista, desde que se coloque ao lado do proletariado, que se situe no ponto de vista do proletariado. O laço que une o marxismo ao proletariado permite-nos compre­ ender que a filosofia marxista, filosofia do proletariado, é necessa­ riamente uma filosofia de partido. O proletariado não pode, com efeito, vencer a burguesia sem um partido revolucionário que conhe­ça a ciência das sociedades. Esta ideia já foi expressa por Marx e Engels, no Manifesto do partido comunista, Lenine, por sua vez, disse:

Marx e Engels foram, em filosofia, do comêço ao fim, homens de partido.[i 12]

O mesmo aconteceu com seus melhores discípulos, principalmente com Lenine e com Stalin.

Conclusão: unidade entre a teoria e a prática

Para os trabalhadores e, em particular, para os proletários, o estudo da filosofia marxista não é um luxo: é um dever de classe. Não cumpri-lo é deixar o campo livre às concepções anticentíficas e rea­ cionárias, de que se serve a opressão burguesa; é privar o movimen­to operário da bússola que o norteia.

A burguesia teme a filosofia do proletariado e faz-lhe guerra por todos os meios. Durante décadas, afastou-a das universidades, na tentativa de extingui-la. Depois, como aumentasse a influência do materialismo dialético (ao mesmo tempo que crescia a autoridade da classe operária), foi necessário usar de astúcia: os ideólogos burgue­ ses mudaram de tática. Passaram a dizer: é claro que o marxismo, outrora, satisfazia. Hoje porém, está superado. Daí, as inúmeras ten­tativas de “superação” do marxismo. Significativo é que todas essas novas teorias passem por uma operação preliminar: a liquidação ou a falsificação das bases filosóficas do marxismo, a liquidação ou a falsificação do materialismo dialético.

A burguesia obteve, nessa tarefa, a colaboração solícita dos chefes da social-democracia internacional. Na França, em particular, a ajuda de Léon Blum. Em A escala humana (1946), ele nega que o socialismo tenha necessidade de uma filosofia materialista, em oposição aos ensinamentos de Marx. E os chefes da Internacional So­cialista se colocam, abertamente, sob as asas da religião: O marxis­mo — o materialismo dialético e histórico — não é absolutamente necessário ao socialismo; a inspiração religiosa é para ele muito mais valiosa.[i 13]

Veremos que tais manobras conseguiram atrair a interdição sobre a luta de classe, isto é, sobre a revolução.

Mas, os silêncios e as falsificações em nada podem mudar a ver­ dade do materialismo dialético e do materialismo histórico. Fatos são fatos. Por exemplo, presentemente, exasperam-se as controvérsias entre os diversos países capitalistas, embora reunidos em coalisão contra o país do socialismo. Os próprios capitalistas constatam essa situação que já havia sido prevista e descrita por Stalin em seu úl­timo trabalho: Problemas econômicos do socialismo na URSS, trabalho èsse que desenvolve e enriquece a teoria marxista.

Os fatos aí estão. A vitória do socialismo, a implantação do co­ munismo na URSS, o impulso das democracias populares, os pro­ gressos dos partidos operários marxistas-leninistas, são outras tantas provas da potência soberana da teoria marxista. E as filosofias bur­ guesas apenas conseguem registrar (e tentar justificar, sem explicar) a acentuação da crise geral do capitalismo.

Há, entretanto, um ponto que não deve ser esquecido pelos que empreendem o estudo da filosofia marxista. Filosofia científica do proletariado revolucionário, o marxismo jamais separa a teoria (isto é, o conhecimento), da prática (ou seja, a ação). Marx, Engels e seus discípulos foram, ao mesmo tempo, pensadores e homens de nção. Foi, aliás, esta ligação orgânica entre a teoria e a prática que permitiu o enriquecimento do marxismo: cada etapa do movimento revolucionário preparou novo avanço da teoria. Não é possível assimilar os princípios do marxismo se não houver participação na ação revolucionária, que põe em evidência a fecundidade daquela teoria.

“A teoria marxista-leninista não é um dogma, mas um guia para a ação”.[i 14]

Notas

  1. Descartes, Discurso sobre o método
  2. Gorki, Pequenos-burgueses
  3. A respeito das forças produtivas e das relações de produção, ver a Décima Quinta Lição.
  4. Citado por Albert Soboul: 1789 L’An Un de la Liberte, Éditions Sociales, Paris, 1950, 2ª edição, pág. 63.
  5. Citado por Georges Gogniot: La Question Scolaire en 1848 et la Loi Fil­ iaux, Editions Hier e Aujourd’hui, pág. 189.
  6. Lenine, Obras escolhidas, tomo II
  7. Barbusse, Palavras de um combatente
  8. A respeito da formação da teoria marxista, ver as lições primeira e décima quarta.
  9. Engels: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã
  10. Stalin: Sobre o marxismo na linguística
  11. Jdanov, Sobre a literatura, música e filosofia
  12. Lenin: Materialismo e empiriocriticismo
  13. Statuts de la Nouvelle "Internationale Socialiste”. (C.O.M.I.S.C.O. transformé.)
  14. Stalin: História do partido comunista (bolchevique) da URSS

Estudo do método dialético marxista

O método dialético e suas características

O materialismo dialético é assim chamado porque sua maneira de considerar os fenômenos naturais, seumétodo.de. investigação e de- conhecimento são dialéticos-, sua interpretação, sua concepção dos fenômenos da natureza, sua teoria são materialistas.[1 1]

Que é método?

Entende-se por “método” o caminho pelo qual se atinge um fim. Os maiores filósofos, como Descartes, Spi­nosa, Hegel, estudaram atentamente os problemas do método, porque estavam empenhados em descobrir o meio mais racional para atingir a verdade. Os marxistas querem ver a verdade de frente, para além das aparências imediatas, para além das mistificações: o método tem, pois, também para eles, uma importância muito grande. Somente um método científico lhes permitirá elaborar essa concepção cientí­ fica do mundo, necessária à ação transformadora, revolucionária.

A dialética é, pois, o único método rigorosamente adequado a uma concepção materialista do mundo.

As seis lições que se seguem, neste trabalho, serão consagradas ao método dialético. Convém, entretanto, que, para tanto, nos prepare­ mos com uma introdução. Introdução que será facilitada por uma comparação entre o método dialético (que é científico) e o método metafísico (que é anticientífico ).

O método metafísico

a) Suas características

Compramos um par de sapatos amarelos. Ao fim de certo tempo, depois de muitos consertos, troca de solas, saltos, substituiçãd de outra peças etc., dizemos ainda: “vou calçar os sapatos amarelos” sem percebermos que já não são mais os mesmos. Esquecemo-nos das modificações sofridas pelos sapatos e a eles nos referimos como se não tivessem sofrido modificação alguma, como se permanecessem idênticos.

Este exemplo vai-nos ajudar a compreender o que é o método metafísico. Segundo expressão de Engels, o método metafísico considera as coisas “como feitas em definitivo”, como imutáveis.[1 2] Escapam a ele o movimento e, bem assim, as causas da modificação.

O modesto par de sapatos ficará bem longe, para trás, e já não nos servirá de exemplo quando fizermos um estudo histórico da me­ tafísica. Mostremos, simplesmente, que a palavra “metafísica” vem do grego meta (que se pode interpretar como significando para além) e física (ciência da natureza). O objeto da metafísica, principalmen­ te para Aristóteles, era o estudo do ser, que se encontra para além da natureza. Enquanto a natureza é movimento, o ser do além (ser sobrenatural) é imutável, eterno. Alguns o chamam Deus, outros, o Absoluto. Os materialistas, que se apoiam exclusivamente na ciên­cia, consideram esse ser como imaginário.[1 3] Mas, como os gregos antigos não podiam explicar o movimento, pareceu, ne­ cessário, a alguns de seus filósofos, estabelecer, para além da nature­ za em movimento, um princípio eterno.

Quando falamos em método metafísico estamos, com essa expres­ são, querendo significar um método que ignora ou desconhece a rea­ lidade do movimento e da transformação. Não ver que os sapatos já não são os mesmos é uma atitude metafísica. A metafísica ignora o movimento, em favor do repouso, a transformação, em favor do idêntico. “Nada há de novo sob o Sol”, diz ela. Acreditar que o capitalismo é eterno, é raciocinar metafìsicamente; acreditar que os males e os vícios (corrupção, egoísmo, crueldade etc.), engendrados e mantidos entre os homens pelo capitalismo, existirão sempre, tam­ bém é metafísico. Para o metafísico, o homem é eterno, logo, é imutável.

Por quê? Porque separa o homem do seu meio, a sociedade. O metafísico diz: “De um lado, o homem, do outro, a sociedade. Se destruirdes a sociedade capitalista, tereis uma sociedade socialista. E então? O homem continuará sendo o homem.” Com isso atingimos o segundo traço da metafísica: separar, arbitrariamente, o que é inseparável, na realidade. O homem é, com efeito, um produto da história das sociedades: o que ele é não se realiza fora da sociedade, mas por intermédio dela. O método metafísico separa, arbitrariamen­te, o que está unido na realidade. ele classifica as coisas em defini­tivo. Ele diz, por exemplo: de um lado, a política, do outro, o sin­dicato. É verdade que a política e sindicato são duas coisas. Mas, a experiência da vida nos mostra que, política e sindicato nem por isso, são menos inseparáveis. O que se passa no sindicato influi so­bre a política; inversamente, a atividade política (Estado, partidos, eleições etc.) repercute no sindicato.

A preocupação de separar leva o metafísico, em todas as circunstân­cias, a raciocinar assim: “Uma coisa é, ou bem isto, ou bem aquilo. Ela não pode ser, ao mesmo tempo, isto e aquilo.” Exemplos: a de­mocracia não é ditadura; a ditadura não é democracia. Donde, um Estado é, ou bem democracia, ou bem ditadura. Mas, que nos en­sina a vida? Ensina-nos que o mesmo Estado pode ser, ao mesmo tempo, ditadura e democracia. O Estado burguês (por exemplo, os Estados Unidos) é democracia para a minoria dos grandes financis­tas, que têm todos os direitos, todo o poder; é ditadura para a maio­ria, para os pequenos, cujos direitos são ilusórios. O Estado popu­lar (por exemplo, a China) é ditadura em relação aos inimigos do povo, à minoria exploradora, escorraçada do poder pela violência re­volucionária; é democracia para a imensa maioria, para os trabalha­dores libertados da opressão.

Em resumo, o metafísico, porque define as coisas em definitivo (elas continuarão sendo sempre o que são), e porque, ciosamente, as isola, é levado a opor umas às outras, como absolutamente inconci­liáveis. Ele não admite que dois contrários possam existir ao mes­mo tempo. Um ser, diz ele, está vivo ou está morto. Parece-lhe in­concebível que um ser possa estar ao mesmo tempo, vivo e morto; entretanto, no corpo humano, por exemplo, a cada instante, novas cé­lulas substituem as que morreram: a vida do corpo é, justamente, essa luta incessante entre forças contrárias.

Rejeição da transformação, separação do que é inseparável, exclusão sistemática dos contrários, eis as características do método me­tafísico. Teremos oportunidade de estudá-las nas lições que se se­guem, cotejando-as com as características do método dialético. Des­de já, entretanto, podemos pressentir os perigos de um método me­tafísico, na pesquisa da verdade e na ação sobre o mundo. A metafí­sica deixa escapar, infalivelmente, a essência da realidade, que é a mudança incessante, a transformação. Ela não quer ver senão um aspecto dessa realidade infinitamente rica, e toma uma das partes pelo todo, uma árvore pela floresta inteira. Ela não se amolda à realidade, como o faz a dialética, mas quer forçar a realidade viven­te a se fixar nos seus quadros mortos. Tarefa destinada ao fracasso!

Conta uma velha lenda grega as proezas de um salteador, Procus- to, que deitava as vítimas em um leito de pequenas dimensões. Se a vítima era muito grande, cortava-lhe as pernas para que coubesse na cama; se era muito pequena, esquartejava-a para que, aos pedaços, ocupasse todo o leito. Assim são tratados os fatos pela metafísica. Mas, eles resistem...

b) Sua significação histórica

Antes de saber desenhar os objetos em movimento, é preciso apren­ der a desenhá-los imóveis. É, um pouco, a história da humanidade. Quando ela ainda não estava em condições de elaborar um método dialético, o método metafísico prestou-lhe grandes serviços.

O antigo método de pesquisa e de pensamento, que Hegel chama de “metafísico”, que se ocupava de preferência com o estudo das coisas consideradas como objetos fixos dados, e cujas sobrevivên- cias continuam a perturbar os espíritos, tinham, no seu tempo, sua grande justificação histórica. Era preciso, primeiramente, estudar as coisas, antes de poder estudar os processos (isto é, os movimen­ tos e as transformações). Era preciso, primeiro, saber o que era tal ou qual coisa, antes de poder observar as modificações que ne­ la se operavam. Assim, aconteceu com as ciências naturais. A me­ tafísica antiga, que considerava as coisas como feitas em definiti­ vo, era o produto da ciência da natureza, que estudava as coisas, mortas ou vivas, como imutáveis.[1 2]

No início, a ciência da natureza não podia proceder de outro mo­ do. Era preciso, primeiro, reconhecer as espécies vivas, distingui-las cuidadosamente umas das outras, classificá-las; um vegetal não é um animal, um animal não é um vegetal etc. Na Física, do mesmo modo, foi preciso, primeiro, distinguir bem o calor, a luz, a massa etc. para evitar confusões e se dedicar, para começar, ao estudo dos fenômenos mais simples. Assim é que, por muito tempo, a ciência não pôde analisar o movimento. ’Deu, pois, importância essencial ao repouso. Depois, quando surgiu o estudo científico do movimentò (com Galileu e Descartes), a Física se dedicou, primeiramente, à mais simples e à mais acessível forma de movimento: a mudança de lugar. Mas, os progressos das ciências levaram à quebra dos quadros me­ tafísicos.

Quando o estudo da natureza avançou tanto que o progresso deci­ sivo se tornou possível, isto é, quando foi possível passar ao es­ tudo sistemático das modificações sofridas pelas coisas no seio da própria natureza, soou, no campo filosófico, o dobre de finados para a velha metafísica.[1 2]

O método dialético

a) Suas características

A dialética considera as coisas e os conceitos no seu encadeamento; suas relações mútuas, sua ação recíproca e as decorrentes modifica­ções mútuas, seu nascimento, seu desenvolvimento, sua decadência.[1 4]

A dialética, opõe-se, sob todos os pontos de vista, à metafísica. Não que a dialética não admita o repouso e a separação entre os di­versos aspectos do real. Ela vê, no repouso, uma aspecto relativo da realidade, enquanto que o movimento é absoluto; considera, igual­mente, que toda separação é relativa porque, na realidade, tudo se relaciona de uma forma ou de outra, tudo está em interação. As leis da dialética serão estudadas nas seis lições que se seguem. Atenta a todas as formas de movimento, não simplesmente à mu­ dança de lugar, mas, também, às mudanças de estado como, por exem­plo, a água líquida transformando-se em vapor d’agua, a dialética explica o movimento pela luta dos contrários. Esta é a mais importante lei da dialética; a ela serão consagradas as lições 5.a, 6.a e 7.a. O metafísico isola os contrários, considerando-os, sistemàticamente, como incompatíveis. A dialética descobre que um não pode existir sem o outro, e que todo movimento, toda mudança, toda transforma­ção são explicáveis pela luta dos contrários. Já mostramos no item II desta lição que a vida do corpo humano é produto da luta inces­ sante entre forças de vida e forças de morte, vitória que a vida bus­ca, sem cessar, alcançar sobre a morte, vitória que a morte disputa sem cessar à vida.

Todo ser orgânico, a cada instante, é e não é o mesmo; a cada instante assimila matérias estranhas e elimina outras; em cada ins­ tante perecem células de seu corpo, e outras se constituem; no fim de um tempo mais ou menos longo, a substância dêsse corpo foi totalmente renovada, foi substituída por outros átomos de maté­ria; assim, todo o ser organizado é constantemente o mesmo e, também, outro. Considerando as coisas mais atentamente, vere­ mos, ainda, que os polos de uma contradição, positivo e negativo, são tão inseparáveis quanto opostos e que, apesar de manterem todo o valor da antítese, eles se interprenetram; veremos, paralela­ mente, que causa e efeito são representações que não têm valor como tal, senão quando aplicadas a um caso particular; desde, po­rém, que consideremos èsse caso particular em sua conexão ge­ral com o conjunto do mundo, as representações se fundem e se resolvem em face da ação recíproca universal, onde causas e efei­tos se permutam continuamente; o que é efeito, agora, ou aqui, passa a ser causa, logo mais, ou em outro lugar, e vice-versa.[1 5]

O mesmo acontece na sociedade; veremos que a luta dos contrá­ rios nela se dá sob a forma de luta de classes. A luta dos contrários é ainda o motor do pensamente.[1 6]

b) Sua formação histórica

Aos filósofos gregos cabe o mérito de ter esboçado a dialética. eles concebiam o mundo como um todo. Heráclito ensinava que esse todo se transforma: “jamais entramos no mesmo rio”, dizia ele.

A luta dos contrários já tinha, para eles, muita importância, principalmente para Platão, que acentua a fecundidade dessa luta; os con­trários se geram mutuamente.[1 7] A palavra dialética vem diretamente do dialegein, que significa discutir. Exprime a luta de ideias con­trárias.

Entre os mais vigorosos pensadores do período moderno, espe­ cialmente Descartes e Spinosa, encontram-se notáveis exemplos do ra­ciocínio dialético.

Foi, porém, Hegel (1770-1831), o grande filósofo alemão, cuja obra se desenvolveu no período subsequente à Revolução Francesa, quem devia formular pela primeira vez, de forma genial, o método dialético. Admirador da revolução burguesa que, triunfando na Fran­ça, pôs abaixo a sociedade feudal, que se supunha eterna, Hegel rea­lizou uma revolução análoga no plano das ideias: destronou a me­tafísica e suas verdades eternas. A verdade não é um conjunto de princípios definitivos. É um processo histórico, a passagem de graus inferiores para graus superiores do conhecimento. Seu movimento é o da própria ciência, que não progride senão sob a condição de ser crítica incessante de seus próprios resultados, a fim de poder superá-los. Vemos, assim, que, para Hegel, o motor de toda transformação é a luta dos contrários.

Entretanto, Hegel foi um idealista; o que equivale a dizer que, para ele, a natureza e a história humanas não eram mais do que uma manifestação, uma revelação da Ideia incriada. A dialética hegeliana era, pois, puramente espiritualista.

Marx (que foi, a princípio, discípulo de Hegel) soube reconhecer na dialética o único método científico. Mas, ele soube também, como materialista que era, colocá-la em seu devido lugar: repudiando a concepção idealista do mundo, segundo a qual o universo material é um produto da Ideia, ele compreendeu que as leis da dialética são as do mundo material e que, se o pensamento é dialético, é por que os homens não são alheios a èsse mundo, mas fazem parte dele.

Para Hegel, escreveu Engels — amigo e colaborador de Marx —, o desenvolvimento dialético, que se manifesta na natureza e na his­tória, isto é, o encadeamento causai do progresso, impondo-se do inferior ao superior, através de todos os movimentos em ziguezague e de todos os recuos momentâneos, não é senão o reflexo do automôvimento pessoal da ideia, prosseguindo por toda a eterni­dade, não se sabe onde, mas, em todo caso, independentemente de qualquer cérebro humano pensante. Esta era a intromissão ideo­lógica que precisava ser evitada. Consideramos as ideias de nosso cérebro, do ponto de vista materialista, como sendo o reflexo dos objetos, em lugar de considerar os objetos reais como sendo o reflexo de tal ou qual grau da ideia absoluta. Assim, a dialética ficou reduzida à ciência das leis gerais do movimento (tanto do mundo exterior, como do pensamento humano), a duas séries de leis, idênticas no fundo, mas diferentes na sua expressão, no sen­tido de que o cérebro humano pode aplicá-las conscientemente, en­quanto que, na natureza, e até o presente, também na maior parte da história humana, elas não encontram o seu caminho senão de mo­do insconsciente, sob a forma da necessidade exterior, no seio de uma série infinita de acasos aparentes. Por isso, a dialética da pró­pria ideia mão é mais do que o simples reflexo consciente do movi­ mento dialético do mundo real e, assim sendo, a dialética de He­gel foi posta de cabeça para cima, ou mais exatamente, ela foi re­ colocada sôbre seus pés.[1 2]

Em resumo, Marx rejeitou o envólucro idealista do sistema hege­ liano, para manter o “núcleo racional”, isto é, a dialética. ele mes­ mo o diz claramente no segundo prefácio d'O capital (janeiro de 1873):

Meu método dialético, não só difere bàsicamente do método hege­liano, como também é, exatamente, o oposto dele. Para Hegel, o movimento do pensamento, que ele representa sob o nome de ideia, é o “demiurgo” da realidade, que, por sua vez, não é mais do que forma fenomenal da ideia. Para mim, ao contrário, o movimento do pensamento não é senão o reflexo do movimento real, transpor­tado e transposto para o cérebro do homem.[1 8]

De que modo Marx e Engels foram levados a essa modificação de­ cisiva? A resposta está em suas obras. Foi o impulso das ciências da natureza, nos fins do século XVIII, e nas primeiras décadas do século XIX, que os levou a pensar que a dialética tem um funda­ mento objetivo.

Três grandes descobertas tiveram, a respeito disto, um papel de­ terminante:

  1. A descoberta da célula viva, a partir da qual se desenvolvem os mais complexos organismos;
  2. A descoberta da transformação da energia: calor, eletricidade, magnetismo, energia química etc. são formas qualitativamente di­ ferentes da mesma realidade material;
  3. O transformismo de Darwin. Apoiando-se em dados da pa­ leontologia e da pecuária, o transformismo mostrou que todos os se­ res vivos (entre eles se incluindo o homem) são produtos de uma evolução natural.[1 9]

Essas descobertas, bem como o conjunto das ciências do tempo (por exemplo, a hipótese de Kant e de Laplace, que explica o sistema solar a partir de uma nebulosa; ou, ainda, o aparecimento da Geologia, que reconstitui a história do globo terrestre), punham em evidên­cia o caráter dialética da natureza, considerada como unidade de um imenso todo que se desenvolve segundo leis necessárias, gerando, sem cessar, novos aspectos, e sendo a espécie humana e as sociedades humanas um momento dessa universal transformação.

Marx e Engels concluíram que, para compreender essa realidade profundamente dialética, era preciso renunciar ao método metafísico, que quebra a unidade do mundo e susta-lhe o movimento; tornava-se necessário um método dialético, aquele método que Hegel recolocara em posição honrosa, sem descobrir, contudo, seus fundamentos obje­ tivos.

O método dialético não foi, pois, formulado por Marx e Engels arbitràriamente. Eles o tiraram das próprias ciências, que, por sua vez, têm por campo de estudos a natureza objetiva que é dialética.[1 10]

É por isso que Marx e Engels, durante toda a vida, acompanharam de muito perto o progresso das ciências; o método dialético foi-se precisando à medida que o conhecimento do universo se tornava mais profundo. De acordo com Marx (que, de seu lado, dedicando-se a fundo à economia política, escrevia O capital), Engels consagrou longos anos de minucioso estudo à filosofia e às ciências da natureza. Assim, escreveu (1877-78) o Anti-Dühring e começou a redação de vasta obra de síntese, Dialética da natureza, da qual deixou inúme­ros capítulos; obra que se inspira nas ciências da época, notavelmente aclaradas pelo método dialético.

Essa fecundidade do método dialético devia conquistar, para o mar­xismo, em movimento cada vez mais amplo, grande número de cien­tistas, de todos os ramos do conhecimento. Na França, o grande físico Paul Langevin, tipo clássico de cientista, aderiu ao marxismo e foi também grande cidadão e admirável patriota.

Essa fecundidade do metodo dialético devia ser demonstrada por Marx e Engels. Combatentes revolucionários, tanto quanto homens de pensamento, resolveram, por serem dialéticos, o problema que seus mais geniais predecessores não tinham sabido propor corretamente: aplicando a dialética materialista à história humana, fundaram efeti­vamente a ciência das sociedades (que tem por teoria geral o mate­rialismo histórico). Veremos como se deu essa descoberta fundamen­ tal na Décima Quarta Lição[link a ser definido —PW]. Deram, desse modo, base científica ao socialismo.

Compreende-se, pois, que foi por interèsse de classe que a bur­ guesia declarou guerra à dialética. A dialética

... é um escândalo e uma abominação para as classes dirigentes e seus ideólogos doutrinários, porque, na concepção positiva das coi­ sas existentes, ela inclui simultaneamente, a compreensão de sua negação fatal, de sua destruição necessária, porque, apreendendo a dialética o próprio movimento, do qual toda a forma acabada não é mais do que uma configuração transitória, nada se lhe poderia impor: porque ela é essencialmente critica e revolucionária.[1 11]

Teremos oportunidade de mostrar que é por isso que a burguesia procura refúgio na metafísica.

Lógica formal e método dialético

É Útil completar esta primeira lição com algumas notas sôbre a Lógica.

Já vimos (ponto II, b) que as ciências, no seu início, não podiam empregar senão um método metafísico.

Generalizando èsse método, os filósofos gregos (principalmente Aris­ tóteles) formularam certo número de regras universais, que o pensa­ mento devia seguir em todas as circunstâncias, para evitar o êrro. O conjunto dessas regras recebeu o nome de Lógica. A Lógica tem por objeto o estudo dos princípios e regras que o pensamento deve se­ guir na pesquisa da verdade. Esses princípios e regras não derivam da fantasia. Originam-se do contrato permanente do homem com a natureza; foi a natureza que tornou o homem “lógico”, que lhe en­ sinou que não pode fazer o que bem entenda.

Eis as três principais regras da Lógica tradicional, também chama­ da Lógica Formal:

  1. O princípio de identidade: uma coisa é idêntica a si mesma. Um vegetal é um vegetal, um animal é um animal; a vida é a vida, a morte é a morte. Os lógicos, pondo este princípio em fórmula, dizem: A é A.
  2. O princípio de não-contradição: uma coisa não pode ser, ao mesmo tempo, ela mesma e seu contrário. Um vegetal não é um animal; um animal não é um vegetal. A vida não é a morte; a morte não é a vida. Os lógicos dizem: A não é não-A.
  3. O princípio do terceiro excluído. (Ou exclusão do terceiro ca­ so.) Entre duas possibilidades contraditórias não há lugar para uma terceira. Um ser é animal ou vegetal; não há lugar para uma terceira possibilidade. Ë preciso escolher entre a vida e a morte; não há um terceiro caso. Se A e nao-A são contraditórios, deter­ minada coisa é A ou nao-A.

É válida esta lógica? Sim, porque representa a experiência acumulada por séculos e séculos. Porém, ela é insuficiente quando se pre­ tende aprofundar a pesquisa. Voltando aos próprios exemplos dados, constatamos que há sêres vivos que não podem ser classificados, ri­gorosamente, na categoria dos vegetais, ou na categoria dos animais, porque são uma e outra coisa. Do mesmo modo, não há vida absolu­ta, nem morte absoluta; todo ser vivo se renova a cada instante em luta contra a morte; toda morte leva consigo os elementos de uma nova vida. (A morte não é a abolição da vida, mas a decomposição de um organismo.) Válida dentro de certos limites, a Lógica For­mal é insuficiente para penetrar nas profundezas da realidade. Que­rer que ela dê mais do que pode, é precisamente cair na metafísica. A Lógica tradicional, em si, não é falsa; mas, quando a aplicamos para além de seus limites, ela engendra o êrro.

É verdade que um animal não é um vegetal; é verdade, e continua sendo verdade, que é preciso, de conformidade com o princípio de não-contradição, evitar as confusões. A dialética não é a confusão. Mas, a dialética diz que é verdade, também, que o animal e o vegetal são dois aspectos inseparáveis da realidade, a tal ponto que certos seres são um e outro (unidade dos contrários).

A Lógica Formal, constituída nos primórdios das ciências, é suficiente para o uso corrente: permite classificar, distinguir. Quando, porém, queremos aprofundar a análise, ela já não pode bastar. Por que? Porque o real é movimento, e a lógica da identidade (A é A) não permite que as idéias exprimam o real em seu movimento. Por­ que, por outro lado, èsse movimento é o produto de contradições internas, como veremos na Quinta Lição[link a ser definido —PW]; ora, a lógica da identidade não permite conceber a unidade dos contrários e a passagem de um para o outro.

A Lógica Formal, em suma, não atinge senão o .aspecto mais ime­ diato da realidade. O método dialético vai mais longe; ele tem por objetivo atingir todos os aspectos de um processo.

A aplicação do método dialético às leis do pensamento chama-se Lógica Dialética.

Características do método dialético

Tudo se relaciona (lei da ação recíproca e da conexão universal)

Tudo se transforma (lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante)

A mudança qualitativa

A luta dos contrários

Notas

  1. Josef Stalin: Sobre o materialismo dialético e o materialismo histórico
  2. 2,0 2,1 2,2 2,3 Friedrich Engels: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã
  3. Ver Nona Lição (a ser definido o link)
  4. Friedrich Engels: Anti-Dühring
  5. Engels: Anti-Dühring Dois exemplos muito simples dessa interação, onde a causa se torna efeito e o efeito, causa: A água dos mares e dos rios, pela evaporação dá origem às nuvens, que, por sua vez, se condensam em chuva, que volta ao solo. O sangue, pósto em movimento pelo coração, tem necessidade dos pulmões que lhe dão oxigênio; os pulmões não podem trabalhar sem a circulação do sangue.
  6. Ver especialmente a Sexta Lição, ponto III. (link a ser definido)
  7. Um belíssimo exemplo da dialética platônica é dado por um dos seus mais célebres diálogos: Le Phédon.
  8. Marx: O capital, vol. I, Tomo I, pág. 29.* (A palavra demiurgo tem, aqui; o sentido de criador; a forma fenomenal da ideia significa "a aparência exterior de que a ideia se reveste.” (A idéia para Hegel, é a essência das coisas.) *Link direto a ser definido.
  9. Darwin, A origem das espécies, 1859.
  10. Os materialistas franceses do século XVIII (Diderot, d’Holbach, Helvetius), nos quais Marx reconhece seus antecessores diretos, uma vez que deles toma em­prestada a concepção materialista do mundo não puderam descobrir o método dialético. Por quê? Porque a ciência no século XVIIII não o permitia. As ciências da matéria viva estavam ainda na infância: ver-se-á o papel que elas deviam representar na formação do materialismo dialético, trazendo a idéia da evolução, idéia dialética por excelência (uma espécie transformando-se em outra). A ciência dominante no século XVIII era a Mecânica Racional, de Newton, que apenas conhecia a mais simples forma de movimento: a mudança de lugar, o deslocamento; o universo era, então, comparado a um relógio que se repete. Eis por que o materialismo do século XVIII é chamado mecanicista. Nisso, ele é metafísico uma vez que não compreende senão a mudança de lugar, e ignora, em particular, a luta dos contrários. Voltaremos ao materialismo mecanicista (metafísico), em particular, na Nona Lição (link a ser definido)
  11. Marx: O capital, vol. I

Estudo do materialismo filosófico marxista

O materialismo dialético e a vida espiritual da sociedade

O materialismo histórico

A teoria materialista do estado e da nação