Miséria da filosofia

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Miséria da filosofia
Escrito emprimeira metade de 1847
Publicado 1ª vezem Paris e Bruxelas, 1847
TipoLivro
FonteMarxists Internet Archive

Prefácios

Prefácio da primeira edição alemã

A presente obra foi composta no inverno de 1846-1847, época em que Marx conseguira elucidar os princípios de sua nova concepção histórica e econômica.[p 1] O Système des contradictions économiques ou Philosophie de la misère, de Proudhon, que acabava de aparecer, deu-lhe o ensejo para desenvolver seus princípios, opondo-os às ideias do homem que, desde então, devia ocupar um lugar importante entre os socialistas franceses da época. Desde o momento em que ambos, em Paris, haviam discutido longamente questões econômicas, muitas vezes durante noites inteiras, os rumos por eles seguidos foram se separando cada vez mais. O livro de Proudhon mostrava que já havia um abismo inseparável entre eles. Manter silêncio não era mais possível; e Marx evidenciou esta ruptura irreparável na resposta que lhe deu.

O julgamento de conjunto de Marx sobre Proudhon encontra-se expresso no artigo reproduzido em apêndice e que apareceu pela primeira vez no “Sozialdemokrat”, de Berlim, nos números 16, 17 e 18. Foi o único artigo que Marx publicou nesse jornal. Tendo as tentativas do sr. von Schweitzer no sentido de levar o jornal para as águas governamentais e feudais se manifestado quase imediatamente, fomos constrangidos a retirar publicamente nossa colaboração, depois de poucas semanas.

A presente obra tem para a Alemanha, agora, uma importância que Marx jamais previra. Como poderia saber que, atacando Proudhon, viria a atingir também o ídolo dos Strebers (arrivistas) de hoje, Rodbertus, que não conhecia nem mesmo de nome?

Este não é o lugar para nos estendermos sobre a relação existente entre Marx e Rodbertus; terei logo a ocasião para fazê-lo. Basta dizer aqui que quando Rodbertus acusa Marx de o haver “roubado” e de “ter em seu O Capital tirado proveito sem fazer citação” de sua obra Zur Erkenntniss, etc., ele se deixa arrastar a uma calúnia que não é explicável senão pelo mau humor natural num gênio desconhecido e pela sua notável ignorância das cousas que ocorrem fora da Prússia, e principalmente da literatura econômica e socialista. Estas acusações, do mesmo modo como a obra de Rodbertus que citamos, jamais passaram sob os olhos de Marx; ele não conhecia de Rodbertus senão as três “Sozialen Briefe” e estas mesmas, de nenhum modo, antes de 1858 ou 1859.

É com maior fundamento que Rodbertus pretende nessas cartas ter descoberto “o valor constituído de Proudhon” bem antes de Proudhon. Mas também aqui ele se gaba sem razão ao supor ter sido o primeiro a descobri-lo. De qualquer modo, nossa obra o critica juntamente com Proudhon, e isso me obriga a estender-me um pouco sobre seu opúsculo “fundamental”: Zur Erkenntniss unserer staatswirthschaftichen Zustcende, de 1842, pelo menos na medida em que esse escrito, além do comunismo à Weitling que também encerra, embora inconscientemente, antecipa Proudhon.

Na medida em que o socialismo moderno, seja qual for a sua tendência, procede da economia política burguesa, ele se liga quase que exclusivamente à teoria do valor de Ricardo. As duas proposições que Ricardo coloca, em 1817, no início de seus Princípios — em primeiro lugar, que o valor de cada mercadoria é unicamente determinado pela quantidade de trabalho exigida para a sua produção, e, em segundo lugar, que o produto da totalidade do trabalho social é repartido entre as três classes dos proprietários de terras (renda), dos capitalistas (lucro) e dos trabalhadores (salário) — já haviam dado motivo a partir de 1821, na Inglaterra, a conclusões socialistas. Elas tinham sido deduzidas com tanta profundidade e clareza que esta literatura, hoje quase desaparecida e que havia sido descoberta em grande parte por Marx, não pôde ser ultrapassada até o aparecimento de O Capital. Em outra ocasião tornaremos a falar nesse assunto. Quando Rodbertus, em 1842, tirava, por sua vez, conclusões socialistas das proposições citadas acima, era, certamente, para um alemão, um passo importante, mas isso não era uma descoberta senão para a Alemanha. Marx mostra a Proudhon, que sofria de uma imaginação semelhante, o pouco de novidade que havia numa tal aplicação da teoria de Ricardo.

“Todos os que estejam familiarizados, por pouco que seja, com o movimento da economia política na Inglaterra, não ignoram que quase todos os socialistas desse país têm proposto, em épocas diferentes, aplicação igualitária (ou seja socialista) da teoria ricardiana. Poderíamos citar ao sr. Proudhon a Économie Politique de Hopkins, 1822; An Inquiry into the Principies of the Distribution of Wealth most conducive to human Happiness, de William Thompson, 1827; Pratical, moral and political Economy, de T. R. Edmonds, 1828, etc., etc. Contentar-nos-emos em dar a palavra a um comunista inglês, Bray, através de sua obra notável: Labour's Wrongs and Labour's Remedy, Leeds, 1839”.

E bastam as citações de Bray para invalidar, numa boa parte, a prioridade reivindicada por Rodbertus.

Nessa época Marx não havia ainda entrado na sala de leitura do “British Museum”. Além das bibliotecas de Paris e Bruxelas, além de meus livros e extratos, que lera durante uma viagem de seis semanas que fizemos juntos pela Inglaterra, no verão de 1845, ele não havia consultado senão os livros que se podiam encontrar em Manchester. A literatura de que falamos não era, pois, tão inacessível nesse momento como o poderá ser presentemente. Se, apesar disso, ela permaneceu ignorada por Rodbertus, isso é exclusivamente devido ao fato de ser ele um prussiano de vistas curtas. Ele é o verdadeiro fundador do socialismo especificamente prussiano, e como tal já foi finalmente reconhecido.

Entretanto, nem mesmo na sua Prússia bem-amada Rodbertus podia ficar a salvo. Em 1859 apareceu em Berlim o primeiro tomo da Crítica da Economia Política, de Marx. Nesse livro, entre as objeções levantadas pelos economistas contra Ricardo, destacamos a que é apresentada em segundo lugar, à página 40:

“Se o valor de troca de um produto é igual ao tempo de trabalho nele contido, o valor de troca de um dia de trabalho é igual ao seu produto. Ou ainda, o salário deve ser igual ao produto do trabalho. Ora, é o contrário que é verdadeiro”.

E em nota:

“Esta objeção levantada contra Ricardo pelos economistas foi retomada mais tarde pelos socialistas. Tendo sido suposta a exatidão teórica da fórmula, a prática foi declarada em contradição com a teoria, e a sociedade burguesa foi convidada a tirar praticamente a consequência que o princípio teórico implicava. Socialistas ingleses têm oposto à economia política, pelo menos neste sentido, a fórmula do valor de troca de Ricardo”.

Nessa nota é indicada a Miséria da Filosofia, de Marx, livro que era então encontrado nas livrarias.

Era assim muito fácil a Rodbertus convencer-se ele mesmo daquilo que era a novidade real de suas descobertas de 1842. Em vez disso, não cessa de proclamá-las e julga-as a tal ponto incomparáveis que não lhe ocorre uma só vez ao espírito que Marx tenha podido tirar sozinho suas conclusões da obra de Ricardo, do mesmo modo como ele, Rodbertus. Mas isso era impossível. Marx o havia “roubado” — a ele a quem o próprio Marx oferecia todas as facilidades para se convencer de que estas conclusões, muito tempo antes deles, pelo menos sob a forma grosseira que, ainda apresentam em Rodbertus, já tinham sido formuladas na Inglaterra.

A aplicação socialista mais simples da teoria de Ricardo é a que mencionamos acima. Em muitos casos, ela deu lugar a apreciações sobre a origem e a natureza da mais-valia que ultrapassam de muito Ricardo. O mesmo se verifica em relação a Rodbertus. Além de jamais oferecer, nesta ordem de ideias, nada que não tenha sido pelo menos tão bem dito antes dele, sua exposição apresenta ainda os mesmos defeitos que a de seus predecessores: ele aceita as categorias econômicas de trabalho, capital, valor, na forma crua em que foram transmitidas pelos economistas, sob a forma que se atêm à aparência sem indagar do seu conteúdo. Ele se priva assim não somente de todos os meios de desenvolvê-las mais completamente — ao contrário de Marx que, pela primeira vez, fez algo destas proposições muitas vezes reproduzidas havia sessenta e quatro anos como toma também o caminho que vai ter diretamente à Utopia, como demonstraremos.

A aplicação precedente da teoria de Ricardo, que mostra aos trabalhadores que a totalidade da produção social, que é o seu produto, lhes pertence porque eles são os únicos produtores reais, conduz diretamente ao comunismo. Mas ela também é, como Marx o demonstra, formalmente falsa, economicamente falando, porque é apenas uma aplicação da moral à economia. Segundo as leis da economia burguesa, a maior parte do produto não pertence aos trabalhadores que o criaram. Se dizemos então: isso não é justo, isso não devia acontecer, tal coisa nada tem a ver com a economia. Dizemos somente que este fato econômico está em contradição com o nosso sentimento moral. É por isso que Marx não fundou em tal coisa suas reivindicações comunistas, mas antes na ruína que se verifica necessariamente, sob nossos olhos, todos os dias, e com uma intensidade cada vez maior, do modo de produção capitalista. Ele se contenta de dizer que a mais-valia se compõe de trabalho não-pago: é um fato puro e simples. Entretanto, aquilo que pode ser formalmente falso do ponto de vista econômico, pode ser exato do ponto de vista da história universal. Se o sentimento moral da massa considera um fato econômico, como a escravidão ou a servidão de outrora, como injusto, isso prova que esse próprio fato é uma sobrevivência, que outros fatos econômicos se produziram graças aos quais o primeiro se tornou insuportável, insustentável. Atrás de uma inexatidão econômica formal pode ocultar-se um conteúdo econômico dos mais reais. Seria descabido estendermo-nos mais aqui, sobre a importância e a história da teoria da mais-valia.

Outras consequências podem ser tiradas da teoria do valor de Ricardo e isso foi feito. O valor das mercadorias é determinado pelo trabalho exigido pela sua produção. Ora, acontece que neste mundo mal feito as mercadorias são compradas ora acima ora abaixo de seu valor, sem que haja nisso simplesmente uma relação com as variações da concorrência. Do mesmo modo como a taxa de lucro apresenta uma forte tendência para se manter no mesmo nível para todos os capitalistas, os preços das mercadorias também tendem a se reduzir ao valor de trabalho por intermédio da oferta e da procura. Mas a taxa de lucro é calculada de acordo com o capital total empregado numa empresa industrial; ora, como em dois ramos de indústria diferentes a produção anual pode incorporar massas de trabalho iguais, ou seja apresentar valores iguais, e como, podendo os salários ser igualmente elevados nestes dois ramos, os capitais empregados podem ser, e o são frequentemente, duplos ou triplos, num ou noutro ramo, a lei do valor de Ricardo, como o próprio Ricardo já o havia descoberto, está em contradição com a lei da igualdade da taxa de lucro. Se os produtos dos dois ramos de indústria forem vendidos pelos seus valores, as taxas de lucro não poderão ser iguais; mas se as taxas de lucro forem iguais, os produtos dos ramos de indústria não serão vendidos pelos seus valores sempre e em toda parte. Temos, pois, aqui, uma contradição, uma antinomia entre duas leis econômicas. A solução prática se efetua, segundo Ricardo (Cap. I, secções 4 e 5), regularmente em favor da taxa de lucro, à custa do valor.

Mas a determinação do valor de Ricardo, apesar de seus caracteres nefastos, tem um lado que a torna cara aos nossos bravos burgueses. É o lado pelo qual ela se dirige com uma força irresistível ao seu sentimento de justiça. Justiça e igualdade de direitos, eis os pilares do edifício social que os burgueses dos séculos XVIII e XIX queriam levantar sobre as ruínas das injustiças, das desigualdades e dos privilégios feudais. A determinação do valor das mercadorias pelo trabalho e a troca livre que se produz, de acordo com essa medida de valor, entre os possuidores iguais em direito, constituem, como Marx já o demonstrou, os fundamentos reais sobre os quais se edificou toda a ideologia política, jurídica e filosófica da burguesia moderna. Desde que se saiba que o trabalho é a medida das mercadorias, os bons sentimentos do bravo burguês devem se sentir profundamente ofendidos pela maldade de um mundo que reconhece nominalmente este princípio de justiça, mas que, na realidade, a cada instante, sem se incomodar, parece pô-lo de lado. Sobretudo o pequeno-burguês, cujo trabalho honesto — mesmo quando não seja senão o de seus operários ou aprendizes — perde todos os dias, e cada vez mais, o seu valor, em consequência da concorrência da grande produção e das máquinas, sobretudo o pequeno produtor deve desejar ardentemente uma sociedade na qual a troca dos produtos de acordo com o seu valor de trabalho seja uma realidade inteira e sem exceção; em outros termos, ele deve desejar ardentemente uma sociedade na qual reine exclusiva e plenamente uma lei única de produção das mercadorias, mas onde sejam suprimidas as condições que, somente elas, tornam esta lei efetiva, isto é, as outras leis da produção das mercadorias, ou melhor, da produção capitalista.

Esta utopia lançou raízes muito profundas no pensamento do pequeno-burguês moderno — real ou ideal. Demonstra-o o fato de que ela já foi, em 1831, sistematicamente desenvolvida por John Gray, ensaiada praticamente e divulgada na Inglaterra nessa época, proclamada como a verdade mais recente, em 1842, por Rodbertus, na Alemanha, e, em 1846, por Proudhon na França; ventilada ainda por Rodbertus, em 1871, como solução da questão social e apresentada, por assim dizer, como seu testamento social; e, em 1884, ela recebe a adesão da sequela que se esforça, sob o nome de Rodbertus, por explorar o socialismo de Estado prussiano.

A crítica desta utopia foi feita de modo tão completo por Marx, tanto no seu escrito contra Proudhon como no que publicou contra Gray (Cf. o apêndice n. 2 desta obra), que posso limitar-me aqui a algumas observações sobre a forma especial que Rodbertus adotou para fundamentá-la e exprimi-la.

Como dissemos, Rodbertus aceita os conceitos econômicos tradicionais sob a forma exata na qual lhe foram transmitidos pelos economistas. Ele não faz a mais leve tentativa de verificação. O valor é para ele

“a avaliação quantitativa de uma coisa relativamente às outras, sendo esta a avaliação tomada por medida”.

Esta definição pouco rigorosa dá-nos quando muito uma ideia daquilo que o valor parece ser de modo aproximado, mas não diz, absolutamente, o que ele é. Todavia, como isso é tudo o que Rodbertus sabe nos dizer sobre o valor, é compreensível que procure uma medida do valor fora do valor. Depois de haver examinado ao acaso, sem ordem, o valor de uso e o valor de troca, numa centena de aspectos, com este poder de abstração que o sr. Adolph Wagner admira infinitamente, chega à conclusão de que não existe medida real do valor e que devemos nos contentar com uma medida supererrogatória. O trabalho poderia ser esta medida, mas somente no caso de troca entre produtos de quantidades iguais de trabalho, apresentando-se o caso “de tal modo por si mesmo, ou por se terem tomado disposições” que o assegurem. Valor e trabalho ficam assim sem a menor relação real, embora todo o primeiro capítulo seja empregado para nos explicar como e porque as mercadorias “custam trabalho” e nada mais senão trabalho.

O trabalho é uma vez mais considerado sob a forma em que é encontrado nos economistas. E nem mesmo isso. Pois ainda que se digam duas palavras sobre as diferenças de intensidade do trabalho, o trabalho é apresentado, de modo muito geral, como algo que “custa”, isto é, que é medida de valor, seja ele despendido ou não na média das condições normais da sociedade. Empreguem os produtores dez dias na fabricação de produtos que podem ser fabricados num dia, ou empreguem apenas um dia; empreguem a melhor ou a pior das utensilhagens; apliquem seu tempo de trabalho na fabricação de artigos socialmente necessários e na quantidade socialmente exigida ou lancem artigos para os quais não haja nenhuma procura ou artigos procurados em quantidades maiores ou menores do que o necessário — nada disso está em questão: o trabalho é o trabalho, o produto de trabalho igual deve ser trocado por outro produto de trabalho igual. Rodbertus que, seja qual for o caso, está sempre pronto, com ou sem propósito, a se colocar do ponto de vista nacional, e a considerar as relações dos produtores isolados do alto do observatório da sociedade geral, evita aqui, medrosamente, tudo isso. E simplesmente porque, desde a primeira linha de seu livro, ele se colocou no caminho que leva diretamente à utopia do vale de trabalho, e também porque qualquer análise do trabalho como produtor de valor devia semear seu caminho de obstáculos intransponíveis. Seu instinto era aqui consideravelmente mais forte do que seu poder de abstração, que não se pode descobrir em Rodbertus, seja dito de passagem, senão através da mais concreta pobreza de ideias.

A passagem à utopia é levada a efeito num abrir e fechar de olhos. As “disposições” que fixam a troca das mercadorias segundo o valor de trabalho, como obedecendo a uma regra absoluta, não apresentam dificuldade. Todos os outros utopistas desta tendência, de Gray a Proudhon, se atormentam para elaborar medidas sociais que venham realizar este objetivo. Procuram pelo menos resolver a questão econômica, graças à ação do possuidor de mercadorias que as troca. Para Rodbertus é bem mais simples. Como bom prussiano, ele recorre ao Estado. Um decreto do poder público ordena a reforma.

O valor é, pois, assim, facilmente “constituído”, mas não a prioridade desta constituição que Rodbertus reclamava. Ao contrário, Gray, assim como Bray — entre muitos outros — muito tempo e muitas vezes antes de Rodbertus, repetiram à saciedade o mesmo pensamento: desejavam piedosamente as medidas graças às quais os produtos pudessem ser trocados, apesar de todos os obstáculos, sempre e apenas pelo seu valor de trabalho.

Depois de haver o Estado assim constituído o valor — pelo menos de uma parte dos produtos, pois Rodbertus é modesto — ele emite seus vales de trabalho, dos quais faz adiantamentos aos capitalistas industriais que com eles pagam seus operários; os operários adquirem então os produtos com os vales de trabalho que receberam, permitindo assim a volta do papel-moeda a seu ponto de partida. É do próprio Rodbertus que é preciso saber a maneira admirável como tal coisa se desenvolve.

“No que diz respeito a esta segunda condição, recorrer-se-á à disposição que exige que o valor atestado no bilhete esteja realmente em circulação, não se dando senão àquele que entregue verdadeiramente um produto o bilhete no qual será registrada com exatidão a quantidade de trabalho necessária para a fabricação do produto. Aquele que entregar um produto de dois dias de trabalho receberá um bilhete no qual estará escrito “2 dias”. A segunda condição será necessariamente preenchida pela observação exata desta regra na emissão. De acordo com a nossa hipótese, o valor verdadeiro dos bens coincide com a quantidade de trabalho despendida para a sua fabricação, e esta quantidade de trabalho tem por medida a divisão do tempo recebida; aquele que entregar um produto ao qual tenham sido dedicados dois dias de trabalho, desde que consiga que lhe sejam certificados dois dias de trabalho, não terá, pois, obtido que se lhe atribua ou certifique nem mais nem menos valor que tenha entregue de fato — e, além disso, como só poderá obter semelhante atestado aquele que pôs realmente um produto em circulação, é igualmente certo que o valor inscrito no bilhete é capaz de pagar a sociedade. Por mais que se alargue a esfera da divisão do trabalho, se a regra for bem seguida a soma de valor disponível será exatamente igual à soma de valor certificado: e como a soma de valor certificado é exatamente a soma de valor consignado, este deve necessariamente se resolver no valor disponível, todas as exigências são satisfeitas e a liquidação é exata” (páginas 166 e 167).

Se Rodbertus teve até aqui a infelicidade de chegar muito tarde com suas descobertas, desta vez pelo menos teve o mérito de uma espécie de originalidade: nenhum de seus rivais havia ousado dar à utopia insensata do vale de trabalho esta forma ingenuamente infantil, direi mesmo verdadeiramente pomeraniana. Pois se para cada vale se entrega um objeto de valor correspondente, nenhum objeto de valor sendo entregue senão em troca de um vale correspondente, a soma dos vales é necessariamente coberta pela soma dos objetos de valor. O cálculo se faz sem deixar o menor resto, sua precisão chega a quase um segundo de trabalho, e não existe empregado superior da Caixa da dívida pública que, ainda que haja envelhecido nas suas funções, possa nele encontrar o mais ligeiro erro. Que desejar mais?

Na sociedade capitalista atual, cada capitalista industrial produz por sua própria conta aquilo que quiser, como quiser e na proporção que quiser. A quantidade socialmente exigida permanece para o industrial uma grandeza desconhecida e ele ignora a qualidade dos objetos procurados assim como sua quantidade. Aquilo que hoje não pode ser entregue com bastante rapidez, poderá ser oferecido amanhã além da procura. Entretanto, a procura acaba sendo satisfeita, bem ou mal, e geralmente a produção é regulada de modo definitivo pelos objetos procurados. Como se efetua a conciliação desta contradição? Pela concorrência. E como chega ela a esta solução? Pela simples depreciação, até abaixo de seu valor de trabalho, das mercadorias que não podem ser utilizadas, pela sua qualidade ou pela sua quantidade, no estado presente das exigências da sociedade, e fazendo sentir aos produtores, desta maneira indireta, que eles têm na fábrica artigos que absolutamente não podem ser utilizados ou que fabricaram em quantidade que não pode ser utilizada, supérflua. Seguem-se duas coisas:

Em primeiro lugar, verifica-se que os desvios contínuos dos preços das mercadorias em relação aos valores das mercadorias são a condição necessária sem a qual o valor das mercadorias não poderá existir. Não é senão pelas flutuações da concorrência e, como consequência, dos preços das mercadorias, que a lei do valor se realiza na produção das mercadorias, e que a determinação do valor pelo tempo de trabalho socialmente necessário se torna uma realidade. Que a forma de representação do valor, que o preço tenha, como regra geral, um aspecto muito diferente daquele que manifesta, é uma sorte que ele partilha com a maior parte das relações sociais. O rei, às mais das vezes, se parece pouco com a monarquia que representa. Numa sociedade de produtores trocadores de mercadorias, querer determinar o valor pelo tempo de trabalho impedindo que a concorrência estabeleça esta determinação do valor na única forma pela qual ela pode se efetuar, influindo sobre os preços, é mostrar que, pelo menos neste terreno, se aceita o habitual desconhecimento utópico das leis econômicas.

Em segundo lugar, a concorrência, realizando a lei do valor da produção das mercadorias numa sociedade de produtores trocadores, estabelece por isso mesmo, e em certas condições, a única ordem e a única organização possíveis da produção social. Não é senão pela depreciação ou pela majoração dos preços dos produtos que os produtores de mercadorias isolados ficam sabendo à sua custa quais os produtos e qual quantidade de tais produtos que a sociedade necessita. Mas é precisamente este único regulador que a utopia de que Rodbertus partilha quer suprimir. E se perguntamos qual a garantia que temos de que não será produzida senão a quantidade necessária de cada produto, que não teremos falta nem de trigo nem de carne enquanto o açúcar de beterraba seja mais do que abundante e a aguardente de batata sobre, que as calças não venham a faltar para cobrir nossa nudez, ao mesmo tempo que os botões de calças se multipliquem aos milhares — Rodbertus, triunfante, mostra-nos o seu famoso cálculo, no qual se estabeleceu um certificado exato para cada libra de açúcar supérflua, para cada tonel de aguardente não comprada, para cada botão de calça inútil, cálculo que é “justo”, que “satisfaz todas as exigências e no qual a liquidação é exata”. E quem não acreditar nisso não tem outra coisa a fazer senão dirigir-se ao sr. X., empregado superior da Caixa da dívida pública da Pomerânia, que pode ser considerado como pessoa incapaz de cometer um erro nas suas contas, e que, tendo revisto o cálculo, achou que estava certo.

E agora vejamos a ingenuidade com que Rodbertus pretende suprimir as crises industriais e comerciais por meio de sua utopia. Desde que a produção das mercadorias atingiu as dimensões do mercado mundial, é através de um cataclismo nesse mercado, de uma crise comercial, que se estabelece o equilíbrio entre os produtores isolados, que produzem de acordo com um cálculo particular, e o mercado para o qual produzem, do qual ignoram mais ou menos as necessidades em qualidades e quantidades.[p 2] Se não se permite que a concorrência torne conhecida dos produtores isolados a situação do mercado pela alta ou pela baixa dos preços, eles se tornam inteiramente cegos. Dirigir a produção das mercadorias de modo tal que os produtores nada possam saber do estado do mercado para o qual produzem — é tratar as crises de uma maneira que o doutor Eisenbart poderia invejar a Rodbertus.

Compreende-se agora porque Rodbertus determina o valor das mercadorias pelo trabalho, e chega a admitir graus diferentes de intensidade de trabalho. Se se tivesse perguntado porque e como o trabalho cria o valor e, em seguida, o determina e mede, ele teria chegado ao trabalho socialmente necessário, necessário para o produto isolado, tanto em relação aos outros produtos da mesma espécie quanto em relação à quantidade total socialmente exigida. Ele teria deparado com a questão: como a produção dos produtores isolados se acomoda à procura social total, e toda a sua utopia se teria tornado impossível. Desta vez, de fato, ele preferiu abstrair: fez abstração do problema a ser resolvido.

Chegamos afinal ao ponto no qual Rodbertus nos oferece algo de verdadeiramente novo, ponto que o distingue de todos os seus numerosos companheiros da organização da troca por meio de vales de trabalho. Todos eles reclamam este modo de troca com o fim de eliminar a exploração do trabalho assalariado pelo capital. Cada produtor deve obter o valor de trabalho total de seu produto. Eles são unânimes a esse respeito, de Gray a Proudhon. Mas Rodbertus, ao contrário, diz que isso não se verifica. O trabalho assalariado e sua exploração subsistem.

Primeiramente, não existe estado social possível no qual o trabalhador possa receber para seu consumo o valor total de seu produto. O fundo produzido deve atender a numerosas funções economicamente improdutivas mas necessárias; e deve, também, sustentar as pessoas nelas ocupadas. Isto só é verdadeiro, aliás, enquanto prevalecer a atual divisão do trabalho. Numa sociedade em que o trabalho produtivo geral fosse obrigatório, sociedade que é possível, a observação não teria razão de ser. Restaria ainda a necessidade de um fundo social de reserva e de acumulação, e então os trabalhadores, isto é, todos os membros da sociedade ficariam de posse e no gozo de seu produto total, mas cada trabalhador isolado não disporia do produto integral de seu trabalho. A manutenção pelo produto do trabalho de funções economicamente improdutivas não foi esquecida pelos outros utopistas do vale de trabalho. Mas eles deixam os próprios operários assumirem os encargos tendo em vista esse fim, seguindo nisso a costumeira prática democrática, enquanto que Rodbertus, cuja reforma em matéria social é inteiramente moldada sobre o modelo do Estado prussiano de 1842, atribuía tudo ao julgamento da burocracia, que determina soberanamente a parte do operário ao produto de seu próprio trabalho e graciosamente lha entrega.

Ademais, a renda fundiária e o lucro devem continuar a subsistir. Com efeito, os proprietários territoriais e os capitalistas industriais preenchem certas funções socialmente úteis, ou mesmo necessárias, ainda que economicamente improdutivas, e recebem em troca uma espécie de vencimentos, renda e lucro — o que não é de nenhum modo uma concepção nova, mesmo em 1824. Para dizer a verdade, eles recebem presentemente demasiado para o pouco que fazem e que fazem bastante mal; mas Rodbertus tem necessidade de uma classe privilegiada, pelo menos para os próximos quinhentos anos. E também a taxa da mais-valia, para me exprimir corretamente, deve subsistir, mas sem poder ser aumentada; Rodbertus aceita como taxa atual da mais-valia 200%, o que quer dizer que para um trabalho diário de doze horas o operário não terá a haver doze horas, mas quatro horas somente, e o valor produzido nas oito horas restantes deverá ser repartido entre o proprietário territorial e o capitalista. Os vales de trabalho de Rodbertus são pois absolutamente mentirosos, mas é preciso ser proprietário feudal na Pomerânia para conceber a existência de uma classe operária a que conviesse trabalhar doze horas para obter um vale de trabalho de quatro horas. Se se traduzem as prestidigitações da produção capitalista nesta língua ingênua, na qual ela aparece como um roubo declarado, tornamo-la impossível. Cada vale dado ao trabalhador seria uma provocação direta à rebelião e incidiria no parágrafo 110 do Código Penal do Império Alemão. É preciso não ter jamais visto outro proletariado senão o de uma propriedade feudal da Pomerânia — proletariado de jornaleiros, na verdade quase em estado de servidão — onde ainda reina o bastão e o chicote e onde todas as jovens bonitas da aldeia pertencem ao harém do seu gracioso senhor, para pretender poder oferecer tais impertinências aos operários. Nossos conservadores são, entretanto, os nossos maiores revolucionários.

Todavia, se os operários demonstrarem bastante mansuetude para acreditar que, tendo trabalhado durante doze horas num duro trabalho, não trabalharam na realidade senão quatro, ser-lhes-á garantido como recompensa que, por toda a eternidade, sua parte no produto de seu próprio trabalho não cairá abaixo de um terço. Na realidade, isso é tocar o hino da sociedade futura numa corneta de criança. Não vale a pena perder mais tempo com esta questão. Como vimos, tudo o que Rodbertus oferece de novo em relação à utopia dos vales de trabalho é pueril e bem inferior aos trabalhos de seus numerosos rivais, tanto os que o precederam como os que se lhe seguiram.

Para a época em que apareceu, Zur Erkenntniss, etc., de Rodbertus, era um livro sem dúvida importante. Seguir a teoria de Ricardo nessa direção era um começo promissor. Apesar de não tratar-se de uma novidade senão para ele e para a Alemanha, seu trabalho não deixa, contudo, de atingir a mesma altura das obras dos melhores dos seus antecessores ingleses. Mas esse trabalho não era senão um começo e sua teoria não podia ser realmente beneficiada senão por meio de um estudo ulterior, fundamental, crítico. Este desenvolvimento de Ricardo para, entretanto, aí, por si mesmo, porque, desde o início, ele é dirigido no outro sentido, no sentido da utopia. Desde então estava perdida a condição de toda crítica: a independência. Rodbertus pôs-se então ao trabalho com um objetivo preconcebido, e tornou-se um economista tendencioso. Uma vez colhido por sua utopia, ele se privou de qualquer possibilidade de progresso científico. De 1842 até sua morte ele gira no mesmo círculo, reproduz as mesmas ideias, já manifestadas ou indicadas na suas obras precedentes, dizendo-se ignorado, considerando-se roubado, quando nelas nada havia a roubar, e se recusa, enfim, não sem intenção, a aceitar a evidência de que, no fundo, ele não havia descoberto senão aquilo que já o havia sido fazia muito tempo.

É quase desnecessário fazer notar que nesta obra a linguagem não coincide sempre com a de O Capital. Nela ainda se fala do trabalho como mercadoria, de compra e venda de trabalho, em vez de força de trabalho.

Como complemento, acrescentaram-se a esta edição: em primeiro lugar, uma passagem da obra de Marx, Crítica da Economia Política (Berlim, 1859), a propósito da primeira utopia dos vales de trabalho de John Gray; e, em segundo lugar, o discurso de Marx sobre o Livre-câmbio, pronunciado em Bruxelas (1847), e que, no desenvolvimento das ideias do autor, pertence ao mesmo período de Miséria da Filosofia.

Friedrich Engels
Londres, 25 de outubro de 1884.

Prefácio da segunda edição alemã

Para esta segunda edição alemã, acrescentarei somente que o nome de Hopkins deve ser substituído pelo de Hodgskin e que a data da obra de William Thompson (na mesma página) é 1824 e não 1827. O saber bibliográfico do sr. professor Anton Menger ficará assim inteiramente satisfeito.

Friedrich Engels
Londres, 29 de março de 1892.

Notas

  1. A Miséria da Filosofia, escrita em francês, apareceu em 1847 em Paris, editada por A. Franck, e em Bruxelas, editada por C. G. Vogler; foi traduzida para o alemão por Ed. Bernstein e Karl Kautsky e publicada em 1885 pela livraria do Partido Social-Democrata da Alemanha, com um prefácio de Engels. Depois de 1847 apareceu, em francês, uma nova edição da Miséria da Filosofia em 1898 — Paris, Giard et Brière e outra em 1908, também de Giard et Brière. A presente edição é, pois, a terceira, sem contar a edição original, que não continha senão o texto da Miséria. O exemplar de Marx que, assim como os outros livros que lhe pertenciam, foi dado por suas duas filhas, Laura Lafargue e Eleanor Aveling, ao partido socialista alemão, para formar, com os livros de Engels, a base de uma biblioteca do Partido, apresenta algumas correções do autor: elas foram reproduzidas nesta, edição (Nota da 3ª. edição francesa).
  2. Pelo menos é o que se passava até estes últimos tempos. Depois que a Inglaterra começou a perder, e cada vez mais, o monopólio do mercado mundial, em consequência da participação da França, da Alemanha e sobretudo da América, do comércio internacional, uma nova forma de equilíbrio parece querer estabelecer-se. O período de prosperidade geral que precede as crises não aparecerá sempre; e, se desaparecesse, uma estagnação crônica, com ligeiras flutuações, tornar-se-ia o estado normal da indústria moderna.

Nota preliminar

O sr. Proudhon tem a infelicidade de ser singularmente desconhecido na Europa. Na França, tem o direito de ser mau economista porque passa por ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser mau filósofo, porque passa por ser um dos melhores economistas franceses. Nós na nossa qualidade de alemão e economista ao mesmo tempo, quisemos protestar contra este duplo erro.

O leitor compreenderá que, neste trabalho ingrato, foi preciso que abandonássemos muitas vezes a crítica do sr. Proudhon para fazer a da filosofia alemã, e que, ao mesmo tempo, apresentássemos breves exposições de economia política.

Karl Marx
Bruxelas, 15 de junho de 1847.

A obra do sr. Proudhon não é apenas um tratado de economia política, um livro comum, mas uma Bíblia: “Mistérios”, “Segredos arrancados do seio de Deus”, “Revelações”, nada disso ali falta. Mas como, nos nossos dias, os profetas são discutidos mais conscienciosamente do que os autores profanos, é preciso que o leitor se resigne a percorrer conosco a erudição árida e tenebrosa da “Gênese”, para se elevar mais tarde, com o sr. Proudhon, às regiões etéreas e fecundas do supra-socialismo. (V. Proudhon, Philosophie de la Misère, Prólogo, pág. III linha 20).

Uma descoberta científica

Oposição do valor de utilidade e do valor de troca

"A capacidade que têm todos os produtos, sejam naturais sejam industriais, de servirem para a subsistência do homem, denomina-se particularmente valor de utilidade; a capacidade que têm de poderem ser dados uns pelos outros, valor em troca... Como o valor de utilidade se torna valor em troca?... A formação da ideia do valor (em troca) não foi considerada pelos economistas com bastante cuidado: é preciso que nos detenhamos nesse ponto. Tendo-se em vista que entre os objetos de que necessito, um número muito grande não se encontra na natureza senão em quantidade medíocre, podendo ser mesmo inexistente, sou obrigado a auxiliar a produção daquilo que me falta, e como não me é possível cuidar de tanta coisa, eu proporei a outros homens, meus colaboradores em funções diversas, que me cedam uma parte de seus produtos em troca do meu" (Proudhon, t. l.°, cap. II).

O sr. Proudhon propõe-se a nos explicar, antes de tudo, a dupla natureza do valor, "a distinção no valor", o movimento que torna o valor de utilidade em valor de troca. É preciso que nos detenhamos, com o sr. Proudhon, neste ato de transubstanciação. Eis como este se cumpre segundo nosso autor.

Um número muito grande de produtos não é encontrado na natureza: resultam da atividade industrial. Suponhamos que as necessidades ultrapassem a produção espontânea da natureza, e vemos que o homem é obrigado a recorrer à produção industrial. Que é esta indústria na suposição do sr. Proudhon? Qual a sua origem? Um homem só, sentindo a necessidade de um número muito grande de coisas "não pode cuidar de tanta coisa". Tantas necessidades a satisfazer supõem outras tantas coisas a produzir — não há produtos sem produção; e tantas coisas a produzir já não fazem supor as mãos de um único homem para a sua produção. Ora, ao supormos mais de um homem cuidando da produção, já estamos supondo toda uma produção baseada na divisão do trabalho. Assim a necessidade, tal como o sr. Proudhon a supõe, supõe ela mesma toda a divisão do trabalho. E supondo a divisão do trabalho, temos a troca e, consequentemente, o valor de troca. Tanto teria valido supor em primeiro lugar o valor de troca.

Mas o sr. Proudhon achou preferível contornar a questão. Acompanhemo-lo em todas as suas voltas, para retornar sempre ao.ponto de partida.

Para sair do estado de coisas em que cada um produz solitariamente, e para chegar à troca, "eu me dirijo", diz o sr. Proudhon, "a meus colaboradores em suas diversas funções". Tenho, assim, colaboradores, todos eles com funções diversas, sem que por isso eu e todos os outros, sempre de acordo com a suposição do sr. Proudhon, tenhamos saído da posição solitária e pouco social dos Robinson. Os colaboradores e as funções diversas, a divisão do trabalho e a troca que ela indica, tudo foi encontrado.

Resumamos: tenho necessidades fundadas na divisão do trabalho e na troca. Supondo estas necessidades o sr. Proudhon supõe também a troca, o valor de troca, do qual ele se propõe precisamente fazer "notar a formação com maior cuidado do que os outros economistas".

O sr. Proudhon bem poderia ter invertido a ordem das cousas sem prejudicar com isso a justeza de suas conclusões. Para explicar o valor de troca, precisa-se da troca. Para explicar a troca, precisa-se da divisão do trabalho. Para explicar a divisão do trabalho, precisa-se das necessidades que requerem a divisão do trabalho. Para explicar estas necessidades, é preciso supô-las, o que não quer dizer negá-las, contrariamente ao primeiro axioma do prólogo do sr. Proudhon:

"Supor Deus é negá-lo" (Prólogo, pág. 1).

Como o sr. Proudhon, para quem a divisão do trabalho é tida como conhecida, se arranjará para explicar o valor de troca, que para ele é sempre o desconhecido?

"Um homem" vai "propor a outros homens, seus colaboradores em funções diversas, que se estabeleça a troca e se faça uma distinção entre o valor de uso e o valor de troca".

Aceitando a distinção proposta, os colaboradores não deixam ao sr. Proudhon outro "cuidado" senão o de consignar o fato, de registrar, de "anotar" em seu Traité d’Économie politique "a geração da ideia de valor". Mas ele continua a nos dever a explicação da "geração" desta proposta, ele tem de nos dizer, enfim, como este homem sozinho, este Robinson, teve repentinamente a ideia de fazer "aos seus colaboradores" uma proposta do gênero conhecido, e como estes colaboradores a aceitaram sem nenhum protesto.

O sr. Proudhon não entra nestes pormenores genealógicos. Ele dá simplesmente ao fato da troca uma espécie de cunho histórico ao apresentá-la sob a forma de uma proposta feita por um terceiro visando estabelecer a troca.

Eis uma amostra do "método histórico e descritivo" do sr. Proudhon, que manifesta um altivo desdém pelo "método histórico e descritivo" dos Adam Smith e dos Ricardo.

A troca tem a sua própria história. Ela passou por diferentes fases. Houve época, como na Idade Média, em que não se trocava senão o supérfluo, o excedente da produção sobre o consumo.

Houve outras épocas em que não somente o supérfluo, mas todos os produtos, toda a existência industrial se baseava no comércio, em que a produção inteira dependia da troca. Como explicar esta segunda fase da troca — o valor venal na sua segunda potência?

O sr. Proudhon teria uma resposta já pronta: admitamos que um homem tenha "proposto a outros homens, seus colaboradores em funções diversas", elevar o valor venal à sua segunda potência.

Chegou, enfim, a época em que tudo aquilo que os homens tinham considerado como inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico, e podia ser alienado. É a época em que as próprias cousas que até então eram transmitidas, mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; ganhas, mas jamais compradas — virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. — tudo passou enfim para o comércio. É a época da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, a época em que todas as cousas, morais ou físicas, tornando-se valores venais, são levadas ao mercado para serem apreciadas pelo seu mais justo valor.

Como explicar ainda esta nova e última fase da troca — o valor venal em sua terceira potência?

O sr. Proudhon teria uma resposta já pronta: admitamos que uma pessoa tenha "proposto a outras pessoas, seus colaboradores em diversas funções, fazer da virtude, do amor, etc., um valor venal, elevar o valor de troca à sua terceira e última potência".

Como se vê, o "método histórico e descritivo" do sr. Proudhon serve para tudo, responde a tudo, explica tudo. Quando se trata sobretudo de explicar historicamente "a geração de uma ideia econômica", ele supõe um homem que propõe a outros homens, seus colaboradores em diversas funções, levar a efeito este ato de geração, e tudo está dito.

Daqui por diante aceitamos a "geração" do valor de troca como um fato acabado; não resta agora senão expor a relação entre o valor de troca e o valor de utilidade. Ouçamos o sr. Proudhon:

"Os economistas fizeram ressaltar muito bem o duplo caráter do valor; mas aquilo que não apresentaram com a mesma nitidez é a sua natureza contraditória; aqui começa a nossa crítica... E pouca cousa ter assinalado no valor útil e no valor permutável este surpreendente contraste, no qual os economistas não estão acostumados a ver senão uma cousa das mais simples: é preciso mostrar que esta pretensa simplicidade oculta um mistério profundo que temos o dever de penetrar... Em termos técnicos, o valor útil e o valor permutável estão em razão inversa um do outro".

Se apanhamos bem o pensamento do sr. Proudhon, eis os quatro pontos que ele pretende estabelecer:

  1. — O valor útil e o valor permutável, que formam "um contraste surpreendente", estão em oposição;
  2. — O valor útil e o valor permutável estão em razão inversa um do outro, em contradição;
  3. — Os economistas não viram nem conheceram nem a oposição nem a contradição;
  4. — A crítica do sr. Proudhon começa pelo fim.

Nós também começaremos pelo fim, e para defender os economistas das acusações do sr. Proudhon, daremos a palavra a dois economistas muito importantes.

Sismondi: "É a oposição entre o valor de uso e o valor de troca a que o comércio reduz todas as cousas, etc." (Estudos, tomo II, pág. 162, edição de Bruxelas).

Lauderdale: "Em geral, a riqueza nacional (o valor útil) diminui à proporção que as fortunas individuais se avolumam pelo aumento do valor venal; e à medida que estas se reduzem peia diminuição deste valor, a primeira aumenta de um modo geral." (Pesquisas sobre a natureza e a origem da riqueza pública tradução de Largentil de Lavaise, Paris, 1808).

Sismondi baseou na oposição entre o valor de uso e o valor de troca sua principal doutrina, segundo a qual a diminuição da renda é proporcional ao crescimento da população.

Lauderdale baseou seu sistema na razão inversa das duas espécies de valor, e sua doutrina era mesmo de tal modo popular no tempo de Ricardo, que este era levado a falar dela como de uma cousa geralmente conhecida.

"Foi confundindo as ideias de valor venal e das riquezas (valor útil) que se pretendeu que, diminuindo a quantidade das cousas necessárias, úteis ou agradáveis à vida, era possível aumentar as riquezas." (Ricardo, Príncipes d’économie politique, tradução de Constâncio, anotada por J. B. Say. Paris, 1835. Tomo II, capítulo Sobre o valor e as riquezas).

Acabamos de ver que os economistas, antes do sr. Proudhon, "assinalaram" o mistério profundo de oposição e contradição. Vejamos, agora como o sr. Proudhon explica, por sua vez, este mistério, depois de se terem manifestado os economistas.

O valor de troca de um produto baixa à medida que a oferta vai crescendo, a procura permanecendo a mesma. Em outros termos: quanto mais abundante for um produto relativamente à procura, tanto mais o seu valor de troca ou seu preço será baixo. Vice-versa: quanto mais fraca for a oferta em relação à procura, mais alto será o valor de troca ou o preço do produto. Em outros termos: quanto maior for a raridade dos produtos oferecidos em relação à procura, maior será a elevação dos preços. O valor de troca de um produto depende de sua abundância ou de sua escassez, mas sempre em relação à sua procura. Suponhamos um produto mais do que raro, único em seu gênero: este produto único será mais do que abundante, será supérfluo, se não for procurado. Suponhamos, ao contrário, um produto que exista aos milhões: ele será sempre escasso, se não bastar à procura, isto é, se for muito procurado.

Trata-se de verdades quase banais, poderíamos dizê-lo, e, no entanto, foi preciso reproduzi-las aqui para fazer com que os mistérios do sr. Proudhon fossem compreendidos.

"De tal modo que, seguindo o princípio até às últimas consequências chegaríamos da maneira mais lógica do mundo, à conclusão de que as cousas cujo uso é necessário e a quantidade infinita nada deveriam custar e aquelas cuja utilidade é nula e a raridade extrema deveriam ter um preço inestimável. Para cúmulo do embaraço, a prática não admite estes extremos: de um lado, nenhum produto humano poderia jamais alcançar o infinito em grandeza; de outro lado, as cousas mais raras necessitam, num grau qualquer, de ser úteis, sem o que elas não seriam suscetíveis de qualquer valor. O valor útil e o valor permutável permanecem, pois, fatalmente, presos um ao outro, se bem que, por sua natureza, tendem continuamente a se excluir"(Tomo I, pág. 39).

Que é que leva ao cúmulo o embaraço do sr. Proudhon? É que ele se esqueceu simplesmente da procura e de que uma cousa não poderia ser rara ou abundante senão na medida em que é procurada. Uma vez posta de lado a procura, ele assimila o valor permutável à raridade e o valor útil à abundância. Efetivamente, dizendo que as cousas "cuja utilidade é nula e a raridade extrema são de preço inestimável", ele diz apenas que o valor em troca não é senão a raridade. "Raridade extrema e utilidade nula", é a raridade pura. "Preço inestimável" é o máximo de valor permutável, é o valor permutável em sua pureza. Estes dois termos, ele os põe em equação. Assim, valor permutável e raridade são termos equivalentes. Chegando a estas pretensas "consequências extremas", o sr. Proudhon levou ao extremo, com efeito, não as cousas mas os termos que as exprimem, e com isso faz mais uma demonstração de retórica do que de lógica. Ele encontra as suas primeiras hipóteses em toda a sua nudez, quando pensa ter encontrado novas consequências. Graças ao mesmo modo de proceder, consegue identificar o valor útil com a abundância pura.

Depois de ter posto em equação o valor permutável e a raridade, o valor útil e a abundância, o sr. Proudhon fica todo espantado por não encontrar nem o valor útil na raridade e no valor permutável, nem o valor permutável na abundância e no valor útil; e vendo que a prática não admite estes extremos, ele não pode fazer outra cousa senão acreditar no mistério. Existe para ele preço inestimável, porque não existem compradores, e ele não os encontrará jamais, enquanto fizer abstração da procura.

De outro lado, a abundância do sr. Proudhon parece ser qualquer cousa de espontâneo. Ele se esquece inteiramente de que há pessoas que a produzem e que é do interesse dessas pessoas jamais perderem de vista a procura. De outro modo, como o sr. Proudhon teria podido dizer que as cousas que são muito úteis devem ter preços muitos baixos e mesmo não custar nada? Ele deveria ter concluído, ao contrário, que é preciso restringir a abundância, a produção das cousas muito úteis, se se quiser elevar os preços das mesmas, o valor de troca.

Os antigos vinhateiros da França, ao solicitarem uma lei que proibisse a plantação de novas vinhas, os holandeses, ao queimarem as especiarias da Ásia e ao arrancarem as cravoarias nas Molucas — queriam somente reduzir a abundância para elevar o valor de troca. Em toda a Idade Média, quando se limitava por leis o número de companheiros que um mestre podia empregar ou o número de instrumentos que podia utilizar, agia-se segundo este mesmo princípio (Ver Anderson, História do Comércio).

Depois de ter apresentado a abundância como valor útil, e a raridade como valor de troca — nada mais fácil do que demonstrar que a abundância e a raridade estão em razão inversa — o sr. Proudhon identifica o valor de utilidade com oferta e o valor de troca com procura. Para tornar a antítese ainda mais explícita, ele faz uma substituição de termos pondo "valor de opinião" no lugar de valor permutável. Vemos assim que a luta mudou de terreno, e temos de um lado a utilidade (o valor em uso, a oferta), de outro a opinião (o valor permutável, a procura).

Estas duas potências opostas uma à outra, quem as conciliará? Como fazer para pô-las de acordo? Seria simplesmente possível estabelecer entre elas um ponto de comparação?

"Certamente, exclama o sr. Proudhon, existe um: é o arbítrio. O preço que resultará desta luta entre a oferta e a procura, entre a utilidade e a opinião, não será a expressão da justiça eterna."

O sr. Proudhon continua a desenvolver esta antítese:

"Na minha qualidade de comprador livre, sou juiz da minha necessidade, juiz da conveniência do objeto, juiz do preço que quero atribuir-lhe. De outro lado, em vossa qualidade de produtor livre, sois senhor dos meios de execução, e, por conseguinte, tendes a faculdade de reduzir vossas despesas." (Tomo I, pág. 42.)

E como a procura ou o valor em troca é idêntico à opinião, o sr. Proudhon é levado a dizer:

"Está provado que é o livre arbítrio do homem que dá lugar à oposição entre o valor útil e o valor em troca. Como resolver esta oposição enquanto subsistir o livre arbítrio? E como sacrificar este, a não ser com sacrifício do homem?" (Tomo I, pág. 51).

Não há, assim, resultado possível. Há uma luta entre duas potências por assim dizer incomensuráveis, entre o útil e a opinião, entre o comprador livre e o produtor livre.

Vejamos as cousas mais de perto.

A oferta não representa exclusivamente a utilidade, a procura não representa exclusivamente a opinião. Aquele que procura não oferece também ele um produto qualquer, ou o sinal representativo de todos os produtos, o dinheiro, e, oferecendo-o, não representa ele, segundo o sr. Proudhon, a utilidade ou o valor de uso?

De outro lado, aquele que oferece não procura também um produto qualquer, ou o sinal representativo de todos os produtos? E não se torna ele assim o representante da opinião, do valor de opinião ou do valor em troca?

A procura é ao mesmo tempo uma oferta, a oferta é ao mesmo tempo uma procura. Assim, a antítese do sr. Proudhon, identificando simplesmente a oferta e a procura, uma com a utilidade, outra com a opinião, repousa apenas numa abstração fútil.

Aquilo que o sr. Proudhon chama valor útil, outros economistas chamam com a mesma razão valor de opinião. Não citaremos senão Storch (Cours d’Économie politique, Paris, 1823, págs. 88 e 89).

Segundo ele, chamam-se necessidades as coisas de que sentimos necessidade; chamam-se valores as cousas às quais atribuímos valor. A maior parte das cousas só têm valor porque satisfazem as necessidades engendradas pela opinião. A opinião sobre nossas necessidades pode mudar, e assim a utilidade das cousas que não exprimem senão uma relação entre essas cousas e nossas necessidades também pode mudar. As próprias necessidades naturais mudam continuamente. Que variedade existe, com efeito, nos objetos que servem de alimentação principal para os diferentes povos!

A luta não se estabelece entre a utilidade e a opinião: ela se estabelece entre o valor venal que aquele que oferece procura, e o valor venal que aquele que procura oferece. O valor de troca do produto é de cada vez a resultante destas apreciações contraditórias.

Em última análise, a oferta e a procura põem em presença a produção e o consumo, mas a produção e o consumo fundados nas trocas individuais.

O produto que se oferece não é o útil em si mesmo. É o consumidor que sente a sua utilidade. E mesmo quando se lhe reconhece a qualidade de ser útil, ele não é exclusivamente o útil. No curso da produção, ele foi trocado por todas as despesas de produção, tais como as matérias-primas, os salários dos operários, etc., cousas, todas elas, valores venais. O produto representa assim, aos olhos do produtor, uma soma de valores venais. Aquilo que ele oferece, não é somente um objeto útil, mas também e sobretudo um valor venal.

Quanto à procura, ela não será efetiva senão com a condição de ter à sua disposição meios de troca. Estes meios são também eles produtos, valores venais.

Na oferta e na procura encontramos, pois, de um lado, um produto que custou valores venais, e a necessidade de vender; de outro, meios que custaram valores venais, e o desejo de comprar.

O sr. Proudhon opõe o comprador livre ao produtor livre. Ele atribui a um e a outro qualidades puramente metafísicas. É o que o faz dizer:

"Está provado que é o livre arbítrio do homem que dá lugar à oposição entre o valor útil e o valor de troca".

O produtor, desde que produziu numa sociedade fundada na divisão do trabalho e na troca, e essa é a hipótese do sr. Proudhon, é forçado a vender. O sr. Proudhon torna o produtor senhor dos meios de produção; mas convirá conosco que não é do livre arbítrio que dependem seus meios de produção. Há mais: estes meios de produção são em grande parte produtos que lhe vêm de fora, e na produção moderna ele não é mesmo livre para produzir a quantidade que quiser. O grau atual do desenvolvimento das forças produtivas o obriga a produzir nesta ou naquela escala.

O consumidor não é mais livre do que o produtor. Sua opinião repousa nos seus meios e suas necessidades, que são determinados pela sua situação social; esta depende por sua vez da organização social em seu conjunto. Sim, o operário que compra batatas, e a mulher mantida por outrem que compra peças de renda seguem ambos sua opinião respectiva. Mas a diversidade de suas opiniões explica-se pela diferença da posição que ocupam no mundo, a qual é produto da organização social.

O sistema das necessidades é todo ele fundado na opinião ou na organização inteira da produção? As necessidades nascem com maior frequência, diretamente da produção, ou de um estado de cousas baseado na produção. O comércio do universo gira quase que inteiramente sobre necessidades, não do consumo individual, mas da produção. Assim, para citar outro exemplo, a necessidade que existe de notários não supõe um dado direito civil, que não é senão a expressão de um certo desenvolvimento da propriedade, isto é, da produção?

Não basta ao sr. Proudhon haver eliminado da relação entre a oferta e a procura os elementos de que acabamos de falar. Ele leva a abstração aos limites extremos, fundindo todos os produtores num só produtor, todos os consumidores num só consumidor, estabelecendo a luta entre estas duas personagens quiméricas. Mas no mundo real as cousas se passam de outro modo. A concorrência entre os que oferecem e a concorrência entre os que procuram, formam um elemento necessário da luta entre os compradores e os vendedores, de onde resulta o valor venal.

Depois de ter eliminado as despesas de produção e a concorrência, o sr. Proudhon pode, muito à vontade, reduzir ao absurdo a fórmula da oferta e da procura.

"A oferta e a procura, diz ele, não são outra coisa senão duas formas cerimoniais que servem para pôr em presença o valor de utilidade e o valor de troca e para provocar a sua conciliação. São os polos elétricos que entrando em ligação devem produzir o fenômeno de afinidade denominado troca" (Tomo I, págs. 49 e 50).

Poder-se-ia do mesmo modo dizer que a troca não é senão uma "forma cerimonial", para pôr em presença o consumidor e o objeto do consumo; poder-se-ia do mesmo modo dizer que todas as relações econômicas são "formas cerimoniais", para servirem de intermediárias. A oferta e a procura são relações de uma produção dada, nem mais nem menos do que as trocas individuais.

Em que consiste, pois, a dialética do sr. Proudhon? Em substituir o valor útil e o valor permutável, a oferta e a procura por noções abstratas e contraditórias, tais como a escassez e a abundância, o útil e a opinião, um produtor e um consumidor, ambos cavaleiros do livre arbítrio.

E aonde queria ele chegar?

Queria preparar o meio de introduzir mais tarde um dos elementos que havia afastado, as despesas de produção, como a síntese entre o valor útil e o valor permutável. É assim que para ele as despesas de produção constituem o valor sintético ou o valor constituído.