Biblioteca:Princípios fundamentais de filosofia: mudanças entre as edições

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=== Notas ===
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== Estudo do método dialético marxista ==
=== O método dialético e suas características ===
==== Tudo se relaciona (lei da ação recíproca e da conexão universal) ====
==== Tudo se transforma (lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante) ====
==== A mudança qualitativa ====
==== A luta dos contrários ====
== Estudo do materialismo filosófico marxista ==
== O materialismo dialético e a vida espiritual da sociedade ==
== O materialismo histórico ==
== A teoria materialista do estado e da nação ==

Edição das 17h37min de 6 de janeiro de 2021

Prefácio

Publicados em junho de 1946, reeditados em janeiro de 1947, em maio de 1948 e em dezembro de 1949, os Princípios elementares de filosofia de Georges Politzer foram acolhidos com entusiasmo! Con­tinham eles, sob normas acessível, o essencial dos cursos administra­dos de 1935 a 1936 na Universidade Operária por um daqueles que jamais separou a ação do pensamento, e morreu como herói para que a França vivesse.

No Prefácio aos Princípios elementares de filosofia, Maurice le Gross, que, como discípulo de Politzer, recolheu seus cursos e possi­bilitou assim sua publicação, escrevia:

Georges Politzer, que começava cada ano seu curso de filosofia fi­xando o verdadeiro sentido da palavra “materialismo” e protestando contra as deformações caluniosas a que alguns a submetiam, não se esquecia de assinalar que ao filósofo materialista não falta ideal e que ele está pronto a combater para fazê-lo triunfar. Pôde, então, provâ-lo com seu sacrifício, e sua morte heróica ilustra êste curso inicial, em que afirma a união, no marxismo, da teoria com a prática. A alguns meses de uma decisão ministerial que pretendeu recusar a Georges Politzer o título póstumo de interno-resistente e a menção de “Morto pela França”, a homenagem devida à sua memória, não poderia, agora mais do que nunca, separar o patriarca francês, do filósofo comunista.

As balas nazistas prostaram Politzer na clareira de Mont-Valérien, em maio de 1942. Mas, a Universidade Operária, que foi, em gran­de parte, obra sua, tem continuidade na Universidade Nova de Paris, que cada ano mais se amplifica. De fato, os Princípios Fundamentais de Filosofia que agora publicamos se apoiam, como a obra original, na experiência de ensinamentos filosóficos dispensados aos trabalha­dores — operários, empregados, domésticos, pesquisadores científicos, professores primários e estudantes etc. — que frequentam a Universi­dade Nova. É justo, portanto, que o livro traga — antes dos nomes daqueles que o redigiram e que assistiram, com alguns outros, ao cur­so de materialismo dialético — o nome de Georges Politzer. Por certo, estes Princípios de filosofia são muito mais desenvolvidos do que os Princípios elementares; beneficiam-se das contribuições que enrique­ceram a ciência marxista nestes últimos anos. Contudo, sua inspira­ção não deixa de ser aquela que animava Politzer.

Os Princípios fundamentais de filosofia têm por ambição ajudar aqueles que queiram se iniciar nas idéias-mestras de Marx e Engels e de seus discípulos mais eminentes, Lenine e Stalin. A obra tem, portanto, as características de um manual, dividido em lições, em sequência. Os cursos da Universidade Nova, a que este livro deve sua existência, destinam-se a trabalhadores que buscam pela reflexão teó­rica esclarecer sua ação militante — política ou sindical — na França de hoje. Não se surpreendam, pois, com a abundância de exemplos tomados da vida quotidiana dos franceses, que lutam pelo pão e pela liberdade, pela independência nacional e pela paz.[p 1]

Mas, contrariamente a uma opinião ainda muito difundida, quando os marxistas falam de prática, não a entendem num sentido estreito. A prática humana é o conjunto das atividades — ciências, técnicas, artes etc. — das quais, o homem é capaz, e que o definem; é toda a experiência acumulada em milênios. Só pode ser revolucionário aquele que souber assimilar o melhor dessa experiência, em benefício de sua ação presente, para a transformação das sociedades e a melhoria dos indivíduos. Tal é, precisamente, a tarefa da filosofia: concepção do mundo, ela exprime, sob sua forma mais geral, as leis fundamentais da natureza e da história; método de análise, dá a qualquer homem os méios de compreender o que ele é, o que ele faz e o que ele po­derá fazer em dado momento, para transformar sua própria existência. Inteiramente consagrado à filosofia marxista, o livro que apresentamos deve, pois, parece-nos, prestar serviços a todos os trabalhadores, ma­nuais ou intelectuais. E, ainda que não tenha sido redigido tendo em vista os "especialistas", sejam eles economistas, engenheiros, his­toriadores, naturalistas, médicos ou artistas, todos encontrarão nele, sem dúvida, assunto para reflexão.

Os autores esforçam-se por escrever esta obra com o máximo de simplicidade e de clareza; evitaram multiplicar os tèrmos técnicos. Mas, procedendo assim, percorreram apenas a metade do caminho. O lei­tor deverá, pacientemente, percorrer a outra metade, sem se esque­cer, por um instante sequer — como o lembrava Marx por ocasião da edição francesa de O Capital — que "não há estrada real para a ciência." A leitura das vinte e quatro lições que compõem êste livro exigirá, pois, certo trabalho e alguma perseverança.

Se determinadas páginas não forem compreendidas numa primeira leitura, não perca, o leitor, a coragem! O trabalho será, contudo, fa­cilitado, se o leitor comparar o que leu com sua experiência pessoal. Assim, tirará ele maior proveito de um estudo pacientemente con­duzido.

O volume contém numerosas citações, numerosas referências aos clássicos do marxismo. Corremos o risco de tornar pesada a exposição, mas aceitamos esse risco, como decorrência da natureza da obra, que é um manual. Seu papel é o de facilitar o acesso às fontes, encorajar o leitor, pelas frequentes lembranças, a se familiarizar com as obras de Marx, Engels, Lenin, Stalin, Mao Zedong e Maurice Thorez. Os autores de Princípios de filosofia destacaram particularmen­te o Sobre o materialismo dialético e o materialismo histórico, de Stalin, que, com Lenin, é o maior filósofo de nosso tempo. A ordem das lições deste manual reproduz, de propósito, no essencial, a ordem dos as­suntos da obra de Stalin, síntese magistral da filosofia do marxismo, que apareceu em 1938. A leitura dessa obra, que se encontrará, tanto no Capítulo IV da História do Partido Comunista da URSS, como em edição separada, torna-se indispensável a todos os que queiram dominar os dados essenciais do marxismo e compreender seu poder de ação.

Fiéis aos seus princípios, os marxistas vêem na crítica uma exigên­cia de toda ação fecunda. É por isso que os autores dos Princípios fundamentais de filosofia solicitam a contribuição de todos aqueles que fizerem uso deste livro. Assim sendo, ele poderá ser melhorado, para desempenhar melhor seu papel, a serviço da classe trabalhadora e do povo francês.

Guy Besse & Maurice Caveing
Agrégés de philosophie, agosto de 1954

Notas

  1. É provável que, entre os exemplos citados — que eram de plena atualidade quando o curso foi dado, e a obra redigida — alguns possam parecer envelhe­cidos em relação às mudanças políticas ocorridas depois, na França e no exterior. Eles não deixam, porém, de manter o seu valor didático, e isso é o essencial.

Introdução

“Filosofia”, eis uma palavra que, à primeira vista, não inspira confiança a muitos trabalhadores. Acham eles que um filósofo é uma criatura que não tem os pés na terra. Induzi-los a estudar filosofia, talvez pensem, é convidá-los a dar saltos em corda bamba, depois do que a cabeça ficará às tontas...

A filosofia parece ser assim: um jogo de idéias sem relação com a realidade; jôgo obscuro, privilégio de alguns iniciados; jôgo provàvelmente perigoso e não muito rendoso para quem vive do próprio suor...

Um grande filósofo francês, Descartes, muito antes de nós, já con­ denava o jôgo obscuro e perigoso a que alguns filósofos pretendiam reduzir a filosofia. Assim falava ele a respeito dos falsos filósofos:

A obscuridade das distinções e dos princípios de que se servem é a causa de poderem falar de todas as coisas como se as soubessem e de sustentarem o que dizem contra os mais capazes e os mais sutis, sem que se tenha meios de os convencer. Por isso, tornam-se comparáveis a um cego que, para lutar sem desvantagens contra al­ guém que não é cego, levasse o adversário para o fundo de um sub­ terrâneo muito escuro.[i 1]

Não é nossa intenção levar o leitor para um “subterrâneo muito escuro”. Sabemos que a obscuridade é propícia aos golpes desleais. Há uma filosofia obscura e maléfica, mas há também, como já o afirmava o mesmo Descartes, uma filosofia clara e benéfica, aquela da qual (Gorki) dizia:

Seria êrro acreditar que faço pouco da filosofia. Sou pela filoso­ fia, mas por uma filosofia que venha de baixo para cima, da terra, dos processos de trabalho;, por uma filosofia que, estudando os fe­ nômenos naturais, submeta as forças da natureza aos interesses do homem. Estou convencido de que q pensamento está indissolúvel­ mente ligado ao esforço, e não sou partidário do pensamento quando em estado de imobilidade, sentado, deitado.[i 2]

Esta introdução a êstes Princípios de Filosofia tem por objeto de­ finir a filosofia em geral, mostrar por que devemos estudá-la e, fi­ nalmente, indicar que filosofia devemos estudar.

Que é filosofia?

Os gregos antigos, entre os quais se con­ tam os maiores pensadores de que a história tem notícia, definiam a filosofia como o amor pelo saber. Era èsse o sentido exato da palavra grega da qual provém a palavra filosofia.

“Saber” quer dizer “conhecimento do mundo e do homem.” Esse conhecimento permitia enunciar certas regras de ação, determinar ver­ ta atitude diante da vida. Sábio era o homem que agia em todas as circunstâncias de conformidade com tais regras que, por sua vez, se baseavam no conhecimento do mundo e do homem.

A palavra “filosofia” manteve-se desde aquela época por corres­ ponder a uma necessidade. É, por vezes, tomada em diferentes sen­ tidos, que se prendem à diversidade dos pontos de vista a respeito do mundo. Mas, o sentido mais corrente da palavra é o seguinte: concepção geral do mundo da qual se pode deduzir certa forma de conduta.

Um exemplo, tomado da história da França, ilustrará a definição. No século XVIII, os filósofos burgueses da França pensavam e ensinavam, baseados em conhecimentos científicos, que o mundo é conhecível e concluíam ser possível transformá-lo para o bem do homem. Muitos, como por exemplo Condorcet, autor do Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano (1794), concluíam que o homem é aperfeiçoâvel, que se pode tornar melhor, que a sociedade pode melhorar.

Um século mais tarde, a grande maioria dos filósofos burgueses pensava e ensinava o contrário: que o mundo é inconhecível, que o “fundo das coisas” escapa à nossa compreensão e nos escapará sempre. Daí a seguinte conclusão: é insensato querer transformar o mundo. É verdade, concordam eles, que podemos agir sobre a natureza, mas é uma ação superficial, uma vez que o “fundo das coisas” está fora do nosso alcance. Quanto ao homem... ele é o que sempre foi, o que sempre será. Há uma “natureza humana” cujo segrêdo nos escapa. “Por quê, pois, quebrar a cabeça para melhorar a sociedade?”

Vemos que a “concepção do mundo” (ou seja, a filosofia) não é uma questão sem interèsse, uma vez que duas concepções opostas levam a conclusões “práticas” também opostas.

Com efeito, os filósofos do século XVIII queriam transformar a sociedade porque representavam os interesses e as aspirações da bur­guesia, classe então revolucionária, que lutava contra o regime feu­dal. Quanto aos filósofos do século XIX, eles representavam (quer o soubessem ou não) os interesses dessa mesma burguesia, que já se havia tornado conservadora; transformada em classe dominante, ela passa a temer a ascenção revolucionária do proletariado. Ela pretende, então, que nada há de ser mudado num mundo em que é dona do melhor quinhão. Os filósofos “justificam” tais interesses quando procuram desviar as pessoas de toda emprêsa que vise transfor­mar a sociedade. Exemplos: os positivistas (seu chefe, Auguste Comte, passa aos olhos de muitos como “reformador social”; na realida­de, está profundamente convencido de que o reinado da burguesia é eterno e sua “sociologia” ignora as forças produtivas e as relações de produção,[i 3] o que a condena à impotência); os ecléticos (seu che­fe, Victor Cousin, foi o filósofo oficial da burguesia; ele justificou a opressão do proletariado e, principalmente, os fuzilamentos em massa de junho de 1848, em nome do “verdadeiro”, do “belo”, do “bem”, da “justiça” etc.); o bergsonismo. (Bergson, a quem a bur­guesia exaltava por volta de 1900, isto é, na época do imperialismo, empregou todo o seu espírito para desviar o homem da realidade concreta, da ação sobre o mundo, da luta para a transformação da sociedade: o homem deve consagrar-se ao seu “eu profundo”, à sua vida “interior”, o resto não tem grande importância e, consequentemente, os que exploram o trabalho alheio podem dormir tranquilos.)

A mesma classe social, a burguesia francesa, teve, portanto, dois filósofos bem diferentes, num e noutro século, porque, revolucio­ nária no século XVIII, tornou-se conservadora e, mesmo reacionária, no século XIX. Nada de mais interessante do que a confron­tação dos textos que se seguem. O primeiro data de 1789, ano da revolução burguesa. É de um revolucionário burguês, Camille Desmoulins, que, nestes tèrmos, saúda os novos tempos:

Fiat! Fiat! Vitoriosa a Revolução, vai-se operar a regeneração; nenhum poder da Terra poderá impedi-lo. Sublime efeito da filosofia, da liberdade, do patriotismo! Nós nos tornamos inven­cíveis.[i 4]

Eis o outro texto. Data de 1848. É de Thiers, homem de Es­tado burguês, que defende os interesses da classe que está no poder, contra o proletariado:

Ah! se fòsse como outrora, se a escola continuasse ainda mantida pelo cura ou pelo sacristão, longe de mim opor-me à extensão das escolas aos filhos do povo... Peço, formalmente poisa diferente dêsses professores leigos, muitos dos quais são detestáveis; que­ ro frades, ainda que, em outros tempos, pouca confiança eu te­ nha depositado neles. Quero, de nôvo tornar poderosa a influên­ cia do clero; quero que a ação do pároco seja decisiva, mais forte do que nunca, porque conto muito com ele para propagar a boa filosofia, que ensina ao homem que ele está aqui para sofrer, e não essa outra filosofia que, em oposição, diz: goza porque estás aqui para realizar a tua felicidade; se não a encontrares na si­ tuação atual, ataca sem mêdo o rico cujo egoísmo te recusa o quinhão de ventura a que tens direito; tirando do rico o supér­ fluo, garantirás teu bem-estar e o dos que estão na mesma situação que tu.[i 5]

Vê-se que Thiers interessa-se pela filosofia. Por quê? Porque a filosofia tem caráter de classe. È certo que, em geral, os filósofos não duvidam disso. Em toda concepção do mundo há um sentido prático: favorece determinadas classes e desserve outras. Veremos que o marxismo é, também, uma filosofia de classe.

Enquanto o burguês revolucionário Camille Desmoulins via na filosofia uma arma a serviço da revolução, o conservador Thiers olha­va-a como uma arma a serviço da reação social: a “boa filosofia” é aquela que convida o trabalhador a dobrar a espinha. Assim pen­sava o futuro fuzilador dos heróis de Comuna de Paris.

Por que devemos estudar filosofia?

Hoje, os suces­ sores de Thiers, na França como nos Estados Unidos, movem proces­ sos de opinião contra os marxistas. Eles gostariam de aniquilar não só os marxistas, mas também a sua filosofia. Assim Thiers preten­ dia matar, com os comunistas, as idéias de progresso social. Por isso mesmo é que o dever dos operários e dos trabalhadores em geral deve ser: opor à filosofia que serve aos exploradores, uma filosofia capaz de ajudar na luta contra êsses mesmos exploradores. O estudo da filosofia importa, pois, e muito, aos trabalhadores. Esta impor­ tância surge, imediatamente, quando o problema se coloca no terre­ no dos fatos.

Os fatos são a situação cada vez mais dura que a política da burguesia, hoje classe dominante, impõe a todos os trabalhadores do país: desemprêgo e vida cara, oportunidades recusadas aos jo­ vens, investidas contra as leis sociais, contra o direito de greve, con­ tra as liberdades democráticas, repressões, agressões armadas (no- tadamente o 14 de julho de 1953 em Paris), colonização do país pelo imperialismo americano, a sangrenta e ruinosa guerra do Vietnã, reconstituição da Wehrmacht etc. E os trabalhadores perguntam a si mesmos: como sair desta situação? A necessidade de saber por que as coisas são assim se torna cada vez mais geral, cada vez mais aguda. De onde vem o perigo de guerra? De onde vem o fascis­mo? De onde vem a miséria? Os trabalhadores de nosso país que­ rem compreender o que se passa; e querem saber como essas coisas podem ser mudadas.

Não está, pois, bem claro que, se a filosofia é uma concepção do mundo, concepção que tem conseqüências práticas, £ preciso que os trabalhadores que querem modificar o mundo tenham dele uma justa concepção? Além do mais, é preciso mirar bem para atingir o alvo.

Admitamos que todos os trabalhadores pensem que a realidade é inconhecível. Assim sendo, estarão indefesos contra a guerra, o desemprego, a fome. Tudo o que acontecer será para eles ininteligível; suportarão tudo como fatalidades. É justamente a esse ponto que a burguesia os quer levar. Além disso, a burguesia vale-se de todos os meios para difundir uma concepção do mundo que esteja de acor­ do com os seus interesses. Assim se explica a profusão de idéias mino esta: “Haverá sempre ricos e pobres.” Ou ainda: “A socie­dade é uma selva, e o será sempre; portanto, cada um para si! De­ vora o outro se não queres que ele te devore. Operário, procura con­ quistar as boas graças do teu patrão, em detrimento dos teus com­ panheiros de trabalho, ao invés de te unires a eles, na defesa comum de vossos salários. Empregada, procura tornar-te amante do patrão, e terás vida regalada. E os outros que se arranjem...”

Essas idéias são encontradas em quantidade em Seleções do Reader’s Digest, na “imprensa sadia”... Ê o veneno com que a burguesia quer corromper a consciência dos trabalhadores e do qual, por con­ seguinte, ele se devem defender. Èsse veneno se encontra, entretan­ to, sob as mais diversas formas. É assim que os trabalhadores que ainda lêem o Franc-Tireur compram, sem o saber, quinze francos de veneno por dia. Sem o saber, porque Franc-Tireur tripudia, grita que isto vai mal e que ainda se há de ver isto e mais aquilo; mas, Franc-Tireur evita dizer por que isto vai mal, evita mostrar as cau­ sas e, principalmente, se encarrega de impedir ou de desfazer a união dos trabalhadores, essa união que é, precisamente, o único meio de sair do atual estado de coisas.

Todas essas idéias provêm, em última análise, de uma concepção do mundo, de uma filosofia: a sociedade é inatingível; é preciso admiti-la tal como ela é, suportar-lhe a exploração ou então conquis­ tar um “lugarzinho” a qualquer preço...

Ora esta! Para que procurar saber o “porquê” e o “como” das coisas que nos acontecem? A injustiça é cometida todos os dias, e a fôrça está acima do direito!

Eis o que se pode ler em Super-boy, uma das numerosas publica­ ções que a burguesia destina aos filhos dos trabalhadores. Violência, desprêzo pelo homem; é isso que, de fato, convém às necessidades da burguesia agressiva, para quem a guerra de conquista é atividade normal. É oportuno lembrar o que Lenine dizia em 1920, no III Congresso da Federação das Juventudes Comunistas da Rússia. Assim descre­ via a sociedade capitalista:

A sociedade antiga baseava-se no seguinte princípio: ou roubarás o teu próximo, ou ele te roubará; ou trabalhas em proveito de outro, ou é ele que trabalha em teu proveito; ou és senhor de escravos, ou serás tu mesmo o escravo. Compreende-se que homens educados nessa sociedade suguem, com o leite materno, uma psi­ cologia, hábitos e idéias de escravagistas, ou de escravo, de patrão, ou de empregado, de pequeno funcionário, de intelectual; em re­ sumo, de homem que não pensa senão em possuir aquilo que ne­ cessita, desinteressando-se pelos outros. Se exploro o meu “pedaço” de terra, não me devo preocupar com os outros; se os outros têm fome, tanto melhor: vender-lhes-ei mais caro o meu trigo. Se tenho meu “lugarzinho”, como médico, engenheiro, professor ou empregado, que me importa o próximo? Pode ser que adulando os detentores do poder, procurando agradá- los, eu conserve meu lugar e consiga mesmo “subir” e tornar-me também um burguês.[i 6]

É preciso, pois, fazer guerra sem tréguas, fora de nós e em nós mesmos, a essa velha filosofia, tão apreciada pela burguesia reinante, porque ela tem a seu favor, além da tradição e dos preconceitos, a grande imprensa, o rádio, o cinema... É preciso aceitar o convite de Barbusse, que dizia, evocando a necessidade dessa luta constante contra as velhas idéias-veneno: Recomeçarás, se necessário, com mag­nifica honestidade.[i 7]

É preciso trabalhar para ter idéias novas que tragam consigo a confiança,' e não o desespêro, a luta e não a resignação. Para os tra­ balhadores, isto não é uma questão secundária. É uma questão de vida ou de morte, porque eles não poderão se livrar da opressão de classe se não tiverem uma concepção do mundo, que os leve a poder efetivamente transformado.

A propósito, em A Mãe, conta Gorki como, na Rússia dós czares, uma velha, até então resignada com tudo, sem esperança, torna-se uma revolucionária indòmita por haver compreendido, graças ao fi­ lho, combatente heróico do socialismo, as origens do sofrimento do povo, por haver compreendido que era possível por fim àquele es­ tado de coisas.

O estudo da filosofia não será inútil àqueles que lutam, que não se resignam; efetivamente, só uma concepção objetiva do mundo lhes pode dar razões para lutar.

Sem teoria justa, não há luta vitoriosa. Alguns crêem que, para atingirmos um alvo, basta que as condições de êxito se realizem. Estão errados, porque é preciso ainda saber se essas condições estão se realizando. Quanto mais complicadas forem as situações, mais importante saber situar-se dentro delas.

Essas observações são válidas quando se trata da luta revolucioná- ria, da luta pelo socialismo e pelo comunismo. “Sem teoria revolu- cionària não há movimento revolucionário”, dizia Lenine.

Essas observações são válidas também para a luta por outros ob­ jetivos: luta pelas liberdades democráticas, peláo pão, pela paz.

Portanto, é por necessidade prática que devemos estudar filosofia, que nos devemos interessar pela concepção geral do mundo.

Vejamos agora, mais de perto, qual a filosofia que nos permitirá conhecer o mundo e, por conseguinte, lutar pela sua transformação.

Que filosofia estudar?

Uma filosofia científica: o materialismo dialético

Se quisermos transformar a realidade (natureza e sociedade) é ne­ cessário conhecê-la. É através das diversas ciências que o homem co­ nhece o mundo. Assim sendo, apenas uma concepção científica do inundo pode convir aos trabalhadores, na luta por uma vida melhor. Esta concepção científica é a filosofia marxista, é o materialismo dia­ lético.

Uma questão vem-nos então ao espírito: que diferença existe en­tre “ciência” e “filosofia”? Não se identifica a segunda com a pri­meira? A filosofia marxista é, com efeito, inseparável das ciências, mas distingue-se delas. Cada uma das ciências (Física, Biologia, Psi­cologia etc.) se propõe estudar as leis próprias de um bem determi­nado setor da realidade. O materialismo dialético tem, porém, um duplo objetivo:

  1. como dialética, estuda as leis mais gerais do universo, leis co­muns a todos os aspectos da realidade, desde a natureza física, até o pensamento, passando pela natureza viva e pela sociedade. (As próximas lições abordarão o estudo dessas leis.) Marx e Engels, fun­dadores do materialismo dialético, não fundamentaram, porém, a dia­ lética em fantasia. Foi o progresso das ciências que lhes permitiu descobrir e formular as leis mais gerais, que são comuns a todas as ciências e que são expostas por sua filosofia.[i 8]
  2. como materialismo, a filosofia marxista é uma concepção científica do mundo, a única científica, isto é, a única que está con­ forme com o que ensinam as ciências. Ora, o que ensinam as ciên­cias? Que o universo é uma realidade material, que o homem não é estranho a essa realidade, que pode conhecê-la, e, pelo conhecimento, transformá-la, como provam os resultados práticos obtidos pelas di­ versas ciências. Abordaremos o estudo do materialismo filosófico nas lições 8.a, 9.“, 10.a e 11.“. O materialismo marxista não se identifica com as ciências, porque o seu objeto não é o aspecto limitado do real (que é o objeto das ciências), mas a concepção do mundo em seu conjunto, concepção que todas as ciências admitem implici­tamente, ainda que os cientistas não sejam marxistas.

A concepção materialista do mundo, diz Engels, significa, simples­mente, a concepção da natureza, tal como ela é, sem adicionamentos estranhos.[i 9]

Cada ciência estuda um aspecto da “natureza, tal como ela é”.

A filosofia marxista é, porém, a concepção geral da “natureza, tal como ela é”. É, pois, ainda que não se identifique com as ciências, uma filosofia científica.

Já dissemos que o materialismo dialético não se identifica com às ciências. Mas, acabamos de ver, também, que as ciências são, ne­ cessàriamente, dialéticas (uma vez que não se podem constituir se desconhecerem as leis mais gerais do universo) e materialistas (uma vez que têm por objeto o universo material). O materialismo dialé­ tico é, pois, inseparável das ciências. Ele não pode progredir a não ser fundamentado nelas; èie é a síntese delas. Em troca, ele as aju­ da poderosamente, como teremos oportunidade de constatar. Além disso, ele se impõe a tarefa de criticar as concepções não-científicas do mundo, as filosofias antidialéticas e antimaterialistas.

O materialismo histórico estende à sociedade os princípios do ma­ terialismo dialético, como veremos nas lições 15a e 21.a.

Materialismo dialético e materialismo histórico constituem o funda­ mento teórico do socialismo científico e, por conseguinte, do comunismo.

Resumindo todas essas características Stalin escreveu:

O marxismo é a ciência das leis do desenvolvimento da natureza e da sociedade, a ciência da revolução das massas oprimidas e ex­ ploradas, a ciência da vitória do socialismo em todos os países, a ciência da edificação da sociedade comunista.[i 10]

Uma filosofia revolucionária: a filosofia do proletariado

É justamente por ser científica e, como tal, capaz de se comprovar pelos fatos — a prática verificando a teoria — que a filosofia marxista é, ao mesmo tempo, a filosofia do proletariado, a teoria do partido do proletariado, classe revolucionária, cujo papel histórico é vencer a burguesia, suprimir o capitalismo e constituir o socialismo. Voltaremos, na Décima Quarta Lição, a falar da importância dos laços que unem o proletariado ao marxismo. Convém, entretanto, pô-los em evidência desde já.

Se, efetivamente, o proletariado aderiu à filosofia marxista, se a assimilou e se a enriqueceu, é porque na luta para transformar a sociedade — sociedade na qual é vítima — ele se impôs a tarefa de compreender essa sociedade, de estudá-la cientìficamente. A burguesia, defendendo seus interesses de classe privilegiada, procura fazer esquecer que sua dominação repousa na exploração da força de tra­balho. Ela nega a própria realidade da exploração capitalista porque reconhecer a realidade seria contrário aos seus interesses de classe, volta cada vez mais as costas à verdade.

Muito diferente é a posição do proletariado. Seu interèsse de clas­se explorada, que quer sacudir o jugo, consiste em encarar o mundo de frente. A classe exploradora necessita de mentiras, para perpetuar a exploração; a classe revolucionária necessita da verdade, para aca­bar com a exploração; tem necessidade de uma concepção justa do mundo, para dar conta de sua tarefa revolucionária, adequadamente.

Ver o mundo de frente, nisto consiste o materialismo.

Ver o mundo em seu desenvolvimento real, nisto consiste o ma­ terialismo dialético (sendo a dialética o estudò das leis que explicam o desenvolvimento da sociedade).

Podemos, pois, dizer, que, por ser filosofia científica, o materialis­ mo dialético tornou-se a filosofia da classe revolucionária, da classe cujo interèsse é compreender a sociedade, para se libertar da explo­ ração. O marxismo é a filosofia científica do proletariado.

A. Idanov pôde dizer:

O aparecimento do marxismo, como filosofia científica do proleta­ riado põe fim ao período antigo da história da filosofia quando es­ ta era ocupação de solitários, o apanágio de escolas compostas de pequeno número de filósofos e seus discípulos, fechados, divorciados da vida e do povo, estranhos ao povo. O marxismo não é uma escola filosófica dessa espécie. Ao con­ trário, aparece como um avanço sobre a filosofia antiga, uma vez que esta era o privilégio de alguns eleitos, de um aristocracia do es­ pírito; surge como o início de um período inteiramente nôvo, em que a filosofia se transforma em arma científica nas mãos das mas­ sas proletárias em luta pela própria emancipação.[i 11]

É esta a filosofia que estudaremos porque, sendo científica, traz aos trabalhadores a luz que aclara a luta em que se empenham. Aos trabalhadores, e não apenas aos proletários, uma vez que os traba­ lhadores manuais e intelectuais são os aliados do proletariado revo­ lucionário e têm os mesmos interesses contra a burguesia capitalista. O estudo do marxismo, filosofia científica do proletariado, é tarefa de todos aqueles que, proletários ou não, desejam desfazer as menti­ ras propícias ao reinado da burguesia. Como toda ciência, a teoria marxista é acessível a todo homem, qualquer que seja a sua classe: um burguês pode ser marxista, desde que se coloque ao lado do proletariado, que se situe no ponto de vista do proletariado. O laço que une o marxismo ao proletariado permite-nos compre­ ender que a filosofia marxista, filosofia do proletariado, é necessa­ riamente uma filosofia de partido. O proletariado não pode, com efeito, vencer a burguesia sem um partido revolucionário que conhe­ ça a ciência das sociedades. Esta ideia já foi expressa por Marx e Engels, no Manifesto do partido comunista, Lenine, por sua vez, disse:

Marx e Engels foram, em filosofia, do comêço ao fim, homens de partido.[i 12]

O mesmo aconteceu com seus melhores discípulos, principalmente com Lenine e com Stalin.

Conclusão: unidade entre a teoria e a prática

Para os trabalhadores e, em particular, para os proletários, o estudo da filosofia marxista não é um luxo: é um dever de classe. Não cumpri-lo é deixar o campo livre às concepções anticentíficas e rea­ cionárias, de que se serve a opressão burguesa; é privar o movimen­ to operário da bússola que o norteia.

A burguesia teme a filosofia do proletariado e faz-lhe guerra por todos os meios. Durante décadas, afastou-a das universidades, na tentativa de extingui-la. Depois, como aumentasse a influência do materialismo dialético (ao mesmo tempo que crescia a autoridade da classe operária), foi necessário usar de astúcia: os ideólogos burgue­ ses mudaram de tática. Passaram a dizer: é claro que o marxismo, outrora, satisfazia. Hoje porém, está superado. Daí, as inúmeras ten­tativas de “superação” do marxismo. Significativo é que todas essas novas teorias passem por uma operação preliminar: a liquidação ou a falsificação das bases filosóficas do marxismo, a liquidação ou a falsificação do materialismo dialético.

A burguesia obteve, nessa tarefa, a colaboração solícita dos chefes da social-democracia internacional. Na França, em particular, a ajuda de Léon Blum. Em A escala humana (1946), ele nega que o socialismo tenha necessidade de uma filosofia materialista, em oposição aos ensinamentos de Marx. E os chefes da Internacional So­cialista se colocam, abertamente, sob as asas da religião: O marxis­mo — o materialismo dialético e histórico — não é absolutamente necessário ao socialismo; a inspiração religiosa é para ele muito mais valiosa.[i 13]

Veremos que tais manobras conseguiram atrair a interdição sobre a luta de classe, isto é, sobre a revolução.

Mas, os silêncios e as falsificações em nada podem mudar a ver­ dade do materialismo dialético e do materialismo histórico. Fatos são fatos. Por exemplo, presentemente, exasperam-se as controvérsias entre os diversos países capitalistas, embora reunidos em coalisão contra o país do socialismo. Os próprios capitalistas constatam essa situação que já havia sido prevista e descrita por Stalin em seu úl­timo trabalho: Problemas econômicos do socialismo na URSS, trabalho èsse que desenvolve e enriquece a teoria marxista.

Os fatos aí estão. A vitória do socialismo, a implantação do co­ munismo na URSS, o impulso das democracias populares, os pro­ gressos dos partidos operários marxistas-leninistas, são outras tantas provas da potência soberana da teoria marxista. E as filosofias bur­ guesas apenas conseguem registrar (e tentar justificar, sem explicar) a acentuação da crise geral do capitalismo.

Há, entretanto, um ponto que não deve ser esquecido pelos que empreendem o estudo da filosofia marxista. Filosofia científica do proletariado revolucionário, o marxismo jamais separa a teoria (isto é, o conhecimento), da prática (ou seja, a ação). Marx, Engels e seus discípulos foram, ao mesmo tempo, pensadores e homens de nção. Foi, aliás, esta ligação orgânica entre a teoria e a prática que permitiu o enriquecimento do marxismo: cada etapa do movimento revolucionário preparou nôvo avanço da teoria. Não é possível assi­ milar os princípios do marxismo se não houver participação na ação revolucionária, que põe em evidência a fecundidade daquela teoria.

“A teoria marxista-leninista não é um dogma, mas um guia para a ação”.[i 14]

Notas

  1. Descartes, Discurso sobre o método
  2. Gorki, Pequenos-burgueses
  3. A respeito das forças produtivas e das relações de produção, ver a Décima Quinta Lição.
  4. Citado por Albert Soboul: 1789 L’An Un de la Liberte, Éditions Sociales, Paris, 1950, 2ª edição, pág. 63.
  5. Citado por Georges Gogniot: La Question Scolaire en 1848 et la Loi Fil­ iaux, Editions Hier e Aujourd’hui, pág. 189.
  6. Lenine, Obras escolhidas, tomo II
  7. Barbusse, Palavras de um combatente
  8. A respeito da formação da teoria marxista, ver as lições primeira e décima quarta.
  9. Engels: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã
  10. Stalin: Sobre o marxismo na linguística
  11. Jdanov, Sobre a literatura, música e filosofia
  12. Lenin: Materialismo e empiriocriticismo
  13. Statuts de la Nouvelle "Internationale Socialiste”. (C.O.M.I.S.C.O. transformé.)
  14. Stalin: História do partido comunista (bolchevique) da URSS

Estudo do método dialético marxista

O método dialético e suas características

Tudo se relaciona (lei da ação recíproca e da conexão universal)

Tudo se transforma (lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante)

A mudança qualitativa

A luta dos contrários

Estudo do materialismo filosófico marxista

O materialismo dialético e a vida espiritual da sociedade

O materialismo histórico

A teoria materialista do estado e da nação