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Prefácio

De acordo com a intenção original do autor, este trabalho que apresentamos ao leitor devia ser dedicado ao desenvolvimento detalhado das ideias expostas no artigo "Por onde começar?" (Iskra, n.º 4, maio de 1901). Antes de tudo, devemos desculpar-nos perante o leitor pelo atraso verificado no cumprimento da promessa feita nesse artigo (e repetida em resposta a numerosas perguntas e cartas particulares). Uma das razões desse atraso foi a tentativa de unificação de todas as organizações sociais-democratas no estrangeiro, empreendida em junho do ano passado (1901). Seria natural que se aguardasse os resultados dessa tentativa, pois, se tivesse êxito, talvez fosse preciso expor sob um ângulo um pouco diferente os pontos de vista do Iskra em matéria de organização; em todo o caso, o êxito de tal tentativa teria permitido pôr termo, de modo bastante rápido, à existência de duas tendências na social-democracia russa. Como o leitor não ignora, essa tentativa fracassou e, como procuraremos demonstrar mais adiante, não poderia ter outro fim após a mudança inesperada do Rabótcheie Dielo, em seu número 10, em direção ao "economismo". Tornou-se absolutamente necessário empreender uma luta decisiva contra esta tendência vaga e pouco determinada, porém tanto mais persistente e susceptível de renascer sob as mais variadas formas. Desse modo, o plano inicial deste trabalho foi modificado e consideravelmente ampliado. O tema principal deveria abranger as três questões propostas no artigo "Por onde começar?", ou seja: o carácter e o conteúdo essencial de nossa agitação política; nossas tarefas de organização, o plano para a construção de uma organização de combate para toda a Rússia dirigido simultaneamente para diversos fins. Desde há muito tais problemas vêm interessando ao autor, que já procurou abordá-los na Rabótchaia Gazeta, em uma das tentativas malogradas de se renovar essa publicação (ver cap. V). Contudo, minha intenção inicial de me limitar, neste trabalho, somente à análise dessas três questões e de expor meus pontos de vista, sempre que possível, de forma positiva evitando recorrer à polémica, tornou-se completamente impraticável por duas razões. Por um lado, o "economismo" revelou-se muito mais forte do que os supúnhamos (empregamos o termo "economismo" em sentido amplo, como foi explicado no artigo do, Iskra, n.º. 12, dezembro de 1901: "Uma Conversa com os Defensores do Economismo", artigo que traça por assim dizer, o esboço do trabalho que apresentamos ao leitor). Hoje é inegável que as diferentes opiniões a respeito desses três problemas explicam-se muito mais pela oposição radical das duas tendências na social-democracia russa, do, que pelas divergências quanto a detalhes. Por outro lado, a perplexidade suscitada entre os "economistas" pela exposição metódica de nossos pontos de vista no Iskra evidenciou que, frequentemente, falamos línguas literalmente diferentes: que, por conseguinte, não podemos chegar a qualquer acordo se não começarmos de novo; que é necessário tentar. Uma explicação metódica tão popular quanto possível, ilustrada com exemplos concretos muito numerosos, com todos os "economistas", sobre todos os pontos capitais de nossas divergências. E resolvi tentar tal "explicação", compreendendo perfeitamente que ela aumentaria consideravelmente as dimensões deste trabalho e retardaria seu aparecimento, mas não encontrei outro meio de cumprir a promessa feita no artigo "Por onde começar?". As desculpas por esse atraso, é necessário acrescentar outras quanto à extrema insuficiência da forma literária deste trabalho: tive de trabalhar com a maior das pressas e, ademais, foi interrompido frequentemente por toda a sorte de outros trabalhos. A análise das três questões indicadas anteriormente continua a ser o objeto deste trabalho, mas tive de começar por duas outras questões de ordem mais geral: por que uma palavra de ordem tão "inofensiva" e "natural" como "liberdade de crítica" constitui para nós um verdadeiro grito de guerra? Por que, não podemos chegar a um acordo nem sequer sobre a questão fundamental do papel da social-democracia, em relação ao movimento espontâneo das massas? Além disso, a exposição dos meus pontos de vista sobre o carácter e o conteúdo da agitação política visa a explicar a diferença entre a política sindical e a política social-democrata, e a exposição dos meus pontos de vista sobre as tarefas de organização visa a explicar a diferença entre os métodos artesanais de trabalho, que satisfazem os "economistas", e a organização dos revolucionários que consideramos indispensável. Em seguida, insisto mais uma vez sobre o "plano" de um jornal político para toda a Rússia, pois as objecções que têm sido feitas a esse respeito são inconsistentes e não respondem à natureza da questão proposta no artigo "Por onde começar?": como poderemos empreender, simultaneamente e por todos os lados, a formação da organização de que necessitamos? Enfim, na última parte do trabalho espero demonstrar que fizemos tudo o que dependia de nós para evitar a ruptura definitiva com os "economistas", ruptura que, entretanto, tornou-se inevitável; que o Robótcheie Dielo adquiriu uma importância especial, "histórica", se quiserem, porque exprimiu da maneira mais completa e com maior relevo, não o "economismo" consequente, mas a dispersão e as incertezas que constituíram o traço peculiar de todo um período da história da social-democracia russa; que, por conseguinte, apesar de parecer bastante desenvolvida à primeira vista, a polémica com o Rabótcheie Dielo tem sua razão de ser, pois não podemos seguir adiante sem, liquidar definitivamente esse período.

I. Lenin
Fevereiro de 1902

Dogmatismo e "liberdade de crítica"

O que significa a "liberdade de crítica"

"Liberdade de crítica" é, sem dúvida alguma, a palavra de ordem mais em voga atualmente, aquela que aparece com mais frequência nas discussões entre socialistas e democratas de todos os países. À primeira vista, nada parece mais estranho do que ver um dos contraditores exigir solenemente a liberdade de crítica. Acaso nos partidos avançados ergueram-se vozes contra a lei constitucional que na maioria dos países europeus, garante a liberdadeda ciência e da investigação científica? "Há algo escondido"dirá necessariamente qualquer homem imparcial que tenha ouvido essa palavra de ordem emmoda, repetida em todos os cantos, e que ainda não tenha apreendido o sentido dodesacordo. "Essa palavra de ordem é, evidentemente, uma daquelaspequenas palavras convencionais que, como os apelidos, são consagradas pelouso e tornam-se quase nomes comuns".

De fato, não constitui mistériopara ninguém que, na atual social-democracia internacional, se tenhamformado duas tendências, cuja luta ora "se anima e se inflama, ora se extingue sob as cinzas das grandiosas resoluções de tréguas". Em que consiste a "nova tendência que "critica" o "velho" marxismo "dogmático", disse-o Bernstein, e demonstrou-o Millerand com suficiente clareza. A social-democracia deve transformar-se de partido da revolução social em partido democrático de reformas sociais. Essa reivindicação política, foi cercada por Bernstein com toda uma bateria de "novos" argumentos e considerações muito harmoniosamente orquestrados. Nega ele a possibilidade de se conferir fundamento científico ao socialismo e de se provar, do ponto de vista da concepção materialista da história, sua necessidade e sua inevitabilidade, nega a miséria crescente, a proletarização e o agravamento das contradições capitalistas; declara inconsistente a própria concepção do "objetivo final", e rejeita categoricamente a ideia da ditadura do proletariado; nega a oposição de princípios entre o liberalismo e o socialismo, nega a teoria da luta de classes, considerando-a inaplicável a uma sociedade estritamente democrática, administrada segundo a vontade da maioria etc. Assim, a exigência de uma mudança decisiva - da social-democracia revolucionária para o reformismo social burguês - foi acompanhada de reviravolta não menos decisiva em direção à crítica burguesa de todas as ideias fundamentais do marxismo. E como essa crítica, de há muito, era dirigida contra o marxismo do alto da tribuna política e da cátedra universitária, em uma quantidade de publicações e em uma série de tratados científicos: como, há dezenas de anos, era inculcada sistematicamente à jovem geração das classes instruídas, não é de se surpreender que a "nova" tendência "crítica" na social-democracia tenha surgido repentinamente sob sua forma definitiva, tal como Minerva da cabeça de Júpiter. Em seu conteúdo, essa tendência não teve de se desenvolver e de se formar; foi transplantada directamente da literatura burguesa para a literatura socialista. Prossigamos.

Se a crítica teórica de Bernstein e suas ambições políticas permaneciam ainda obscuraspara alguns, os franceses tiveram o cuidado de fazer uma demonstração prática,do "novo método". Ainda desta vez a França justificou sua velha reputação de "país em cuja história a luta de classes, mais do que em qualquer outro, foi resolutamente conduzida até o fim".[1 1] Ao invés de teorizar, os socialistas franceses agiram deliberadamente; as condições políticas da França, mais desenvolvidas no sentido democrático, permitiram-lhes passarimediatamente ao "bernsteinismo prático" com todas as suas consequências. Millerand deu um exemplo brilhante desse bernsteinismo prático; também, comque empenho Bernstein e Volimar apressaram-se em defender e louvar Millerand!

De fato, se a social-democracia não constitui, no fundo, senão um partido dereformas e deve ter a coragem de reconhecê-lo abertamente, o socialismo nãosomente tem o direito de entrar em um ministério burguês, como também deve mesmo aspirar sempre a isso. Se a democracia significa, no fundo, a supressão da dominação de classe, por que um ministro socialista não seduziria o mundo burguês com discursos sobre a colaboração das classes? Por que não conservaria ele sua pasta, mesmo após os assassínios de operários por policiais terem demonstrado pela centésima e pela milésima vez o verdadeiro caráter da colaboração democrática das classes? Por que não facilitaria pessoalmente o czar a quem os socialistas franceses não chamavam senão deknouteur, pendeur et déportateur? E para contrabalançar esse interminável aviltamento e autoflagelação do socialismo perante o mundo inteiro, essa perversão da consciência socialista das massas operárias — única base quenos pode assegurar a vitória —, são nos oferecidos os projetos grandiloquentes de reformas insignificantes, insignificantes ao ponto de se poder ter obtido mais dos governos burgueses!

Aqueles que não fecham os olhos, deliberadamente, não podem deixar de ver que a nova tendência "crítica" no socialismo nada mais é que uma nova variedade do oportunismo. E se tais pessoas forem julgadas, não a partir do brilhante uniforme que vestiram, nem tampouco do título pomposo que se atribuíram, mas a partir de sua maneira deagir e das ideias que realmente divulgam, tornar-se-á claro que "a liberdade de crítica" é a liberdade da tendência oportunista na social-democracia, a liberdade de transformar esta em um partido democrático de reformas, a liberdade de implantar no socialismo as ideias burguesas e os elementos burgueses. A liberdade é uma grande palavra, mas foi sob a bandeira da liberdade da indústria que foram empreendidas as piores guerras de pilhagem, foi sob a bandeira da liberdade do trabalho, que os trabalhadores foram espoliados. A expressão "liberdade de crítica", tal como seemprega hoje, encerra a mesma falsidade.

As pessoas verdadeiramente convencidas de terem feito progredir a ciência não reclamariam, para asnovas concepções, a liberdade de existir ao lado das antigas, mas a substituição destas por aquelas. Portanto, os gritos atuais de "Viva a liberdade de crítica!" lembram muito a fábula do tonel vazio. Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difícil, segurando-nos fortemente pela mão. De todos os lados, estamos cercados de inimigos, e épreciso marchar quase constantemente debaixo de fogo. Estamos unidos por umadecisão livremente tomada, precisamente a fim de combater o inimigo e não cair no pântano ao lado, cujos habitantes desde o início nos culpam determos formado um grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da conciliação. Alguns dos nossos gritam: Vamos para o pântano! E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: Como vocês são atrasados! Não se envergonham de nos negar a liberdade de convidá-los a seguir um caminho melhor! Sim, senhores, são livres não somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, até para o pântano; achamos, inclusive, que seu lugar verdadeiro é precisamente no pântano, e, na medida de nossas forças, estamos prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares. Porém,nesse caso, larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a grande palavra liberdade, porque também nós somos "livres" para ir aonde nos aprouver, livres para combater não só o pântano, como também aqueles que para lá se dirigem![1 2]

Os novos defensores da liberdade de crítica

A crítica na Rússia

Engels e a importância da luta teórica

Notas

  1. Engels: prefácio ao O 18 de brumário de Louis Bonaparte)
  2. A propósito. É um fato quase único na história do socialismo moderno e extremamente consolador no seu gênero; pela primeira vez uma disputa entre tendências diferentes no seio do socialismo ultrapassa o quadro nacional para se tornar internacional. Anteriormente, as discussões entre lassalianos eeisenachianos, entre guesdistas e possibilistas, entre fabianos e sociais-democratas, entre norodovoltsy e sociais-democratas eram puramente nacionais, refletiam particularidades puramente nacionais, desenrolavam-se,por assim dizer, em planos diferentes. Atualmente (isto aparece, hoje,claramente) os fabianos ingleses, os ministerialistas franceses, os bernsteinianos alemães, os críticos russos formam todos uma única família, elogiam-se mutuamente, aprendem uns com os outros, e conduzem campanha comum contra o marxismo "dogmático". Será que nessa primeira amálgama verdadeiramente internacional com o oportunismo socialista a social-democracia revolucionária internacional fortalecer-se-á suficientemente para acabar com a reação política que há tanto tempo prejudica a Europa?

A espontaneidade das massas e a consciência da social-democracia

Dissemos que era necessário animar nosso movimento, infinitamente maior e mais profundo que aquele de 1870-1880, com o mesmo espírito de decisão e a mesma energia sem limites. De fato, até o presente parece que ninguém ainda duvidara de que a força do movimento contemporâneo estivesse no despertar das massas (e principalmente do proletariado industrial), e sua fraqueza residisse na falta de consciência e de espírito de iniciativa dos dirigentes revolucionários.

Nesses últimos tempos, contudo, foi feita uma descoberta espantosa, que ameaça subverter todas as idéias adquiridas sobre este ponto. Esta descoberta é obra do Rabótcheie Dielo que, em sua polêmica com o Iskra e a Zaria, não se ateve a objecções particulares e tentou reconduzir o "desacordo geral" à sua raiz mais profunda: a uma "apreciação diferente da importância relativa do elemento espontâneo e do elemento conscientemente metódico"'. A tese de acusação do Rabótcheie Dielo expressa o seguinte: "subestimação da importância do elemento objetivo ou espontâneo do desenvolvimento".[1] Ao que respondemos: se a polémica do Iskra e da Zaria não tivesse outro resultado senão o de levar o Rabótcheie Dielo a descobrir esse "desacordo geral", este resultado, por si só, dar-nos-ia grande satisfação, a tal ponto esta tese é significativa, e esclarece nitidamente o fundo das divergências teóricas e políticas que separam, hoje, os sociais democratas russos.

Além disso, a questão das relações entre a consciência e a espontaneidade oferece um imenso interesse geral, e exige um estudo detalhado.

Começo da ascensão espontânea

No capítulo anterior assinalamos o entusiasmo generalizado da juventude russa instruída pela teoria marxista, por volta de 1895. Foi também nessa mesma época, que as greves operárias, após a famosa guerra industrial de 1896 em Petersburgo, revestiram-se de um carácter geral. Sua extensão por toda a Rússia atestava claramente a profundidade do movimento popular que de novo surgia, e se falamos do "elemento espontâneo", é certamente nesse movimento de greves que devemos considerá-lo, antes de tudo. Mas, há espontaneidade e espontaneidade. Houve, na Rússia, greves nas décadas de 1870 e 1880 (e mesmo na primeira metade do século XIX), que foram acompanhadas da destruição "espontânea" de máquinas etc. Comparadas a esses "tumultos", as greves após 1890 poderiam mesmo ser qualificadas de "conscientes", tal foi o progresso do movimento operário nesse intervalo. Isto nos mostra que o "elemento espontâneo", no fundo, não é senão a forma embrionária do consciente. Os tumultos primitivos já traduziam certo despertar da consciência: os operários, perdiam sua crença costumeira na perenidade do regime que os oprimia; começavam... não direi a compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistência coletiva, e rompiam deliberadamente com a submissão servil às autoridades. Era, portanto. mais uma manifestação de desespero e de vingança que de luta. As greves após 1890 mostram-nos melhor os lampejos de consciência: formulam-se reivindicações precisas, procura-se prever o momento favorável, discutem-se certos casos e exemplos de outras localidades etc. Se os tumultos constituíam simplesmente a revolta dos oprimidos, as greves sistemáticas já eram o embrião mas, nada além do embrião - da luta de classe. Tomadas em si mesmas, essas greves constituíam uma luta sindical, mas não ainda social-democrata; marcavam o despertar do antagonismo entre operários e patrões; porém, os operários não tinham, e não podiam ter, consciência da oposição irredutível e de seus interesses com toda a ordem política e social existente, isto é, a consciência social-democrata. Nesse sentido, as greves após 1890, apesar do imenso progresso que representaram em relação aos "tumultos", continuavam a ser um movimento essencialmente espontâneo.

Os operários, já dissemos, não podiam ter ainda a consciência social-democrata. Esta só podia chegar até eles a partir de fora. A história de todos os países atesta que, pela próprias forças, a classe operária não pode chegar senão à consciência sindical, isto é, à convicção de que é preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patrões, exigir do governo essas ou aquelas leis necessárias aos operários etc.[2] Quanto à doutrina socialista, nasceu das teorias filosóficas, históricas, econômicas elaboradas pelos representantes instruídos das classes proprietárias, pelos intelectuais. Os fundadores do socialismo científico contemporâneo, Marx e Engels, pertenciam eles próprios, pela sua situação social, aos intelectuais burgueses. Da mesma forma, na Rússia, a doutrina teórica da social-democracia surgiu de maneira completamente independente do crescimento espontâneo do movimento operário; foi o resultado natural, inevitável do desenvolvimento do pensamento entre os intelectuais revolucionários socialistas. A época de que falamos, isto é, por volta de 1895, essa doutrina constituía não apenas o programa perfeitamente estabelecido do grupo "Liberação do Trabalho", mas também conquistara para si a maioria da juventude revolucionária da Rússia.

Assim, pois, houve ao mesmo tempo um despertar espontâneo das massas operárias, despertar para a vida consciente e para a luta consciente, e uma juventude revolucionária que, armada da teoria social-democrata, buscava aproximar-se dos operários. Quanto a isso, é particularmente importante estabelecer este fato esquecido com freqüência (e relativamente pouco conhecido), de que os primeiros sociais-democratas desse período, que se dedicavam com ardor à agitação econômica (contando, para isso, com as indicações verdadeiramente úteis do folheto Sobre a Agitação, à época ainda manuscrito) longe de considerar essa agitação como sua tarefa única, atribuíam desde o começo à social-democracia russa as grandes tarefas históricas, em geral, e a tarefa da derrubada da autocracia, em particular. Assim, o grupo dos sociais-democratas de Petersburgo, que fundou a "União de Luta para Liberação de Classe Operária "redigiu, já em fins de 1895, o primeiro número de um jornal intitulado Rabótcheie Dielo. Pronto para ser impresso, esse número foi apreendido pelos policiais numa busca efetuada na noite de 8 para 9 de dezembro de 1895, em casa de um dos membros, do grupo, Anat. Alex. Vaneiev,[3] de forma que o Rabótcheie Dielo do primeiro período não pôde ver a luz do dia. O editorial desse jornal (que, talvez, em trinta anos uma revista como a Russkaia Starina exumará dos arquivos do departamento de polícia) expunha as tarefas históricas da classe operária na Rússia, entre as quais colocava-se em primeiro plano a conquista da liberdade política. Seguiam-se um artigo, "Em que Pensam Nossos Ministros?" sobre o saque dos Comitês de instrução elementar pela polícia, bem como uma série de artigos de correspondentes, não só de Petersburgo, como de outras localidades da Rússia (por exemplo, sobre um massacre de operários na província de Iaroslavl. Assim, se não me engano, esse "primeiro ensaio" dos sociais-democratas russos de 1890-1900 não era um jornal estritamente local, e ainda menos de caráter "econômico", visava a unir a luta grevista ao movimento revolucionário dirigido contra a autocracia e levar todos os oprimidos, vítimas da política do obscurantismo reacionário, a apoiar a social-democracia. E para quem quer que conheça um pouco o estado do movimento nessa época, está fora de dúvida que um jornal como esse encontrou toda a simpatia dos operários da capital e dos intelectuais revolucionários, e teve a maior difusão. O fracasso do empreendimento provou simplesmente que os sociais-democratas de então eram incapazes de corresponder às exigências do momento, por falta de experiência revolucionária e de preparação prática. O mesmo se deve dizer do Rabótchaia Listok de São Petersburgo, e sobretudo da Rabótchaia Gazeta e do Manifesto do Partido Operário Social-Democrata da Rússia, fundado na primavera de 1898. Subentenda-se que não nos passa pela cabeça a idéia de censurar os militantes da época pela sua falta de preparação. Mas, para aproveitar a experiência do movimento e daí extrair lições práticas, é preciso considerar extensivamente as causas e a importância desse ou daquele defeito. Por isso, é extremamente importante estabelecer que uma parte (talvez mesmo a maioria) dos sociais-democratas militantes de 1895-1898 considerava com justa razão possível, aquela época, no começo mesmo do movimento "espontâneo", preconizar um programa e uma tática de combate mais extensos.[4] Ora, a falta de preparação entre a maior parte dos revolucionários, sendo um fenômeno perfeitamente natural, não podia dar lugar a qualquer apreensão particular. A partir do momento em que as tarefas eram bem definidas; a partir do momento em que se possuía bastante energia para tentar de novo realizá-las, os fracassos momentâneos constituíam apenas meio mal. A experiência revolucionária e a habilidade de organização são coisas que se adquirem. É preciso apenas desenvolver em nós mesmos as qualidades necessárias! É preciso que tenhamos consciência de nossos defeitos, o que, no trabalho revolucionário, já é mais de meio caminho para os corrigir.

Mas, o que era meio mal tornou-se um mal verdadeiro, quando esta consciência começou a se obscurecer (porém, ela era bastante viva entre os militantes dos. grupos acima mencionados), quando surgiram pessoas - e mesmo órgãos sociais-democratas - prontas a erigir os defeitos em virtudes, e tentando mesmo justificar teoricamente sua idolatria, seu culto do espontâneo. É tempo de fazer o balanço dessa tendência, caracterizada de maneira muito inexata pelo termo "economismo", demasiado estreito para exprimir o conteúdo.

O culto da espontaneidade. "Rabotchaia Misl"

O grupo da auto-emacipação e o "Rabotcheie Delo"

Política sindical e política social-democrata

A agitação política e o seu estreitamento pelos "economistas"

Como Martynov aprofundou Plekhanov

As revelações políticas e "A educação para a atividade revolucionária"

O que há de comum entre o "economismo" e o "terrorismo"

A classe operária como combatente de vanguarda pelo socialismo

Uma vez mais caluniadores

Os métodos artesanais dos economistas e a organização dos revolucionários

O que é o trabalho artesanal?

Trabalho artesanal e "economismo"

A organização dos operários e a organização dos revolucionários

Envergadura do trabalho de organização

A organização de "conspiradores" e o democratismo

O trabalho à escala local e nacional

Plano de um jornal público para toda a Rússia

Quem se escandalizou com o artigo "Por onde começar"

Pode um jornal ser um organizador coletivo?

Qual o tipo de organização de que necessitamos?

Conclusões

Anexo: Tentativa de união do Iskra e do Rabotcheie Dielo

  1. Rabótcheie Dielo n.º. 10, setembro de 1901, p, 17 e 18.
  2. O sindicalismo não exclui absolutamente toda "política", como por vezes se pensa. Os sindicatos sempre conduziram certo tipo de propaganda e certas lutas políticas (porém, não sociais-democratas). No capítulo seguinte, exporemos a diferença entre a política sindical e a política social-democrata.
  3. A. Vaneiev morreu em 1899, na Sibéria Oriental, de tuberculose contraída durante sua prisão preventiva. Por isso, julgamos possível publicar as informações no texto: respondemos por sua autenticidade, pois provêm de pessoas que conheceram pessoal e intimamente A. Vaneiev.
  4. "Criticando a atividade dos sociais-democratas dos últimos anos de século XIX, o Iskra não leva em conta a ausência, à essa época, de condições para um trabalho, que não a luta em favor de pequenas reivindicações." Assim falam os "economistas" em sua Carta aos Órgãos Sociais-Democratas Russos (Iskra, n.º. 12). Os fatos citados no texto provam que essa afirmação sobre a "ausência de condições" é diametralmente oposta à verdade. Não apenas por volta de 1900, mas também em 1895, todas as condições foram reunidas para permitir outro trabalho além da luta por pequenas reivindicações, salvo uma preparação suficiente dos dirigentes. E eis que em lugar de reconhecer abertamente esta falta de preparação entre nós, ideólogos, dirigentes, os "economistas" querem rejeitar toda a culpa quanto à "ausência de condições", à influência do meio material determinando o caminho, do qual nenhum ideólogo conseguirá desviar o movimento. O que é isto senão submissão servil ao espontâneo, a admiração dos "ideólogos" pelos seus próprios defeitos?