Biblioteca:Unidade Popular/I Congresso

Da ProleWiki, a enciclopédia proletária
Revisão de 14h12min de 30 de julho de 2023 por Forte (discussão | contribs) (Links vermelhos)

Apresentação

A Unidade Popular (UP) surge num momento histórico de complexas e profundas crises e contradições capitalistas e imperialistas, forjando-se como Partido radicalmente defensor do socialismo para lutar contra todas as formas de exploração e opressão, para combater o capitalismo, o imperialismo e construir o poder popular como alternativa para acabar com a fome, o desemprego e a miséria que ameaçam nosso povo.

Nascemos como expressão e produto da luta de classes – desenvolvida nas manifestações populares e jornadas de lutas mais recentes do nosso país; nas ocupações urbanas em defesa da moradia e rurais em defesa da Reforma Agrária; nas greves gerais e parciais em defesa de direitos dos trabalhadores; nos movimentos identitários em defesa das populações vulneráveis e LGBTs; nas pautas de afirmação de direitos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e tradicionais.

Nos legitimamos pela aguerrida campanha que obteve mais de um milhão e duzentas mil assinaturas de apoio e milhares de filiações e que resultaram no 1º Congresso Nacional, etapa fundamental para o processo de registro do Partido junto ao TSE.

Com imensa satisfação, apresentamos para toda a sociedade este documento – Resolução Política do 1º Congresso –, aprovado democraticamente pelos delegados e delegadas eleitos que debateram e enriqueceram as Teses. Foram enviadas propostas feitas pelos diretórios estaduais e filiados (como contribuição ao debate), agora sistematizadas pelo esforço da Comissão Executiva Nacional.

A Resolução Política é o norte e a direção apontada pela UP para orientar sua militância e seus filiados sobre os caminhos táticos e estratégicos da nossa caminhada rumo à conquista do socialismo. Evidentemente, não se trata de um documento acabado, mas sim de um ponto de partida definido no 1º Congresso e isso significa que a caminhada apenas começou e que a aplicação prática e os futuros ajustes e debates teóricos – por parte dos nossos militantes, simpatizantes, aliadas e aliados, de forma franca, democrática e construtiva – tornarão essa nossa bússola, valiosa pelo gigantesco esforço coletivo, ainda mais precisa e mais eficaz para alcançarmos os nossos objetivos: derrubar o capitalismo e implantar o socialismo.

Certamente, novas e mais ricas contribuições, da Direção Nacional aos núcleos de base, passarão em revista os resultados obtidos em face dos planejamentos estratégicos esperados e, assim, continuamente, de forma democrática e construtiva, nosso Partido cumprirá a tarefa histórica para a qual foi concebido: libertar o povo pobre do Brasil da exploração capitalista.

A Direção Nacional foi aclamada pela unanimidade dos delegados presentes e na sua composição observaram-se não só critérios geopolíticos (ter presentes todas as regiões e estados no 1º Congresso) mas, sobretudo, o reconhecimento pela dedicação às lutas sociais do nosso povo nas diversas áreas de atuação: movimentos sociais, sindicais, urbanos e rurais, movimento de mulheres, juventude, indígenas, negros e negras, LGBTs e intelectuais, de maneira que o Partido possa refletir o retrato do povo brasileiro que luta pela liberdade e pelo socialismo, que não aceita a opressão e a exploração capitalista, que combate em defesa dos pobres e para os pobres, até à vitória final.

Nesse sentido, estaremos honrando a memória de combatentes – heroínas e heróis de tantas lutas populares travadas pelos oprimidos do Brasil –, tais como Zumbi dos Palmares, Dandara dos Palmares, Teresa de Benguela, Luisa Mahin, Manoel Lisboa, Manoel Aleixo, Manoel Fiel Filho, Soledad Barret, Anatália Alves, Fernando Santa Cruz, Rui Frazão, Padre Antonio Henrique, Pedro Pomar, Carlos Marighella, David Capistrano, Luiz Maranhão e todos os que vieram antes de nós e nos inspiram a prosseguir na luta por uma pátria livre e socialista.

Viva o 1º Congresso Nacional da UP!

Brasília-DF, agosto de 2019

Diretório Nacional da Unidade Popular (UP)

Formação econômica do Brasil

O território no qual historicamente constituiu-se o Estado Brasileiro foi ocupado há cerca de 12 mil anos. Pesquisas mostram que os primeiros povoadores pré-históricos originaram-se em hordas negroides há milhares de anos.[1]

Ao contrário da ideologia do colonizador, não é fato que os povos originários fossem atrasados, primitivos e sem cultura. Pesquisas arqueológicas constataram, no Parque Xingu, elementos materiais de culturas indígenas de cerca de 1600 anos atrás.

Estima-se que no ano de 1500 os povos originários somavam quase cinco milhões de pessoas que viviam da caça, da pesca e do cultivo, falavam centenas de línguas diferentes e não praticavam a economia de exploração do homem pelo homem. O usufruto das riquezas pertencia a todos os habitantes, em um regime econômico conhecido como comunismo primitivo.

Com a chegada dos invasores portugueses, as terras dos povos originários brasileiros passaram a ser usurpadas, inicialmente, para explorar o pau-brasil e, em seguida, para explorar nossas riquezas minerais, plantar cana-de-açúcar e café e expandir “fronteiras” – o que significava expulsar, escravizar e aniquilar os povos originários e todos aqueles que não se submetessem ao sistema de exploração ditado pela expansão comercial dessa fase da acumulação capitalista. Colaboraram nesse processo de dominação os missionários que aprendiam as línguas e os costumes dos índios e introduziam cânticos e pregações adaptados às línguas tradicionais. Solapava-se a cultura nativa ganhando a confiança. Então, retiravam os povos originários dos lugares tradicionais de moradia, queimavam suas roças e casas, separavam homens e mulheres e levavam-nos para viver junto aos brancos, a quem passavam a servir como escravizados ou semiescravizados. O objetivo dos invasores europeus era expandir o comércio de mercadorias da nascente economia capitalista.

Com o advento da economia de acumulação, marcado pela presença europeia no território, as riquezas naturais existentes e as produzidas pelo homem deixaram de ser propriedade coletiva e passaram a ser propriedade da Coroa Portuguesa ou das Companhias Comerciais a soldo de holandeses, franceses e outros interessados no lucro do pau-brasil, das peles, da prata, do ouro e de outros metais preciosos, então abundantes.

No sentido de garantir o seu domínio contra a “concorrência”, ao longo do século XVI a Coroa Lusitana cria o sistema de Capitanias Hereditárias e dá concessões de direitos reais sobre vastas extensões de terras brasileiras a representantes das classes privilegiadas, nobres, comerciantes e militares portugueses, em troca da lealdade vassala e do pagamento de impostos à Coroa.

No contexto das Capitanias inicia-se a plantação de cana e a produção de açúcar para exportação utilizando mão de obra dos povos originários, que resistiram e não produziram o suficiente para garantir o pacto colonial. Dessa forma, os investidores de Portugal e a Coroa buscaram alternativas mais lucrativas que amarrassem o controle da metrópole sobre a colônia. Assim, se deu início em 1559 ao tráfico dos povos africanos que foram brutalmente arrancados de suas terras e culturas e vendidos como mercadoria para a colonização portuguesa no Brasil.

Entre 1600 a 1850, cerca de 7,5 milhões de homens e mulheres são trazidos forçadamente da África para o Brasil. O tráfico negreiro – uma grande fonte de mão de obra – caracterizava-se também por gerar altos lucros aos traficantes, que partilhavam os lucros com a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica. Eram homens e mulheres livres que após serem caçados ou comprados eram vendidos e trocados nos mercados, transformados literalmente em mercadoria.

Marcados a ferro e fogo como bois, negros e negras escravizados trabalhavam em condições desumanas e tinham curtíssima expectativa de “vida laboral” – de sete a dez anos. Os sobreviventes, envelhecidos ou mutilados, quando não conseguiam mais trabalhar eram lançados à mendicância ou simplesmente assassinados – não era crime matar uma pessoa escravizada. Aos insurgentes e desobedientes davam-se castigos, torturas físicas e mortes cruéis no tronco às chicotadas, nos garroteamentos e enforcamentos, imobilizações e emparedamentos.

A partir do século XVII, buscando consolidar o domínio português, [6] aprisionar indígenas, destruir quilombos e descobrir novas riquezas, expedições são enviadas para o interior de nosso território. Aí são encontrados metais preciosos em larga escala e, a partir de então, a mineração passa a fazer parte da formação econômica de nosso país e influí diretamente no aumento de nossa população. Esta economia passa a ser sustentada por uma gigantesca massa de escravos. Estes passam pelos trabalhos mais duros, principalmente quando o ouro no leito dos rios ficou escasso e passou a ser buscado em galerias subterrâneas. Acidentes nas minas eram constantes e proliferavam-se doenças entre os escravos; nestas condições, sua vida útil variava entre 7 e 12 anos.

Com todo este processo aprofundou-se o saque de nossas riquezas nacionais e milhões de toneladas de ouro, prata e diamantes foram levados para terras europeias. A mineração, como foi estabelecida em nosso país, também contribuiu para o aprofundamento de nossa economia dependente e acabou mantendo suas bases até os dias atuais.

Se nos séculos XVI a XVIII a economia brasileira era, essencialmente, geradora de produtos primários para abastecer demandas de uma Europa de economia capitalista, já naquelas alturas, nos primórdios do século XIX, o perfil econômico sofreu modificações relevantes por razões alheias à vontade dos colonizadores.

Em 1808, fugindo do exército francês que invadiu Portugal, D. João VI, a Corte e a parte endinheirada da nascente burguesia portuguesa abandonam seu país para refugiar-se no Brasil. Em virtude da transferência da sede da Coroa Portuguesa para o Brasil e pelo temor da referência da revolução haitiana, em 1804, foi criada a polícia militar na então província do Rio de Janeiro para sufocar qualquer possível insurreição dos negros escravizados.

A vinda da Coroa Portuguesa e seus tesouros gerou efetivamente uma concentração imediata de riqueza. Mas esse capital não poderia estar imobilizado, de maneira que D. João VI foi obrigado a fazer investimentos, criar bancos, abrir escolas, permitir a liberdade de comércio, inclusive, abrindo os portos brasileiros às empresas inglesas e de outros países. Dessa forma, o Banco do Brasil foi criado para recolher o dinheiro dos impostos pagos pelo povo e, com essas medidas, deram-se os primeiros passos da constituição da economia mercantil capitalista no Brasil.

No século XIX, ressalta-se entre as mudanças da economia brasileira a passagem do café como o mais importante produto de exportação e o Nordeste deixando de ser a principal região econômica, assumindo seu lugar o Centro-Sul, a partir da grande produção cafeeira.

Note-se a prevalência dos interesses das classes dominantes da economia na direção política do país, praticamente sem mediação, apesar das inúmeras lutas dos povos tradicionais contra os invasores lusitanos, dos negros contra a escravidão e dos proletários contra a exploração capitalista. A classe burguesa no Brasil é particularmente reacionária, atrasada e corrompida, antinacional e antipopular, associada aos grandes capitalistas estrangeiros no assalto às riquezas da nação e exploração do povo desde seu início.

Ainda no século XIX a economia mundial crescia e demandava por mais produtos, sendo preciso desenvolver a produção dos países da periferia do sistema capitalista mundial. Isso só seria possível com a formação de mercados internos e a existência de trabalhadores livres, nunca escravizados, necessitando vender sua força de trabalho para sobreviver. Além disso, a Revolução do Haiti (1791-1804) e as revoltas organizadas por e com escravizados – a exemplo da Revolta dos Malês (1835) – foram alvos de grande preocupação da elite branca brasileira. A solução para o projeto de nação brasileira foi o projeto imigracionista, que “diluiria” o perigo negro da sociedade tornando-a “civilizável”.

Assim, em 1850, para atrair mão de obra para o país, implantou-se a lei da propriedade privada da terra em substituição ao sistema de concessão pela Coroa. Isso fez com que camponeses pobres da Europa principalmente da Itália, Portugal e Alemanha – diante da possibilidade de terem acesso a uma terra fértil, imigrassem para o Brasil nas décadas seguintes. Porém, aqui chegando, viram que a história era outra: a terra pertencia a uma minoria de ricos fazendeiros e os trabalhadores imigrantes só poderiam se alimentar se vendessem sua força de trabalho aos donos das fazendas, isto é, se trabalhassem em troca de um salário.

Em 1888, após diversas rebeliões, a abolição da escravatura foi instituída sem ser acompanhada por nenhuma garantia de direitos. Daí que os reflexos da escravidão continuaram (e continuam) sendo sentidos pela população negra que teve negado o direito à terra. Foi negado também o direito à educação e à saúde e os “cidadãos negros” não tiveram acesso à maior parte dos empregos gerados com o fim da escravidão, com as classes dominantes preferindo trazer mão de obra estrangeira a contratar a recém-formada classe operária, constituída quase exclusivamente por negros e negras. Desta forma, continuou pesando sobre a população negra os trabalhos mais precarizados da sociedade e a dura repressão dos órgãos policiais, sendo, desde este período, a maioria da população carcerária no Brasil. Ao contrário de ser abolido, o racismo estrutural continuou e se ampliou após a abolição formal da escravatura.

Com os lucros obtidos com as exportações, principalmente a comercialização do café, os cafeicultores capitalistas estrangeiros começaram a realizar investimentos na instalação de fábricas visando a atender às necessidades do mercado exterior e do mercado interno, que crescia com a adoção do trabalho assalariado.

O número de indústrias saltou de 200, em 1881, para mais de 600, em 1889, e o número de trabalhadores da indústria passou de 3 mil, em 1881, para 54 mil, em 1890. O avanço do capitalismo foi, assim, uma excelente oportunidade para os empresários agrícolas aumentarem suas fortunas. Entretanto, esse capitalismo não tinha o mesmo grau de desenvolvimento dos países mais avançados ou dominantes, como Inglaterra, Estados Unidos, França e Alemanha.

O golpe republicano que decretou o fim da monarquia em 15 de novembro de 1889 mudou a forma de governo sem alterar, de fato, a estrutura das classes no Brasil que continuou dominado por latifundiários e pela nascente burguesia nacional - essa dependente e associada ao capital estrangeiro.

O século XIX terminou com uma incipiente economia capitalista que tinha como objetivo gerar lucros principalmente por meio da exportação de matérias-primas, em particular o café e o açúcar, e importando a maioria dos produtos que consumia. A ênfase na exportação era tão grande que o Brasil importava 30% dos alimentos consumidos. Entre 1889 e 1907, o número de fábricas existentes passou de 600 para 3.258 (30% delas no Rio de Janeiro). Ainda em 1907 o número de operários chegou a 150 mil entre operários da indústria e da construção civil, ferroviários (trens), sapateiros, etc. Como assinala Celso Furtado em sua obra Formação Econômica do Brasil, o trabalho assalariado foi o “fato de maior relevância ocorrido na economia brasileira no último quartel do século XIX”.

O nascimento da classe operária acompanhou a modificação do modo de produção, que a faz ser a nova classe dos explorados e oprimidos, também com potencial para realizar a sua tarefa de libertação por meio de lutas e da tarefa histórica de derrubar o domínio capitalista da burguesia e implantar o poder dos trabalhadores: a sociedade socialista.

São Paulo tornou-se o maior centro industrial do País em 1920, com 40% da produção, e o Rio de Janeiro detinha 30%. A maioria dessas indústrias era têxtil e alimentícia e o número total de operários era de 275 mil. Vale dizer que o estado brasileiro usava os recursos dos impostos para desenvolver a infraestrutura e financiar os capitalistas na instalação de suas empresas.

A população brasileira era de 20 milhões e 64% deste total vivia no campo. Nas primeiras três décadas do século XX várias crises econômicas e políticas sacudiram o Brasil. Com a influência da Revolução Socialista Russa de 1917, liderada pelo Partido Comunista Bolchevique, o movimento operário brasileiro teve um grande impulso. Várias greves foram organizadas e foram fundados sindicatos mais fortes e organizados.

Na década de 1930 a economia brasileira é controlada pela nascente burguesia nacional, por grandes proprietários rurais e pelo capital estrangeiro, que, em busca de aumentar seus lucros, instalava aqui filiais de suas indústrias, seja para explorar o mercado interno e a mão de obra barata, seja para exportar os produtos aqui fabricados para seus países.

Essas classes eram proprietárias das indústrias e da terra, enfim, dos meios de produção existentes no Brasil. Mas, além de investir na indústria, o capital foi também para o campo, com o objetivo de dominar a agricultura, avançando o trabalho assalariado e fazendo nascer o proletariado rural.

O capitalismo se desenvolveu no Brasil com a burguesia nacional subordinada e associada ao capital estrangeiro, que, já nesse período, controlava importantes setores da economia nacional como as finanças (bancos), bens de capital, alimentos, vestuário, calçados, material elétrico, químico-farmacêutico, etc.

No Estado Novo (1937-1945) investiu-se forte para desenvolver o capitalismo no Brasil: a indústria cresceu e os produtos têxteis passaram a ocupar a segunda posição nas exportações, atrás apenas do café. As relações de produção capitalistas se tornam as dominantes na sociedade brasileira, inclusive no campo. Vale destacar que esse desenvolvimento do capitalismo no Brasil ocorre em meio a grandes crises econômicas mundiais e de disputas entre as potências imperialistas por mercados e para se apropriarem das riquezas dos povos menos desenvolvidos economicamente.

Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, no período de 1943 a 1951, o custo de vida em São Paulo aumentou cerca de 100% enquanto o salário mínimo apenas 14%. Greves, reivindicações e protestos levaram o presidente Getúlio Vargas a limitar a remessa de lucros para o exterior, a criar a Eletrobrás e a nomear João Goulart como ministro do trabalho.

Na década de 1950 o Estado brasileiro apoiou grandes indústrias estrangeiras a instalarem fábricas no Brasil - particularmente as multinacionais de automóveis - construiu novas rodovias, expandiu a indústria de aço e as usinas hidrelétricas e ampliou a infraestrutura. A tão decantada política desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek, na verdade, expressava os interesses do grande capital brasileiro e internacional, particularmente deste último, dando ênfase à indústria automobilística, concentrando capital na região Centro-Sul e aprofundando as desigualdades regionais, além de deixar a economia ainda mais dependente de tecnologia estrangeira.

Na agricultura os latifundiários receberam enorme financiamento público para formar grandes empresas agrícolas e assentar as bases do agronegócio. O valor da produção industrial superou o valor da produção agrícola e a classe operária teve um enorme crescimento. Esse período se caracterizou por uma ampliação do mercado interno e pela implantação de grandes corporações estrangeiras no Brasil, mas também de grandes empresas nacionais privadas, mistas ou estatais.

O golpe militar de 1964 aprofundou a concentração de renda no país e a dependência externa, alienando a soberania nacional e aviltando as condições de vida do nosso povo. O Brasil se torna um dos campeões mundiais de concentração de renda e de desigualdades sociais. Grandes monopólios estrangeiros e nacionais passaram a dominar os mais importantes setores da economia e a dependência externa do Brasil se agravou. Para se ter uma ideia, os salários foram reduzidos pela metade entre 1964 e 1983, segundo dados da Ordem dos Economistas de São Paulo.

O desemprego teve um salto gigantesco e o mesmo ocorreu com o subemprego. Como resultado, o país chegou a 1984 com 25 milhões de menores carentes e abandonados. A dívida externa brasileira que era de US$ 3,2 bilhões, em 10 de abril de 1964, passou para US$ 100 bilhões, em 1984 – um crescimento de mais de 3.000%. Vale lembrar que a dívida externa beneficiou apenas as grandes famílias capitalistas (usineiros, banqueiros e grandes empresários), que receberam esses empréstimos para crescer suas riquezas e aumentar a espoliação do país e do povo. Mais, estes contratos foram autorizados por “decretos sigilosos”, isto é, foi um endividamento rigorosamente clandestino e completamente ilegal, com o Brasil chegando a aceitar a imposição de que os assuntos da dívida fossem julgados nos foros de Londres e Nova York.

Na agricultura o modelo voltado para a exportação foi aprofundado com o incentivo à formação de grandes empresas privadas e de concentração fundiária. De um lado, aumenta o número de grandes empresas no campo e, do outro, o êxodo rural com milhares de famílias camponesas sendo expulsas de suas terras e indo para as grandes cidades em busca de trabalho.

Do escravismo colonial aos dias correntes a história registra a brutal exploração de indígenas, negros, colonos e trabalhadores, a depredação do ecossistema, a dilapidação dos recursos naturais, a usurpação de terras – concentradas em poucas mãos – com vultosas transferências de excedentes para o exterior em detrimento e com o sangue da maioria do povo brasileiro. Hoje temos a forma monopolista financeira, industrial, agrária e midiática mantendo, todavia, o caráter fundamental de articulação e dependência das potências capitalistas, em especial do imperialismo norte-americano.

A consolidação do capitalismo no Brasil não impediu que sofrêssemos as consequências, até hoje, de mais de três séculos do escravismo colonial nos campos e grandes centros urbanos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que levaram à consolidação de uma classe dominante que concentra um grau de riqueza extraordinário, além de socialmente branca, formada em sua maioria por homens com caráter extremamente racista e patriarcal.

Em 2017 o FMI classificou o Brasil como a oitava maior economia do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) superando a casa dos US$ 2 trilhões – a segunda economia da América, atrás apenas dos Estados Unidos da América (EUA). O corpo da economia brasileira tem o seu rosto no estado da burguesia exploradora e concentradora de riquezas.

Por um lado, o país dispõe de setores desenvolvidos e tecnologias avançadas, como a construção de submarinos, aeronaves (a Embraer é a terceira do mundo), pesquisas espaciais e lançamentos de satélites (participou da construção da Estação Espacial Internacional, sendo posteriormente excluído do programa por não cumprir acordos e não realizar pagamentos necessários). Além disso, o Brasil tem pioneirismo na extração de petróleo em plataformas submarinas profundas, como no caso do Pré-Sal, desenvolvido pela empresa nacional Petrobras, e no desenvolvimento do biocombustível e do etanol extraído de fontes renováveis (biomassa e cana-de-açúcar). De fato, o Brasil é um país rico em recursos naturais e centro de atenção de exploradores e especuladores, com uma população ultrapassando os 207 milhões de habitantes, tornando-se um dos 10 maiores mercados do mundo. Produzimos anualmente 35 milhões de toneladas de aço, 26 milhões de toneladas de cimento, com capacidade de produção, somente na camada do Pré-Sal, de mais de 1,5 milhões de barris de petróleo por dia.

Toda essa riqueza, no entanto, só pertence ao povo e à nação na retórica ideológica da burguesia. O Brasil é o 8º país do mundo em número de bilionários (Forbes), mas, quando se mede a pobreza da população, nos igualamos aos países mais pobres da Terra. São 50 milhões de pessoas pobres (25,4% da população) com renda familiar equivalente a US$ 5,5 por dia (IBGE, 2017), problema mais acentuado no Nordeste com 43,5% e menor no Sul (12,3%), colocando o país em paridade com Guatemala, Honduras, Haiti e Zimbábue. Desigualdades regionais, sociais e de gênero, com mulheres ganhando rendas inferiores aos homens, agravam esta situação. Mulheres e negros são as parcelas atingidas diretamente pelo machismo e o racismo estrutural característicos em nosso país, sendo os que mais sofrem com o desemprego e subempregos.

Na área rural, a monopolização da terra e o latifúndio geram a fome, o desemprego e a miséria. E essa realidade no campo parece piorar com aprovações de leis que criminalizam os movimentos sociais, aumentando ainda mais o assassinato de lideranças rurais e povos tradicionais.

No estágio atual do capitalismo no Brasil (2018), o setor de serviços representa 72,5% do PIB, a indústria alcançou 20,8% e a agricultura 6,7%. Essa base econômica define o perfil material das classes sociais e as mudanças da sociedade brasileira, com mais de 86% da população vivendo nas áreas urbanas. A burguesia utiliza padrões de consumo de mercadoria e de rendimento para definir estratos sociais, os quais chama de “classes” (quais sejam: A, B, C, D), a fim de mapear áreas de interesses específicos da circulação de mercadorias e de obtenção de lucro; ademais de tentar ocultar as contradições de classes que decorrem efetivamente do lugar ou campo das classes na produção capitalista: se proprietária dos meios de produção ou se dona apenas da força de trabalho para ser alienada no mercado e na produção acumulada, privadamente, pelos capitalistas.

O capitalismo monopolista industrial e bancário passa a exercer pleno controle do estado e de sua política econômica.

O estudo da formação econômica do Brasil e a compreensão do grau de desenvolvimento das forças produtivas revelam que as condições objetivas para solucionar problemas fundamentais do interesse da nação, em especial do seu povo pobre, estão devidamente amadurecidas. Dito de outra forma, as condições para a implantação do socialismo estão bem maduras em nosso país.

O desenvolvimento do capitalismo no Brasil nos fez um país com capacidade para explorar nossas riquezas naturais (sejam minérios ou combustíveis fósseis), ter condições de prover a indústria, a agricultura e o comércio da infraestrutura necessária para produzir e escoar a produção, além de a nossa integridade territorial nos permitir uma capacidade produtiva de gêneros alimentícios capazes de assegurar a segurança alimentar de toda a população.

De fato, atuando a serviço dos interesses imperialistas, a nossa economia tem sido constantemente alvo dos ataques que visam desmontar nossa capacidade produtiva, seja por meio da privatização, seja pelo entrave ao desenvolvimento de tecnologias nacionais.

Mas a história das grandes revoluções aponta que, para serem exitosas, além de contarem com condições objetivas, necessitam reunir as devidas condições subjetivas, ou seja, conquistar a consciência dos oprimidos para o desafio de romper suas correntes de escravizados.

A formação econômica e a construção histórica deste imenso país chamado Brasil põem em evidência uma verdade: a existência das condições objetivas está dada, mas nos faltam as condições subjetivas para tirar o país da crise. Ou seja, a condição que o povo – em especial a maioria da classe trabalhadora, o movimento popular e as organizações revolucionárias – tenha a devida organização e força para implementar as transformações estruturais e econômicas.

O sistema ao qual cabe substituir o capitalismo em nosso país chamamos de socialismo. Um sistema que desmontará o atual estado, passará sua direção aos conselhos populares formados por milhões e milhões de trabalhadores e trabalhadoras pelos quais se implantará uma verdadeira democracia popular. Neste poder, o qual chamamos Poder Popular, os pobres, trabalhadores e trabalhadoras governarão e manterão o controle sobre as terras, os bancos, as indústrias e as riquezas naturais e, ao invés de estas riquezas servirem para enriquecer cada dia mais um punhado de ricaços capitalistas, serão utilizadas para solucionar todos os problemas sociais que

existem em nosso país. E não é demais dizer que o socialismo nunca sequer foi tentado em nosso país.

Eis o imenso desafio materializado na tarefa de construirmos um gigantesco e forte partido para o combate: a Unidade Popular!

Notas

  1. Em 1999, o bioantropólogo Walter Neves, do Instituto de Biociências da USP, após restaurar as feições de um crânio conhecido como Luzia, descoberto em 1975 na região de Lagoa Santa, Minas Gerais, constatou um rosto negro de uma mulher que teria vivido há 11 mil anos naquela região.