Biblioteca:1964: a conquista do Estado

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Este livro é o resultado de uma pesquisa realizada entre 1976 e 1980 para uma tese de doutorado na Universidade de Glasgow, Inglaterra. Um periodo fundamental da história brasileira foi reconstituído em bases documentais. Os fatos e os personagens foram indicados a partir de registros concretos e não de hipóteses ou suposições. O objetivo central desse trabalho foi identificar as forças sociais que emergiram na sociedade brasileira com o processo de internacionalização, em sua etapa moderna, e acompanhar sua intervenção no Estado e na sociedade brasileira. Essa história passa pela mediação de atores concretos, de pessoas ou instituições, que respondem a valores, objetivos e estratégias das forças sociais que atuam no cenário político, em conjunturas determinadas. Aqui o que interessa não é tanto Identificar o ator, suas intenções e características pessoais, mas descobrir no processo histórico o papel e a função das forças sociais e de que formas concretas elas fazem prevalecer seus interesses e suas concepções no confronto com as demais.

Nessa pesquisa, no entanto, fol possível documentar a relação entre os atores e as forças sociais, em cenários públicos e privados, através da reconstituição da história feita em grande parte pelos próprios atores.

Agradecimentos

Este livro é fruto de uma pesquisa cujo texto básico foi produzido ao longo de três anos consecutivos. Ele encerra o percurso intelectual e acadêmico de uma década de vivência como estudante universitário. Durante esse período, as mais variadas pessoas me beneficiaram com seu diálogo e amizade. Lamentavelmente, não posso expressar meu agradecimento a cada um em particular, pois a relação seria extensa; entretanto, algumas pessoas merecem especial destaque. Aron Neumann, in memoriam, foi modelo de persistência e dedicação, amigo nas horas certas. O Prof. Aryeh Grabois, o Prof. Abraham Yassour e o Prof. Teodor Shania foram exemplos de seriedade acadêmica quando da minha passagem, como estudante, pela University of Haifa, Israel. Tive o privilégio de participar, na Leeds University, Inglaterra, do curso de mestrado sob a crientação do Prol. Ralph Miliband e do Prof. Hamza Alavi; nesse fértil ambiente de discussão, expandiram se meus horizontes intelectuais e passei a esboçar muitas das questões e problemas que levaram à definição da temática da minha tese, agora transformada em livro. Na realização deste trabalho, usufrui da boa vontade de muitos amigos e colegas da University of Glasgow, Escócia, que devotaram tempo e esforço, fazendo críticas às versões preliminares. Agradeço especialmente a Otávio Dulci, que me brindou com sua acurada compreensão da realidade brasileira, a Régis de Castro Andrade, pelo diálogo frutifero e profunda sensibilidade, a Herbert de Sousa, que visualizou o alcance deste trabalho e me incentivou a realizá-lo, e a Galeno de Freitas, cujo conhecimento da vida política do Brasil foi de grande ajuda. Meu reconhecimento vai para o Prof. Emil Rado, conselheiro para pós-graduados da University of Glasgow, e para o Prof. Andrew Skinner, diretor do Comitê de Pós-Graduação, sem cuja equilibrada intervenção no conflito que motivou a mudança de orientador de tese eu não teria tido a tranquilidade para realizar este trabalho, Minha gratidão é imensa para com o Dr. Simon Mitchell, que assumiu a meio caminho a orientação da tese e cuja extrema dedicação, sensibilidade e críticas perspicazes foram fundamentais para concluir a tese. Brian Poll, professor e amigo, me estimulou durante s elaboração do trabalho e me deu pleno apoio moral para enfrentar as dificuldades extrínsecas ao mérito da pesquisa. David Stansfield, Francis Lambert, John Parker e Phil O'Brien, professores do Institute of Latin American Studies da Univecsity of Glasgow, também me encorajoram. Desejo registrar meu agradecimento so Social Science Research Council da Grã-Bretanha. Sob os auspícios de seu desinteressado apoio, realizei, de 1976 a 1980, a pesquisa de campo no Brasil e nos Estados Unidos da qual extraí fundamentos para este livro. Uma grande parte da versão original deste trabalho foi datilografada com muito empenho e carinho por Ruth Res, em Glasgow. Também cooperaram May Townsley e Anne Res, secretárias do ILAS, Yvonne Guerrero e as bibliotecárias do ILAS e da University of Glasgow. Fui afortunado em ter Else, Ayeska, Ceres e Glória na tradução do livro, o que fizeram com dedicação e senso profissional, corrigindo erros e ajudando a melhorar o estilo. Agradeço-lhes, mesmo se nem sempre soube seguir os seus conselhos. Aurea, a minha mulher, me deu seu apoio constante, sua companhia de todas as horas, fundamenta! pars quem trabalha sob a pressão de realizar uma pesquisa desta envergadura, mesmo em detrimento de seus próprios estudos. A ela, por tanto... e por muito mais...

Nenhuma das pessoas acima mencionadas tem responsabilidade alguma pelos conceitos aqui emitidos, nem pelos dados e documentos apresentados, que é só minha.

RA. Dreifuss

A formação do populismo

Até 1930, o Estado brasileiro foi liderado por uma oligarquia[1] agro-comercial, na qual predominavam as elites rurais do nordeste, os plantadores de café de São Paulo e os interesses comerciais exportadores?[2]

Essa oligarquia formou um bloco de poder[3] de interesses agrários, agro-exportadores e interesses comerciais importadores dentro de um contexto neo-colonial, bloco este que foi marcado pelas deformidades de uma classe que era ao mesmo tempo "cliente-dominante".[4] Foi sob a tutela política e ideológica desse bloco de poder oligárquico e também sob a influência da supremacia comercial britânica nos últimos vinte e cinco anos do século XIX que se formou a burguesia industrial.[5]

Durante a década de vinte, novos centros econômicos regionais foram consolidados sob novas bases econômicas como, por exemplo, um Rio Grande do Sul agrário e um Rio de Janeiro e São Paulo industriais. O sistema bancário, que havia em grande parte se desenvolvido a partir de interesses agrários, concentrou-se principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essas mudanças econômicas forçaram um deslocamento do poder político agrário e comercial do nordeste para a região sudeste do país e das tradicionais elites agrárias para novos grupos urbanos.[6]

Essas mudanças abriram caminho para o surgimento de figuras políticas como as de Getúlio Vargas, João Daudt d’Oliveira. Oswaldo Aranha (Rio Grande do Sul). Vicente Galliez, Valentim Bouças, Ary Frederico Tones (Rio de Janeiro), Roberto Simonsen, Teodoro Quartim Barbosa (São Paulo) e Evaldo Lódi (Minas Gerais), empresários e políticos que marcaram uma era.[7]

A urbanização e o desenvolvimento industrial exerceram efeitos desorganizadores sobre a frágil estrutura do estado oligárquico. No final da década de vinte, através de um delicado acordo entre os governos estaduais de São Paulo e Minas Gerais (acordo este conhecido como "política café com leite", uma modalidade de "Bonapartismo civil"[8] que deu nome ao período), o bloco de poder oligárquico tentou opor-se ao desafio da burguesia e vencer a crise da oligarquia e dos setores cafceiros em particular. A crise do domínio oligárquico permitiu que pressões cada vez maiores fossem exercidas pela fração industrial, apoiada por outros grupos sociais, principalmente pelas classes médias. A fração industrial formou um bloco burguês que lutou por redefinir as relações de podei dentro do Estado brasileiro, tarefa esta que foi facilitada por pressões sofridas pela economia oligárquica em conscqüência da crise capitalista de 1929.[9]

A burguesia emergente, porém, não destruiu, nem política nem economicamente, as antigas classes agrárias dominantes para impor sua presença no Estado; pelo contrário, aceitou em grande parte os valores tradicionais da elite rural.[10] É irrelevante para efeitos da presente análise saber se isso aconteceu por não ter a burguesia força política ou econômica suficiente para destruir os baluartes políticos e a estrutura sócio-econômica da oligarquia, ou se foi por não querer ou não precisar fazê-lo. O importante é que a burguesia industrial conseguiu identidade política face ao bloco oligárquico e, ao mesmo tempo, estabeleceu um novo "compromisso de classe" no poder com os interesses agrários, particularmente com os setores agro-exportadores. É precisamente através dessa dupla ação que o aparecimento e consolidação da burguesia devem ser entendidos, pois sua ligação umbilical com a oligarquia teria importantes consequências históricas, originando o chamado "estado de compromisso"[11] institucionalizado pela constituição de 1954. O governo de Getúlio Vargas teve então de se movimentar dentro de uma complicada trama de conciliações efêmeras entre interesses conflitantes. Nenhum dos grupos participantes dos mecanismos de poder — as classes médias, setores agro-exportadores. a indústria e os interesses bancários — foi capaz de estabelecer sua hegemonia política e de representar seus interesses particulares como sendo os interesses gerais da nação.[12] O equilíbrio instável entre os grupos dominantes e, mais ainda, a incapacidade de qualquer desses grupos de assumir o controle do Estado em benefício próprio e, ao mesmo tempo, representar o conjunto dos interesses econômicos privados, constituíram elementos típicos da política da década, expressando precisamente a crise da hegemonia política oligárquica, a qual foi marcada pela revolução de 1930.

Apesar de a indústria e de os interesses agro-exportadores haverem estabelecido um "estado de compromisso", eles tiveram uma coexistência difícia e o período foi marcado por crises contínuas a partir de 1932, o que levou ao estabelecimento do Estado Novo em 1937.[13] Para a burguesia industrial, que estava então afirmando o seu poderio econômico, eram inaceitáveis as dissidências das classes dominantes articuladas politicamente no seu interior, tais como se manifestaram na revolução de 1932 ou no, movimento fascista (integralismo)[14] da metade da década de trinta e que impregnou a ideologia nacionalista daquele período. Além disso, reações organizadas por parte das classes subordinadas como, por exemplo, o levante comunista de 1935, a formação de uma Frente Nacionalista Negra[15] em meados da década de trinta, ou a criação da Aliança Nacional Libertadora[16] tinham de ser reprimidas. Os industriais perceberam que precisavam de uma liderança forte para conseguir disciplinar o esforço nacional e para impor e administrar sacrifícios regionais e de classe apropriados para a consolidação da sociedade industrial.[17]

O "estado de compromisso", forjado no processo sócio-político do início da década de trinta, foi então remodelado a partir das experiências de um novo Estado traduzido pelas formas corporativistas de associação[18] e apoiado por formas autoritárias de domínio.[19] O Estado Novo surgiu porque a burguesia industrial se mostrou incapaz de liderar os componentes oligárquicos do "estado de compromisso" ou para impor-se à nação através de meios consensuais, de maneira a criar uma infra-estrutura sócio-cconômica para o desenvolvimento industrial.[20] O Estado Novo garantiu a supremacia econômica da burguesia industrial e moldou as bases de um bloco histórico[21] burguês, concentrando as energias nacionais e mobilizando recursos legitimados por noções militares de ordem nacional e de progresso,[22] cujos interesses pela industrialização mutuamente reforçavam os interesses dos industriais. Sob a égide do Estado Novo, industriais e proprietários de terra tornaram-se aliados. Contudo, a convergência de interesses não se dissolveu em identidade de interesses.[23] Conflitos e tensões marcaram o seu relacionamento. e foi esse elemento de competição mútua que tomou possível, e até mesmo necessário, que o aparelho burocrático-militar do Estado Novo tivesse um papel de intermediário,[24] o que favoreceu uma interferência contínua das Forças Armadas na vida política da nação. A intervenção do aparelho burocrático-militar na vida política assegurava a coesão do sistema, ao mesmo tempo em que se tomava um fator de perturbação nas tentativas de uma institucionalização política a longo prazo.[25]

A interdependência dos setores industrial e agrário foi marcada por quatro fenômenos. Primeiramente, a demanda dos produtos industriais originou-se em parte dos setores agro-exportadores. Em segundo lugar, os insumos necessários à industrialização foram comprados, em sua grande maioria, de centros estrangeiros, com receitas obtidas com exportações. Em terceiro lugar, os setores agrários eram produtores de matéria-prima para a incipiente indústria local, assim como para empresas agroindustriais em desenvolvimento. E. por fim. houve um certo grau de interpenetração entre os setores agrário e industrial, resultante de laços familiares ou através de empresas interligadas. E importante notar que o bloco de poder empresarial operava no espaço econômico e político aberto pelo declínio dos interesses comerciais e industriais britânicos face aos rivais interesses americanos e alemães. Esse empenho de industrialização foi fortalecido pela relativa marginalização de interesses estrangeiros devido aos anos da depressão e ao conscqüente envolvimento de tais interesses industriais no esforço bélico da Segunda Guerra Mundial[26] A industrialização teve então um caráter específico de "substituição de importações".

Sob a égide do Estado Novo teve início o primeiro estágio da nacionalização formal da economia com a criação de empresas estatais, autarquias mistas e o estabelecimento do controle nacional sobre certas áreas de produção estratégicas, como mineração, aço e petróleo. O Estado tomou-se um importante produtor de bens e serviços de infra-estrutura e abriu caminho para o desenvolvimento industrial privado do Brasil.[27] O Estado auxiliou também o capital industrial com a criação de uma série de mecanismos destinados a reorganizar a economia, dando prioridade ao processo de expansão capitalista e transferindo recursos de outras áreas para a indústria.[28] A industrialização foi também estimulada pela vital transformação do consumo não-produtivo dos proprietários de terra, através do país, em capital de giro para os centros industriais.[29] Isso foi alcançado através da estrutura bancária, que se expandiu enormemente no início da década de quarenta e que se ligou em parte aos setores agrários e à indústria através de laços comerciais e familiares, reforçando assim a interdependência entre a oligarquia e a indústria.

A reestruturação do sistema político durante o Estado Novo envolveu novas formas de articulação e domínio de classe.[30] O pensamento corporativista, que entendia a formação sócio-econômica como uma rede de grupos econômicos e políticos "funcionais" resultantes de uma divisão de trabalho necessária e até mesmo "natural", influenciou enonnemente a ideologia e ação do bloco de poder industrial-financeiro dominante.[31] Tal bloco redefiniu os canais de acesso ao centro de poder, através do estabelecimento de uma série de mecanismos para a formulação de diretrizes políticas e de tomada de decisão. Essn série de mecanismos equivalia na realidade a uma "mobilização de bias"[32] institucionalizado contra os interesses agrános substituídos.[33] A indústria expressava suas demandas sem intermediação política, introduzindo-se diretamente no aparelho estatal.[34] O Executivo tornou-se um foco dos interesses que visavam a industrialização, aberto às demandas da Confederação Nacional da Indústria e da Confederação Nacional do Comércio,[35] ao passo que os interesses agrários, tendo perdido suu posição privilegiada, conseguiam se comunicar com o aparelho do Estado através dos Institutos, conselhos de representação dos produtores rurais.[36] Foi criado um Conselho Nacional de Economia onde os industriais foram os primeiros, e até 1946 os únicos, grupos ocupacionais a tirar vantagem das oportunidades corporativistas."[37]

O Estado Novo também estimulou um processo "nacional" de formulação de diretrizes políticas, na tentativa de subordinar as lideranças regionais e introduzir reformas administrativas. objetivando modernizar o aparelho estatal e controlar o capital estrangeiro em favor de empreendimentos locais.[38] Mais ainda, o Executivo lançou-se a uma reformulação drástica da burocracia estatal criando o DASP, Departamento Administrativo do Serviço Público. Além de sua importância no processo de modernização e centralização da administração pública, a criação do DASP teve duas outras consequências. Ele afetava a prática do clientelismo e do patronato, tirando a burocracia do controle da oligarquia. Controlando a burocracia, o DASP transferiu efetivamente, mas não de maneira exclusiva, a prática do patronato para o governo central, dando margem à burguesia industrial de lançar mão de práticas paternalistas e cartoriais.[39]

O papel do Estado Novo na industrialização permitiu e propiciou a participação de profissionais das classes medias e de militares, juntamente com os próprios empresários, no aparelho administrativo do Estado.[40] A participação dos militares realçou o discurso "nacionalista" que foi identificado com o desenvolvimento industrial privado da nação.[41] Contudo, apesar da importância da "sociedade política",[42] que compreendia a burocracia e os militares e a convergência de interesses desses últimos com os industriais, o desenvolvimento industrial foi guiado por diretrizes políticas traçadas pelo bloco industrial-financeiro do centro-sul do país.[43]

Em nome da defesa da "paz social", o Estado Novo intervinha também na "regulamentação" da força de trabalho através da promulgação de "leis trabalhistas", cumprindo assim um requisito básico no processo de acumulação. O estabelecimento de um salário mínimo em 1939 permitiu um nivelamento de salário para a força de trabalho urbana pelo grau mais baixo possível da escala, isto é, a nível de subsistência. Dada a relativa escassez de mão-de-obra qualificada e semiqualificada, o estabelecimento de um salário mínimo impediu que as forças de mercado estabelecessem salários de equilíbrio a níveis mais altos, o que tenderia a inibir uma expansão mais fácil da industrialização capitalista.[44] Tal política apresentava ainda dois benefícios significativos quanto a acumulação capitalista: primeiramente, ao determinar os salários institucionalmente, essa política permitia um cálculo econômico efetivo, enquanto o aumento de produtividade não era incorporado ao aumento dos salários. Em segundo lugar, um efeito importante da imposição de um salário mínimo foi a cooptação das classes trabalhadoras, mostrando assim a "face admissível do corporativismo". O Estado então foi projetado e percebido como protetor dos pobres, tendo à frente a figura paternalista de Getúlio Vargas.

Ao se aproximar o fim da Segunda Guerra Mundial, mudanças substanciais ocorreram.[45] A agitação nas classes trabalhadoras, oriunda de condições miseráveis de vida, atingia seu ponto máximo em meados da década de quarenta, apesar da existência de sindicatos controlados, que haviam canalizado durante anos as reivindicações da classe. Novos e independentes sindicatos foram criados nos Estados mais industrializados do país, flanqueando a estrutura de controle do Ministro do Trabalho e Justiça, Alexandre Marcondes Filho. Sindicatos nacionais vieram à tona como, por exemplo, o Movimento de Unificação dos Trabalhadores e a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), criada em 1944. Na precária "sociedade civil"[46] de meados da década de quarenta, o ressurgimento da esquerda, que havia sido atingida violentamente pelo Estado Novo, e, particularmente, o crescimento do Partido Comunista junto a organizações incipientes das classes trabalhadoras pareciam à burguesia uma séria ameaça fora de seu controle. Foi nesse clima de incerteza que as associações empresariais convocaram convenções e congressos nacionais, a fim de repensar o seu papel no período pós-guerra. O mais importante desses foi a Primeira Conferência das Classes Produtoras do Brasil, realizada em Teresópolis em maio de 1945. A conferência foi convocada pela Federação de Associações Comerciais do Brasil e pela Confederação Nacional da Indústria, e foi presidida por Roberto Simonsen. Cerca de seiscentas associações rurais, comerciais e industriais de todos os Estados do pais estiveram presentes à conferência. Após cinco dias de reuniões, uma Carta Econômica foi apresentada, a qual cautelosamente proclamava o desejo dos participantes de se unirem na construção de uma nova ordem social. A "Declaração de Princípios" dos empresários baseava-se na associação de liberdade e empresa privada, caracterizada por "preceitos de justiça" e "limitações inevitáveis impostas pelos interesses fundamentais da vida nacional", e para cuja realização a burguesia reconheceria como necessário um certo grau de interferência do Estado. Além disso, a resolução da conferência conclamava a um "desenvolvimento harmonioso de todas as regiões", a uma garantia para homens da cidade e do campo, de um salário que lhes permitisse "viver com dignidade", a "necessidade de planejamento econômico" e a recomendação de que o Estado tivesse papel mais ativo na preservação do meio ambiente, no desenvolvimento da agricultura, na produção de energia e expansão dos transportes, no protecionismo alfandegário, no desenvolvimento de indústrias básicas, no impedimento da formação de cartéis, no controle da importação e, sobretudo, no estimulo a investimentos estrangeiros que, ao término do esforço de guerra, haviam oportunamente renovado sua participação na economia brasileira[47] em fins da década de quarenta.

É necessário que alguns comentários sejam feitos sobre a chamada burguesia "nacional", que tanto havia se desenvolvido sob a égide do Estado Novo. De acordo com a crença intelectual popularizada, assumida pelo Partido Comunista e abraçada mais tarde por intelectuais nacionalistas, principalmente os do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, ISEB,[48] havia "duas burguesias." Uma era considerada entreguista, diretamente ligada ao capital transnacional, e a outra nacionalista, oposta à ação de interesses estrangeiros. A burguesia "nacionalista" era procurada politicamente e considerada, teoricamente, pelos intelectuais nacionalistas como aliada em potencial, se não de fato, das classes trabalhadoras e dos setores das classes médias que se opunham ao imperialismo, em razão do que se esperava fossem as diretrizes políticas dos industriais de reforçar os centros iocais de tomada de decisão, e de sua alegada visão do Estado como instrumento de oposição à penetração estrangeira. Os intelectuais nacionalistas atribuíam também a esses setores "nacionais" industriais e financeiros "objetivos progressistas". Em particular, acreditava-se que os setores industriais estivessem interessados em alguma forma de desenvolvimento nacional redistributivo e em apoiar uma atitude reformista contra estruturas agrárias arcaicas. Porém, a esperada confrontação nacionalista-entreguista baseava-se em avaliação errada, falando-se em antagonismos estruturais onde somente existiam conflitos conjunturais. A burguesia industrial brasileira poderia ter mostrado uma dualidade de tendências em seu crescimento, sendo uma de associação direta a interesses multinacionais e a outra de ligações indiretas para obter o know-how estrangeiro.[49] Mas a motivação da burguesia era uma só, o capital. Na medida em que a burguesia brasileira se desenvolvia e, consequentemente, a economia do país, os industriais "nacionais" eram menos uma força vital do Brasil do que agentes da integração do país no sistema produtivo internacional dominante, isto é, o capitalismo. O "entreguismo" de um grupo ou de um setor da burguesia expôs a sua relação conjuntural com um pólo de influência transnacional específico, a saber, a subordinação à nação hegemônica, os Estados Unidos, mas ocultou o compromisso estrutural sistemático da burguesia,[50] compromisso este que seria crítico. As premissas dos políticos nacionalistas e intelectuais sobre uma pretensa posição nacional-reformista da burguesia "nacional" correspondiam mais à ideologia do nacional-populismo do que aos interesses dos industriais. A burguesia brasileira era, com toda certeza, nacional, apesar de não ser necessariamente nacionalista.

Em sua convenção nacional de 1945 os empresários adotaram várias demandas populares como seus slogans políticos obviamente dirigidos às classes médias e trabalhadoras, refletindo o sentimento crescente entre as classes dominantes de que uma mudança era esperada, pelo menos nos centros urbanos. Entre os slogans adotados estavam os apelos para a "luta contra a pobreza", o "aumento da renda nacional", o "desenvolvimento das forças produtoras", a "democracia econômica" e a "justiça social."[51] Estava se tornando claro para as classes dominantes que novas formas de governo teriam de substituir as medidas coercitivas do Estado Novo. O descontentamento popular deveria ser esvaziado, absorvendo sua liderança e tentando conseguir uma burocratização de suas demandas através de instrumentos de repressão pacífica como aqueles fornecidos pelo Estado patrimonial e cartorial.[52] Além disso, a onda antifascista trazia consigo uma reação das classes médias contra o autoritarismo do Estado Novo. Isso ficou particularmente claro no comportamento das Forças Armadas. O governo brasileiro, que no período inicial da guerra oscilava entre a neutralidade e uma posição pró-Eixo, ao mesmo tempo em que oficiais superiores como o General Góes Monteiro e o General Eurico Gaspar Dutra manifestavam simpatia pela Alemanha, declarava-se a favor dos aliados enviando inclusive um contingente à Europa, a Força Expedicionária Brasileira — FEB, que participou da campanha na Itália sob o comando dos americanos. O resultado dessa participação foi uma aliança estreita entre oficiais brasileiros e americanos, quando uma série de amizades pessoais se formaram e persistiram, até mesmo intensificando-se nas duas décadas seguintes. Vários desses oficiais foram enviados aos Estados Unidos de onde voltaram com novas idéias sobre desenvolvimento industrial e organização política do país. Os oficiais, decididamente opostos a Getúlio Vargas, a quem consideravam como chefe de um regime neofascista, conspiravam contra ele.[53] O ponto culminante dessa reação contra Getúlio Vargas foi a criação da Frente Democrática que, abrangendo um amplo leque de posições ideológicas, apresenta-va-se como uma convergência política alternativa ao regime vigente.

Getúlio Vargas também compreendeu a necessidade de mudança e tentou deslocar a base sócio-política do Estado Novo para um alinhamento formado pelas classes trabalhadoras e a burguesia industrial, na tentativa de constituir um sistema político trabalhista de centro-esquerda com tendências nacionalistas. Eleições nacionais foram marcadas para dezembro de 1945, para as quais Getúlio Vargas estimulou a criação de dois partidos, o Partido Trabalhista Brasileiro — PTB, baseado na máquina sindical de Marcondes Filho, e o Partido Social Democrático — PSD, que não possuía coisa alguma em comum com seus homônimos europeus e se baseava nos interventores estaduais, nos industriais de São Paulo e nos chefes políticos oligárquícos, os conhecidos coronéis.[54] A oposição de centro-direita criou a União Democrática Nacional — UDN, um conjunto amplo de posições anticomunistas, antinacionalistas e anti-Vargas (mais tarde antipopulistas), cuja base eleitoral encontrava-se principalmente nas classes médias e que era liderada por profissionais liberais, empresários e políticos. Getúlio Vargas concedeu anistia política e tentou ganhar para o seu lado as classes trabalhadoras urbanas e o Partido Comunista através de medidas de reforma sócio-econõmica e participação política, tentando organizar sua própria base de poder. Mais importante ainda, Getúlio Vargas estava lançando bases para a constituição de uma nova forma de organização política do governo e de um novo regime. Forças sócio-cconômicas emergentes, assim como novas demandas sócio-políticas, necessitavam ser acomodadas. A limitada convergência de classe no poder, o corporativismo associativo e o autoritarismo do Estado Novo foram integrados e sintetizados numa fórmula nacional de "desenvolvimento", que, sob o nome genérico de populismo. tentava estabelecer uma hegemonia burguesa a partir de meados da década de quarenta.[55] Através do populismo, o Executivo procurava estabelecer um esquema de limitada mobilização política nacional das massas urbanas, baseado em uma estrutura sindical controlada pelo Estado e no apoio institucional do PSD e do PTB. Esses dois partidos, apesar de imprecisos em seus apelos programáticos. eram efetivas máquinas de domínio ideológico e controle social, o primeiro deles operando como o partido do poder e o segundo como o partido de legitimação da ordem vigente. Após anos de autoritarismo e predominância do Executivo, o populismo favorecia a reentrada em cena do político profissional, juntamente com a participação de industriais e banqueiros em atividades político-partidárias no então reativado Congresso. Contudo, a posição privilegiada que os industriais haviam conseguido no Executivo através de uma estrutura corporativista de associação foi preservada, embora controlada pelo Congresso.

A estratégia de Getúlio Vargas foi vista com alarme pelas classes dominantes e com suspeita pelas classes médias, pois tal estratégia somente aumentaria o apelo carismático do próprio Getúlio Vargas junto às classes trabalhadoras e realçaria o seu papel no comando do Estado como intermediário político. A mobilização das classes trabalhadoras, apesar de limitada, era temida pelas classes dominantes, pois poderia dar a Getúlio Vargas o apoio necessário para o estabelecimento de um Executivo relativamente independente. Tal Executivo seria um anátema tanto para os industriais quanto para a oligarquia, e colocaria Getúlio Vargas acima do controle das Forças Armadas. Além disso, a estratégia de Getúlio Vargas vinculava o desenvolvimento da economia a um caminho nacionalista e estatizante-distributivo. Todas essas reformas, porém, foram vistas como remanescências de excessos indesejáveis do Estado Novo, Isso era precisamente o que os industriais e outros tentavam reprimir, pois eles estavam nesse momento procurando fortalecer suas ligações com interesses multinacionais na tentativa de conseguir capital e tecnologia.

Antes que Getúlio Vargas conseguisse consolidar sua estratégia e formar um novo bloco de poder, o Exército, tendo como ponta-de-lança os oficiais da FEB, entrou em ação e o depôs, apoiado por um alinhamento que compreendia os industriais locais, a oligarquia, as classes médias e, finalmente, as empresas multinacionais que haviam renovado seu interesse pelo Brasil.[56]

Embora o próprio Getúlio Vargas e suas propostas políticas não tenham sido aceitos, os empresários adotaram o seu modelo político e o sistema partidário que ele havia fomentado. A passagem do Estado Novo para uma forma populista de domínio e articulação de interesses foi atenuada pelo fato de que a mesma elite política e econômica que havia comandado o regime deposto permaneceu no poder após a destituição de Getúlio Vargas de seu cargo, e foi sob a direção dessa elite que as primeiras eleições nacionais foram promovidas. Além disso, a continuidade foi salientada pelo fato de a Constituição de 1946 haver deixado praticamente intacto o marco institucional do Estado Novo.[57]

As eleições foram vencidas pelo Marechal Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra durante o governo de Getúlio Vargas, encabeçando o PSD e apoiado pelo PTB, que, tendo sua candidatura endossada pelo próprio Getúlio Vargas, competiu com o Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato pela UDN. Para surpresa geral, o Partido Comunista, que havia sido legalizado pouco antes e disputava as eleições independentemente, teve a mesma porcentagem de votos que o PTB. Sob o manto de democracia liberal que envolvia o regime do Marechal Eurico Dutra, ficaram ainda muitas das características centrais do Estado Novo, principalmente a posição privilegiada dos industriais dentro do Executivo e as relações autoritárias das classes dominantes para com as classes trabalhadoras. Mas algumas mudanças importantes de fato aconteceram, principalmente o restabelecimento do Legislativo como foro de atuação política. Os membros eleitos para o Congresso. dentro de certos limites, ocuparam suas tribunas para o debate político, que atingia a sociedade em geral.[58]

Embora o Marechal Eurico Dutra tivesse sido eleito pelas máquinas políticas do PSD e do PTB e tivesse sido apoiado por Getúlio Vargas, ele mostrou logo de início que suas idéias políticas diferiam grandemente das de seu predecessor, principalmente no que dizia respeito às suas posições quanto ao nacionalismo e à participação das classes trabalhadoras. A mudança do rumo do governo do Marechal Eurico Dutra foi caracterizada pelo fato de ele haver levado para o seu ministério figuras de destaque da UDN como, por exemplo, o empresário Raul Fernandes, que se tornou seu Ministro do Exterior. O governo do Marechal Eurico Dutra foi fortemente influenciado por empresários, os quais ocuparam de maneira quase exclusiva os postos-chave na administração. O governo favoreceu o laissez-faire na área econômica e, depois de tentar desenvolver, por um curto período, um sistema de participação pluralista, passou a defender um forte controle político das classes subordinadas.[59] A diretriz econômica do governo do Marechal Eurico Dutra favorecia claramente a empresa privada. Organizações estatais foram desativadas e a tendência para o nacionalismo e desenvolvimento estatizante sofreu um retrocesso. Tanto o governo do Marechal Eurico Dutra, quanto a UDN em particular, examinavam as possibilidades de travar um relacionamento especial com os Estados Unidos e, consequentemente, a economia foi reaberta ao capital estrangeiro em condições muito favoráveis. Além disso, sob a égide do Marechal Eurico Dutra, o governo estabeleceu a Escola Superior de Guerra — ESG, para a qual acorreram oficiais anti-Vargas e pró-UDN. Estabeleceu também a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, com o objetivo de estudar a situação brasileira e esboçar um programa de desenvolvimento econômico para o país.[60]

O bloco de poder oligárquico-empresarial, que apoiava o governo do Marechal Eurico Dutra e que tentava conseguir o consentimento político das classes subordinadas e impor consenso entre as frações subalternas das classes dominantes, usou para esses fins, inicialmente, meios de dominação e táticas que se caracterizavam sobretudo pelo paternalismo. Durante os agitados anos de 1945 e 1946, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — FIESP, e o Centro de Indústrias do Estado de São Paulo — CIESP, estiveram engajados no apaziguamento das crescentes demandas dos trabalhadores através de dois esforçós relacionados.[61] A FIESP e o CIESP instaram seus membros a contribuir para o estabelecimento de Comissões de Eficiência e Bem-Estar Social, com o objetivo de prestar serviços de caráter paternalista, principalmente através da venda de gêneros alimentícios e artigos de vestuário a preços de custo. A FIESP e o CIESP formaram, também, a Comissão de Relações com o Público, destinada a modificar as demandas dos trabalhadores através de um serviço de relações públicas e doutrinação, defendendo assim os interesses da indústria privada paulista. Para tanto, em junho de 1946 o Marechal Eurico Dutra, em resposta a pressões pessoais de Roberto Simonsen e Morvan Dias de Figueiredo, líderes da FIESP e da Confederação Nacional das Indústrias — CNI, assinou um decreto criando o Serviço Social da Indústria — SESI, com o objetivo, a longo prazo, de combater o reaparecimento de organizações autônomas entre as classes trabalhadoras e de construir no seio do operariado urbano uma base ideológica e de comportamento político em consonância com uma sociedade industrial capitalista.[62] Vários meses depois, em consequência de esforços dos empresários, o industrial Morvan de Figueiredo tomou-se Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, reunindo, por assim dizer, os mecanismos de controle do trabalhador e a expressão dos interesses dos empresários sob um mesmo ministério cartorial, fazendo dele o ministério capitalista por excelência. Porém, o ímpeto da organização das classes trabalhadoras e a expansão de sua consciência política dificultaram esse tipo de manipulação. Os primeiros sintomas da "Guerra Fria" coincidiam com uma nova demonstração de força do Partido Comunista nas eleições estaduais de janeiro de 1947, quando sua posição de quarto maior partido em termos de voto popular foi reiterada. E, mais ainda, o Partido Comunista venceu a UDN, tornando-se o terceiro partido em termos de voto popular no importante Estado industrial de São Paulo; conseguiu também uma maioria dos membros nas eleições para a Câmara Municipal na própria Capital Federal. A frágil "sociedade civil", um legado do Estado Novo, não era uma estrutura apropriada de contenção das classes trabalhadoras, tornando difícil a institucionalização do regime. Além disso, o PTB demonstrava não ser páreo para o Partido Comunista, nem ideológica, nem organizacionalmente.[63] Naquele mesmo ano, a pedido do governo, o Partido Comunista foi declarado ilegal por decisão judicial. O Marechal Eurico Dutra dissolveu também a Confederação dos Trabalhadores do Brasil — CTB, e interveio nas atividades de quatrocentos sindicatos em decorrência de uma suposta ligação desses com o já ilegal Partido Comunista, além de promover um expurgo no funcionalismo público. Essa renovada interrupção da expressão autônoma das classes trabalhadoras resultou em medidas autoritárias dentro do sistema político e do regime populista. Mesmo assim, era possível construir uma certa medida de consentimento e de consenso a partir da noção de igualdade democrática de todos os cidadãos, exceto aqueles estigmatizados como "comunistas" — os analfabetos, que foram totalmente excluídos do processo eleitoral, e os trabalhadores rurais, cujo recrutamento para partidos de oposição era dificultado por estarem sob a tutela dos coronéis e de práticas clientelistas. Em resumo, o populismo sustentava uma igualdade democrática urbana, por sinal muito seletiva.[64] Um sistema "excludente" havia sido criado.[65] E mais, o baluarte populista do Ministério do Trabalho, o peleguismo e os partidos políticos populistas eram responsáveis pela incorporação ao Estado das forças sociais que haviam se desenvolvido em decorrência da modernização. Eles eram simultaneamente responsáveis pela desagregação e conformismo das classes trabalhadoras[66] e pela legitimação da sociedade capitalista.[67]

Em 1950 houve eleições com o Partido Comunista ainda ilegal e os sindicatos ainda sob intervenção. Getúlio Vargas era o candidato do PTB, aliado ao Partido Social Progressista encabeçado por Adhemar de Barros,[68] protótipo do chefe populista do industrial Estado de São Paulo, onde o PSP controlava os trabalhadores. O candidato em oposição a Getúlio Vargas era o Brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, que tinha o apoio de Plínio Salgado, antigo líder integralista que comandava o Partido de Representação Popular — PRP. O PSD apresentou candidato à parte. Getúlio Vargas fez uma campanha entusiástica através do país. Embora modificasse sua ênfase dependendo da platéia, Getúlio Vargas apresentava várias posições básicas em seu programa. Ele prometia retomar a campanha em favor da industrialização nacionalista com o apoio do Estado, industrialização esta que havia sido negligenciada durante o regime do General Eurico Dutra. Getúlio Vargas investiu contra a inflação e a falta de progresso real nos salários dos trabalhadores urbanos, prometendo uma renovada campanha de proteção do proletariado através de medidas de bem-estar social. Apesar de enfatizar a reforma social, ele silenciou quanto a assuntos rurais e fez referências esparsas, quase insignificantes, à reforma agrária e à sorte dos camponeses. Ele agiu assim na esperança de conseguir votos dos chefes locais do PSD, os coronéis rurais. Foi procurando os votos do PSD que Getúlio Vargas conseguiu fazer um acordo em Minas Gerais, centro do pessedismo, com Juscelino Kubitschek, jovem político em ascensão e candidato a governador do Estado. Getúlio Vargas apoiou a sua candidatura e, em troca, foi capaz de fazer incursões no voto pessedista.

Apesar de seu compromisso com a industrialização nacionalista e de defender o direito do Brasil de possuir e desenvolver seu petróleo e recursos minerais, Getúlio Vargas deixou claro em sua campanha que aceitaria de bom grado investimentos estrangeiros, mostrando assim uma certa continuidade com as suas atitudes passadas e manobrando de maneira a não entrar em atrito com interesses que haviam sido fortalecidos no regime do Marechal Eurico Dutra, Getúlio Vargas estendeu a mão ao governo americano e a investidores privados, numa tentativa de reconciliação e visando a um programa de desenvolvimento semelhante ao Plano Marshall, deixando claro, ao mesmo tempo, que o país não apoiaria os americanos em seu envolvimento militar na Coréia, indo contra o apoio que o Marechal Eurico Dutra havia insinuado.

Getúlio Vargas foi reconduzido ao governo, com uma ampla maioria de votos, por um bloco populista que se estendia de norte a sul do país, reunindo políticos dos mais diversos partidos abrangendo o tradicional alinhamento de empresários locais, de interesses agrários, principalmente do sul, e das classes trabalhadoras urbanas. Getúlio Vargas formou um ministério heterogêneo, onde muitos dos membros eram empresários e de formação oligárquica, refletindo a composição do bloco populista que o havia apoiado, e refletindo também o conjunto de diretrizes políticas que de pretendia implantar. Contrariando as expectativas populares, ele deu ao PTB apenas uma cadeira no seu ministério, o crítico Ministério do Trabalho, sublinhando tanto a posição central desse posto ministerial para a manipulação das classes trabalhadoras quanto o papel de legitimador do PTB. O PSD ficou com a maior parte dos ministérios, provando assim ser o partido do poder. Getúlio Vargas nomeou João Cleofas para Ministro da Agricultura, um líder conservador da UDN de Pernambuco. Estado onde a pobreza rural era escandalosa e onde a UDN se assemelhava ao PSD, retribuindo dessa maneira o apoio que havia recebido da oligarquia rural. A marcante adesão ao PSD e o aparente desprezo pelo PTB implicaram não apenas um conjunto de diretrizes políticas mais conservadoras do que o prometido durante a campanha, como tambem teve o efeito de alijar o receio que os militares tinham de uma república "sindicalista" da qual Perón parecia ser o protótipo, indicando que havia uma disposição por parte de Getúlio Vargas de trabalhar com a maioria pessedista do Congresso.

Durante a segunda administração de Getúlio Vargas, o sistema político e o regime sofreram mudanças significativas. O Congresso ficou mais forte e politicamente mais importante, tomando-se, lado a lado com o Executivo, um foco de articulação de interesses. O Congresso representava o lugar onde as diferentes frações das classes dominantes tinham a possibilidade de compartilhar do governo junto com o bloco de poder dominante. O Congresso tornou-se uma instituição basicamente regulada por conciliações e alianças, pois exercia um certo grau de controle sobre as medidas políticas adotadas pelo Executivo. As reivindicações do eleitorado do presidente como um todo ecoavam através de aliança PSD/PTB no Congresso, e os interesses de seus eleitores imediatos através de diretrizes econômicas do Executivo.[69] No regime populista de convergência de classes, o controle do Executivo tomava-se a questão política central e as lutas pela participação no Executivo favoreciam uma intensa personalização da vida política, personalização esta que se tomou um fator fundamental nas várias crises do período. O Congresso tinha um papel duplo de representação. Por um lado, através da aliança PSD/PTB, pressões populares eram agregadas e canalizadas. Os partidos podiam pressionar o sistema, estruturar suas alianças e ganhar apoio popular em suas tentativas de alcançar o poder através do Congresso. Por outro lado, as classes de proprietários de terra, que não haviam sofrido muito durante o governo de Getúlio Vargas, pois o sistema de autoridades e propriedade permanecia intacto nas áreas rurais, também apresentavam suas demandas políticas através do Congresso. Apesar da consolidação das relações capitalistas de trabalho e da proeminência econômica que os empresários haviam conseguido durante a década de quarenta, a supremacia industrial-financeira não se traduzia em hegemonia nacional política e ideológica. O "general Café" (que havia se diversificado em bancos e indústrias) e suas forças subalternas agro-comerciais estavam ainda “no poder". Os interesses rurais permaneciam economicamente poderosos e politicamente ativos com um papel crucial exercido através do sistema bicameral mantendo a Câmara dos Deputados e o Senado como focos de rotinizaçâo de demandas, de agregação e institucionalização de pressões populares, refletindo a crescente participação política das classes médias e trabalhadoras.

A segunda administração de Getúlio Vargas foi dividida em Ires períodos.[70] A primeira fase foi caracterizada por uma forte presença empresarial, uma política antiinflacionária e uma procura entusiástica de ajuda econômica dos Estados Unidos. Essa fase terminou em meados de 1953 sob a pressão conjunta de sindicatos e diversos grupos nacionalistas. O governo fracassou em sua tentativa de controlar a inflação, enquanto os benefícios da ajuda externa não se concretizavam. Em meados de 1955 o ministério foi reorganizado e começou a segunda fase. Apesar de manter as suas opções abertas tanto em relação ao bloco oligárquico-industrial quanto aos Estados Unidos, ao nomear Oswaldo Aranha, Vicente Rao e José Américo de Almeida, Getúlio Vargas recorreu intensamente às classes trabalhadoras como um grupo de pressão. Ele substituiu o seu Ministro do Trabalho por João Goulart, um jovem militante do PTB do Rio Grande do Sul, seu protegido político e que assumiu o seu cargo com um enfoque muito mais radical. Nesta segunda fase, a crescente polarização política e ideológica em tomo de assuntos nacionalistas e trabalhistas andou passo a passo com uma crescente oposição do Exército a Getúlio Vargas e, consequentemente, a João Goulart, culminando com o famoso memorando dos Coronéis assinado em fevereiro de 1954 por mais de oitenta oficiais influentes, o que levou à demissão de João Goulart e do Ministro da Guerra General Estillac Leal, nacionalista e getulista. A terceira fase foi inaugurada sob considerável pressão militar, pressão esta fortemente apoiada por empresários e pelo governo americano. Esta fase foi, na verdade, uma longa sucessão de manobras getulistas defensivas e com propósitos definidos e limitados, manobras que foram intensamente atacadas no Congresso e na imprensa por políticos mordazes e agressivos, como Carlos Lacerda,[71] figura de proa da UDN do Rio de Janeiro; essa fase culminou com um golpe de Estado e suicídio de Getúlio em 1954.[72]

Sob a presidência de Getúlio Vargas; a estratégia de acumulação de capital e industrialização baseava-se principalmente em dois mecanismos de funcionamento: a manutenção da política cambial e controle das taxas cambiais, transferindo-se parte do excedente do setor agro-exportador para o setor industrial, e uma contenção relativa dos salários reais, abrandada em seus efeitos sobre os trabalhadores pelo fato de as empresas estatais e privadas produzirem bens e serviços subvencionados, transferindo assim parcialmente o poder de compra para os trabalhadores assalariados.[73]

Getúlio Vargas tentava impor uma política nacionalista de desenvolvimento capitalista, apoiado por uma combinação de empresas industriais estatais e privadas.[74] Essa política materializou-se na criação altamente controvertida da Petrobrás[75] e na formulação de uma diretriz política de desenvolvimento geral que tentava combinar o crescimento econômico com a democracia social.[76] E mais ainda, o tipo de regime e sistema político almejado pelo Executivo sob as rédeas de Getúlio Vargas, incluía a reapresentação de uma proposição que já havia sido vencida uma vez. Essa proposição envolvia a consolidação de um aparelho administrativo de Estado e formulador de diretrizes políticas, relativamente livre da influência exclusiva das classes dominantes, capaz de apoiar a industrialização nacional e de limitar os interesses multinacionais. Concomitantemente desenvolvia-se um esforço tendente a assegurar a implementação de um bloco industrial-trabalhista apoiado pelo Estado e a acomodação de interesses agrários. Porém, como já foi visto anteriormente, os empresários locais, longe de serem hostis à penetração multinacional, até favoreceram-na.[77] Os empresários enfatizavam a campanha nacionalista muito mais em tomo da produção industrial em solo brasileiro, do que em torno da origem do capital ou da tecnologia envolvidos. Os empresários temiam também uma forma de desenvolvimento nacionalista liderada pelo Estado. O processo de concentração de capital desenvolver-se-ia então lado a lado com um processo de internacionalização da economia.

Além disso, o arranjo político e econômico concebido por Getúlio Vargas trazia à tona outro sério problema. Os interesses multinacionais que estavam reingressando na economia brasileira após sua retração durante a Segunda Guerra Mundial seriam deixados nesse arranjo sem adequada representação nos canais formuladores de diretrizes políticas. Os interesses multinacionais tentariam agressivamente mudar essa situação, juntamente com interesses locais que temiam a ascendência política de Getúlio Vargas e com forças reacionárias acuadas com as medidas sócio-democráticas com as quais Getúlio Vargas parecia ameaçá-las. Derrotado por outro golpe militar em 1954, Getúlio Vargas recusou-se a renunciar e suicidou-se. Agindo dessa forma, ele explicitamente condenou, na sua carta-testamento, o que percebeu ser uma conspiração antinacional de forças reacionárias apoiadas por interesses imperialistas.[78]

Com o suicídio de Getúlio Vargas em 1954 e a subsequente orientação das diretrizes econômicas por Eugênio Gudin,[79] Ministro das Finanças durante o interstício presidencial de Café Filho, iniciava-se um período radicalmente diferente em termos de política econômica. A diretriz política do governo explicitamente favorecia corporações multinacionais que concordassem em importar equipamento industrial para a produção de bens considerados altamente prioritários pela administração. Em 1955 o governo de Café Filho apresentou a famosa Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito — SUMOC, permitindo que corporações multinacionais importassem equipamento por um preço 45% abaixo das taxas e isentando-as da "cobertura cambial" necessária à importação de maquinário, benefício este não desfrutado por firmas brasileiras.[80] O breve governo de Café Filho, apoiado por uma aliança informal de centro-direita entre empresários, políticos da União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Social Progressista (PSP), visava à contenção das classes trabalhadoras e ao estímulo da penetração de interesses multinacionais através de um entendimento político com setores cafeeiros e financeiros. Apesar de todos os esforços, o que foi, por pouco tempo, um bloco de poder liderado pela UDN, ele foi derrotado nas eleições seguintes por uma aliança de políticos do PSD e do PTB, sindicalistas e empresários. Essa aliança foi encabeçada pela chapa Juscelino Kubitschek-João Goulart. A aliança PSD/PTB correspondia em termos gerais à formação de uma "frente nacional" — que era uma coligação de forças sociais expressando o desejo de um processo de desenvolvimento nacional baseado na expansão da indústria no Brasil. A aliança PSD/PTB incorporava a burguesia industrial, um setor da burguesia comercial especializado no comércio de produtos industriais locais e as classes médias progressistas (profissionais liberais, administradores), assim como políticos urbanos e sindicalistas.[81] |oào Goulart, herdeiro aparente de Getúlio Vargas, baseava sua campanha no que parecia ser uma continuação dos aspectos mais estatizantes. nacionalistas e abertos a reformas das diretrizes políticas da segunda administração de Getúlio Vargas. Enquanto isso, Jusceiino Kubitschek fazia sua campanha em favor de um programa ambicioso de planejamento e desenvolvimento. Porém a administração de Juscelino Kubitschek, embora aparentemente baseada na mesma correlação de forças políticas do regime de Getúlio Vargas, implementou uma política de desenvolvimento que resultou em uma mudança drástica no modelo de acumulação, reforçando um padrão de "desenvolvimento associado"[82] com a realização de seu chamado Plano de Metas de 1956 a 1961.[83] Além disso, a estratégia de desenvolvimento adotada por Juscelino Kubitschek levou a uma redefinição do papel e função da máquina estatal e de seu relacionamento com a sociedade civil, acabando por esgotar as possibilidades de combinação das forças políticas que haviam sido sua base de sustento original.[84]

Sob a cobertura das políticas desenvolvimentistas de Juscelino Kubitschek, medrava-se um pacote tecnológico direcionado às indústrias de proa incipientes como, por exemplo, a indústria automobilística e construção naval, produtos químicos e farmacêuticos, maquinaria e produtos elétricos, papel e celulose, proporcionando a matriz econômica para o renovado desenvolvimento de uma burguesia associada.[85] Esperava-se que o acesso à tecnologia e técnicas gerenciais estrangeiras, assim como à ajuda financeira transnacional, fosse solução para o problema da falta de acumulação primitiva de capital e também um tratamento de choque para uma economia essencialmente agro-exportadora que sofria uma escassez relativa de maquinário, equipamento e know-how.[86] A política de desenvolvimento de Juscelino Kubitschek impulsionava as transformações que já se faziam sentir na estrutura sócio-econômica do Brasil como, por exemplo, uma maior sofisticação do mercado interno, o crescimento das empresas, uma produção mais completa a expansão das indústrias básicas,[87] a tendência para urbanização e concentração metropolitana, uma intensificação de disparidades setoriais e de desigualdades sociais e regionais.[88] Além disso, a política de desenvolvimento de Juscelino Kubitschek estabelecia as condições para a proeminência econômica do capital oligopolista multinacional e associado. As relações internas do Brasil nesse momento eram o resultado de uma combinação "original" e mesmo sui generis, a saber, a convergência de classe populista e sua forma de domínio interagindo com o capital monopolista transnacional.

Porem surgiram problemas a nível institucional, à medida que se tornavam evidentes as inadequações políticas e administrativas a um modelo de desenvolvimento tão concentrado e centralizado. O Congresso inicialmente apoiaria Juscelino Kubitschek através da aliança PSD/PTB, apoiando o seu programa de desenvolvimento "conduzido pelo Estado", desde que o governo representasse os interesses da maioria parlamentar. Porém, à medida que o Executivo se envolvia em sua política de modernização, o Congresso consolidava a sua presença política através de uma atitude conservadora em relação ao Executivo e interesses industrializantes que ele representava. A presença conservadora do Congresso cristalizava-se em decorrência da lógica das alianças e da necessidade de conciliação, do clientelismo, dos interesses tradicionais e da oligarquia rural que até então ele representava.[89] Assim, as práticas do sistema político populista faziam do Congresso um reduto conservador, que era lento e impróprio para a articulação dos interesses multinacionais e associados favorecidos pelo governo de Juscelino Kubitschek. O Congresso permitia também a denúncia da penetração multinacional e das condições especiais nas quais ela se dava e era, ao mesmo tempo, o foro onde representantes das classes trabalhadoras se faziam ouvir e participavam de um certo controle sobre as diretrizes políticas do Executivo. Outro sério efeito político consistia na falta de habilidade básica do estado cartorial de funcionar satisfatoriamente, em consequência da pequena burocracia firmemente estabelecida em seu interior e também de escalões mais altos da administração que agiam de acordo com interesses tradicionais, junto a um grande número de "funcionários relativamente parasitas designados para postos públicos relativamente inúteis".[90] Os interesses multinacionais e associados tiveram de procurar outros fatores para produzir diretrizes que levassem à sua consolidação econômica. Juscelino Kubitschek proporcionou essa estrutura apropriada. Com efeito, com a implantação do seu Plano de Metas, e como pré-requisito para a sua realização, foi criada uma ampla gama de organismos de planejamento e consultoria e comissões de trabalho, os Grupos Executivos[91] Eles formavam uma "administração paralela" coexistindo com o Executivo tradicional e duplicando ou substituindo burocracias velhas e inúteis. Essa administração paralela, composta de diretores de empresas privadas e empresários com qualificações profissionais, os chamados técnicos, e por oficiais militares, permitia que os interesses multinacionais e associados ignorassem os canais tradicionais de formulação de diretrizes políticas e os centros de tomada de decisão, contornando assim as estruturas de representação do regime populista. Na realidade, isso significou incorporar ao sistema político e ao regime populista canais exclusivos de formulação de diretrizes políticas industriais que permitiríam a coexistência de capital local e multinacional. E mais ainda, os novos interesses evitariam os mecanismos de controle e autoridade populistas, como o Congresso e a crítica pública que poderia ser dirigida aos interesses multinacionais e associados por parlamentares da oposição. Isso ocorria pelo fato de estarem as agências que faziam parte da administração paralela não somente envolvidas em sigilo administrativo, assim como operarem sob a cobertura ideológica de uma "racionalidade técnica" e "perícia apolitica" que supostamente as tornava imunes a pressões partidárias ou privadas. Além disso, usando os mecanismos de "mobilização de bias" e evitando a apuração pública, a administração paralela conseguia favorecer ou bloquear, de acordo com sua vontade, o acesso à ajuda financeira e tecnológica por parte de diferentes grupos e corporações.

Havia, no entanto, uma falha no esquema. A eficiência da administração paralela dependia amplamente da atitude positiva e da boa vontade que o Executivo demonstrasse quanto a seu funcionamento. Tomava-se necessário, então, que os interesses multinacionais e associados conseguissem o comando do Estado e a ocupação de postos burocráticos na administração.

Foi sob o Plano de Metas que ocorreu o que podemos chamar de segundo estágio da "nacionalização formal" da economia; o Estado transformando-se em produtor direto de bens e serviços estratégicos para a infra-estrutura e tomando-se controlador indireto de substanciais mecanismos da política econômica. Porém o papel do Estado como fator de desenvolvimento conseguiu dissimular o domínio real do capital. Apesar da expressiva presença do Estado na economia, ele não "orientava" a nova estrutura de produção. Pelo contrário, era o capital transnacional que, tendo penetrado os setores dinâmicos da economia, controlava o processo de expansão capitalista.[92] A intervenção do Estado na economia no que ultrapassava a alocação de recursos públicos para atividades privadas era amplamente desencorajada, se não condenada, pelos grandes empresários. A figura de um Estado onipotente não fez parte da perspectiva ideológica dos empresários industriais nacionais.[93] Além disso, a já considerável influência econômica do Estado despertava o tradicional receio por parte do empresariado de uma crescente interferência nos negócios.[94] Reafirmar a necessidade absoluta da posse privada dos meios de produção tornava-se a bandeira de luta dos empresários e até mesmo dos militares.[95]

A política dc desenvolvimento de Juscelino Kubitschek acarretava também transformações na divisão social do trabalho, através da criação de enorme classe trabalhadora industrial, de maior urbanização do país, da expansão de atividades terciárias e da formação de novos segmentos de empregados assalariados. O populismo, com suas características clientelistas, cartoriais e paternalistas, serviu, por um breve período, para reproduzir ideologicamente e recriar politicamente a idéia de um Estado neutro e benevolente, mito que seria destruído em princípios da década de sessenta.[96] Através do populismo, as classes dominantes visavam também preservar a falta de diferenciação sócio-política que havia sido a característica dos regimes anteriores, em uma tentativa de abafar o aparecimento de organizações autônomas das classes trabalhadoras. A consecução de tais objetivos foi reforçada por medidas autoritárias como, por exemplo, a persistente ilegalidade do Partido Comunista e as restrições sobre o sindicalismo autônomo. Contudo, a arrancada industrializante da administração de Juscelino Kubitschek continuava, rapidamente, aumentando o número e a concentração das classes trabalhadoras nos grandes centros urbanos, modificando dessa maneira os contornos políticos e ideológicos do regime e estabelecendo as pré-condições para a crise do populismo.[97] No final da década de cinquenta, a luta de classes irrompia dentro da corrupta estrutura política institucional que controlava as classes trabalhadoras com sua retórica de nacionalismo e sua atitude demagógica em relação ao progresso econômico.[98] O desenvolvimento industrial e a urbanização haviam transformado a psicologia e a consciência coletiva das classes trabalhadoras, enfraquecendo o domínio ideológico que as classes dominantes tinham sobre as subordinadas. Além disso, as Ligas Camponesas, que haviam aparecido em meados da década de cinquenta, mobilizavam os trabalhadores rurais, e as primeiras tentativas eram feitas no sentido de sindicalizar as massas trabalhadoras rurais. O final da década de cinquenta testemunhou o florescer de atividades sindicais e de organizações de classes trabalhadoras, assim como de uma intensa mobilização estudantil e de debates no interior das Forças Armadas, debates estes que polarizavam os atitudes políticas em tomo da questão do nacionalismo com uma tônica distributiva. A massa dos trabalhadores industriais e mesmo os camponeses tiveram de ser finalmente reconhecidos como contenedores políticos, apesar de continuarem a não ser reconhecidos como forças políticas legítimas pelas classes dominantes. Não foi por acaso que durante o regime de juscelino Kubitschek as noções de segurança militar interna se concretizaram; foi o próprio Juscelino Kubitschek quem, ao falar à Escola Superior de Guerra, insistiu para que essa se dedicasse ao estudo da potencial ameaça subversiva de forças sociais desencadeadas pela modernização contra a ordem vigente. A ênfase no consentimento levada adiante pela administração de juscelino Kubitschek não deve ser tomada como um sinal de passividade por parte da burguesia. De fato, o crescimento do aparelho repressivo do Estado, sua reorganização e a crucial mudança ideológica e operacional na orientação das Forças Armadas, passando da defesa do território nacional para uma estratégia de contra-insurreição e hostilidade internas, assim como o uso intermitente de medidas coercitivas, foram características desse período. Não se deveria permitir à retórica pluralista e liberal de meados da década de cinquenta obscurecer essas características.

No final da administração de Juscelino Kubitschek ficou claro que o seu "modelo de desenvolvimento", apesar de suas realizações, havia se esgotado; o próprio governo admitiu implicitamente esse fato, adotando ostensivamente uma política de "adiamento de problemas."[99] O adiamento tático era visível; visava a transferir para a administração seguinte os problemas que se acumulavam sem serem resolvidos. O adiamento estratégico consistia em ter conseguido uma trégua com os setores rurais reacionários enquanto permitia um crescente desequilíbrio entre os sistemas urbano-industrial e rural-agrícola, aumentando a desigualdade regional com o fortalecimento econômico do centro-sul às expensas do resto do país. O adiamento estratégico permitia também que as instituições políticas continuassem a funcionar, principalmente através da política de clientela, obscurecendo o próprio sentido dos partidos políticos e deixando-os inoperantes e incapazes de obter uma coerência em seus programas.

No início da década de sessenta, a convergência de classes populistas no poder e a forma populista de domínio foram desafiadas por duas forças sociais divergentes, que haviam surgido durante a concentrada industrialização da década de cinquenta, propiciada pelo governo Juscelino Kubitschek. Essas duas forças sociais fundamentais eram os interesses multinacionais e associados e as classes trabalhadoras industriais, cada vez mais incontroláveis. As duas forças em conjunto, embora opostas, minaram, no principio da década de sessenta, o mito da existência de um Estado neutro desenvolvido pela administração de Juscelino Kubitschek. Os interesses multinacionais e associados achavam-se em proeminência econômica no final do período de Juscelino Kubitschek e durante a administração de Jânio Quadros, como será visto no Capítulo II. Para evitar os controles do Congresso e a pressão popular, os interesses multinacionais e associados estimularam a criação de uma administração paralela, a qual provia a representação exclusiva de tais interesses. Além disso, esses interesses foram endossados pelos ideais antipopulistas e antipopulares da Escola Superior de Guerra, cujos valores modemizantes eram, em linhas gerais, congruentes com os interesses multinacionais e associados, como será visto pormenorizadamente no Capítulo III. Enquanto isso, as classes trabalhadoras industriais, como parte das chamadas classes populares,[100] fizeram do Congresso uma plataforma cada vez mais eficiente para a expressão dos seus interesses em oposição direta no bloco oligárquico industrial, e contra os interesses multinacionais e associados. Com as crescentes demandas nacionalistas e reformistas pressionando o Executivo e com o Congresso também funcionando como um foco de expressão dos interesses regionais e locais, tornava-se imperativo para os interesses multinacionais e associados ter o comando político da administração do Estado. Isso foi parcialmente conseguido com a ascensão de Jânio Quadros ao poder. Sob grande pressão, ele tentou resolver as contradições do regime através de uma manobra "Bonapartista civil",[101] após somente sete meses no cargo, como mostra o Capítulo IV. A sua renúncia não teve a repercussão desejada e João Goulart tornou-se presidente inesperadamente, liderando um bloco nacional-reformista.[102] Uma situação radical e altamente desfavorável desdobrou-se para o bloco multinacional e associado que lançou uma campanha, apresentada nos capítulos V, VI, VII e VIII, para conseguir um novo arranjo político que expressasse os seus interesses então bloqueados. Essa campanha englobou a maioria das classes dominantes, incluindo a chamada burguesia "nacional", da qual tantos políticos e intelectuais e até mesmo oficiais militares esperavam um posicionamento nacionalista e reformista. Contrariando tais expectativas. a burguesia "nacional" assistiria passivamente e até mesmo apoiaria a queda de João Goulart, condenando na prática a sua alternativa sócio-econômica distributiva e nacionalista e ajudando, a despeito de sua própria condição, a ancorar firmemente o Estado brasileiro à estratégia global das corporações multinacionais.

Notas bibliográficas

  1. O termo oligarquia, da forma em que é usado nesta análise, engloba capitalistas com interesses comerciais exportadores, latifundiários e elementos da burguesia agrária. designando o círculo restrito das classes dominantes da República Velha e que ainda eram economicamente poderosos durante a Segunda República. Sobre o conceito de oligarquia e a questão da legitimação oligárquica. vide Alain ROUQUIE. Oligarquia o burguesia: el problema de los grupos dominantes en América Latina. Bielefeld. mar 1978. Mimeo-grafado.
  2. Para uma análise do período, vide (a) Fernando H. CARDOSO & Enzo FALETTO – Dependência e desenvolvimento na América Latina Rio de Janeiro. Zahar. 1970. (b) Luciano MARTINS. Pouvoir et développèment économique. Paris. Ed. An-Ihropos. 1976. Cap. |.
  3. Sobre o conceito de bloco de poder, vide Nicos POULANTZAS. Political power and social classes. London, NLB, 1975. p. 141. 229-45.
  4. Octavio IANNJ el alii. Processo político e desenvolvimento econômico In: Política e revolução social no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 1965, p. 16-17.
  5. Sobre a origem da indústria, vide Sérgio SILVA. Expansão ca ferira e origens da Indústria no Brasil. Rio de Janeiro. Ed. Alfa-Omcga. 1976.
  6. A partir de 1920. a região sul respon-sabilizava-se por mais de 50% da produção industrial c. a partir de 1940, mais de 50% do produção agrária total cobia também àquela região. Enquanto isso, o nordeste c a região leste produziam menos de 43%. Vide (a) Paulo de Assis RIBEIRO. Quem elege quem. Rio de Janeiro, IPES, 1962. p. 4. Mimeografado. (b) P. EVANS, op. cit. Cap. 2 c 3. (e) Warrcn DEAN. The industrializalion of São Paulo 18801945. Ausxin. Univ. of Texas Press, 1969.
  7. Sobre o papel desses empresários, vide (a) Eli DINIZ. Empresário, Estado e capitalismo no Brasil 1930-1945. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. (b) Warrcn DEAN. op. cit. (c) Luciano MARTINS, op. cit Cap. 2. Uma grande porte desses empresários, seus filhos e outros pnrentes estariam na liderança do golpe de 1964.
  8. O conceito de "Bonopartismo" é usado como um cânone de interpretação histórica e não para se referir à combinação miIitar-imperial concreta que tomou o poder na França. Vide Quentin HOARE & Ocofírcy NOWELL-SMITH. Selections frorn the prison notebooks of Antonio Gramsci. London, Lawrence & Wishort, 1973. p. 216-17, 227. O termo "Bonapartismo" é usado em relação à reestabilização do equilíbrio político ameaçado, isto é, a supremacia das classes governantes através da intervenção política, a qual reprime o movimento político. O acordo entre as elites civis dos Estados de São Paulo e Minas Gerais com o objetivo de se unirem e controlarem a situação representou a intervenção repressora mencionada. Os governadores desses dois Estados agiram como "partidos", acima e além dos próprios partidos.
  9. (a) E. DINIZ. op. cit. p. 50-51. (b) Francisco de OLIVEIRA. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Seleções ÇEBRAP, São Paulo, (1):9, Ed. Brasiíien-se, CEBRAP, 1975.
  10. Getúlio Vargas e a burguesia industrial abraçaram uma ideologia tutelar, visando, porem, uma transformação parcial da sociedade. Sobre o conceito de ideologia tutelar, vide Samuel HUNTINGTON & Clement H. MOORE. Authoritarian polities in modern society: the dynamics of established one-party systems. New York. Basic Books, 1970. p. 510. Outra forma de controle que desmentia a criação de um Estado burguês em 1930 foi a recusa do sufrágio universal à população brasileira. Até 1933, foram registrados 1.500.000 eleitores, aproximadamente 4% da população total. Vide Paulo de Assis RIBEIRO, op. cit. p. 5. Até mesmo os Tenentes, que com seu ímpeto modernizador haviam sido os pontas de lança do Revolução de 1930, e que poderiam ter sido o fator ideológico e organizacional de coalizão na formação de um bloco antioligárquico e de classes médias e industriais no poder, foram rapidamente absorvidos pela política regional ou pela hierarquia militar, ou foram desmembrados em decorrência de lutas faccionárias.
  11. Sobre as condições que levaram à formação do "estado de compromisso", vide (a) Juarez Brandão LOPES. Desenvolvimento e mudança social: formação da sociedade urbano-industrial no Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, MEC, 1976. (b) Francisco WEFFORT. El populísmo en Ia política brasilena. In: BERNADET, Jean Claude et al. Brasil hoy. México, Siglo XXI, 1968. p. 64-71.
  12. Para uma análise dos vários grupos econômicos conflitantes, dos choques entre as classes sociais e do sistema político do período entre a Revolução de 1930 e o Estado Novo, vide (a) Edgard CARONE. A república nova: 1930-1937. São Paulo, DIFEL, 1976. p. 21-77, 81-151, 155-279. (b) Luiz Werneck VIANNA. Liberalismo e sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1976. Cap. 3, 4 e 5. (c) Moniz BANDEIRA. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1973. Parte 3. (d) Glauco CARNEIRO. História das revoluções brasileiras. Rio de Janeiro. Ed. O Cruzeiro. 1965. V. 2, Cap. 16, 17, 18 e 19. (e) José Maria BELLO. A history of modem Brasil 18891964. Stan-ford, Stanford Univ. Press. 1968. p. 279-96.
  13. 13. Para a sucessão de conflitos políticos e sociais, conspirações e tentativas de golpe, vide (a) Leôncio BASBAUM, História sincera da república: de 1930 a 1960. São Paulo. Ed. Fulgor Lida., 1968. p. 13-101. (b) Edgard CARONE, op. cit. p. 283-378.
  14. Os integralistas foram a versão brasileira dos fascistas. Vide (a) Hélgio TRINDADE. A açâo integralista brasileira: aspectos históricos e ideológicos. Dados, Rio de Janeiro (10):25-60. IUPERJ, 1973. (b) Hélgio TRINDADE. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo. DIFEL, 1974. (c) José CHAZIN. O integralismo dc Plínio Salgado. São Paulo, Ed. Grijalbo. 1978. (d) Evaldo Amaral VIEIRA. Oliveira Vianna &. o estado corporativo. São Paulo. Ed. Grijalbo, 1976.
  15. Vide Eduardo de Oliveira e OLIVEIRA. Movimentos políticos negros no início do século XX no Brasil e nos Estados Unidos. Caderno de estudos sobre a contribuição do negro na formação social brasileira. Rio de Janeiro, Univ. Federal Fluminense, 1976. p. 6-10 (Instituto dc Ciências Humanas e Filosofia).
  16. A Aliança Nacional Libertadora, fundada em 1935 logo após a criação de frentes populares na Europa, aliança esto que foi considerada ilegal no mesmo ano. tornou-se a primeira organização política nacional das classes populares. Vide Ronald H. CHiLCOTE. The Brazilian communist party — 1922-1972. Oxford. Oxford Univ. Press. 1974.
  17. O. IANNI, op. cit. p. 49.
  18. Phillipc C. Schmitter fez um estudo aprofundado do corporativismo associativo moslrando-o como uma forma de articulação e exclusão dc interesses, o qual é ex-tremamente valioso para o entendimento desse período. Vide Interest. conflict and polilical change in Brazil. Califórnia. Stan-ford Univ. Press. 1971.
  19. Para uma análise completa de uma supervisão politicamente autoritária do movimento trabalhista brasileiro e das classes trabalhadoras, vide Kenneth Paul ERICKSON. The Brazilian corporative state and working class politics. Berkeley, Univ. of California Press, 1977.
  20. Vide Régia de Castro ANDRADE. Perspectives in the study of Brazilian populism. LARU Working Paper. Toronto, (2J):9-I7. s. ed., 1977.
  21. O conceito de bloco histórico é tomado a Antônio Gramsci. Em linhas gerais, um bloco histórico pode ser definido como a "unidade de estrutura e superestrutura, de elementos opostos e distintos", "ou seja, o conjunto complexo, contraditório e discordante das superestruturas é a reflexão do conjunto das relações sociais da produção". Vide (a) Q. HOARE A G. NOWELL-SMITH. op. cit. p. 137-38. 356-57. 366. 376-77. (b) A. GRAMSCI. II materialismo storico. Roma, Ed. Riuniti, 1971. p. 46-7. O conceito de bloco histórico é empregado como a "articulação interna de uma dada situação histórica", isto é, a integração e incorporação [articulação] de diferentes classes sociais [opostas] e categorias sociais [distintas] sob a liderança de uma classe dominante ou bloco de frações. Essa classe dominante ou bloco de poder consegue assegurar o consenso e o consentimento das classes e grupos subordinados e subalternos em decorrência de sua capacidade de definir e manter as normas de exclusão social e política. Assim, a tradução política da noção de bloco histórico é de hegemonia. No entanto, não se deve entender hegemonia como uma mera legitimação ou aquiescência a um conjunto de valores. pois ela envolve o exercício de diferentes formas de coerção na própria definição das básicas relações classistas de força. Sobre hegemonia e bloco histórico, vide (a) Hughes PORTELLI. Gramsci y el bloque histórico. México, Siglo XXI, 1979. p. 70-91, 119. (b) Maria Antoniclta MACCIOCHI. A favor de Gramsci. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. p. 148-50. O bloco histórico é então aufgehebt (preservado e encoberto, anulado e reproduzido) pelo Estado, isto é, pela "sociedade civil e política". Vide (a) Christine BUCI GLUCKSMANN. Gramsci e Io stato. Roma, Ed. Riuniti, 1976. p. 63-88. 95-140. (b) B. de G1OVANNI, V. GERRATA-NA &. L. PAGGL Egemonia, stato, partito in Gramsci. Roma, Ed. Riuniti, 1977.
  22. A burguesia industrial e os novos interesses ligados ao desenvolvimento empresarial precisavam de uma força nova — o "Novo Estado" — independente de qualquer compromisso ou condição anteriores, força esta que se tomaria o poder tutelar da nação. Não se esperava que o "Novo Estado" fosse o "árbitro" das classes já mencionadas, mas sim o supervisor de um bloco histórico liderado pela burguesia, no qual os interesses agrários tradicionais e outros fatores de pressão fossem acomodados. O Estado, aparentemente colocado acima e além das classes e diferenças regionais, tornou-se o partido de todo o bloco dominante. Contudo, o apelo burguês quanto a uma solução burocrático-militar para os problemas sociais e econômicos da industrialização não significava que os industriais e banqueiros se voltariam para uma apatia política. A burguesia não estava satisfeita com a exclusiva "dominação de seus interesses". Ela queria que seus próprios elementos e idéias governassem. Consequentemente, durante o Estado Novo (1937-1945) e mesmo após, figuras empresariais tiveram posições-chave no Executivo. Somente após a queda do Estado Novo é que os políticos tentaram generalizar as propostas parlicularistas do empresariado. A forma pela qual o Estado Novo foi aprovado pela burguesia pode ser vista em Edgard CARONE. A terceira república: 1937-1945. São Paulo, DIFEL, 1976. p. 349-97. Atenção especial deve ser dada à carta aberta a Getúlio Vargas publicada em O Estado de São Paulo, em 19 de abril de 1942, assinada pela Federação das Indústrias, pela Associação Comercial de São Paulo e por um grande número de corporações distintas. Vide também (a) Régis de Castro ANDRADE, op. cit. p. 15 e nota bibliográfica 23. (b) Eli DINIZ, op. cit. Cap. 2. p. 94-109.
  23. O termo "convergência de classes” aplica-se a uma situação onde diferentes classes se acham reciprocamente acomodadas no aparelho do Estado com um relacionamento contraditório e competitivo. Elas são basicamente reconciliáveis em decorrência de sua ligação estrutural, com domínio político servindo de mediador. Sobre essa convergência de interesses, vide Hamza ALAVI. The state in post colonial societies: Pakístan and Bangladesh. New Left Review, London, (74):59-82, s.d. Este capítulo foi estruturado basicamente a partir da análise de Hamza Alavi. Sobre a forma histórica concreta de tal convergência, vide L. MARTINS, op. cit. p. 114-20. Sobre a supremacia dos interesses industriais, vide E. DINIZ. op. cit. Cap. 4 e 5.
  24. Para interpretação do papel político e econômico do Estado Novo, vide (a) E. CARONE, A terceira... op. cit. p, 134 et passim. (b) L. BASBAUM. op. cit. p. 105-06. (c) E. CARONE, O Estado Novo: 1937-1945. São Paulo, D1FEL, 1976. (d) E. DINIZ. op. cit. Cap. 5 e 6. (e) L. MARTINS, op. cit. p. 202-66. 288-309.
  25. Para interpretações do papel político das Forças Armadas durante esse período, vide (a) Edmundo CAMPOS. Em busca de identidade: o exército e a política na sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1976. (b) E. DINIZ. op. cit. p. 292-93.
  26. Vide (a) Magda FRITSCHER. Desarrollo de la política nacionalista en Brasil. Latino América: anuário de estúdios latino-americanos, s. 1. (4):135, 1971. (b) Teotônio dos SANTOS. El nuevo carácter de la dependência. In: MAR, José Motos ed. La crisis del desarrollismo y la nueva dependendo. Buenos Aires, Amorrortu Ed., 1969. p. 64-5 (Instituto de Estúdios Peruanos). (c) Nelson Mello de SOUZA. Subdesenvolvimento industrial. Cadernos Brasileiros, Rio de Janeiro, 1967. p. 28-34. (d) Muria da Conceição TAVARES. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1975. p. 67-79. (e) W. DEAN. op. cit. (f) P. EVANS, op. cit.
  27. Sobre o papel cambiante do Estado, vide (a) P. EVANS, op. cit. p. 83-90. (b) E. DINIZ, op. cit. Cap. 6 e 7. (c) Oclavio IANNI. Estado y planificación econômica en Brasil: 1930-1970. Buenos Aires, Amorrortu Ed., 1971. p. 18-70.
  28. Vide (a) Paulo SINGER. A político das classes dominantes. In: Política e revolução .. op. cit. p. 86-90. (b) Francisco de OLIVEIRA, op. cit. Essa nacionalização foi apoinda de fato e até mesmo conduzida pelos próprios industriais. Vide E. DINIZ. op. cit. p. 103-05.
  29. Régis de Castro ANDRADE, op. cit. p. 9.
  30. E. DINIZ. op. cit. p. 76-7.
  31. Vide (a) Evaldo Amaral VIEIRA, op. cit. Cap. 3 e 4. (b) E. DINIZ. op. cit. p. 94-109.
  32. Sobre o conceito de "mobilização de bias", vide Peter BACHRACH &. Morton S. BARATZ. Two faces of power. The American Political Science Review, s. 1., 56:632-42, Dec. 1962.
  33. Em meados da década de trinta e início da década de quarenta, foram criadas ou reativadas quatro categorias de órgãos com o objetivo de apoiar a expansão industrial: a) os institutos destinados a regular o consumo e a produção nos setores agrários e extrativos; b) organismos destinados a aplicar medidas de incentivo para a indústria privada. como a Comissão de Similares, o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial, o Conselho Técnico de Economia e Finanças, ao passo que industriais dirigiam agências-chave de tomada de decisão como, por exemplo, o Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil — CEXIM; c) entidades que visavam a implementar a expansão ou inspeção de serviços básicos de infra-estrutura para a industrialização, como era o caso da Comissão do Vale do Rio Doce, Conselho de Águas e Energia, Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, Comissão do Plano Rodoviário Nacional, Comissão de Combustíveis e Lubrificantes, Conselho Nacional de Ferrovias e Comissão Nacional de Gasogênio; d) organismos destinados a participar diretamente das atividades produtoras, tais como mineração e siderurgia. Vide (a) Maria do Carmo Campello de SOUZA. Estado e partidos políticos no Brasil 1930 a 1964. São Paulo. Ed. Alfa-Omega. 1976. p. 98-100. (b) E. DINIZ. op. cit. p. 151, notas bibliográficas 1 e 2.
  34. E. Diniz, op. cit. p. 106-07.
  35. Entre 1930 e o final do Estado Novo em 1945, várias organizações de classe foram criadas como, por exemplo, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — FIESP, o Centro de Indústrias do Estado de São Paulo — CIESP, o Centro Industrial do Rio de Janeiro e as várias Associações Comerciais do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco, assim como a Confederação Industrial do Brasil e o Conselho Nacional de Indústrias. Seus líderes eram Roberto Simonsen (CBI), Euvaldo Lodi (CNI). João Daudt d'Oliveira (Associação Comercial), Ricardo Xavier da Silveira (Centro Industrial do Rio de Janeiro) e Vicente de Paula Galliez.
  36. Entre esses institutos ou conselhos de representação estavam os do açúcar e do álcool, da mandioca, trigo, algodão, café, fumo, sisal, óleos vegetais, vinho, pinho, carne e sal. Alguns produtores se faziam representar por Conselhos Regionais tais como o Instituto do Arroz, a Federação dos Produtores de Lã, o Instituto da Carne do Rio Grande do Sul e o Instituto do Cacau da Bahia.
  37. (a) M. Campello de SOUZA, op. cit. p. 85. (b) Philippe SCHMITTER. op. cit. p. 181-83. (c) E. DINIZ. op. cit. Cap. 4 e 6.
  38. E. DINIZ op. cit. p. 94-109. As ligações ideológicas e políticos entre o nacionalismo, o desenvolvimento industrial e o autoritarismo foram englobadas pela ideologia de desenvolvimento de Roberto Simonsen, ideologia esta fortemente influenciada por Mihail Manoilescu. Apesar de haverem rejeitado a adoção de uma Ideologia explicitamente integralista ou francamente fascista em decorrência de seus aspectos de mobilização e do elevado grau de autonomia que tal ideologia legava ao aparelho burocrático-mililar do Estado, os industriais adotaram muitos de seus princípios econômicos e políticos. Porém é importante observar que muitos empresários e profissionais como Pupo Nogueira, Antônio Gallotti, Conde Matarazzo, Rodolfo Crespi e Miguel Reale eram integralistas e apoiavam essa ideologia.
  39. O DASP foi criado em 1938 e sua figura-chave era Luís Simões Lopes, que se tomaria um dos diretores da Hannn Mining Co. Vide o Capítulo III deste livro. Para um relato sobre o DASP, vide (a) Maria Campello de SOUZA, op. cit. p. 96-8. (b) Lawrence GRAHAM. Civil Service reform in Brazil. Austin, Univ. of Texas Press, 1968. p. 27-30.
  40. T. dos SANTOS, op. cit. p. 23. Sempre que figuras burocráticas ou militares eram colocadas em posições de liderança dentro do novo aparelho do Estado, posições aparentemente dominantes, tais figuras se mostravam na realidade "funcionais” e em consequência verdadeiramente subalternas, em decorrência de seu compromisso com a ordem e o progresso empresarial. Ao envolver o desenvolvimento industrial em uma trama burocrático-mililar, o Estado dava a impressão de ser uma entidade onipresente, considerado tanto como um administrador imparcial quanto um franco benfeitor das "classes produtoras" (os industriais) e das classes trabalhadoras. Vide (a) P. SCHMITTER. op. cit. p. 181-82. (b) E. CARONE. A terceira... op. cit. p. 349-52. O bloco industrial-financeiro entrincheirou-se em torno da perícia da burocracia e do Exército, apoiado por um aparelho estatal cujo quadro de funcionários provinha das classes médias, as quais agiam objetivamente como classes auxiliares. O crescimento industrial equiparado ao desenvolvimento nacional reforçou o mito de um distanciamento ideal por parte do Estado. Pela mesma razão, a noção de construção nacional recebeu um conteúdo preciso e definido de classe. O Estado, ocultando a supremacia da burguesia, representou então um papel nacionalista enquanto desempenhava uma função de classe empresarial. Sobre o conceito de empresário, vide Fernando H. CARDOSO. Empresário industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo, DIFEL. 1972. Cap. 1, 3 e 4.
  41. Sobre o papel das Forças Armadas, vide (a) Maria Campello de Souza, op. cit, p. 101-04. (b) E. DINIZ. op. cit. p. 274.
  42. Sobre o conceito de "sociedade política", vide (a) Q. HOARE and G. NOWELL SMITH. op. cit. p. 12, 206-09, 268. (b) H. PORTELLI. op. cit. p. 27-44.
  43. Vide (a) P. EVANS, op. cit. Cap. 3. (b) E. DINIZ, op. cit. Cap. 3. 5 e 6 (c) W. DEAN. op. cit. p. 209-39.
  44. Para uma descrição da legislação trabalhista brasileira, vide (a) José Albertino RODRIGUES. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São Paulo, DIFEL, 1968. (b) Kenneth ERICKSON. op. cit. p. 27-46.
  45. Vide (a) Richard BOURNE. Getúlio Vargas of Brazil 1883-1954. London. Charles Knight & Co. Ltd., 1974. Cap. 4 (b) L. MARTINS, op. cit. p. 309-20. (c) Moniz BANDEIRA. Presença... op. cit. Cap. 38.
  46. Sobre o conceito de "sociedade civil", vide (a) Q. HOARE & G. NOWELL-SMITH. op. cit. p. 12-13, 235-38, 245. (b) H. PORTELLI. op. cit. p. 13-26, 30-44.
  47. (a) E. DINIZ. op. cit. Cap. 6. (b) P. SCHMITTER. op. cit. p. 182-83.
  48. Vide Caio Navarro de TOLEDO. ISEB: fábrica de ideologias: análise de uma instituição. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências de Assis. 1973. Mimeografado.
  49. Para um entendimento da profunda ligação entre a indústria local e os interesses multinacionais em decorrência da dependência tecnológica, vide Werner HAAS. A contribuição do know-how estrangeiro à indústria brasileira. São Paulo, Ed. BANAS, 1961.
  50. Sobre o papel de liderança do industrial local em sua associação com o capital estrangeiro e seus esforços para estimular o investimento estrangeiro no Brasil, vide E. DINIZ. op. cit. p. 160-68.
  51. P. SCHMITTER. op. cit. p. 182-83.
  52. Sobre o significado e usos das noções de estado cartorial e estado patrimonial, vide (a) Roymundo FAORO. Os donos do poder. Rio de Janeiro. Ed. Globo. 1958. (b) Riordan ROETT. Brazil: polilies in a patrimonial society. Boston, Allyn & Bacon. 1972. p. 27-32. (c) Hélio JAGUARIBE. The dynamics of Brazilian nationalism. In: VELIZ, Cláudio, ed. Obstacles to change in Latin America. London, Oxford Univ. Press, 1965. p. 162-87.
  53. Sobre o papel da FEB, vide A. STEPAN. The military in politics: changing patterns in Brazil. Princeton, Princeton Univ. Press, 1971. p. 87, 117, 128.
  54. L. MARTINS, op. cit. p. 132. Ainda não existe uma análise histórica apropriada do PSD e do PTB. Sobre a UDN, vide Octávio DULCI. A União Democrática Nacional e o antipopulismo no Brasil. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Univ. Federal de Minas Gerais, 1977.
  55. O populismo tem recebido várias interpretações. Para efeito da presente análise, será considerado o populismo como o bloco histórico construído pelas classes dominantes dentro das condições particulares do Brasil, isto é, a integração e articulação de diferentes classes sociais sob a liderança de um bloco de poder oligárquico-industrial. Mesmo sendo a forma que tentou encobrir a supremacia de classe desse bloco de poder, o populismo permitiu a existência de um espaço político no qual as classes trabalhadoras foram capazes de expressar algumas de suas reivindicações e de desenvolver formas organizacionais que tentaram quebrar a camisa-de-força ideológica e política populista. Vide o Capítulo IV deste livro para maiores discussões sobre o assunto. Para análises sugestivas do populismo. vide (a) Michael Lee CONNIFF. Rio de Janeiro during the great depression 1928-1937: social reform and the emergence of populism. Tese de doutorado. Stanford Univ., 1976. (b) Régis de Castro ANDRADE, op. cit. (c) Transcrições da conferência de 1978 na Univ. de Toronto: Populism and conceptualization of popular ideologies. LARU Studies, Toronto. 3(2-3), s.d. Edição especial. (d) Ernesto LACLAU. Politics and ideology in marxist theory: capitalism, fascism, populism. London. NLB. 1977. p. 143-99. (e) Fernando Henrique CARDOSO. Ideologias de Ia burguesia industrial en sociedades dependientes. México, Siglo XXI. 1972 (f) Francisco WEFFORT. El populismo en Ia política brasileña. In: Brasil hoy. op. cit.
  56. A deposição de Getúllo Vargas foi auxiliada pelo embaixador americano Adolf Berle, que desencadeou a série de acontecimentos que levou à derrubada do poder. Vide Arthur SCHLESSINGER. A thousand days. Estados Unidos. Dell Paperback, 1967. p. 66.
  57. M. CAMPELLO. op. cit. p. 64.
  58. Régis de Castro ANDRADE, op. cit. p. 26-7.
  59. Osvaldo Trigueiro do VALE. O General Dutra e a redemocralização de 45. Rio de faneiro. Civilização Brasileira, 1979.
  60. Vide Octavio IANNI. Estado... op. cit. p. 84-97. Sobre a formação da ESG e seu significado político, vide A. STEPAN. op. cit. Cap. 8.
  61. Sobre a FIESP e o CIESP, vide P. SCHMITTER. op. cit. p. 180-205.
  62. Os objetivos específicos do SESl eram ‘'estudar, planejar e orientar, direta ou indiretamente, os meios que contribuem para o bem-estar social dos trabalhadores industriais e objetivos semelhantes”. Embora a sua função imediata fosse baixar o custo de vida concedendo vários benefícios aos trabalhadores, o SESl procurou também abafar o protesto político "através da estimulação do sentimento e espírito de justiça social entre as classes”. O objetivo a longo prazo era lançar a “base ideológica e atitudinal para a sociedade industrial capitalista”. O SESl visava a “educação social" dos trabalhadores divididos em grupos pequenos, proporcionando "uma compreensão clara de seus deveres frente à comunidade” e mostrando-lhes "a possibilidade de uma melhoria profunda em suas condições econômicas, sociais e morais... sem que se tornasse necessária uma revolução ou uma ruptura das tradições da nossa civilização cristã”. A concepção de Simonsen ultrapassava os limites de uma doutrinação crua. Os trabalhadores deveríam ser também instruídos quanto a “seus direitos dentro das leis trabalhistas e no fato de terem advogados à sua disposição", ao passo que se tornava necessário ensinar técnicas organizacionais aos líderes dos classes trabalhadoras e apoiar financeiramente suas associações. Somente um movimento trabalhista forte, bem organizado e bem informado poderia assegurar o tipo de paz social imaginado por Simonsen como a base da sociedade industrializada brasileira. A estratégia empresarial envolvia também a educação social dos empregadores, “explicando a eles a função social da propriedade privada, tornando-os familiarizados com as limitações necessárias do poder econômico e político para a realização de uma democracia capitalista". P. SCHMITTER. op. cit. 1971. p. 185-86. Entre os participantes desses cursos achava-se um jovem professor, Jânio Quadros, que se tornaria presidente em 1961 como o candidato das grandes empresas. Vide o Capítulo IV deste livro.
  63. Alberto Pasqualini, ideólogo expoente do PTB e um dos maiores colaboradores de Getúlio Vargas na criação do partido no Rio Grande do Sul, Estado natal dessas duas figuras políticas, explicou que: “Eu não sou um homem de esquerda ou de direita. Certamente não sou um socialista. Penso apenas que a burguesia deveria dar uma certa contribuição. Há muito egoísmo entre os ricos. A mim me parece que os burgueses estão se tornando cada vez mais cegos e surdos”. Vide R. BOURNE. op. cit. p. 148.
  64. F. C. CARDOSO. Ideologias... op. cit. Cap. 2.
  65. S. HUNTINGTON & C. MOORE. op. cit. p. 510.
  66. E. ERICKSON. op. cit. Cap. 2. 3 e 4. A intensa migração interna de trabalhadores sem tradição política que vinham de áreas rurais atrasadas para a cidade, os quais eram responsáveis pela composição “rural-urbana” das classes trabalhadoras, explica em grande parte a ingenuidade política da massa Industrial brasileira. Vide Octavio IANNI. Crisis in Brazil. New York, Columbla Univ. Press, 1970. p. 51.
  67. Através do peleguismo estabeleceram-se, entre outras, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na indústria (CNTJ), a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) em 1946, a Confederação Nacional de Trabalhadores cm Empresas de Crédito (CONTEC) em 1958, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Marítimos, Aéreos e Fluviais (CONTTMAF) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e Publicidade (CONTCP) em 1960. Um controle maior foi exercido através de um sistema de proteção política que mantinha os sindicatos dependentes do Ministério do Trabalho pela administração dos recursos financeiros. O. IANNI. op. cit. p. 51.
  68. Para uma análise da ideologia de Adhemar de Barros, político e empresário sagaz, proprietário da Carbonífera Brasileira S.A., vide Guita Grin DEBERT. Ideologia e populismo. São Paulo, T. A. Queiroz Ed. Ltda., 1979. Cap. 3.
  69. Sobre as relações entre o Executivo e o Congresso, vide (a) Sérgio ABRANCHES. O processo legislativo: conflito e conciliação na política brasileira. Dissertação de mestrado. Univ. de Brasília, 1973. p. 1-15. Mimeografado. (b) Celso LAFER. O sistema político brasileiro. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1975. p. 62-8.
  70. Vide R. BOURNE. op. cit. p. 160-61.
  71. Sobre uma análise da ideologia de Carlos Lacerda, vide Guita GRIN. op. cit. Cap. 5.
  72. Para uma avaliação dessa fase e das questões-chave envolvidas, vide Moniz BANDEIRA. Presença... op. cit. Cap. 40-42.
  73. Francisco de OLIVEIRA. A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro, Grani, 1977. p. 79-80.
  74. Para uma discussão das tendências nacionalistas da segunda administração de Getúlio Vargos, entre 1950 e 1954, vide (a) O. IANNI. Estado... op. cit. p. 98-123. (b) Gabriel COHN. Petróleo e nacionalismo. Sno Paulo, DIFEL, 1968. (c) Medeiros LIMA. Jesus Soares Pereira: petróleo, energia elétrica, siderurgia: a lula pela emancipação. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1975. (d) Moniz BANDEIRA, op. cit. p. 323-65. (e) John D. WIRTH. The politics of Brazilian development. Stanford, Stanford Univ. Press. 1970.
  75. (a) R. BOURNE. op. cit. p. 161-64. (b) G. COHN. op. cit.
  76. (a) Hélio JAGUARIBE. Political strategies of national development in Brazil. Studies in Comparative International Development. St. Louis, Missouri, 3(2):31-2, 1967/8. (Social Science Institute, Washington Univ.). (b) R. BOURNE. op. cit.
  77. Uma versão da competição e colaboração desses interesses é apresentada em P. EVANS op. cit. p. 131-43.
  78. (a) M. BANDEIRA, op. cit. p. 363-65. (b) R. BOURNE. op. cit. p. 185-97.
  79. Eugênio Gudin era um dos diretores da Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil, da Electric Bond & Share Co. — EBASCO (I.T.T.), das Empresas Elétricas Brasileiras, da Cia. Paulista de Força e Luz (AMFORP) e da Standard Oil. Ele era também um economista importante da Fundação Getúlio Vargas.
  80. (a) Frank ACKERMAN. Industry and imperialism in Brazil. Review of Radical Polítical Economics, s.l., 3(4):17-21, Spring 1971. (b) Nathaniel LEFF. Economic policy-making and development in Brazil 1946-1964. Estados Unidos. John Wiley & Sons, 1968. p. 59-66. (c) R. NEWFARMER & W. MUELLER. op. cit. p. 97. (d) M. BANDEIRA. op. cit. p. 365-72.
  81. Hélio JAGUARIBE, Problemas do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967. p. 12.
  82. Para análises do modelo de desenvolvimento propiciado por Juscelino Kubitschek e do seu período político, vide (a) O. IANNI. Estado... op. cit. p. 124-64. (b) Carlos LESSA. Quinze anos de política econômica. Cadernos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. São Paulo, UNICAMP, Ed. Brasiliense, 1976. (c) Mana Victoria de Mesquita BENEVIDES. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade politica 1956-1961. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. p. 199-240.
  83. Celso LAFER. The planning process and the political system in Brazil: a study of Kubitschek’s target plan — 1956-1961. Ithaca, Cornell Univ., Dissertation Series n. 16. 1970. (Latin American Studies Program)
  84. F. de OLIVEIRA, op. cit. p. 854.
  85. Em 1959, havia mais de 400 empresas de origem americana operando no Brasil. Vide ESG. Documento n. Tg-10-59. p. 17. Os interesses industriais locais mostravam uma tendência marcante a se ligarem a companhias oligopolistas multinacionais. Vide Nelson de Mello e SOUZA. op. cit. p. 28-9. Não é de se surpreender, portanto, que a terça parte das empresas multinacionais americanas entrou originalmente no mercado brasileiro através da aquisição e não arriscando investimento novo. Além disso, entre 1960 e 1972, a quarta parte do aumento no ativo das firmas americanas deveu-se ao fato de elas haverem assumido o controle de outras firmas. E mais ainda, houve uma mudança na escolha setorial de penetração por parte do investimento americano direto. Enquanto em 1929 o investimento americano era responsável por 64% do comércio, utilidades públicas e outros e somente por 24% da manufatura, deixando 12% para os setores extrativo e primário, em 1950 os números eram, respectivamenle. 39%, 44% e 17%, sendo que o investimento em manufatura mostrava uma marcada tendência para um crescimento contínuo. Em 1929, o valor contábil do investimento americano direto era de 194 milhões de dólares e em 1946 esse valor atingiu 323 milhões de dólares. Em 1950 o valor era de 644 milhões de dólares, chegando a 953 milhões de dólares em 1960. Vide P. EVANS. Continuity and contradiction in lhe evolution of Brazilian dependence. Latin American Perspectives. s.l. 3(2):44. Spring 1976
  86. (a) F. de OLIVEIRA. A economia... op. cit. p. 85. 116-17 (b) M. BANDEIRA. op. cit. p. 375. (c) H. Ferreira LIMA. Capitais europeus no Brasil. Revista Brasiliense. Rio de Janeiro, (4):45-64, mar./abr. 1956.
  87. O resultado das diretrizes políticas de Juscelino Kubitschek foi extraordinário. Indústrias que em 1949 importavam mais do metade de seu estoque tornaram-se centros-chave de crescimento para os setores industriais. Entre 1949 e 1962, a indústria química proporcionava 14,8% do crescimento total, seguida pelo setor de transportes com 14,4%, metais com 11,3%, industrialização de alimentos com 10,8% e pela indústria têxtil com 8,9%. A quota de crescimento total da produção das empresas multinacionais foi estimada em 33.5% durante a expansão manufatureiro de 1949 a 1962 e em 42% no que dizia respeito ao crescimento da indústria de substituição de importações. Vide R. NEW-FARMER & W. MUELLER. op. cit. p. 97.
  88. Em 1955, Roberto Campos fez comentários extraordinariamente francos sobre o que seria a base lógica do período de Juscelino Kubitschek: "Optar pelo desenvolvimento implica a aceitação da idéia de que é mais importante maximizar o índice de desenvolvimento econômico do que corrigir desigualdades sociais. Se o ritmo de desenvolvimento for rápido, a desigualdade pode ser tolerada e controlada com o tempo. Se o ritmo de desenvolvimento cair em decorrência de incentivos inadequados, praticar a justiça distributiva transforma-se em participação na pobreza. Obviamente, isso não quer dizer que se deva deixar sem controle os instintos predatórios que ocasionalmente se acham presentes em certos setores capitalistas. Isso significa meramente, dentro do nosso estágio de evolução cultural, que a preservação de incentivos para o crescimento da produção deve ter prioridade sobre medidas que visem a sua redistribuição". Vide Thomas SKIDMORE. Politics in Brazil 1930-1964: an experiment in democracy. Oxford. Oxford Univ. Press, 1967. p. 387, nota bibliográfica.
  89. C. LAFER op. cit. p 89.
  90. H. JAGUARIBE. Political strategies... op. cit. p. 40. Contrariamente a argumentos neoweberianos, o desenvolvimento de burocracias governamentais não apresentava normas implícitas de tratamento universal para casos semelhantes de acordo com um código de regras. Ao contrário, as burocracias governamentais incorporavam o antigo sistema de nomeação paternalista de familiares e amigos. Vide C. LAFER. op. cit. p. 67.
  91. O empresário Antônio Carlos do Amaral Osório, que teria um papel muito importante nos acontecimentos que Ievariam à queda de João Goulart, observou posteriormente que a industrialização de Juscelino Kubitschek "gerou uma série de problemas dentro das estruturas econômicas, sociais e políticas. No campo da administração pública, [a industrialização] teve repercussão com a criação de uma série de organizações paralelas dentro do Estado... com o propósito de satisfazer as necessidades que surgiam em conseqüência de problemas econômicos e sociais que se acumulavam". Vide também L. MARTINS, op. cit. p. 136. Vide A. C. do Amoral OSÓRIO. O Estado revolucionário e o desenvolvimento econômico. In: O processo revolucionário brasileiro. Rio de Janeiro, AERP, 1969. p. 114.
  92. Vide P. EVANS. Dependent... op. cit. Cap. 4 e 5.
  93. F. de OLIVEIRA, op. cit. p. 39-40.
  94. C. LESSA. op. cit. p. 65.
  95. Em princípios da década de sessenta, as alternativas de um desenvolvimento nacionalista liderado pelo Estado ou de associação com interesses estrangeiros e desenvolvimento integrado reapareceram como um dilema crucial. A posição contra o Estado foi amplamente defendida por figuras militares influentes como o Marechal Ignácio José Veríssimo, que era então um importante ativista antipopulista. Durante uma reunião da FIESP, o Marechal Veríssimo advertiu que “Quando brasileiros presenciam, sem piscar os olhos, a ação do Estado para se tornar o chefe supremo do ferro através do complexo de Volta Redonda e da Companhia Vale do Rio Doce, o chefe supremo do transporte ferroviário através da Rede Ferroviária Federal, o grande construtor de navios através da Lóide, ITA, Navegação do Prata e Navegação da Amazônia, o chefe supremo de uma série completa de atividades econômicas através dos Institutos do Sal, Pinho, Café, Açúcar e outros e, mais ainda, para se tomar proprietário de estações de rádio, jornais, apropriando-se de empresas de energia elétrica e tornando-se o produtor único de petróleo, possuindo indústrias produtoras de álcali, automóveis, alimentos, calçados etc., quando brasileiros presenciam tais acontecimentos sem se perturbar, então eles estão cometendo "harakiri" [sic] moral." Palestra proferida pelo Marechal J. Veríssimo na FIESP, transcrita em O Estado de São Paulo de 20 de fevereiro de 1963.
  96. Uma análise do papel do ISEB — Instituto Superior de Estudos Brasileiros no desenvolvimento de tal idéia é apresentada em M. BENEVIDES. op. cit. p. 241-43.
  97. Os trabalhadores industriais aumentaram de 450.000 em 1930 para 2.100.000 em 1960, número este que quase dobrou de 1950 até o final do período de Juscelino Kubitschek. Vide Edmundo Macedo SOARES. ESG. Documento n. C-25-63. p. 22-3.
  98. Sobre a ideologia do desenvolvimento como consolidação de um processo hegemônico, vide Miriam Limoeiro CARDOSO. La ideologia dominante. México, Siglo XXI, 1975.
  99. H. JAGUARIBE. Polilical Strategies... op. cit. p. 37.
  100. Sobre o conceito de classes populares, vide Francisco C. WEFFORT. Classes populares e política. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia. Ciências e Letras da Univ. de São Paulo, 1968. p. I. Sobre a noção de classes, vide F. C WEFFORT. Política de massas. In: Política e revolução social no Brasil, p. 173-71.
  101. Para uma análise do "Bonapartismo janista". vide (a) Hélio JAGUARIBE. Economic and polilical development: a theoretical approach and a Brazilian case sludy. Cambridge, Mass., Harvard Univ. Press, 1968. p. 184. (b) Carlos Estevam MARTINS. Brasil — Estados Unidos dos anos 60 aos 70. Lima, Instituto de Estudios Peruanos, set. 1972 (trabalho para o Seminar on Polilical Relations between Latin America and USA).
  102. O termo bloco nacional-reformista designa a "frouxa" composição das forças políticas representadas no círculo ao redor de João Goulart e que favorecia as diretrizes políticas da industrialização nacionalista fortemente apoiada pelo Estado, a reforma agrária com distribuição de terra, a nacionalização dos recursos naturais, medidas para o bem-estar social, uma política externa neutralista ou alinhada ao Terceiro Mundo, um forte controle das corporações multinacionais e até mesmo a desapropriação em muitos casos. É importante observar que João Goulart repetiu, dez anos mais tarde, o mesmo modelo de composição de ministério e implementação de diretrizes políticas que havia sido usado por Getúlio Vargas. Esse fato levou, posteriormente, à própria queda de João Goulart, depois de perder o apoio das classes dominantes como um todo.