Biblioteca:Partido Comunista Brasileiro/Ainda sobre a chamada Plataforma Mundial Anti-imperialista

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Ainda sobre a chamada Plataforma Mundial Anti-imperialista
Escrito porIvan Pinheiro
Publicado 1ª vez3 de junho de 2023
FonteRevista Opera


Há mais de um mês, divulguei a meu círculo de contatos informações sobre o surgimento de uma eclética Plataforma Mundial Anti-imperialista (PMAI), criada em outubro do ano passado, e que, em apenas 7 meses, já realizou quatro reuniões internacionais, com a presença média de 25 organizações, entre partidos, coletivos e movimentos comunistas, social-democratas e nacionalistas, alguns também criados recentemente. No que se refere aos PCs, são poucos os que têm alguma ligação com o Movimento Comunista Internacional, que realiza anualmente seus Encontros (EIPCOs) e tem o portal Solidnet como fonte unitária de informação e articulação.

Estranhando a presença do PCB no evento, declarei:

“Há uma demanda por um debate coletivo inadiável para os comunistas: o que é o imperialismo hoje? E ele só pode ser bem resolvido se precedido de outro debate decisivo: em que se transformou o chamado ‘socialismo de mercadochinês? Sem isso, não conseguimos entender, como coletivo, a guerra na Ucrânia e nem a espetacular visita de Lula à China”.

Tendo tomado conhecimento desta iniciativa através da leitura de notas críticas a seu respeito, divulgadas por Partidos Comunistas com os quais me identifico,[1] pesquisei os arquivos da tal plataforma para entender seus objetivos políticos e, para minha surpresa, acabei descobrindo que o PCB participa oficialmente de seus encontros. Os três primeiros realizaram-se, respectivamente, em Paris (outubro 2022), Belgrado (dezembro 2022) e Caracas (março 2023), tendo dirigentes do partido participado do segundo, de forma virtual, e presencialmente do terceiro, neste representado por seu Secretário Geral.

Na capital venezuelana, o anfitrião foi o partido do Presidente Nicolás Maduro (PSUV) e a presidência da mesa diretora do evento esteve a cargo da Comissão Internacional de um denominado Partido da Democracia Popular, da Coreia do Sul, organização que criou e coordena a plataforma.

O PCV (Partido Comunista de Venezuela), com o qual o PCB historicamente tem fraternas relações, não foi convidado a participar do encontro de Caracas, ao qual provavelmente não compareceria, tanto em função de sua linha política como por estar sendo vítima de perseguição e tentativa de cassação de seu registro por parte do próprio partido do governo.

Ainda que até hoje não tenha sido divulgado nos meios de comunicação do PCB qualquer informe sobre a participação do partido nesta articulação, que remonta a dezembro de 2022, o Secretário de Relações Internacionais do partido participou presencialmente, nos dias 13 e 14 do passado mês de abril (há mais de 50 dias), do já quarto encontro internacional da PMAI, realizado desta vez em Seul (Coreia do Sul), como se verifica no material de divulgação da própria plataforma.

O anfitrião e dirigente deste quarto encontro foi exatamente o mesmo citado Partido da Democracia Popular, da Coreia do Sul, que já presidira o realizado em Caracas, e sobre o qual ainda não tenho informações suficientes, além da percepção de seu equivocado entendimento sobre a atualidade do imperialismo, a relação estreita e solidária com a Rússia e a China, a defesa da reunificação da Coreia e da leitura de um resumo das conclusões de seu recente III Congresso (que também contou com a presença do Secretário de RI do PCB), e cujo tema principal parece ter sido a definição da “Teoria da Revolução do Século XXI”, descrita nos seguintes termos:

“A teoria da revolução do século XXI é centrada nas pessoas combinada com ciência avançada. ‘Centrado nas pessoas’ refere-se às revoluções políticas do século XXI, enquanto ‘Ciência avançada’ refere-se à revolução científica do século XXI. O objetivo da revolução política do século 21 é construir a política para o povo e pelo povo”.[2]

Os objetivos dessas minhas mensagens a respeito dessa PMAI, camaradas, são o de contribuir para deixar clara a necessidade dos debates que tenho sugerido e provocar uma reflexão coletiva sobre esta mudança radical de postura do PCB no âmbito das relações internacionais e do entendimento do caráter da guerra na Ucrânia, levando em conta as vigentes resoluções do seu recente XVI Congresso[3] e a única nota política divulgada publicamente até hoje pelo CC sobre a guerra na Ucrânia,[4] da qual basta citar uma breve passagem para perceber a incoerência com a linha política da plataforma:

“Os interesses das burguesias estadunidense e russa são evidentes nessa luta pela partilha do mundo capitalista e a guerra não interessa aos trabalhadores”.

No entanto, pelo que se observa nas declarações políticas dos seus já quatro encontros, a principal razão de ser da criação desta recente articulação é o apoio irrestrito e incondicional à chamada “operação especial” da Rússia na Ucrânia e à China, tendo em vista que, negando os estudos de Lênin a respeito, seu anti-imperialismo é apenas parcial, contra potências agressivas, como se vê nesta e em várias conclusões da plataforma:

“Rússia e China não são potências imperialistas agressivas, pelo contrário, são o alvo de nossos inimigos porque se colocam no caminho da completa dominação global dos EUA”.[5]

Desta forma, a luta contra o imperialismo se resume à forma de seu exercício e não à sua natureza, trazendo assim a ilusão de que o lado pacífico das potências em disputa jamais recorrerá à força das suas armas, salvo para fins defensivos próprios ou por mera solidariedade humanitária a países mais fracos. Este anti-imperialismo seletivo chega ao ponto de a recente Declaração de Seul da PMAI, aprovada pelas organizações presentes, esconder a contradição principal entre capital e trabalho e, desta forma, desarmar mundialmente o proletariado, ao declarar textualmente:

“A principal contradição do mundo de hoje é aquela entre o bloco imperialista da OTAN liderado pelos EUA e a massa da humanidade sofredora”.

Não tenho informações sobre em que instância se deu a decisão favorável à adesão do PCB a esta plataforma internacional, se na CPN ou no pleno do CC, do qual me afastei em junho do ano passado, em carta reservada a seus membros na qual expus minhas razões, mantendo-me nos quadros do partido.

Mas é preciso estar atento para algumas questões que podem não ter sido corretamente ponderadas pelos camaradas que decidiram promover esta surpreendente inflexão política.

Uma de minhas preocupações é que a reiterada participação nesta plataforma nos afaste cada vez mais do campo revolucionário dos Partidos Comunistas ao qual decidimos nos alinhar desde o XIII Congresso do PCB (2005), posição ratificada no recente XVI Congresso (2021).

Aliás, como se pode verificar na listagem das organizações que participam da plataforma, nela estão ausentes não apenas os partidos deste campo revolucionário. Não participa tampouco a maioria esmagadora dos partidos que compõem o MCI, inclusive aqueles que, apesar de nossas divergências, merecem respeito por suas trajetórias e pelo peso político de que ainda desfrutam em seus respectivos países. Há partidos que só compareceram a um dos primeiros encontros, provavelmente para se informar a respeito, e não mais retornaram. De nosso país, além do PCB, o único outro partido que tem participado dessa PMAI é o PCdoB.

A propósito, a evidência de que todas as despesas de transporte aéreo e estadia dos delegados das organizações presentes nesses encontros sejam custeadas integralmente pelos seus principais interessados e o ritmo frenético de um evento mundial em média a cada dois meses, em diferentes continentes, devem servir de reflexão e estudo sobre qual a principal razão de ser da criação e financiamento desta plataforma, que se orienta na contramão do marxismo-leninismo e na defesa acrítica e irrestrita dos interesses estratégicos de potências que disputam a hegemonia mundial da cadeia imperialista, da qual são parte.

Outro aspecto que precisa ser ponderado é o risco de que a iniciativa da criação desta eclética plataforma se consolide em uma espécie de internacional anti-imperialista (seletiva e, como vimos, nem tanto anticapitalista), que acabe resultando em uma divisão do Movimento Comunista Internacional.

Em um partido que se declara fundado no centralismo democrático, é preocupante que a sua militância, ao que parece, não saiba da participação do PCB nesta articulação e muito menos das razões políticas que a inspiraram. Afinal de contas, esses encontros mundiais não são clandestinos, tanto é assim que se realizam em locais públicos e com ampla divulgação em suas mídias, inclusive da relação das organizações presentes, dos nomes completos, fotografias e declarações dos participantes.

O centralismo democrático é uma via de mão dupla. Só tem autoridade política para exigi-lo a direção que o pratica!

Quando há falta de informação e debates e as divergências são resolvidas apenas pela via disciplinar, pelo silenciamento, “cancelamento” ou “apagamento” de camaradas e, mais ainda, quando importantes decisões são tomadas por poucos, no silêncio cúmplice e oportunista da maioria de seus pares e às escondidas do coletivo, é porque chegou a hora de rever e retificar os métodos de direção. Antes que seja tarde!

Notas

  1. https://lavrapalavra.com/2023/04/11/plataforma-mundial-anti-imperialista/https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/pc-do-mexico-nota-sobre-la-reuniao-em-241005
  2. https://wap21.org/?p=3344
  3. Ponto 130 – Resoluções do XVI Congresso: “O PCB respeita a diversidade de opiniões existente no atual Movimento Comunista Internacional e busca estabelecer um diálogo com todos os partidos comunistas do mundo, para trocar avaliações acerca dos processos políticos em curso e coordenar ações comuns contra a ofensiva burguesa. No entanto, o PCB deve privilegiar aproximações e ações políticas com os partidos do bloco revolucionário, que se articulam em espaços como a Iniciativa Comunista Europeia e a Revista Comunista Internacional, preservada a nossa autonomia política.” Ponto 134 – Resoluções do XVI Congresso: “A China assume uma importância regional cada vez maior na Ásia, com protagonismo mundial geopolítico e econômico. Nos últimos 40 anos, a redução da pobreza na China impactou em mais de 70% na redução da pobreza mundial. O país é dirigido por um partido comunista que se compreende fiel ao marxismo-leninismo, dirigindo um processo de longa duração histórica de transição socialista. Cabe ao PCB buscar maior estudo e aprofundamento sobre essas experiências, assim como intensificar intercâmbio cultural e político com o Partido Comunista Chinês, como forma de melhor compreendê-lo. A despeito da ausência de posição fechada sobre o caráter socialista ou não desses países, nosso Partido deve defender a China dos ataques do imperialismo e da propagando orientalista, racista e anticomunista produzida pelos monopólios de mídia ocidentais.
  4. Declaração Política sobre a crise militar na Ucrânia – https://pcb.org.br/portal2/28478
  5. https://wap21.org/?p=2607