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Sobre o materialismo dialético e o materialismo histórico

Da ProleWiki, a enciclopédia proletária
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Sobre o materialismo dialético e o materialismo histórico
Escrito em1938
Publicado 1ª vezsetembro de 1938
TipoLivreto
FonteMarxists Internet Archive

O materialismo dialético é a concepção filosófica do partido marxista-leninista. Chama-se materialismo dialético, porque o seu modo de abordar os fenômenos da natureza, seu método de estudar esses fenômenos e de concebê-los, é dialético, e sua interpretação dos fenômenos da natureza, seu modo de focalizá-los, sua teoria, é materialista.

O materialismo histórico é a aplicação dos princípios do materialismo dialético ao estudo da vida social, aos fenômenos da vida da sociedade, ao estudo desta e de sua história.

Caracterizando seu método dialético, Marx e Engels se referem com frequência a Hegel como o filósofo que formulou os princípios fundamentais da dialética. Mas isso não quer dizer que a dialética de Marx e Engels seja idêntica à dialética hegeliana. Na realidade, Marx e Engels só tomaram da dialética de Hegel sua "medula racional", abandonando o invólucro idealista hegeliano e desenvolvendo a dialética, para dar-lhe uma forma científica atual.

“Meu método dialético — diz Marx — não só é fundamentalmente diverso do método de Hegel, mas é, em tudo e por tudo, o seu reverso. Para Hegel o processo do pensamento que ele converte inclusive em sujeito com vida própria, sob o nome de idéia, é o demiurgo (criador) do real e este, a simples forma externa em que toma corpo. Para mim, o ideal, ao contrário, não é mais do que o material, traduzido e transposto para a cabeça do homem”.[1]

Na caracterização de seu materialismo, Marx e Engels se referem com frequência a Feuerbach, como o filósofa que restaurou os direitos do materialismo. Mas isso não quer dizer que o materialismo de Marx e Engels seja idêntico ao materialismo de Feuerbach. Na realidade, Marx e Engels só tomaram do materialismo de Feuerbach sua "medula", desenvolvendo-a até convertê-la na teoria científico-filosófica do materialismo, e desprezando sua escória idealista e ético-religiosa. É sabido que Feuerbach, que era no fundamental um materialista, se rebelava contra a nome de materialismo. Engels declarou mais de uma vez que

“apesar da base materialista, Feuerbach não chegou a desprender-se dos vínculos idealistas tradicionais”,

e que

“onde o verdadeiro idealismo de Feuerbach se põe em evidência, é em sua filosofia da religião e em sua ética.”[2]

A palavra dialética vem do grego dialegos, que quer dizer diálogo ou polêmica. Os antigos entendiam por dialética a arte de descobrir a verdade evidenciando as contradições implícitas na argumentação do adversário e superando essas contradições. Alguns filósofos da antiguidade entendiam que o descobrimento das contradições no processo discursivo e o choque das opiniões contrapostas era o melhor meio para encontrar a verdade. Esse método dialético de pensamento, que mais tarde se fez extensivo aos fenômenos naturais, converteu-se no método dialético de conhecimento da natureza, consistente em considerar os fenômenos naturais como sujeitos a perpétuo movimento e transformação e o desenvolvimento da natureza como o resultado do desenvolvimento das contradições existentes nesta última, como o resultado da ação mútua das forças contraditórias no seio da natureza.

A dialética é, fundamentalmente, o contrário da metafísica.

O método dialético marxista se caracteriza pelos seguintes princípios fundamentais:

a) Em oposição à metafísica, a dialética não considera a natureza como um conglomerado casual de objetos e fenômenos, desligados e isolados uns dos outros e sem nenhuma relação de dependência entre si, mas como um todo articulado e único, no qual os objetos e os fenômenos se acham organicamente vinculados uns aos outros, se interdependem e se condicionam mutuamente.

Por isso, o método dialético entende que nenhum fenômeno da natureza pode ser compreendido, se focalizado isoladamente, sem conexão com os fenômenos que o cercam, pois todo fenômeno, tomado de qualquer campo da natureza, pode converter-se em um absurdo, se examinado sem conexão com as condições que o cercam, desligado delas; e pelo contrário, todo fenômeno pode ser compreendido e explicado, se examinado em sua conexão indissolúvel com os fenômenos circundantes e condicionado por eles.

b) Em oposição à metafísica, a dialética não considera a natureza como algo quieto e imóvel, parado e imutável, mas como sujeito a perene movimento e a mudança consoante, renovando-se e desenvolvendo-se incessantemente, onde há sempre alguma coisa que nasce e se desenvolve, morre e caduca.

Por isso, o método dialético exige que se examinem os fenômenos, não só do ponto de vista de suas relações mútuas e de seu mútuo condicionamento, mas também do ponto de vista de seu movimento, de suas transformações e de seu desenvolvimento, do ponto de vista de seu nascimento e de sua morte. O que interessa, sobretudo, ao método dialético não é o que, em um momento dado, parece estável mas começa já a morrer, senão o que nasce e se desenvolve, ainda que num momento dado pareça pouco estável, pois a única coisa que há de insuperável, a seu ver, é o que se acha em estado de nascimento e de desenvolvimento.

“Toda a natureza — diz Engels —, de suas partículas mais minúsculas até seus corpos mais gigantescos, do grão de areia até o sol, do protozoário(1) até o homem, se acha em estado perene de nascimento e morte, em fluxo constante, sujeita a incessantes mudanças e movimentos.”[3]

Por isso, a dialética — diz Engels —"focaliza as coisas e suas imagens conceituais, substancialmente, em suas conexões mútuas, em sua ligação e concatenação, em sua dinâmica, em seu processo de gênese e caducidade".[4]

c) Em oposição à metafísica, a dialética não estuda o processo de desenvolvimento dos fenômenos como um simples processo de crescimento, em que as mudanças quantitativas não se traduzem em mudanças qualitativas, mas como um processo em que se passa das mudanças quantitativas insignificantes e ocultas às mudanças manifestas, às mudanças radicais, às mudanças qualitativas; em que estas se produzem, não de modo gradual, mas repentina e subitamente, em forma de saltos de um estado de coisas para outro, e não de um modo casual, mas de acordo com leis, como resultado da acumulação de uma série de mudanças quantitativas inadvertidas e graduais.

Por isso, o método dialético entende que os processos de desenvolvimento não se devem conceber como movimentos circulares, como uma simples repetição do caminho já percorrido, mas como movimentos progressivos, como movimentos em linha ascensional, como a transição do velho estado qualitativo a um novo estado qualitativo, como a evolução do simples para o complexo, do inferior para o superior.

“A natureza — diz Engels — é a pedra de toque da dialética, e as modernas ciências naturais nos proporcionam como prova disso um acervo de dados extraordinariamente copiosos, enriquecido cada dia que passa, demonstrando com isso que a natureza se move, em última instância, pelos canais dialéticos e não pelos trilhos metafísicos, que não se move na eterna monotonia de um ciclo constantemente repetido, mas percorre uma verdadeira história. Aqui é necessário citar, em primeiro lugar, Darwin, que, com sua prova de que toda a natureza orgânica existente — plantas e animais, e entre esses, é lógico, o homem — é o produto de um processo evolutivo de milhões de anos, assestou na concepção metafísica da natureza o mais rude golpe.”[4]

Caracterizando o desenvolvimento dialético como a transição das mudanças quantitativas para as mudanças qualitativas, diz Engels:

“Em física... toda mudança é uma transformação de quantidade em qualidade, uma consequência da mudança quantitativa da massa de movimento de qualquer forma inerente ao corpo ou que se transmite a este último. Assim, por exemplo, o grau de temperatura da água não influi em nada, a princípio, em seu estado líquido; mas, ao aumentar ou diminuir a temperatura da água líquida, chega-se a um ponto em que o seu estado de coesão se modifica e a água se converte, num caso, em vapor, e noutro, em gelo. Assim também, para que o fio de platina da lâmpada elétrica se acenda, é necessário um mínimo de corrente; todo metal tem seu grau térmico de fusão, e iodo líquido, dentro de uma determinada pressão, tem seu ponto determinado de congelação e de ebulição, na medida em que os meios de que dispomos nos permitem produzir a temperatura necessária; e, finalmente, todo gás tem seu ponto crítico, no qual, sob uma pressão e esfriamento adequados, se liquefaz em forma de gotas... As chamadas constantes da física (os pontos de transição de um estado para outro — N. do A.) não são, na maior parte das vezes, senão os nomes dos pontos nodais em que a soma ou a subtração quantitativas (mudanças quantitativas) de movimento provocam mudanças qualitativas no estado do corpo em questão, no qual, portanto, a quantidade se transforma em qualidade”[4]

E mais adiante, passando à química, Engels prossegue:

“Poderíamos dizer que a química é a ciência das mudanças qualitativas dos corpos por efeito das modificações operadas em sua composição quantitativa. E disso o próprio Hegel já sabia... Basta fixar-se no oxigênio: se combinarmos, para formar uma molécula, três átomos em vez de dois, que é o comum, produziremos o ozônio, corpo que se distingue de um modo muito definido do oxigênio normal, tanto pelo odor como pelos efeitos. E não falemos das diversas proporções em que o oxigênio se combina com o nitrogênio ou com o enxofre, e cada uma das quais produz um corpo qualitativamente diverso de todos os demais.”[4]

Por último, criticando Dühring, que cumula Hegel de injúrias — sem prejuízo de tomar dele, sorrateiramente, a conhecida tese de que a transição do reino do insensível ao reino das sensações, do mundo inorgânico para o mundo da vida orgânica, representa um salto para um novo estado — Engels disse:

“É, certamente, a linha nodal hegeliana das porções de medida na qual o simples aumento ou a simples diminuição quantitativa determinam, ao chegar a um determinado ponto nodal, um salto qualitativo, como ocorre, por exemplo, com a água posto a aquecer ou a esfriar, onde o ponto de ebulição e o ponto de congelação são os nódulos em que — sob uma pressão normal — se produz o salto para um novo estado de coesão, isto é, em que a quantidade se transforma em qualidade.”[5] d) Em oposição à metafísica, a dialética parte do critério de que os objetos e os fenômenos da natureza levam sempre implícitas, contradições internas, pois, todos eles têm seu lado positivo e o seu lado negativo, seu passado e seu futuro, seu lado de caducidade e seu lado de desenvolvimento; do critério de que a luta entre esses lados contrapostos, a luta entre o velho e o novo, entre o que agoniza e o que nasce, entre o que caduca e o que se desenvolve, forma o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, o conteúdo interno da transformação das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas.

Por isso, o método dialético entende que o processo de desenvolvimento do inferior para o superior não decorre como um processo de desenvolvimento harmônico dos fenômenos, mas pondo sempre em evidência as contradições inerentes aos objetos e aos fenômenos, num processo de "luta" entre as tendências contrapostas que atuam sobre a base daquelas contradições.

"Dialética, em sentido restrito, é — diz Lenin — o estudo das contradições contidas na própria essência dos objetos.”[6]

E mais adiante:

“O desenvolvimento é a “luta” dos contrários”[7]

Tais são, brevemente expostas, as características fundamentais do método dialético marxista.

Não é difícil compreender quanto é enorme a importância que a difusão dos princípios do método dialético têm para o estudo da vida social e da história da sociedade e a importância enorme que encerra a aplicação desses princípios à história da sociedade e à atuação prática do partido do proletariado.

Se no mundo não existem fenômenos isolados, se todos os fenômenos estão vinculados entre si e se condicionam uns aos outros, é evidente que todo regime social e todo movimento social que aparece na história deve ser julgado não do ponto de vista da "justiça eterna" ou de qualquer outra idéia preconcebida, que é o que costumam fazer os historiadores, mas do ponto de vista das condições que engendraram esse regime e esse movimento sociais e às quais se acham vinculados.

Dentro das condições modernas, o regime da escravidão é um absurdo e uma tolice contrária à lógica. De outro lado, dentro das condições de desagregação do regime do comunismo primitivo, a escravidão era um fenômeno perfeitamente lógico e natural, uma vez que representava um progresso em comparação com o comunismo primitivo.

Reivindicar a República democrático-burguesa nas condições do tsarismo e da sociedade burguesa, por exemplo, na Rússia de 1905, era uma reivindicação perfeitamente lógica, acertada e revolucionária, pois a República burguesa representava, naquele tempo, um progresso. De outro lado, nas condições atuais da URSS, reivindicar a República democrático-burguesa seria absurdo e contra-revolucionário, pois, comparada com a República Soviética, a República burguesa significa um retrocesso.

Tudo depende, pois, das condições, do lugar e do tempo.

É evidente que, sem abordar deste ponto de vista histórico os fenômenos sociais, não poderia existir nem desenvolvesse a ciência da história, pois esse modo de encarar os fenômenos é o único que impede a ciência histórica de converter-se em um caos de acontecimentos fortuitos e num montão dos mais absurdos erros.

Ora, se o mundo se acha em incessante movimento e desenvolvimento e se a lei desse desenvolvimento é a extinção do velho e o fortalecimento do novo, é evidente que já não pode haver nenhum regime social "irremovível", nem podem existir os "princípios eternos" da propriedade privada e da exploração, nem as "idéias eternas" de submissão dos camponeses aos latifundiários e dos operários aos capitalistas.

Isso quer dizer que o regime capitalista pode ser substituído pelo regime socialista, do mesmo modo que, a seu tempo, o regime capitalista substituiu o regime feudal.

Isto quer dizer que é preciso orientar-se, não para aquelas camadas da sociedade que já chegaram ao término de seu desenvolvimento, embora no momento presente constituam a força predominante, mas para aquelas outras que se estão desenvolvendo e que têm um futuro, ainda que não sejam as forças predominantes no momento atual.

Na década de 80 do século passado, na época de luta entre os marxistas e os populistas, o proletariado, na Rússia, constituía uma minoria insignificante em comparação com os camponeses individuais, que formavam a imensa maioria da população. Mas o proletariado estava se desenvolvendo como classe, enquanto que os camponeses, como classe, se desagregavam. Precisamente por isso, porque o proletariado estava se desenvolvendo como classe, os marxistas se orientavam para ele. E não se equivocaram, pois, como é sabido, o proletariado se converteu, com o decorrer do tempo, de uma força insignificante numa força histórica e política de primeira ordem.

Isso quer dizer que, em política, para não se equivocar, é preciso olhar para diante e não para trás.

Continuemos. Se a transição das lentas mudanças quantitativas para as rápidas e súbitas mudanças qualitativas constituem uma lei do desenvolvimento, é evidente que as transformações revolucionárias levadas a cabo pelas classes oprimidas representam um fenômeno absolutamente natural e inevitável.

Isso significa que a transição do capitalismo para o socialismo e a libertação da classe operária do jugo capitalista não pode realizar-se por meio de mudanças lentas, por meio de reformas, mas só mediante a transformação qualitativa do regime capitalista, isto é, mediante a revolução.

Isso quer dizer que, em política, para não se equivocar, é preciso ser revolucionário e não reformista.

Ora, se o processo de desenvolvimento é um processo de revelação de contradições internas, um processo de choque entre forças contrapostas, na base dessas contradições, e com o fim de superá-las, é evidente que a luta de classes do proletariado constitui um fenômeno perfeitamente natural e inevitável.

Isso quer dizer que o que é preciso fazer não é dissimular as contradições do regime capitalista, mas pô-las a descoberto e revelá-las em toda a sua extensão, — não é amortecer a luta de classes, mas levá-la consequentemente a cabo.

Isso quer dizer que em política para não se equivocar, é preciso manter uma política proletária, de classe, intransigente, e não uma política reformista, de harmonia de interesses entre o proletariado e a burguesia, uma política oportunista de "evolução pacífica" do capitalismo para o socialismo.

Nisso consiste o método dialético marxista, aplicado à vida social e à história da sociedade.

No que se refere ao materialismo filosófico marxista, este é, fundamentalmente, o oposto do idealismo filosófico.

O materialismo filosófico marxista se caracteriza pelos seguintes princípios fundamentais:

a) Em oposição ao idealismo, que considera o mundo como a materialização da "idéia absoluta", do "espírito universal", da "consciência", o materialismo filosófico de Marx parte do critério de que o mundo é, por sua natureza, algo material; de que os múltiplos e variados fenômenos do mundo constituem diversas formas e modalidades da matéria em movimento; de que os vínculos mútuos e as relações de interdependência entre os fenômenos que o método dialético põe em evidência são as leis, de acordo com as quais se desenvolve a matéria em movimento; de que o mundo se desenvolve de acordo com as leis que regem o movimento da matéria sem necessidade de nenhum "espírito universal". “A concepção materialista do mundo — diz Engels — se limita simplesmente a conceber a natureza tal como é, sem nenhuma espécie de acréscimos estranhos”[2]

Referindo-se à concepção materialista de um filósofo da antiguidade, Heráclito, segundo o qual

"o mundo forma uma unidade por si mesmo e não foi criado por nenhum deus e por nenhum homem, mas foi, é e será eternamente um fogo vivo que se acende e se apaga de acordo com as leis",

diz Lenin:

“Eis aqui uma excelente definição dos princípios do materialismo dialético.”[6]

b) Em oposição ao idealismo, que afirma que só a nossa consciência tem uma existência real e que o mundo material o ser, a natureza, só existem em nossa consciência, em nossas sensações, em nossas percepções, em nossas idéias, o materialismo, filosófico marxista parte do critério de que a matéria, a natureza, o ser, são uma realidade objetiva, existem fora de nossa consciência e independentemente dela; de que a matéria é o primário, uma vez que constitui a fonte da qual se derivam as sensações, as percepções e a consciência, e esta o secundário, o derivado, uma vez que é a imagem refletida da matéria, a imagem refletida do ser; parte do critério de que o pensamento é um produto da matéria ao atingir um alto grau de perfeição em seu desenvolvimento, e mais concretamente, um produto do cérebro, e este o órgão do pensamento, e de que, portanto, não cabe, a menos que se ceda num erro crasso, separar o pensamento da matéria.

“O problema da relação entre o pensamento e o ser, entre o espírito e a natureza, é — diz Engels — o problema máximo de toda filosofia... Os filósofos se dividiam em dois grandes campos, segundo a resposta que dessem a essa questão. Os que afirmavam o caráter primário do espírito diante da natureza... formavam no campo do idealismo. Os outros, os que consideravam a natureza como o primário, figuram nas diversas escolas do materialismo.”[2]

E mais adiante:

“O mundo material e perceptível pelos sentidos, do qual, nós os homens, também, fazemos parte, é o único mundo real... Nossa consciência e nosso pensamento, por mais desligados que pareçam dos sentidos, são o produto de um órgão material, físico: o cérebro. A matéria não é produto do espírito, mas este, o produto supremo da matéria.”[2]

Referindo-se ao problema da matéria e do pensamento, diz Marx:

“Não é possível separar o pensamento da matéria pensante. A matéria é o objeto de todas as mudanças.” (Ob. cit., pag. 380).

Caracterizando o materialismo filosófico marxista, diz Lenin:

"O materialismo em geral reconhece a existência real e objetiva do ser (a matéria), independentemente da consciência, das sensações, da experiência... A consciência... não é mais do que um reflexo do ser, no melhor dos casos seu reflexo mais ou menos exato (adequado, ideal quanto à precisão)." (Lenin, t. XIII, pags. 286-267, ed. russa).

E em outras passagens,

"É matéria o que, atuando sobre nossos órgãos sensoriais, produz as sensações; a matéria é a realidade objetiva, que as sensações nos transmitem... A matéria, a natureza, a existência, o físico, é o primário; o espírito, a consciência, as sensações, o psíquico, é o secundário" (Ob. cit., págs. 119-120).

"O quadro do mundo é o quadro de como se move e como pensa a matéria" (Ob. cit., pág. 288).

"O cérebro é o órgão do pensamento." (Ob. cit., pag. 125).

c) Em oposição ao idealismo, que discute a possibilidade de conhecer o mundo e as leis que o regem, que não crê na veracidade de nossos conhecimentos, que não reconhece a verdade objetiva e entende que o mundo está cheio de "coisas em si" que jamais poderão ser conhecias pela ciência, o materialismo filosófico marxista parte da princípio de que o mundo e as leis que o regem são perfeitamente cognoscíveis, de que os nossos conhecimentos acerca das leis da natureza, comprovados pela experiência, pela prática, são conhecimentos verídicos que têm o valor de verdades objetivas, de que no mundo não há coisas incognoscíveis, mas simplesmente coisas ainda não conhecidas, que a ciência e a experiência se encarregarão de revelar e dar a conhecer.

Criticando a tese de Kant e de outros idealistas a respeito da incognoscibilidade do mundo e das "coisas em incognoscíveis e defendendo a conhecida tese do materialismo em relação à veracidade de nossos conhecimentos, escreve Engels:

"A refutação mais contundente dessas manias, como de todas as demais manias filosóficas, é a prática, ou seja a experiência e a indústria. Se podemos demonstrar a exatidão de nosso modo de conceber um processo natural, reproduzindo-o nós mesmos, criando-o como resultado de suas próprias condições, e se, além disso, colocamo-lo a serviço de nossos próprios fins, daremos cabo da "coisa em si" inacessível de Kant. As substâncias químicas produzidas no mundo vegetal e animal continuaram sendo "coisas em si" inacessíveis até que a química orgânica começou a produzi-las umas após outras: com isso, a "coisa em si" se converteu em coisa para nós, como, por exemplo, a matéria corante da ruiva, a alizarina, que hoje já não se extrai da raiz natural daquela planta, mas se obtém do alcatrão da hulha, processo muito mais barato e mais fácil. O sistema solar de Copérnico foi durante trezentos anos uma hipótese, na qual se podia apostar cem, mil, dez mil contra um, mas, apesar de tudo, uma hipótese, até que Leverrier, com os dados tomados desse sistema, pôde calcular, não só a necessidade da existência de um planeta desconhecido, como também, o lugar em que esse planeta tinha que se encontrar no firmamento, e até que apareceu logo após Galle e descobriu efetivamente esse planeta: a partir deste momento, o sistema de Copérnico ficou demonstrado." (Karl Marx Obras Escolhidas, t. I, pag. 409).

Acusando Bogdánov, Basárov, Yushkévitch e outros partidários de Mach de fideísmo (teoria reacionária que prefere a fé à ciência) e defendendo a conhecida tese do materialismo de que nossos conhecimentos científicos a respeito das leis pelas quais a natureza se rege são conhecimentos verídicos e de que as leis da ciência constituem verdades objetivas, diz Lenin:

"O fideísmo moderno não repele, absolutamente, a ciência; a única coisa que repele são as "pretensões desmesuradas" da ciência; e concretamente, suas pretensões de verdade objetiva. Se existe uma verdade objetiva (como entendem os materialistas) e se as ciências naturais, refletindo o mundo exterior na "experiência" do homem, são as únicas que nos podem dar essa verdade objetiva, todo fideísmo fica indiscutivelmente refutado" (Lenin, t. XII, pág. 102, "A teoria do conhecimento dialético e do empirocriticismo", ed. russa).

Tais são, brevemente expostos, os traços característicos do materialismo filosófico marxista.

É fácil compreender a enorme importância que tem a aplicação dos princípios do materialismo filosófico ao estudo da vida social, ao estudo da história da sociedade, a grande importância que tem a aplicação desses princípios à história da sociedade e à atuação prática do Partido do proletariado.

Se a conexão entre os fenômenos da natureza e sua interdependência representam a lei pela qual se rege o desenvolvimento da natureza, daí se deduz que a conexão e a interdependência dos fenômenos da vida social não representam também algo fortuito, mas a lei que rege o desenvolvimento da sociedade.

Isto quer dizer que a vida social e a história da sociedade já não são um conglomerado de acontecimentos "fortuitos", pois a história da sociedade se converte no desenvolvimento da sociedade de acordo com suas leis, e o estudo da história da sociedade adquire categoria de ciência.

Isto quer dizer que a atuação prática do Partido do proletariado deve basear-se, não nas boas intenções das "ilustres personalidades", não nos postulados da "razão", da "moral universal", etc., mas nas leis do desenvolvimento da sociedade e no estudo dessas leis.

Ora, se o mundo é cognoscível e nossos conhecimentos sobre as leis que regem o desenvolvimento da natureza são conhecimentos verdadeiros, que têm valor de verdades objetivas, isto quer dizer que também a vida social, o desenvolvimento da sociedade são suscetíveis de serem conhecidos; e que os dados que a ciência nos proporciona sobre as leis do desenvolvimento social são dados verídicos, que têm valor de verdades objetivas.

Isto quer dizer que a ciência que estuda a história da sociedade pede adquirir, apesar de toda a complexidade dos fenômenos da vida social, a mesma precisão que a biologia, por exemplo, oferecendo-nos a possibilidade de dar uma aplicação prática às leis que regem o desenvolvimento da sociedade.

Isto quer dizer que, em sua atuação prática, o Partido do proletariado deve guiar-se não por esses ou aqueles motivos acidentais, mas pelas leis que regem o desenvolvimento da sociedade e pelas conclusões que delas se deduzem.

Isto quer dizer que o socialismo deixa de ser um sonho de um futuro melhor para a humanidade para converter-se numa ciência.

Isto quer dizer que o enlace entre a ciência e a atividade prática, entre a teoria e a prática, sua unidade, deve ser a estrela polar que guia o Partido do proletariado.

Prossigamos. Se a natureza, a existência, o mundo material são o primário, e a consciência, o pensamento, o secundário, o derivado; se o mundo material constitui a realidade objetiva, que existe independentemente da consciência do homem, e a consciência é a imagem refletida dessa realidade objetiva, daí se deduz que a vida material da sociedade, sua existência, é também o primário, e sua vida espiritual, o secundário, o derivado; que a vida material da sociedade é a realidade objetiva, que existe independentemente da vontade dos homens, e a vida espiritual da sociedade, o reflexo dessa realidade objetiva, o reflexo do ser.

Isto quer dizer que a fonte donde provém a vida espiritual da sociedade, a fonte da qual emanam as idéias sociais, as teorias sociais, as concepções e as instituições-políticas devem ser procuradas não nessas mesmas idéias, teorias, concepções, instituições políticas, mas nas condições da vida material da sociedade, na existência social, da qual são reflexo essas idéias, teorias, concepções, etc.

Isto quer dizer que, se nos diversos períodos da história da sociedade nos encontramos com diversas idéias, teorias e concepções sociais e instituições políticas diferentes; se sob o regime da escravidão observamos umas idéias, teorias, e concepções sociais, umas instituições políticas, sob o feudalismo outras, e outras diferentes sob o capitalismo, a explicação disso não está na "natureza" nem na "peculiaridade" das próprias idéias, teorias, concepções e instituições políticas, mas nas diversas condições da vida material da sociedade dentro dos vários períodos de desenvolvimento social.

Segundo sejam as condições de existência da sociedade, as condições em que se desenvolve sua vida material, assim são suas idéias, suas teorias, suas concepções e instituições políticas.

A esse respeito, diz Marx:

"Não é a consciência do homem que determina a sua existência, mas, ao contrário, sua existência social é que determina a sua consciência" (Karl Marx, Obras Escolhidas, t. I, pag. 339, "Contribuição à critica da Economia política").

Isto quer dizer que, em política, o Partido do proletariado para não se equivocar e não se converter num conjunto de vagos sonhadores, deve tomar como ponto de partida para a sua atuação, não os "princípios" abstratos da "razão humana", mas as condições concretas da vida material da sociedade, que constituem a força decisiva do desenvolvimento social; não as boas intenções dos "grande homens", mas as exigências reais, impostas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade.

O fracasso dos utopistas, incluindo entre eles os populistas, os anarquistas e os social-revolucionários, explica-se entre outras razões, porque não reconheciam a importância primária das condições da vida material da sociedade quanto ao desenvolvimento desta, motivo pelo qual, caindo no idealismo, erigiam toda a sua atividade prática, não sobre as exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade, mas, independentemente delas e contra elas, sobre "planos ideais" e "projetos universais", desligados da vida real da sociedade.

A força e a vitalidade do marxismo-leninismo se estribam precisamente no fato de que este toma como base para a sua atuação prática as exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade, sem nunca se desligar da vida real desta última.

Entretanto, das palavras de Marx não se depreende que as idéias e as teorias sociais, as concepções e as instituições políticas, não tenham importância alguma na vida da sociedade, que não exerçam de maneira incidental uma influência sobre a existência social, sobre o desenvolvimento das condições materiais da vida da sociedade. Até agora, nos temos referido unicamente à origem das idéias e teorias sociais e das concepções e instituições políticas, a seu nascimento, ao fato de que a vida espiritual da sociedade é o reflexo das condições de sua vida material. No tocante à importância das idéias e teorias sociais e das concepções e instituições políticas, no tocante ao papel que desempenham na história, o materialismo histórico não apenas não nega, mas, ao contrário, salienta a importância do papel e da significação que lhes correspondem na vida e na história da sociedade.

As idéias e teorias sociais não são porém todas iguais. Há idéias e teorias velhas que já cumpriram sua missão e que servem aos interesses de forças sociais caducas. Seu papel consiste em frear o desenvolvimento da sociedade, sua marcha progressiva. E há idéias e teorias novas, avançadas, que servem aos interesses das forças de vanguarda da sociedade. O papel destas consiste em facilitar o desenvolvimento da sociedade, sua marcha progressiva, sendo sua importância tanto maior quanto maior é a exatidão com que correspondam às exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade.

As novas idéias e teorias sociais só surgem depois que o desenvolvimento da vida material da sociedade coloca diante dela novas tarefas. Mas, depois de surgirem, convertem-se em uma força importante que facilita a execução dessas novas tarefas surgidas com o desenvolvimento da vida material da sociedade, facilitando o seu progresso. É aqui, precisamente, onde se evidencia a formidável importância organizadora, mobilizadora e transformadora das novas idéias, das novas teorias e das novas concepções políticas, das novas instituições políticas. Por isso, as novas idéias e teorias sociais surgem a rigor porque são necessárias à sociedade, porque sem seu trabalho organizador, mobilizador o transformador, seria impossível ultimar as tarefas que o desenvolvimento da vida material da sociedade faz surgir, e que já estão em tempo de ser cumpridas. E na base das novas tarefas formuladas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade, as novas idéias e teorias sociais surgem e abrem caminho, convertem-se em patrimônio das massas populares, mobilizam e organizam estas contra as forças sociais caducas, facilitando assim a derrocada dessas forças sociais que freiam o desenvolvimento da vida material da sociedade.

Eis como as idéias e teorias sociais, as instituições políticas, que brotam na base das tarefas já maduras para a sua solução, formuladas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade, pelo desenvolvimento da existência social, atuam logo depois, por sua vez, sobre essa existência social, sobre a vida material da sociedade, criando as condições necessárias para ultimar a execução das tarefas já maduras da vida material da sociedade e tornar possível o seu ulterior desenvolvimento.

A esse respeito, diz Marx:

"A teoria se converte numa força material logo que se apodera das massas" (Karl Marx e F. Engels, Obras Completas, t. 1, pag. 403, "Em torno da crítica à filosofia hegeliana do direito").

Isto quer dizer que, para poder atuar sobre as condições da vida material da sociedade e acelerar seu desenvolvimento, acelerar seu melhoramento, o Partido do proletariado tem que se apoiar em uma teoria social, em uma idéia social que reflita fielmente as exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade e que, graças a isso, seja capaz de pôr em movimento grandes massas do povo, de mobilizá-las e organizar com elas o grande exército do Partido proletário, apto a esmagar as forças reacionárias e a aplainar o caminho para as forças avançadas da sociedade.

O fracasso dos "economistas" e dos mencheviques se explica, entre outras razões, pelo fato de que não reconheciam a importância mobilizadora, organizadora e transformadora da teoria de vanguarda, da idéia de vanguarda e, caindo num materialismo vulgar, reduziam o seu papel a quase nada, e, consequentemente, condenavam o Partido à passividade, a viver vegetando.

A força e a vitalidade do marxismo-leninismo se estribam no fato de se apoiarem numa teoria de vanguarda que reflete fielmente as exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade e que coloca a teoria à altura que lhe corresponde e considera seu dever utilizar integralmente sua força de mobilização, de organização e de transformação.

Assim, é como o materialismo histórico resolve o problema das relações entre a existência social e a consciência social entre as condições de desenvolvimento da vida material e o desenvolvimento da vida espiritual da sociedade.

O materialismo histórico

Resta somente responder a esta pergunta: Que se entende, do ponto de vista do materialismo histórico, por "condições da vida material da sociedade", quais são as que determinam, em última instância, a fisionomia da sociedade, suas idéias, suas concepções, instituições políticas, etc?

Quais são essas "condições de vida material da sociedade", quais são seus traços característicos?

É indubitável, que, neste conceito de "condições de vida material da sociedade", entra, antes de tudo, a natureza que rodeia a sociedade, o meio geográfico, que é uma das condições necessárias e constantes da vida material da sociedade e que, naturalmente, influi no desenvolvimento desta. Qual é o papel do meio geográfico no desenvolvimento da sociedade? Não será, por acaso, o meio geográfico o fator fundamental que determina a fisionomia da sociedade, o caráter do regime social dos homens, a transição de um regime para outro?

O materialismo histórico responde negativamente a essa pergunta.

O meio geográfico é, indiscutivelmente, uma das condições constantes e necessárias do desenvolvimento da sociedade e influi, indubitavelmente, nele, acelerando-o ou amortecendo-o. Mas essa influência não é determinante, uma vez que as transformações e o desenvolvimento da sociedade se operam com uma rapidez incomparavelmente maior do que as que afetam o meio geográfico. No transcurso de três mil anos, a Europa viu desaparecer três regimes sociais: o do comunismo primitivo, o da escravidão e o do feudalismo, e na parte oriental da Europa, na URSS, feneceram quatro. Pois bem, durante esse tempo, as condições geográficas da Europa não sofreram mudança alguma, ou, se sofreram, foi tão leve que a geografia não julga que mereça sequer registrá-la. E compreende-se que seja assim. Para que o meio geográfico experimente modificações de certa importância, são precisos milhões de anos, enquanto em algumas centenas ou em um par de milhares de anos podem operar-se, inclusive, mudanças da maior importância no regime social.

Daí se depreende que o meio geográfico não pode ser a causa fundamental, o fator determinante do desenvolvimento social, pois, como é que o que permanece quase invariável através de dezenas de milhares de anos vai poder ser a cousa fundamental a que obedeça o desenvolvimento daquilo que, no espaço de algumas centenas de anos, experimenta mudanças radicais?

Do mesmo modo, é indubitável que o crescimento da população, a maior ou menor densidade da população é um fator que também é parte do conceito das "condições materiais da vida da sociedade", uma vez que entre essas condições materiais se "conta, como elemento necessário, o homem, e não poderia existir a materialidade da vida social sem um determinado mínimo de seres humanos. Não será, acaso, o desenvolvimento da população o fator cardial que determina o caráter do regime social em que os homens vivem?

O materialismo histórico também responde negativamente a essa pergunta.

É indiscutível que o crescimento da população influi no desenvolvimento da sociedade, facilitando ou entorpecendo esse desenvolvimento, mas não pode ser o fator cardial a que obedece, nem sua influência pode ter um caráter determinante quanto ao desenvolvimento social, uma vez que o crescimento da população por si só não nos oferece a chave para explicar por que um dado regime social é substituído precisamente por um determinado regime novo e não por qualquer outro, por que o regime do comunismo primitivo foi substituído precisamente pelo regime da escravidão, o regime escravista pelo regime feudal e este pelo burguês, e não por quaisquer outros.

Se o crescimento da população fosse o fator determinante do desenvolvimento social, a uma maior densidade do população teria de corresponder forçosamente, na prática, um tipo proporcionalmente mais elevado de regime social. Mas, na realidade, isso não se verifica. A densidade da população da China é quatro vezes maior do que a dos Estados Unidos e, apesar disso, os Estados Unidos ocupam um lugar mais elevado do que a China no que se refere ao desenvolvimento social, pois enquanto na China continua imperando o regime semi-feudal, os Estados Unidos há muito tempo chegaram à fase culminante do desenvolvimento do capitalismo. A densidade da população da Bélgica é dezenove vezes maior do que a dos Estados Unidos e vinte e seis vezes maior do que a da URSS, e, entretanto, a América do Norte ultrapassa a Bélgica no tocante ao seu desenvolvimento social, e a URSS leva-lhe de vantagem toda uma época histórica, pois enquanto que na Bélgica impera o regime capitalista, a URSS já liquidou o capitalismo e instaurou o regime socialista.

Daí se depreende que o crescimento da população não é e nem pode ser o fator cardial do desenvolvimento da sociedade, o fator determinante do caráter do regime social, da fisionomia da sociedade.

a) — Qual é, então, dentro do sistema das condições materiais de vida da sociedade, o fator cardial que determina a fisionomia daquela, o caráter do regime social, a passagem da sociedade de um regime social para outro?

Esse fator é, segundo o materialismo histórico, o modo de obtenção dos meios de vida necessários à existência do homem, o modo de produção dos bens materiais, do alimento, do vestuário, do calçado, da habitação, do combustível, dos instrumentos de produção, etc., necessários para que a sociedade possa viver e desenvolver-se.

Para viver, o homem necessita de alimentos, vestuário, calçado, habitação, combustível, etc.; para obter esses bens materiais, tem de produzi-los e, para poder produzi-los, necessita dispor de meios de produção, com ajuda dos quais se consegue o alimento, se fabrica o vestuário, o calçado, se constrói a habitação, se obtém o combustível, etc., necessita aprender a produzir estes instrumentos e a servir-se deles.

Instrumentos de produção, com ajuda dos quais se produzem os bens materiais e homens que os manejam e efetuam a produção dos bens materiais, por terem uma certa experiência produtiva e hábitos de trabalho: tais são os elementos que, em conjunto, formam as forças produtivas da sociedade.

Porém as forças produtivas não são mais do que um dos aspectos da produção, um dos aspectos do modo de produção, o aspecto que reflete a relação entre o homem e os objetos e as forças da natureza empregados para a produção dos bens materiais. O outro fator da produção, o outro aspecto do modo de produção, é constituído pelas relações de uns homens com outros, dentro do processo da produção, pelas relações de produção entre os homens.

Os homens não lutam com a natureza e não a utilizam para a produção de bens materiais isoladamente, desligados uns dos outros, mas juntos, em grupos, em sociedades. Por isso, a produção é sempre e sob quaisquer condições uma produção social. Ao efetuarem a produção dos bens materiais, os homens estabelecem entre si, dentro da produção, tais ou quais relações mútuas, tais ou quais relações de produção. Essas relações podem ser relações de colaboração e ajuda mútua entre homens livres de toda exploração, podem ser relações de domínio e subordinação ou podem ser, por último, relações de tipo transitório entre uma forma de produção e outra. Porém, qualquer que seja o seu caráter, as relações de produção constituem — sempre em todos os regimes — um elemento tão necessário da produção como as próprias forças produtivas da sociedade.

"Na produção — diz Marx — os homens não atuam somente sobre a natureza, mas atuam também uns sobre os outros. Não podem produzir sem associar-se de um certo modo para atuar em comum e estabelecer um intercâmbio de atividades. Para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações, e através destes vínculos e relações sociais, e só através deles, é como se relacionam com a natureza e como se efetua a produção". (Karl Marx, e F. Engels, Obras Completas, ed. cit., t. V, pag. 429, "Trabalho Assalariado e Capital").

Consequentemente, a produção, o modo de produção, não abarca somente as forças produtivas da sociedade, mas também as relações de produção entre os homens, relações que são, portanto, a forma em que toma corpo sua unidade dentro do processo da produção de bens materiais.

b) — A primeira característica da produção é que jamais se detém num ponto durante um longo período, mas que se transforma e se desenvolve constantemente, com a particularidade de que essas transformações operadas no modo de produção provocam inevitavelmente a mudança de todo o regime social, das idéias sociais, das concepções e instituições políticas, provocam a reorganização de todo o sistema político e social. Nas diversas fases de desenvolvimento, o homem emprega diversos modos de produção ou, para dizê-lo em termos mais vulgares, mantém distintos gêneros de vida. Sob o regime do comunismo primitivo, o modo de produção empregado é diferente daquele vigente sob a escravidão; o da escravidão é diferente do em vigor sob o feudalismo, etc.. E, em consonância com isto. variam também o regime social de vida dos homens, sua vida espiritual, suas concepções e instituições políticas.

Segundo seja o modo de produção existente numa sociedade, assim é também, fundamentalmente, esta mesma sociedade e assim são suas idéias, suas teorias, suas concepções e instituições políticas.

Ou, em termos mais vulgares, segundo vive o homem, assim pensa.

Isto significa que a história do desenvolvimento da sociedade é, antes de tudo, a história do desenvolvimento da produção, a história dos modos de produção que se sucedem uns aos outros ao longo dos séculos, a história do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção entre os homens.

Isto quer dizer que a história do desenvolvimento social é, ao mesmo tempo, a história dos próprios produtores de bens materiais, a história das massas trabalhadoras, que são o fator fundamental do processo de produção e as que levam a cabo a produção dos bens materiais necessários à existência da sociedade.

Isto quer dizer que a ciência histórica, se pretende ser uma verdadeira ciência, não deve continuar reduzindo a história do desenvolvimento social aos atos dos reis e dos chefes militares, aos atos dos "conquistadores" e "avassaladores" de Estados, mas deve ocupar-se, antes de tudo, da história dos produtores dos bens materiais, da história das massas trabalhadoras, da história dos povos.

Isto quer dizer que a chave para o estudo das leis da história da sociedade não se deve procurar nas cabeças dos homens, nas idéias e concepções da sociedade, mas no modo de produção aplicado pela sociedade em cada um de seus períodos históricos, isto é, na economia da sociedade.

Isto quer dizer que a tarefa primordial da ciência histórica é o estudo e o descobrimento das leis da produção, das leis do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, das leis do desenvolvimento econômico da sociedade.

Isto quer dizer que o Partido do proletariado, para ser um verdadeiro partido, deve, antes de tudo, conhecer completamente as leis do desenvolvimento da produção, as leis do desenvolvimento econômico da sociedade.

Isto quer dizer que, em política, para não se equivocar, o Partido do proletariado deve, antes de tudo, tanto no que se refere à formação de seu programa como no que toca à sua atuação prática, partir das leis do desenvolvimento da produção, das leis do desenvolvimento econômico da sociedade.

c) — A segunda característica da produção consiste em que suas mudanças e seu desenvolvimento começam sempre, tendo como ponto de partida, as mudanças e o desenvolvimento das forças produtivas, e, antes de tudo, das que afetam os instrumentos de produção. As forças produtivas constituem, portanto, o elemento mais dinâmico e mais revolucionário da produção. A princípio, mudam e se desenvolvem as forças produtivas da sociedade, e logo depois, sujeitas a essas mudanças e de acordo com elas, mudam as relações de produção entre os homens, suas relações econômicas. Entretanto, isto não quer dizer que as relações de produção não influam sobre o desenvolvimento das forças produtivas e que estas não dependam daquelas. As relações de produção, ainda que seu desenvolvimento dependa do das forças produtivas, atuam por sua vez sobre o desenvolvimento destas acelerando-o ou. amortecendo-o. A esse respeito, convém advertir que as relações de produção não podem ficar, por um tempo demasiado longo, atrasadas em relação às forças produtivas quando estas crescem, nem se achar em contradição com elas, uma vez que as forças produtivas só podem desenvolver-se plenamente quando as relações de produção estão em harmonia com elas por seu caráter e seu estado de progresso e deixam margem para o seu desenvolvimento. Por isso, por mais atrasadas que fiquem as relações de produção em relação ao desenvolvimento das forças produtivas, têm necessariamente que se pôr e se põem realmente — mais tarde ou mais cedo — em harmonia com o nível do desenvolvimento das forças produtivas, e com o caráter destas. Noutro caso, nos encontraríamos ante uma ruptura radical da unidade entre as forças produtivas e as relações de produção dentro do sistema dessas últimas, com um desconjuntamento da produção em bloco, com uma crise de produção, com a derrocada das forças produtivas.

Um exemplo de desarmonia entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas, de conflito entre ambos os fatores, temo-lo nas crises econômicas dos países capitalistas, onde a propriedade privada capitalista sobre os meios de produção está em violenta discordância com o caráter social do processo de produção, com o caráter das forças produtivas. O resultado dessa discordância são as crises econômicas que conduzem à destruição das forças produtivas; e essa discordância constitui, por si só, a base econômica da revolução social, cuja missão consiste em destruir as relações de produção existentes, para criar outras novas, em harmonia com o caráter das forças produtivas.

Ao contrário, um exemplo de uma harmonia completa entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas nos oferece a economia socialista da URSS, onde a propriedade social sobre os meios de produção concorda plenamente com o caráter social do processo da produção e onde, portanto, não existem crises econômicas nem se produzem casos de destruição das forças produtivas.

Por conseguinte, as forças produtivas não são somente o elemento mais dinâmico e mais revolucionário da produção, mas são, além disso, o elemento determinante de seu desenvolvimento.

Conforme sejam as forças produtivas, assim têm que ser também as relações de produção.

Se o estado das forças produtivas responde à pergunta de com que instrumento de produção os homens criam os bens materiais que lhes são necessários, o estado das relações de produção responde já a outra pergunta: Em poder de quem estão os meios de produção (a terra, os bosques, as águas, o sub-solo, as matérias primas, as ferramentas e os edifícios destinados à produção, as vias e meios de comunicação, etc), à disposição de quem se acham os meios de produção: a disposição de toda a sociedade ou à disposição de determinados indivíduos, grupos ou classes, que os empregam para explorar outros indivíduos, grupos ou classes?

Eis um quadro esquemático do desenvolvimento das forças produtivas, desde os tempos primitivos até nossos dias. Das ferramentas de pedra sem polimento se passa ao arco e à flexa e, em relação com isto, da caça como sistema de vida à domesticação de animais e à criação do gado primitiva; das ferramentas de pedra se passa às ferramentas de metal (ao machado de ferro, arado com relha de ferro, etc.), e, em consonância com isso, ao cultivo das plantas e à agricultura; vem logo depois o melhoramento progressivo das ferramentas metálicas para a elaboração de materiais, passa-se à forja de fole e à olaria e, em consonância com isto, se desenvolvem os ofícios artesãos, se separam esses ofícios da agricultura, se desenvolve a produção independente dos artesãos e, mais tarde, a manufatura; dos instrumentos artesãos de produção se passa à máquina, e a produção artesã e manufatureira se transforma na indústria mecânica e, por último, se passa ao sistema de máquinas, e aparece a grande indústria mecânica moderna: tal é, em linhas gerais e não completas, o quadro de desenvolvimento das forças produtivas sociais ao longo da história da humanidade. Além do mais, como é lógico, o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos instrumentos de produção correm por conta de homens relacionados com a produção e não se realizam independentemente deles; portanto, com as mudanças e o desenvolvimento dos instrumentos de produção, mudam e se desenvolvem também os homens, como o elemento mais importante das forças produtivas, mudam e desenvolvem sua experiência, no que se refere à produção, seus hábitos de trabalho e seu talento para o emprego dos instrumentos de produção.

Em consonância com as mudanças e o desenvolvimento experimentados pelas forças produtivas da sociedade no curso da história, mudam também e se desenvolvem as relações de produção entre os homens, suas relações econômicas.

A história conhece cinco tipos fundamentais de relações de produção: o comunismo primitivo, a escravidão, o feudalismo, o capitalismo e o socialismo.

Sob o regime do comunismo primitivo, a base das relações de produção é a propriedade social sobre os meios de produção. Isto é, o que, em substância, corresponde ao caráter das forças produtivas durante esse período. As ferramentas de pedra, o arco e a flexa, que aparecem mais tarde, excluíam a possibilidade de lutar isoladamente contra as forças da natureza e contra os animais ferozes. Se não queriam morrer de fome, ser devorados pelas feras ou sucumbir nas mãos das tribos vizinhas, os homens daquela época viam-se obrigados a trabalhar em comum, e assim era como colhiam os frutos nos bosques, como organizavam a pesca, como construíam suas habitações, etc..

O trabalho em comum conduz à propriedade em comum sobre os instrumentos de produção do mesmo modo que sobre os produtos. Ainda não havia surgido a idéia da propriedade privada sobre os meios de produção, excetuando-se a propriedade pessoal de certas ferramentas que, ao mesmo tempo que ferramentas de trabalho, eram armas de defesa contra os animais ferozes. Ainda não existia exploração, não havia classes.

Sob o regime da escravidão, a base das relações de produção é a propriedade do escravista sobre os meios de produção, bem como sobre os próprios produtores, os escravos, a quem o escravista podia vender, comprar e matar, como se fossem animais domésticos. Essas relações de produção se acham, fundamentalmente, em consonância com o estado das forças produtivas durante esse período.

Agora, em vez das ferramentas de pedra, o homem já dispõe de ferramentas de metal. Em vez daquela mísera economia primitiva baseada na caça e que não conhecia nem a pecuária e nem a agricultura, existem a pecuária, a agricultura, os ofícios artesãos e a divisão do trabalho entre esses diversos ramos da produção; existe a possibilidade de efetuar um intercâmbio de produtos entre os diversos indivíduos e as diversas sociedades e a possibilidade de acumular riquezas em mãos de algumas pessoas; produz-se, efetivamente, uma acumulação de meios de produção em mãos de uma minoria e surge a possibilidade de que essa minoria subjugue a maioria e converta seus componentes em escravos. Já não existe o trabalho livre e em comum de todos os membros da sociedade dentro do processo da produção, mas impera o trabalho forçado dos escravos, explorados pelos escravistas que não trabalham. Não existe tampouco, portanto, propriedade social sobre os meios de produção e nem sobre os produtos. A propriedade social é substituída pela propriedade privada. O escravista é o primeiro e principal proprietário com plenitude de direitos.

Ricos e pobres, exploradores e explorados, homens com plenitude de direitos e homens totalmente privados deles; uma furiosa luta de classes entre uns e outros: tal é o quadro que o regime da escravidão apresenta.

Sob o regime feudal, a base das relações de produção é a propriedade do senhor feudal sobre os meios de produção e sua propriedade parcial sobre os produtores, sobre os servos, a quem já não pode matar, mas a quem pode comprar e vender. Simultaneamente com a propriedade feudal, existe a propriedade pessoal do camponês e do artesão sobre os instrumentos de produção e sobre sua terra ou sua indústria privada, baseada no trabalho pessoal. Essas relações de produção se acham fundamentalmente, em consonância com o estado das forças produtivas durante esse período. O aperfeiçoamento progressivo da fundição e elaboração dos metais, a difusão do arado de ferro e do tear, os progressos da agricultura, da horticultura, da viticultura e da fabricação do azeite, o aparecimento das primeiras manufaturas junto às oficinas dos artesãos: tais são os traços característicos do estado das forças produtivas durante esse período.

As novas forças produtivas exigem que se deixe ao trabalhador certa iniciativa na produção, que sinta certa inclinação para o trabalho e se ache interessado nele. Por isso, o senhor feudal prescinde dos escravos, que não sentem nenhum interesse pelo seu trabalho, que não põem nele a menor iniciativa, e prefere entender-se com os servos, que têm sua terra e ferramentas próprias e se acham interessados, em certo grau, pelo trabalho, na medida necessária para trabalhar a terra e pagar ao senhor, em espécie, com uma parte da colheita.

Durante esse período, a propriedade privada faz novos progressos. A exploração continua sendo quase tão voraz como sob a escravidão, embora um pouco suavizada. A luta de classes entre os exploradores e os explorados é o característico fundamental do feudalismo.

Sob o regime capitalista, a base das relações de produção é a propriedade capitalista sobre os meios de produção e a inexistência de propriedade sobre os produtores, operários assalariados, a quem o capitalista não pode matar nem vender, pois se acham isentos dos vínculos de sujeição pessoal, mas que carecem de meios de produção, pelo qual, para não morrerem de fome, se vêem obrigados a vender sua força de trabalho ao capitalista e submeter-se ao jugo da exploração. Ao lado da propriedade capitalista sobre os meios de produção, existe e se acha, nos primeiros tempos, muito generalizada a propriedade privada do camponês e do artesão, livres da servidão, sobre os seus meios de produção, propriedade baseada no trabalho pessoal. Em lugar das oficinas dos artesãos e das manufaturas, surgem as grandes fábricas e empresas, dotadas de maquinários. Em lugar das fazendas dos nobres, cultivadas com os primitivos instrumentos camponeses de produção, aparecem as grandes explorações agrícolas capitalistas, instaladas na base da técnica e dotadas de maquinaria agrícola.

As novas forças produtivas exigem trabalhadores mais cultos e mais hábeis do que os servos, mantidos no embrutecimento e na ignorância; trabalhadores capazes de conhecer e manejar as máquinas. Por isso, os capitalistas preferem tratar com operários assalariados livre dos vínculos da servidão e suficientemente cultos para saberem manejar a maquinaria.

Mas, depois de desenvolver as forças produtivas em proporções, gigantescas, o capitalismo se enreda em contradições insolúveis para ele. Ao produzir cada vez mais mercadorias e ao fazer baixar cada vez mais os seus preços, o capitalismo aguça a concorrência, arruina uma massa de pequenos e médios proprietários, converte-os em proletários e rebaixa o seu poder aquisitivo, com o que a venda das mercadorias produzidas se torna impossível. Ao desenvolver a produção e ao concentrar milhões de operários em enormes fábricas e empresas industriais, o capitalismo dá ao processo da produção um caráter social e vai minando com isso a sua própria base, uma vez que o caráter social do processo da produção reclama a propriedade social sobre os meios de produção, enquanto a propriedade sobre os meios de produção continua sendo uma propriedade privada capitalista, incompatível com o caráter social que o processo da produção apresenta.

Essas contradições irredutíveis entre o caráter das forças produtivas e o das relações de produção se manifestam nas crises periódicas de super-produção, em que os capitalistas, não encontrando compradores solventes, como consequência do empobrecimento da massa da população, provocada por eles próprios, se vêem obrigados a queimar os produtos, destruir as mercadorias elaboradas, paralisar a produção e devastar as forças produtivas, condenando milhões e milhões de seres ao desemprego e à fome, não porque escasseiem as mercadorias, mas muito ao contrário: por haver-se produzido em excesso.

Isto quer dizer que as relações capitalistas de produção já não estão em consonância com o estado das forças produtivas da sociedade, mas se acham em irredutível contradição com elas.

Isto quer dizer que o capitalismo leva em suas entranhas a revolução, uma revolução que está chamada a substituir a atual propriedade capitalista sobre os meios de produção pela propriedade socialista.

Isto quer dizer que a característica fundamental do regime capitalista é a mais encarniçada luta de classes entre os exploradores e os explorados.

Sob o regime socialista, que até hoje só é uma realidade na URSS, a base das relações de produção é a propriedade social sobre os meios de produção. Aqui já não há exploradores nem explorados. Os produtos criados se distribuem de acordo com o trabalho, segundo o princípio de "quem não trabalha, não come". As relações mútuas dos indivíduos dentro do processo da produção têm o caráter de colaboração fraternal e de mútua ajuda socialista entre os trabalhadores livres de toda exploração. As relações de produção se acham em plena consonância com o estado das forças produtivas, pois o caráter social do processo da produção é referendado pela propriedade social sobre os meios de produção.

Por isso, a produção socialista da URSS não conhece as crises periódicas de super-produção e nem os absurdos que acarretam.

Por isso, na URSS, as forças produtivas se desenvolvem com ritmo acelerado, uma vez que suas respectivas relações de produção, ao se acharem em consonância com elas não opõem o menor entrave a esse desenvolvimento.

Tal é o quadro que o desenvolvimento das relações de produção entre os homens apresenta no curso da história da humanidade.

Tal é a relação de dependência em que se acha o desenvolvimento das relações de produção com referência ao desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, e, sobretudo, com referência ao desenvolvimento dos instrumentos de produção, em virtude do qual as mudanças e o desenvolvimento que experimentam as forças produtivas se traduzem mais cedo ou mais tarde, nas transformações e no desenvolvimento congruentes, das relações de produção.

“O uso e a criação de meios de trabalho[8] — diz Marx —, ainda que em germe se apresentem já em certas espécies animais, caracterizam o processo de trabalho especificamente humano, razão pela qual Franklin define o homem como um animal que fabrica instrumentos. E assim como a estrutura de restos fósseis de ossos tem uma grande importância para reconstruir a organização de espécies animais desaparecidas, os vestígios de meios de trabalho nos servem para apreciar antigas formações econômicas da sociedade já sepultadas. O que distingue as épocas econômicas umas das outras não é o que se produz, mas como se produz... Os meios de trabalho não são somente o barômetro do desenvolvimento da força de trabalho do homem, mas também o expoente das relações sociais em que se trabalha.”[9]

E em outras passagens:

“As relações sociais estão intimamente vinculadas às forças produtivas. Ao descobrir novas forças produtivas, os homens mudam de modo de produção, e ao mudarem de modo de produção, a maneira de ganhar a vida, mudam todas as suas relações sociais. O moinho movido a braço engendra a sociedade dos senhores feudais; a moinho a vapor, a sociedade dos capitalistas industriais.” “Há um movimento contínuo de aumento das forças produtivas, de destruição nas relações sociais, de formação nas ideias; de imutável não existe senão a abstração do movimento.”[10]

Caracterizando o materialismo histórico, tal como se formula no Manifesto do partido comunista, diz Engels:

“A produção económica e a estrutura social que dela resulta necessariamente em cada época histórica constituem a base sobre a qual repousa a história política e intelectual dessa época... Portanto, toda a história da sociedade, desde a dissolução do regime primitivo da propriedade coletiva sobre o solo, têm sido uma história de lutas de classe, de lutas entre classes exploradoras e exploradas, dominantes e dominadas, segundo as diversas fases do progresso social... Agora, essa luta chegou a uma fase em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não se pode emancipar da classe que a explora e a oprime (a burguesia) sem emancipar, para sempre, a sociedade inteira da opressão, da exploração e da luta de classes.”[11] d) — A terceira característica da produção consiste em que as novas forças produtivas e as novas relações de produção coerentes com elas não surgem desligadas da velho regime, depois deste ter desaparecido, mas se formam em seu próprio seio; e não como fruto da ação premeditada e consciente do homem, mas de um modo espontâneo, inconsciente e independentemente da vontade humana, por duas razões.

Em primeiro lugar, porque os homens não são livres para escolher tal ou qual modo de produção, pois cada nova geração, ao entrar na vida, encontra já um sistema estabelecido de forças produtivas e relações de produção, como fruto do trabalho das gerações anteriores, de maneira que se quer ter a possibilidade de produzir bens materiais, não tem, nos primeiros tempos, outro remédio senão aceitar o estado de coisas vigente no campo da produção e adaptar-se a ele.

Em segundo lugar, porque, quando aperfeiçoa este ou aquele instrumento de produção, este ou aquele elemento das forças produtivas, o homem não sabe, não compreende, nem lhe ocorre sequer pensar nisso, que consequências sociais sua inovação pode acarretar, mas pensa única e exclusivamente em seu interesse pessoal, em facilitar o seu trabalho e em obter algum proveito imediato e tangível para si.

Quando alguns individuos da sociedade comunista primitiva começaram a substituir, paulatinamente e tateando o terreno, as ferramentas de pedra pelas de ferro, ignoravam, naturalmente, e não lhes passava pela mente, quê consequências sociais havia de ter essa inovação, não sabiam e nem compreendiam que a passagem para as ferramentas metálicas significava uma mudança radical na produção, mudança que, no fim de contas, conduziria ao regime da escravidão; a única coisa que lhes interessava era facilitar o seu trabalho e conseguir um proveito imediato e sensível; sua atuação consciente não saía do estreito limite dessa vantagem tangível, de caráter pessoal.

Quando, no período do regime feudal, a jovem burguesia europeia começou a organizar, junto às pequenas oficinas gremiais dos artesãos, as grandes empresas manufatureiras, imprimindo com isso um avanço às forças produtivas da sociedade, não sabia, naturalmente, nem passava por sua mente, que consequências sociais essa inovação havia de acarretar; não sabia e nem compreendia que essa "pequena" inovação conduziria a uma reagrupação tal das forças sociais que necessariamente desembocaria na revolução, que iria ser dirigida tanto contra a realeza, cujas mercês tanto apreciava, como contra a nobreza, cuja condição social não poucos dos seus melhores representantes sonhavam escalar — a única coisa que a preocupava era baratear a produção de mercadorias, lançar uma maior quantidade de artigos nos mercados da Ásia e da América recém-descoberta e obter maiores lucros; sua atuação consciente não ia além do estreito limite dessa finalidade tangível.

Quando os capitalistas russos, juntamente com os capitalistas estrangeiros, começaram a estabelecer na Rússia, de um modo intensivo, a moderna grande indústria mecânica, deixando o tsarismo intacto e os camponeses entregues à voracidade das latifundiários, não sabiam, naturalmente, nem lhes passava pela mente, quê consequências sociais esse importante incremento das forças produtivas havia de acarretar: não sabiam e nem compreendiam que esse importante salto que se dava no campo das forças produtivas da sociedade conduziria a uma reagrupação tal das forças sociais que daria ao proletariado a possibilidade de se unir aos camponeses e de levar a cabo a revolução socialista vitoriosa; a única coisa que eles queriam era incrementar ao máximo a produção industrial, dominar o gigantesco mercado interno do país, converter-se em monopolistas e obter maiores lucros da economia nacional; a consciência com que realizavam aquele ato não ia além do horizonte empírico e estreito dos seus interesses pessoais.

A esse respeito, diz Marx:

"Na produção social de sua vida,[12] os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes(4) de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase do desenvolvimento de suas forças produtivas materiais". (Karl Marx, Obras Escolhidas, ed. cit., pag. 339).

Isso não significa, naturalmente, que as mudanças verificadas nas relações de produção e a passagem das velhas relações de produção para outras novas se dê suavemente sem conflitos e sem comoções. Ao contrário, essas transformações revestem geralmente a forma de uma derrocada revolucionária das velhas relações de produção para dar lugar à instauração de outras novas. Até chegar a um certo período, o desenvolvimento das forças produtivas e as mudanças que se operam no campo das relações de produção decorrem de um modo espontâneo, independentemente da vontade dos homens. Mas só até certo ponto, até o momento em que as forças produtivas que surgem e se desenvolvem conseguem amadurecer inteiramente. Uma vez que as novas forças produtivas estão amadurecidas, as relações de produção existentes e seus representantes, as classes dominantes, se convertem nesse obstáculo "insuperável" que só se pode eliminar por meio da ação consciente das novas classes, por meio da ação violenta dessas classes, por meio da revolução. Aqui se destaca com grande nitidez a enorme importância das novas idéias sociais, das novas instituições políticas, do novo Poder político, chamados a liquidar pela força as velhas relações de produção. Do conflito entre as novas forças produtivas e as velhas relações de produção, das novas exigências econômicas da sociedade surgem novas idéias sociais; essas novas idéias organizam e mobilizam as massas, as massas se fundem em um novo exército político, criam um novo Poder revolucionário e utilizam esse Poder para liquidar pela força o velho regime estabelecido no campo das relações de produção e referendar o regime novo. O processo espontâneo de desenvolvimento dá lugar à ação consciente do homem, o desenvolvimento pacífico à transformação violenta, a evolução à revolução.

"O proletariado — diz Marx — se vê obrigado a organizar-se como classe para lutar contra a burguesia... mediante a revolução se converte em classe dominante e, como classe dominante, destrói pela força as relações de produção vigentes." (Manifesto do Partido Comunista, ed. cit. pag. 37).

E em suas obras, noutros lugares:

"O proletariado valer-se-á do Poder político para ir despojando gradualmente a burguesia de todo o capital, de todos os instrumentos de produção, centralizando-os nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e procurando desenvolver, por todos os meios e com a maior rapidez possível, as forças produtivas." (Ob. cit. pag. 36). "A violência é a parteira de toda sociedade velha que leva em suas entranhas outra nova". (Karl Marx, O Capital, t. Ii, pag. 788).

Eis aí em que termos Marx formulava, com traços geniais, a essência do materialismo histórico no memorável prefácio escrito em 1859 para o seu famoso livro Contribuição à crítica da economia politica:

"Na produção social de sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase do desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a super-estrutura jurídica e política e a que correspondem determinadas formas de consciência social. O sistema de produção da vida material condiciona todo o processjo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência do homem que determina a sua existência, mas, ao contrário, sua existência social é que determina sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as condições de produção existentes ou, o que não é mais do que a expressão jurídica disto, com as relações de propriedade dentro das quais se têm movido até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações se convertem em seus entraves. E se abre assim uma época de revolução social. Ao mudar a base económica, transforma-se, mais ou menos lentamente, mais ou menos rapidamente, toda a imensa super-estrutura erigida sobre ela. Quando se estudam essas transformações, cumpre distinguir sempre entre as mudanças materiais operadas nas condições econômicas da produção e que podem ser apreciadas com a exatídão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas — ideológicas, em uma palavra — em que os homens adquirem consciência desse conflito e o combatem. E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não podemos julgar tampouco essas épocas de transformação por sua consciência, mas, ao contrário, deve-se explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Nenhuma formação social desaparece antes que se tenham desenvolvido todas as forças produtivas que comporta, e nunca aparecem novas e mais altas relações de produção antes que as condições materiais para a sua existência hajam amadurecido no seio da sociedade antiga. Por isso, a humanidade sempre propõe a si mesma unicamente os objetivos que pode alcançar, pois, bem olhadas as coisas, vemos sempre que esses objetivos se propõem apenas quando já existem ou, pelo menos, se estão gestando os condições materiais para a sua realização". (Karl Marx, Obras Escolhidas, t. I, pags. 338-339).

Tal é a concepção do materialismo marxista em sue aplicação à vida social, em sua aplicação à história da sociedade.

Tais são as características fundamentais do materialismo dialético e do materialismo histórico.

Notas

  1. Karl Marx: O capital, vol. I
  2. 2,0 2,1 2,2 2,3 Friedrich Engels: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã
  3. Friedrich Engels: Dialética da natureza
  4. 4,0 4,1 4,2 4,3 Friedrich Engels: Do socialismo utópico ao socialismo cientifico
  5. Friedrich Engels: Anti-Dühring
  6. 6,0 6,1 Vladimir Lenin: Cadernos filosóficos
  7. Vladimir Lenin, Obras escolhidas t. XIII, “Em torno do problema da dialética”
  8. Por "meios de trabalho" Marx entende, principalmente, instrumentos de produção. (J. Stalin).
  9. Karl Marx: O capital, vol. I
  10. Karl Marx: Miséria da filosofia
  11. Friedrich Engels: Prefácio da edição alemã de 1883 do Manifesto do partido comunista
  12. Isto é, na produção dos bens materiais necessários à vida dos homens. (J. Stalin)